10. Escultura

Ramón nada me disse enquanto avançava as ruas com velocidade, mesmo que respeitando os sinais, o carro arrancava assim que reluzia a luz indicando para partirmos. Não argumentei, não perguntei, só fiquei em silêncio com a mão segurando a porta ao lado. Quando chegamos na minha rua ele apenas olhou para o meu rosto e desci. Disse que nos veríamos mais tarde e saiu em disparada.

Foi agonizante. Não sabia se ele estava fingindo, se tinha toda a noção do que fiz, na verdade do que não fiz por ele. O salvei da polícia deixando apenas Lorenzo se foder. Deveria me dar uma salva de palmas.

Mas aquela tarde conseguiu ficar pior em segundos, assim que entrei em casa liguei meu celular e vi quinze ligações perdidas de Luma, me arrumei na mesma hora quando atendi o telefone mais uma vez e ela me disse onde estava.

Tudo acontecia de forma muito rápida, e de maneira muito confusa que eu mal podia assimilar. Enquanto ela pedia desesperadamente para que eu aparecesse, e o motorista seguia devagar pelas ruas, meu coração batia tão rápido que eu podia sentir por todo o corpo. Saí aos tropeços do carro e só consegui respirar dentro do elevador, a caminho do quarto.

O que ela falaria? Que eu desapareci quando ela precisou tanto? Ou contaria toda a história que aconteceu com a necessidade de me corroer por dentro, sem cobranças, apenas o remorso mastigando meu estômago e apunhalando a consciência.

Caminhei lentamente para uma enfermeira, que me indicou outra que por fim me indicou um balcão. Me apresentei como namorado e esperei. Amigos não entram, ainda mais se a situação de Luma for um caso para ser averiguado.
Quando a enfermeira voltou, de óculos com lentes grossas e um cabelo cortado até os ombros, me conduziu até o quarto de Luma, que eu sentia que meus pés marchavam para um grande esporro e susto.

-Vou deixá-los a sós, mas a senhora pode apertar o controle que irei vir imediatamente - a enfermeira diz me olhando quando me dá espaço o suficiente para passar pela porta.

O rosto de Luma estava bastante cortado e tinha o olho esquerdo roxo, sua linda boca rosada estava com um curativo pequeno na lateral, e um gesso no braço denunciava que tinha quebrado. Me aproximei aos poucos, a mesma continuava olhando para frente, onde sua tala no pescoço permitia. Pousei minha mão no seu pé e vi a lágrima escorrer do seu rosto.

Me sentia como um monstro, ou pior, um estranho. Como se a tivesse desconhecido por horas, e tido uma vida completamente diferente, com pessoas diferentes, mas as mesmas ambições... Luma sabia de minhas vontades, mas em todas ela estava junta. Não dessa vez.

A conversa iniciou com as habituais perguntas: "Onde você esteve?", "Estava com quem?" e "Por que me deixou sozinha?". Seguiu um choro de alívio e raiva, por eu estar enfim ali e por umas horas eu não ter estado. Pedi desculpas, não tinha mais o que fazer. E introduzi perguntas para mudarmos o assunto do punimento. Habituais igualmente: "O que aconteceu?", "Quem fez isso com você?" e "Você está bem?".

-Minha família me achou... Eles não tinham vindo me visitar, queriam saber como eu ganho dinheiro - ela olhava para os pés, envergonhada. - Aí, meu primo mais velho me seguiu. E esperou meu turno acabar para fazer isso aqui comigo - ela aponta para o corpo todo. - E pisou em cima do meu braço, disse que queria ver eu rodar em um pole dance agora.

Engoli em seco. Foi o que fiz com Giovanni, mas por motivos diferentes.

-O que faremos agora? - indago.

-Como assim?

-Eles precisam pagar.

Luma me encara incrédula. - Você por acaso é idiota? Eles são minha família. Já voltaram pra casa. Não existe nada a ser pago quando não se tem dinheiro pra nada.

-Está tentando dar motivos para eles terem agido assim.

-É porque exite motivos.

-Mas isso é errado...

-A vida não é justa Ângelo - ela corta. - Você virou garoto de programa porque quis ou pelo dinheiro? Você gosta de sentir o cheiro de suor de três dias desses caminhoneiros suados? Você gosta como eles te penetram e voltam escondido para suas esposas e filhos? Ou você está aqui pelo alto índice de doenças sexualmente transmissíveis no meio da prostituição?

Fico em silêncio, as veias de Luma saltavam. Ela reencosta no travesseiro e retira a tala do pescoço, levanta com dificuldade da cama e revela um maço de cigarro escondido entre as almofadas, abre a janela e começamos a fumar juntos, olhando a gigantesca Itália clareada pelo sol fervente lá de cima. O mundo continuava igual, cheio de segredos...

