CAPÍTULO 9 - KING JIN
Antes de desligar, Chin-Sun contou como Jin faltou a um jantar importante e tinha o celular desligado, ato incomum. Vinha movendo céus e terra para encontrá-lo e tinha medo que se ele suspeitasse da conversa entre as duas, fugisse de novo.
Babi ficou oficialmente preocupada. Tanto trabalho para organizar aquela performance... ninguém merecia um dorama* coreano na véspera. Olhou para Jin, gargalhando entretido com Tommy.
— O que aconteceu? — a brasileira perguntou, diminuindo a voz para falar ao telefone.
— Desculpa, Babi, mas não tenho autorização para falar.
— Chin-Sun, você tem noção do que tá pedindo? — fez uma pausa — Você quer que eu seja sua espiã sem ao menos saber o motivo?
— É um pedido difícil, eu sei, mas você será recompensada. — concluiu.
Babi suspirou. Recompensa, hein? A única coisa que queria era comer em paz e ir para casa. Mas já era tarde, estava envolvida até o pescoço e era capaz de nem conseguir dormir se o deixasse solto por aí, correndo o risco de não aparecer no dia seguinte. Nem pensar! Estava decidido, ela só saía de perto do idol quando este fosse para o hotel.
Voltou para dentro e se deparou com Jin e Tio King saindo animados da cozinha com alguns utensílios e ingredientes. Jin vestia um avental e se preparava para cortar o grande espeto com carne que girava no fundo da cozinha.
— O que você tá fazendo? — Babi perguntou encostando-se no balcão.
— O jantar, dã-an! — respondeu, apontando para a grelha vertical e puxando o boné para trás com um olhar determinado.
— Por quê? — ela perguntou em um fio de voz, percebendo que a sua desejada refeição rápida não aconteceria tão cedo.
— O nosso convidado aqui disse que tudo no menu tem pouca carne para o seu gosto. — Tio King explicou batendo de leve no ombro de Jin. — Então perguntei se ele conseguia fazer melhor e ele afirmou que sim. Com muita certeza, por sinal.
— Nós vamos ser os jurados. — Tommy abraçou-a animado.
— Vai se chamar King Jin! — o idol exclamou parecendo muito orgulhoso da sua obra ainda não executada. — Combina com o criador, não acha?
Ela riu incrédula da cara de pau do coreano e a boa vontade do turco.
Os kebabs cresceram muito, não dando para enrolar no wrap. Jin fez cestinhas com a massa, misturou uns quantos molhos adicionando especiarias. Um toque disto, outro daquilo, Babi já nem identificava o que era o quê do menu que conhecia tão bem, mas salivava com o cheiro.
Antes do toque final, Tio King trouxe uma garrafa de rakı *. Babi gostava do licor, mas preferia ir com calma. Tommy serviu os copos e Jin virou um rápido apreciador da bebida. Rápido mesmo, entornando um atrás do outro.
— Voilà! — Jin finalizou o prato com folhas do hortelã, originalmente utilizadas para a limonada. Estendeu o copo para brindar com Babi e virou o último gole de rakı fazendo uma careta.
Tio King e Jin abraçaram-se com os respectivos aventais diante do majestoso King Jin diante de Tommy em uma pose "para a posteridade".
— Você vai fazer uma fortuna. — Jin declarou confiante.
— Calma aí, a gente ainda nem provou! — Tommy protestou. — Nós somos grandes conhecedores da culinária turca, sabe? Estamos aqui todas as semanas. Se não tiver o nosso selo, o King Jin não vai passar de um Jin Ralé.
Não demorou para Tommy mudar de tom, aprovando o prato de primeira. Babi se deliciou, mas não aguentou, aquilo dava para umas três refeições dela. Sem se fazer de rogado, Jin começou a dar garfadas no seu prato.
— Para com isso! — ela disse dando um tapa na mão dele.
— Você vai comer tudo? — perguntou sacudindo a mão.
— Provavelmente não.
— Então, por que não? — ele refilou voltando a atacar o prato dela.
Tão naturalmente quanto, os dois rapazes começaram a competir quem aguentava mais pimenta. As orelhas de Jin ficaram incrivelmente vermelhas e Tommy lacrimejou como se assistisse Os Miseráveis.
