1. Cocaína


Eu estava viciado no poder e completamente chapado de cocaína. 

Que merda! 

Era a combinação que eu menos precisava para conseguir fugir disso tudo. Enquanto eu girava igual um bambolê no pole dance, as luzes entravam nos meus olhos quase me cegando e o cheiro de fumaça me fazia querer tossir. Mas ali estava eu. Com os olhos vidrados nos dinheiros que caíam como uma chuva. Aquilo sim era um estímulo pra que eu girasse mais, e mais e mais... Até que minhas pernas doessem no ferro ou minhas mãos não pudessem aguentar segurar.

Quando eu descia, olhava para a cara daqueles porcos, que fumavam charutos venezuelanos e jogavam toda sua pequena economia para gastar no bordel. Vestiam os ternos que suas esposas passaram, usavam o perfume que suas esposas compraram e tinham o pênis tão ereto do jeito que suas esposas não deixavam. Mas, afinal, quem sou eu para julgar?

Segurei uma nota com a boca e a guardei na cueca, a droga estava me deixando mais animado, mas a tontura não passava. E eu podia ver dois de cada um deles, desejando que eu chegasse mais perto para que enfim estivesse no colo ou no carro de alguém. Óbvio que eu rezava para ser escolhido, e obviamente eu queria que fosse quem tivesse a carteira mais recheada.

Desci do palco, me aproximei da bancada e puxei a gravata de um deles, seus amigos riram. Ele se aproximou com um biquinho e eu o beijei... na bochecha. Sorri e voltei para o palco. Andei para trás da cortina, me virei, e tirei minha cueca dourada. Eles começaram a gritar e rir ainda mais alto só por ver minha bunda, e então me virei... E todos eles pareciam me comer com os olhos. As cortinas se fecharam e eu caí.

Desmaiei no chão assim que o último feixe de luz colorida sumiu do meu olho. Meus olhos continuaram abertos, olhando o nada na minha frente, até que eu fui levantado por algum segurança. Ele tinha braços largos, tatuagem e um cheiro de naftalina que me fazia enjoar. Me colocou numa cadeira e saiu da sala, não era comum aquilo acontecer... eu costumava a desmaiar antes da apresentação.

Quis me drogar ainda mais, para que a sensação do enjôo passasse e eu enfim desmaiasse ali mesmo, mas não tinha forças para andar.

-Ângelo! - gritou alguém, sua voz estava bem longe, mas eu conseguia ver sua perna. - Ângelo, por Deus! Está bem?

Tentei mover a cabeça em afirmativa.

-O que você usou? - a pessoa segura meu rosto, revelando o cabelo vermelho fogo, os lábios carnudos com gloss e o delineado de gato. Era Luma, e estava linda como sempre. - Sintético?

-Calma - digo, segurando a mão dela. - Me dá água.

Luma solta minha cabeça na mesma precisão que a segurou, escuto seus saltos baterem pela pequena sala que estávamos, ela volta com o copo me fazendo engolir forçadamente. Dá uns tapinhas no meu rosto e recupero a visão.

-Merda... - resmungo.

-O que aconteceu?

-Coca...

Ela bufa e senta do meu lado. - Se Madalena visse...

-Mas ela não viu, está tudo bem - digo, não queria discutir. - Consegui algum cliente?

-Como vou saber?! Díos! Acaba de cair quase morto no palco e quer... saber de um cliente?

Obviamente eu queria saber se eu tinha um cliente, era dinheiro, porra. Mas, infelizmente, Luma tinha razão. Se Madalena tivesse visto mais um dos meus apagões ela iria me demitir, ainda mais quando eu sou novo e existe outros profissionais mais qualificados.

-Olha... Estamos na melhor boate de toda Itália, Madalena é a melhor cafetina do ramo aqui... Se pensa em sair, faça logo, mas não se afunde em drogas para aguentar essa pressão toda - ela diz sentada ao meu lado enxugando minha lágrima e retirando a pinta falsa do meu rosto. - Você é un bellisimo giovane.

Ela sorri. Sei o que ela quer dizer, que pela minha aparência e minha idade eu poderia conquistar coisas melhores. Mas não do jeito rápido. Luma não entendia pois estava aqui para ganhar essa boate, como se fosse o seu mundo, e eu queria ganhar Itália inteira, e depois sim, o mundo todo. Quando levantei do sofá, eu não tinha percepção nenhuma de como chegaria ao meu futuro. E nem ao menos imaginava que ele estava há poucos metros de distância.