-Preciso te contar uma coisa - digo, enfim.

Conversamos sobre tudo o que aconteceu na festa da Açúcar e Luma parecia vitoriosa ao escutar os detalhes, adicionando sua opinião sobre ter me avisado que era um esquema de maníaco, perigoso e nojento. Que eu fiz o certo de me livrar do plano de Juan e Giovanni e que deveria continuar no Medusa como tudo sempre foi, ainda iria aparecer minha chance de ficar rico...

O discurso dela foi cortado quando mostrei as chaves da minha nova mansão. Luma ficou boquiaberta e sentou na cama novamente. Era aquela casa que foi o motivo principal dela ter recuado em ser contra a Açúcar.
Fiz ela acreditar nisso, pois Ramón também era um grande motivador na decisão, mas eu não poderia falar que comecei a sentir afeto por ele.

Luma não disse nada, mas aconselhou que eu resolvesse logo o que queria. Não disse nada que estava pensando. Que eu deveria sair disso tudo, e que aquilo iria vazar para a imprensa mais cedo ou mais tarde, e meu rosto estamparia os jornais por toda a Milão e até o mundo.

Mais cedo ou mais tarde, essa teoria estaria bem correta.

O resto do nosso dia foi conversando sobre nossas coisas, demos risadas e me despedi dizendo que iria para casa, ainda me perguntava no fundo quem estava pagando aquele hospital particular apenas para um repouso de um braço quebrado, mas não quis me meter na vida dela, assim ela não faria o mesmo.

***

A noite chegou leve e delicada como quem se deita em plumas, a luz da lua alisando meu corpo enquanto os dedos de Luigi percorriam meu abdômen. Não conversamos muito, e nem pretendíamos fazer sexo, mas a sensação do toque nos deixava imerso em pura adrenalina e calmaria, algo inexplicável. Eu acariciava suas tranças curtas, passeava pelos seus lábios e contornava as tatuagens de gangue. Não disse para ele que sua vida estava em perigo por minha causa. Que Lucca sabia algo sobre Luigi e eu estava na palma de suas mãos. Se eu contasse ele provavelmente mataria Lucca, e isso eu prefiro deixar para depois.

Levantei nu e abri a cortina da casa dele, dando abertura para a sacada. Luigi veio logo em seguida, disse que estava preocupado comigo, que ele podia sumir por aí, pois sabia se virar, já eu... Inocente. "Anjo". Era como ele me chamava e me via.

Nada disse, assenti em silêncio como um cachorro obedece seu dono. Nós dois sabemos que aquele jogo era perdido. Que eu não iria sair sem ganhar, e ele nunca iria parar de caçar quem ganha dele.

Sendo assim, como um pacto, ele me contou mais sobre as ruas, sobre os passes e vendas, sobre os novos "analgésicos" entorpecidos, em como os charutos traficavam de maneira eficaz e toda a sua briga de gangue em um bar.

Em troca, devolvi informações sobre minha vida. Que eu tinha me demitido do Medusa sem nem aviso prévio, que eu estava sendo sugar baby e que isso começava a me alavancar. Evitei contar da casa.

-Posso saber com quem é? - ele indaga assoprando o cigarro na minha cara, mas o celular toca me salvando a tempo do que seria uma conversa cheia de desculpas e mentiras. - Tudo bem, o dever te chama. Mas lembre...

Luigi me da um beijo demorado puxando meu lábio inferior por uns segundos.

-Ainda é meu.

***

A lamborghini roxa estava parada diante mim, Ramón fumava seu charuto venezuelano vestindo seu terno preto. Me olhou de canto de olho enquanto deixava a fumaça escapar da boca, lambeu os lábios quando me viu e abriu a porta sem dizer nada, abaixei e entrei. O carro estava com a luz neon azul e tocava uma música lenta de jazz, deixando tudo, como sempre, misterioso.
Ramón deu a volta no carro e entrou, jogou o charuto fora e sentou ao meu lado. Colocou a mão na minha perna e me deu um sorriso. Sentia meu corpo ganhar vida a cada toque que ele transmitia, e conseguia ficar duro com apenas um sorriso.

Novamente, acelerou o carro, mas dessa vez, com felicidade.

Se tornou um costume não perguntar onde iríamos, deixava me levar sentindo a urgência do momento eclodir no meu coração. Mal dava para respirar em cada curva, onde eu poderia morrer, mas onde me sentia mais vivo que nunca. Dessa vez, não fomos tão longe, eram duas da manhã, a cidade estava mergulhando no vazio pouco a pouco, com apenas seus gatos pingados pelas praças.

Estacionou de frente para o museu que ja havia fechado, saímos juntos.