Para Babi, a cena toda era miserável. No entanto, o orgulho falava mais alto e nenhum dos dois quis admitir a derrota. Quando Jin encarou Tommy pela enésima vez com os olhos arregalados e sem piscar em claro desafio, adicionando mais pimenta ao prato, o britânico desistiu.
O idol saltou de alegria dando voltas ao redor da mesa e finalizou a comemoração virando outro copo de rakı . Ao sentar, tudo rodou. Encarou Babi por alguns instantes antes de encostar a cabeça em seu ombro, zonzo. Agora mais essa, ela pensou.
Enquanto ela pedia ajuda em vão para os amigos que se divertiam com a situação, o telefone de Tommy tocou. O amor chamava, como ele costumava dizer. Mas antes de ir, ainda tirou uma foto de Jin recostado ao ombro dela.
— Nem pense em postar isso, ou qualquer uma das outras que você tirou, pra ser mais exata. — a produtora foi taxativa.
Babi olhou para Jin de lado, avaliando a situação do chef da noite. Por um instante esqueceu de respirar ao constatar o óbvio, ele era belíssimo. Não imaginava alguma vez vê-lo assim tão de perto e se perdeu observando-o, se retendo nos lábios carnudos entreabertos ao respirar pesado.
Voltou à realidade com o clique da máquina fotográfica. Ele dormia feito um anjinho, sem sinais de possíveis ânsias de vômito. Estava no estado perfeito para ser enfiado em um Uber em direção ao hotel. Babi sorriu com a possibilidade.
A batida da porta com a saída de Tommy, acordou-o. Grogue, encarou-a com uma expressão carregada, muito diferente da bagunceira de antes.
— Passarinho, por que as coisas têm que ser assim?
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Dormir não foi uma opção naquela noite. Muitas coisas passavam pela sua cabeça. Após algum tempo rolando de um lado para o outro, desistiu de ficar deitada e andou pelo quarto de hotel, se esforçando ao máximo para não perturbar o sono tranquilo de Sora.
— Você não dormiu? — Sora se deparou com Bárbara olhando pela janela ao acordar.
— Um pouco. — mentiu.
A figurinista teria uma conversa online bem cedo. Babi aproveitou para sair. Estava cansada de olhar para as paredes do quarto e, desse jeito, deixava Sora à vontade. Apanhou os tênis e foi correr.
Fazia frio, mas o sol começava a despontar no horizonte, não demoraria a se sentir aquecida. Dali a algumas horas deixaria Berlim. Gostou de ter este tempo para mais uma volta pelas ruas e parques cobertos de folhas secas. O outono combinava com a cidade.
Voltou a pensar sobre aquela noite em Londres. Os dois saíram do Kebab King com Jin ao menos dominando as próprias pernas. O idol se despediu de Tio King com um abraço e o aviso que o novo prato faria sucesso, era só confiar nele, o Jin entendia das coisas.
Para Babi, quando um bêbado falava de si na terceira pessoa era hora de se recolher, mas Jin tinha outros planos. Parecia mais acelerado com o álcool. Apesar da fala enrolada, não parava quieto puxando conversa com quem passasse na rua.
Depois de declarar que não entraria no Uber, desafiou-a para uma corrida, mas desistiu depois de três passos tortos. Cantou clássicos coreanos e quis porque quis andar em uma bicicleta atracada a um poste. Ela já não sabia se ria ou se chorava.
Cantarolando, rodopiou a garota. No entanto, ficou tonto de vê-la girar e bateu contra um muro. Babi não conteve a gargalhada do estado cômico dele, que finalmente parecia ter se aquietado.
Sentado no chão frio encostado ao muro, Jin reparou em uma árvore carregada de frutas para dentro da propriedade.
— Parece bom. — disse lambendo os beiços.
Quando ela percebeu, ele já havia saltado para o outro lado.
Ficou sozinha na calçada, tentando se convencer que aquilo não estava acontecendo. Só podia ser um pesadelo. Em um piscar de olhos havia se tornado cúmplice de uma celebridade na invasão à domicílio.
Passado um minuto sem sinal dele, Babi saiu do seu estado de negação. Pôs um gorro na cabeça, em uma tentativa inútil de se camuflar, olhou para os dois lados e saltou o muro.