Saí da sala e entrei no chuveiro do meu camarim, chorei e gritei enquanto a água descia pelo meu rosto. Eu não podia deixar isso tudo acontecer mais, estava passando muito rápido e eu tinha mais contas para pagar do que comida para comer. Respirei fundo, saí do banho e me vesti. Precisava mudar meu estado atual.

A droga não tinha se esvaído totalmente, eu saí pela porta que dava para a boate, a música ainda estava baixa em meus ouvidos, mesmo que eu visse diversas pessoas dançando, bebendo, fumando, transando em pequenos compartimentos... Acendi um cigarro e traguei, me deixou ainda mais lento. 

Bom, eu sei que estamos aqui justamente por uma coisa, que você esta lendo esperando quando o herói vai vir me salvar. E ele estava vestindo um terno de camurça roxo, com olhos azuis mirando o martíni, anéis de ouro e um cabelo grisalho com gel para trás. Ele fumava igual a mim, ele estava deslocado igual a mim, e acima de tudo, ele tinha o perfume igual o meu. Me sentei ao seu lado no bar, ele notou minha presença, mas não olhou em minha direção, continuava a admirar seu copo.

Pedi o mesmo, só para que ele notasse que eu tenho estava ali. E, por incrível que pareça, serviu, e muito...

-Ciao, bello...

Ele diz, com uma voz grossa que me deixara arrepiado. Era o melhor "olá" que já ouvi em anos, era grosso, decidido e atraente. Me virei no banco, e tentei ao máximo parecer sedutor, mas não serviu. Era Ramón Carrera, um dos empresários mais famosos da Itália. Impossível acontecer qualquer coisa, ele era casado e com uma mulher. Não era?

-Sinto muito - digo, me levantando.

-Espera, onde vai? - ele pergunta, segurando meu braço, as tatuagens escapando pela manga do terno. - Fiz alguma coisa?

-Na verdade, eu que fiz - digo, tragando novamente. - Achei que fosse um possível cliente.

Ele começa a rir, debochando da minha estupidez. Coloca o cigarro na boca e me olha de cima a baixo, lambe os lábios e se levanta.

-Vem comigo - ele diz.

E eu fui, apagando o cigarro em cima da mesa. 

Atravessamos todo o salão, desviando de algumas notas, de algumas calcinhas, de algumas cuecas. Ele saiu pela porta lateral onde dava para um beco escuro e onde tinha uma Lamborghini preta estacionada, pela sigla R dourada na roda, era dele. Se virou para mim e disse.

-Quer dar uma volta?

Engoli em seco, não sabia o que aquilo significava, se era uma pegadinha, se ele iria me levar para a polícia ou qualquer coisa ruim assim.

-Está com medo? - indaga e sorri. Se aproxima de mim o suficiente para o perfume impregnar meu nariz e preencher todo meu corpo, seu hálito de menta igualmente começa a fazer parte da minha boca. - E agora, está com medo?

Não sabia o que fazer, se ele iria me bater, se iria me humilhar ou os dois. Fiquei parado, com a mão no canivete que eu guardava no bolso, não desviei os olhos, não demonstrei medo nenhum...

E então ele me beijou, demoradamente, a sua saliva se encontrando com a minha, o seu perfume se agarrando na minha roupa, a sua mão grande segurando meu pescoço. E então parou, de repente, sorriu e apertou a chave do carro.

-Vamos dar uma volta - repetiu, e entrou no carro.

Naquela época eu não podia imaginar que tudo poderia dar tão errado, eu só vi uma chance de um escândalo, ou uma chance de conseguir sair da miséria, ou uma diversão com o cliente mais rico que eu já conseguira. Naquela época eu era muito inocente, em todos os sentidos. Enquanto eu entrava na Lamborghini preta de Ramón, não passou pela minha cabeça que eu estava entrando em um submundo de homens poderosos o suficiente para acabar com a vida de quem quisesse. Eu fechei a porta e ele acelerou pela rua, colocando uma música eletrônica tão alta que o efeito da cocaína tinha sumido de uma vez.

Como eu poderia saber? Que as festas, as drogas, o sexo, o dinheiro e o poder iria vir tão rápido? Que minha idade não iria fazer diferença nenhuma no meio dos lugares que frequentei? Como eu iria saber que Ramón seria o amor da minha vida, e que morreria sem explicação?


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