Ramón me emprestou seu terno e caminhamos em silêncio, ele carregando uma mala preta e andando um pouco mais a frente. A praça do museu estava vazia, pombos voavam e o mármore branco do chão reluzia nos nossos rostos. Quando chegou a porta, destrancou como se estivesse em casa e entramos em um dos maiores museus italianos.

La Muse.

Ramón seguia na frente com toda sua coragem, o lugar ficava mais escuro quando passamos pela catraca, e eu começava a cogitar a ideia de que seria assim que eu morreria. Aquela atitude não condizia para alguém que viu o amigo ser preso. Ele sabia que eu era o delator. Sabia e iria me matar, longe de todos... Mas ainda assim, no museu?

De repente, perco Ramón de vista e me encontro numa penumbra com apenas pontos de luzes distantes. Dava para ver quadros em borrões, esculturas escuras e corredores gigantescos.

-Ramón? - chamo, desesperado. - Ramón, está me deixando com medo.

As luzes acendem, revelando tudo a minha volta como um espetáculo. Esculturas históricas, quadros de Caravaggio, Rafael, Botticelli...
As luzes amareladas pendiam de gigantescos lustres dourados decorados com pedras preciosas, me dando a clareza de poder enxergar desde o piso brilhante em mármore gelo, até as runas desenhadas pelas enormes paredes a minha volta loteadas de quadros que eram o quádruplo da minha altura.

-Surpreso? - ele diz atrás de mim.

Não me assusto, apenas afirmo. Ramón coloca a mão no meu pescoço e me encaminha para perto de uma escultura de mármore, uma mulher coberta de véu, devota da sensualidade. Não tinha nome algum e não entendia o porquê de admirar aquela escultura.

Ramón colocou a mão no meu pescoço novamente e me fez virar pra ele, puxando minha blusa com violência e rasgando os botões que voam por toda parte, ele abre meu zíper e deixa minha calça cair, eu já estava excitado apenas com a ideia de que aquele seria nosso primeiro sexo.

Me colocou de costas e pressionou meu corpo contra a escultura, posicionei as mãos na mulher com véu e senti pela primeira vez Ramón penetrar com calor em mim, mordi a boca para me conter e ele foi mais forte. Com força e com desejo, com vontade reprimida durante tempos. Ele mordia meu pescoço e puxava meu cabelo para trás, seus tapas ecoavam por todo o pátio, e eu senti que podia gritar.

Eu sentia seu pêlo, suas veias, seu suor, suas unhas arranhando minhas costas... A sua voz grossa me chamava para mais perto, me convidava para que eu continuasse gemendo, quase me implorava para aguentar até o fim. Por minha vez, eu desejava mais do que tudo que meus gemidos chegassem à sua mente e refizesse seus sentidos, que o mostrasse que aquele era o melhor sexo das nossas vidas, que eu poderia sentir seu pênis pela eternidade.

Me virei e comecei a beija-lo, rasguei sua camisa e joguei longe, mas não durou tanto tempo para que eu fosse dominado novamente. Ramón me enforcou e me levou até o chão, me deitando de frente para o teto decorado acima de nós, ele ergueu minhas pernas e voltou a me pressionar ferozmente, segurando minha corrente que indicava que eu era completamente dele.

Todo seu pêlo grisalho deslizava pelo meu corpo liso, todos seus tapas no meu rosto os deixava vermelhos como moragos recém colhidos. Os quadros nos observavam e naquele momento éramos as artes e os artistas. No mais lindo sexo que os olhos humanos já puderam testemunhar.

Ramón me puxou para junto de si e se sentou, me colocando em cima para que eu pudesse fazer um pouco do trabalho, nos beijamos entre o gosto de charuto de chocolate e chiclete de menta, a combinação perfeita para confundir meus pensamentos.

Da maleta, Ramón pegou uma corda e me amarrou na escultura da mulher, me deixando de frente para ele, com meus braços abertos na gigantesca pedra quadrada com a mulher acima. Ele começou beijando minha bochecha, depois meu pescoço e por fim se rendeu a ajoelhar. Eu estava com Ramón Carrera ajoelhado para mim, com meu pênis na boca até sair todo o meu néctar.

Me contorci e gemi novamente, podia escutar minha voz entrando por outros corredores e marcando as artes para sempre. Não demorou muito para que eu chegasse ao meu ápice, ele levantou, me soltou e segurou meu rosto.

-Baby boy... - disse. - Você é meu baby boy.

Fizemos mais sexo durante três horas seguidas. E dormimos em cima do mármore gigante que sustentava a escultura da mulher com o véu. Foi um bom momento, um dos últimos.

Pois dentro de algumas horas, Ramón Carrera iria morrer misteriosamente. E o assassino começava agora mesmo a planejar seu plano mais cruel.

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