O jardim era pequeno, mas bem arranjado com um corredor lateral levando aos fundos da casa. Havia uma fileira de copos de leite em frente ao corredor e a frondosa ameixeira em destaque encostada ao muro da frente. Encontrou Jin agachado ao pé da árvore, enchendo os bolsos com os frutos.
— Isso tá ótimo, prova aqui! — ofereceu-lhe uma.
— Fala baixo, seu doido. — ela sussurrou, tentando puxá-lo pelo colarinho. — Vambora.
Ainda bem que não tem alarme, pensou, mas a seguir ouviram latidos virem pelo corredor. Não soavam amistosos. Com um salto, que provavelmente esmagou todas as ameixas, Jin deitou sobre o muro e passou para o outro lado.
Com a mesma agilidade que os pôs ali, desapareceu.
Babi ficou para trás, estática. Em sua cabeça, gritava consigo mesma, corre, corre, CORRE! Mas apenas tremeu e arfou. Eu vou morrer, pensou quando avistou o rottweiler despontar na esquina da casa e parar de súbito a observando.
Deu dois passos vacilantes para trás encontrando o muro, mas foi o máximo que conseguiu. Respirou fundo encarando o bicho. Então, uma ameixa voou em direção ao cão, sendo completamente ignorada pelo animal. Jin estava pendurado no muro, apoiado pela barriga.
— Eiiish, come, vai! Seja um bom menino. — reclamou com a voz suave para o animal a rosnar.
Babi sabia que devia saltar o muro, mas não conseguia se mexer. Ele estendeu o braço para alcançá-la e o movimento brusco fez o rottweiler atacar. Não só isso, mas também apertou o já sensibilizado estômago do idol, que sucumbiu à pressão.
A garota assistiu de camarote todo o esplendor do King Jin embebido em rakı ser despejado no gramado, com direito a valentes respingos nas suas botas. Uma bela visão do inferno antes de morrer, pensou. Ao menos a sua cabeça voltava a funcionar com o choque. O sarcasmo fluía feito o rakı havia fluído naquela noite.
Ironicamente, esta foi sua sorte.
O cachorro se apressou em cheirar a papa de carne e álcool esquecendo-se dela. Jin carregou Babi pelos braços até o topo do muro. Antes de saírem dali, os dois ainda viram, com nojo, o cão comer a carne mal digerida.
Correram sem olhar para trás até um parquinho. Quando recuperaram o fôlego, Jin declarou estar recuperado da bebedeira. Uma clara mentira para si mesmo, pois nem um minuto depois dormia esparramado no escorregador.
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Babi chegou à porta do quarto ainda um pouco ofegante. Conferiu no celular os quilômetros corridos, quase sete. Mesmo sem ter dormido sentia-se energizada. Riu com a lembrança das peripécias de Jin e seu resgate tão pouco heroico.
Como gostaria de poder revelar essa parte daquele encontro e não teria nenhum remorso de espalhá-la por aí. Imaginou a cara de Sora ao saber como o seu queridinho saltou fora no primeiro sinal de perigo.
Sora ainda conversava com as amigas. Viu os três quadradinhos na tela do computador da figurinista e deu um tchauzinho antes de passar para o banheiro.
Após muito pensar, sabia o que precisava para pôr as ideias no lugar. Necessitava de respostas e a melhor pessoa para lhe ajudar neste quesito era Jaewoo.
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Glossário:
Dorama - Nome dado às novelas/séries coreanas em português. Internacionalmente são mais conhecidos como Kdrama.
Rakı- Rakı é um licor derivado da uva e com sabor de anis, semelhante a outras bebidas como o áraque e o ouzo. É considerada a bebida nacional da Turquia e, às vezes, chamado de "leite de leão", porque, quando água é adicionada, a mistura fica com uma cor esbranquiçada. Fonte: Wikipedia
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Oi gente!!
Quem se lembra como o Jin disse que não queria nem saber de rakı no capítulo 5? Tá aí o motivo, hehe.
O que vocês acharam deste nosso "primeiro encontro" do marmanjo e sua babá, hein? Digam aí nos comentários que eu estou louca pra saber a opinião de vocês!
Se está gostando, não se esqueça de deixar a sua estrelinha! Eu vou adorar saber sua opinião, palpites e etc.
Beijo grande e até o próximo capítulo.
Ana Laura Cruz
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