15. Bispo

O corpo de Luigi foi tirado do apartamento debaixo de um pano branco, eu mal pude ver seu rosto por última vez quando o mesmo foi levado para dentro da ambulância e desapareceu, a oficial Antonela chegou perto de mim e me puxou para um canto, eu já sabia que tinha virado o suspeito número um e único possível para ela, mas eu precisava fazê-la acreditar que jamais faria tais coisas.

-Escute bem, desconfio como você conhecia Luigi, e sinceramente, já que estamos afundando nesse caso, só peço sinceridade - ela dizia, enquanto algumas pessoas começavam a parar para olhar a cena da perícia entrando no prédio. - Se não é você, quem poderia estar fazendo isso?

-Ele...

-Na tese, se matou. Seu corpo foi achado enforcado numa corda no banheiro, com uma carta para você - ela diz, tirando a carta do bolso e me mostrando, mas não me deu. - Quero acreditar, de verdade, que você não seria capaz disso.

Nego com a cabeça, a carta fez com que meu coração parasse, o que ele diria para mim? Ou talvez o assassino dele quem disse. Não conseguia chorar pois a ficha não tinha caído, perdi Luigi e Ramón para sempre, o que me faltava agora.

-Alguns dos seus amigos da boate estão sendo encaminhados para um reformatório que igualmente funciona como orfanato, é bem distante e isolado de todo esse tumulto que estão passando - Antonela pousa a mão no meu ombro. - Mas pedimos uma medida, e ganhamos, para que você continue morando sozinho enquanto não fechamos o caso.

-Que amigos?

-O Giovanni é maior de idade, irá responder igualmente sobre pedofilia, mas creio que não irá acontecer nada com ele, justamente por ser vítima...

-Ele é uma das maiores vítimas nisso tudo! Não tem porquê prende-lo...

-Foi o que eu disse Ângelo, se acalme - ela pede e me puxa um pouco mais para o beco distante dos outros policiais. - Acredito que quem está por traz disso tudo é Lorenzo Nero, amigo de Ramón e presidente da empresa a qual você fazia parte. Sendo assim, tome cuidado com ele, mas estamos checando cada parte dos seus movimentos desde então. O que quero dizer, é que ele pode ter outros homens com ele para fazer essas coisas. Está sendo uma investigação perigosa.

-Isso quer dizer que vão me deixar solto para ser a isca, é isso? Não posso ir para esse reformatório...

-Você pode, mas ajudaria muito mais ficando na sua mansão protegida por câmeras de segurança.

Assenti, não tinha como ficar rebatendo com ela, era inegável o fato de que Lorenzo viria até mim e a polícia estava me vigiando como em um reality show. Sendo assim, com a perda total da minha liberdade, era ansiar um passo em falso do empresário que mais perdia suas ações por dia. Segui em silêncio para a casa, não podia fazer nada em relação a carta e muito menos a Luigi, ao qual o peso do luto caiu pela noite, quando estava sozinho em uma mansão gigantesca que agora, todo o dinheiro desmontava pelas minhas costas me fazendo sufocar. O eco pelos corredores voltavam como agouros mórbidos para os meus ouvidos, e as sombras de Luigi e Ramón apareciam e desapareciam como fantasmas nas paredes.

Eu cheguei a sentir seu cheiro, a me arrepiar com seu falso toque e absorver o gosto de sua língua na minha. Chorei deitado no sofá, de onde eu mal conseguia levantar, e gritei para que meu grito voltasse e me atirasse contra meus pensamentos ruins, a angústia instaurada no íntimo do meu ego cresceu como um monstro insaciável, com os dedos esmagando cada esperança em um futuro melhor, eu estava desacreditado de mim e todos. Me sentia sozinho no mundo, se eu não tivesse Luma ainda por mim eu morreria.

Liguei para ela, e a mesma chegou por volta de duas horas depois, me consolou e escutou toda a história sobre Luigi, ao qual ela nem conhecia. O que podíamos fazer agora, desempregados e procurando qualquer bico por esse país que não nos trate como antigos prostitutos, estávamos marcados por uma eternidade, com o sol italiano se formando nosso próprio inferno. Onde sofremos expurgo na Sicília, difamação em Florença e julgamento pelas ruas romanas. O peso das críticas chegavam aos nossos ouvidos.

E era pior ser prostituto do que quem consumia a prostituição. Os pais de família, os cidadãos justos, as esposas grávidas, os adolescentes reprimidos, os padres e pastores, as donas de casa e confeiteiras, os héteros e os lgbts, do empregado ao chefe, todo tipo de gente pisava na porra do Medusa, e quem tinha a cabeça lançada a prêmio era quem os fazia gozar em menos de trinta minutos. Pois, por mais que você seja o líder religioso mais famoso do mundo, quem entrava na sua cabeça e o fazia cometer tais pecados eram os garotos de programa, com o veneno que persuadia o mais fiel dos homens e a mais devota das mulheres.

Luma me contou algo novo até, ela começava a acreditar que a vinda de sua família para Milão não foi pura coincidência, e sim tinha algo por trás, como se alguém estivesse tentando me desestabilizar. Fazia sentido, e também não. Naquela época nada tinha acontecido ainda, e igualmente, poderiam estar arquitetando o plano contra Ramón e a Açúcar. Ela disse temer pela minha vida, e eu disse para que ela tomasse cuidado com a dela, após alguns minutos de lamúria, fizemos amor.

Um amor não tão quente, mais zeloso. Com toques sutis nos peitos redondos, apertos mais leves pelas pernas grossas e beijo delicado na descida do seu corpo. Era um acalanto, para o que sabíamos fazer de melhor. Mas eu não pude, ao ver um machucado em sua perna.

-O que é isso? - indago.

Ela afasta.

-Foi do incidente com minha família - ela diz e abaixa a blusa com vergonha.

Mas aquilo parecia muito estranho, como se estivesse ralado recentemente, não tinha visto no dia que fui vê-la no hospital, mas não queria questionar sobre Luma e sua vida de prostituta de rua. Ignorei e sentei no sofá ao seu lado, pois o clima tinha passado de repente. Liguei a televisão no noticiário, e o que preenchia a tela era novamente sobre o caso de Ramón, e os babys menor de idade sendo levados para o reformatório naquela tarde. Foi quando vi o rosto de Juan ao lado das milhares de crianças e adolescentes que desembarcavam do ônibus e iam para o centro juvenil.

Juan.

Que esteve tão quieto durante tudo isso. Agora estava preso, mesmo que indiretamente, caso fosse ele, seu crime já estava sendo pago. O momento foi televisionado e creio que todo cidadão italiano, e até mesmo estrangeiro, estava vendo a chegada deles para o lugar, que agora ficaria marcado para sempre com esse acontecido. Desliguei e deitei no sofá.

-Vai tudo ficar bem, Ângelo - diz Luma me acalentando. - Tudo vai ficar bem...

***

Quando amanheceu, ela saiu pela porta me dando um selinho e entrando no carro que tinha pedido, me tranquei sozinho novamente, me virando para aquele espaço imenso. Durante todas as horas passadas, eu atualizei a minha lista de suspeito, e uma pessoa não tinha me dado as outras informações sobre o ocorrido. Lucca.

Liguei para ele e seu número não atendia, então disquei para Giovanni, na esperança de estarem juntos ou do mesmo ter ciência do paradeiro do melhor amigo. Mas Giovanni não estava com ele e nem ao menos sabia onde ele estava, apenas mencionou o fato de seu interrogatório marcado para essa tarde e na sua possível prisão, enquanto todos os prostitutos continuavam comendo e dormindo bem no instituto proporcionado pelo governo, o lar mascarado de reformatório. Ele estava enfurecido, possesso e um pouco triste, ninguém nos garantiu um futuro melhor sem a administração da Medusa ou até mesmo da Açúcar, e eu evitei dizer que tinha avisado.

Agora, todos nos viam como porcos mercenários sedentos por fama. O que antigamente não era mentira, mas agora, era claro em como o amadurecimento sexual não se comparava ao amadurecimento pessoal. Tínhamos congelado no tempo e ainda parecíamos crianças, que tiveram sua infância e adolescência roubada em sexos forçados que lucrávamos pouco. Giovanni ainda frisou que algo estranho estava acontecendo, todo mundo ao seu redor estava ficando incomunicável. Não mencionei Luigi e Lucca, iria ficar mais estranho. Desligamos após chegar o horário da sua participação com o caso.

Antonela me discou enquanto eu retirava o rosto de Luigi dos possíveis assassinos, ela me atualizou uma entrevista com Madalena, Pietro e os seguranças da Medusa, o que me fez ficar aflito após horas. Com as peças finalmente tendo noção das jogadas, qual estratégia usamos para escapar ileso do jogo? Eu estava sendo o foco de todos os lados, o que me ajudava a não ser ferido em momento algum, isso deixaria claro o movimento.

Era bem nítido o que Ramón quis dizer, eu tinha a mira apontada para minha testa esperando o clique de qualquer um. Seja dos bons ou dos ruins, eu era o meio termo na guerra, aquele que se morrer, ajuda ambos os lados. A polícia possivelmente conseguiria ter noção caso isso aconteça, e o assassino possivelmente pararia de ser interceptado com mais acusações minhas. Ele tirou Luigi de mim para me deixar ainda mais sozinho, e com mais medo. Só funcionou mesmo quando recebi uma ligação, de um número desconhecido.

"Acredito que, diante de todos os acontecidos, precisamos conversar mais do que nunca para estabelecer o que está acontecendo aqui" era a voz fria e grossa de Lorenzo, minha boca secou no mesmo segundo e sentei um pouco tonto na cama. "Se disser para alguém sobre essa ligação, coisas ruins de verdade irão acontecer. Me encontre no museu, você sabe qual. Ás duas horas dessa madrugada, pela entrada dos fundos".

Desligou, e eu não sabia o que fazer. Eram oito horas da noite e eu pensava se comunicava a polícia ou não, mas não fiz isso, me arrumei vestindo uma roupa confortável e um tênis de corrida, coloquei a pistola dentro da calça e saí quando a hora chegou, o frio batia contra a minha pele num vento feroz, que talvez me anunciasse coisas que viriam em seguida. Saí sem a certeza de um retorno, mas era agora ou nunca, ou ele ou eu. O que quer que Lorenzo me diga agora, irá definir o rumo das investigações para saber quem era o assassino, e se eu morresse, tudo daria um fim.

Não tinha mais medo da morte e nem mesmo de matar.

O museu começava a parecer gigantesco pela janela do carro, o motorista me deixou e seguiu para outro cliente, desci e caminhei para a lateral, a porta estava aberta e um corredor escuro se seguia até a sala que eu já tinha estado há um tempo. Lorenzo fumava um charuto sentado numa cadeira de frente para uma mesa. Me acomodei na cadeira a sua frente sem nada a dizer, o eco do museu sendo a sinfonia do fim que aquela conversa estava sendo. Ele tirou a arma do coldre e eu tirei a minha, Lorenzo posicionou em cima da mesa e eu fiz igual.

-Podemos começar agora - ele diz, com um sorriso amarelo. - Você precisa saber quem verdadeiramente está por trás disso tudo.

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