6

O silêncio da madrugada era assustador, os sons abafados dos carros deslizando pela avenida causavam uma sensação familiar de solidão a qual ela não apreciava. Por isso, libertou-se da proteção que as paredes do seu apartamento traziam, e esgueirou-se pelas ruas pouco movimentadas de Seul. Os sons urbanos eram acolhedores, mesmo que tão poucos naquela hora, serviam para lembrar que Daeyang não estava sozinha. Ela perambulava como um fantasma, sentindo a mente vazia, o corpo frio, e o peito apertado. Não tinha um destino, a jornalista nunca teve um lugar para ir. Ela só sabia que devia continuar andando, até encontrar o seu lugar, até que alguma magia ou força cósmica mostrasse a luz no fim do túnel que ela tanto esperava.

Um riso amargo escapou pelos lábios naturalmente rosados. Não era bem assim que a vida funcionava, não deveria esperar por uma salvação mágica. A vida não era como nos filmes, a luz no fim do túnel na verdade é um trem e a crueldade sempre vence. O mundo é dos espertos, ganha mais pontos nesse jogo infinito quem for perverso o suficiente para esconder algumas cartas na manga. Daeyang não tinha mais idade para acreditar em contos de fadas, em beijos salvadores, príncipes em cavalos brancos. Isso não existia na realidade, ela estava apenas andando sem motivo, em uma esperança tola, um sentimento idiota que deveria reprimir, mas não era capaz.

Havia uma expressão em inglês que descrevia muito bem o que se passava na mente nublada da jornalista: Chasing cars. Origina-se do cão que é abandonado, mas recusa-se a aceitar seu destino e persegue o carro da pessoa cruel que o deixou. Ele sabe que não vai alcançá-lo, sabe que continuar correndo é inútil, mesmo assim, ele não para. Como um ciclo vicioso, uma esperança sem fundamento, ele continua correndo e correndo, até que o carro some de vista e só resta a solidão. Daeyang sentia-se perseguindo carros durante todos esses anos, mesmo que tivesse aceitado a rejeição há muito tempo, mesmo que soubesse o quão inútil era esperar alguma consideração daqueles que lhe deram a vida, ela ainda continuava correndo. Ainda perdia noites de sono, ainda andava pelas ruas de Seul à procura do seu lugar, seu lar.

Casa. Não é sobre um imóvel, não é sobre uma cama confortável para dormir ou um prato de comida na mesa. Mas um lar, um lugar a qual sempre pode voltar, correr para se esconder de tempestades e fugir do caos do mundo. Lar é onde o amor vive, onde o carinho reina e onde moram pessoas que querem o seu bem. Daeyang não fazia ideia de como era esse sentimento, nunca teve nada disso. Ter um lugar para retornar era quase um sonho, um desejo inalcançável, um cenário impossível. Ainda sim, ela continuava perseguindo carros, continuava em uma vã esperança de um futuro melhor, onde um acontecimento mágico seria capaz de mudar o curso da sua vida para sempre.

Impossível.

Era apenas um sonho.

A jornalista parou ao lado de um ponto de ônibus e abraçou o próprio corpo quando uma brisa fria soprou, açoitando os fios avermelhados e causando-lhe arrepios. Saiu tão absorta em seus próprios pensamentos, que até esqueceu de pegar o casaco, e mesmo a blusa de lã não era o suficiente para aquecê-la naquela madrugada tão fria. Ela olhou em volta, deveria ir embora? Havia uma conveniência logo a frente, poderia ir até lá comprar alguma bebida destilada para aquecer o peito. Apalpou os bolsos e bufou ao constatar que havia esquecido a carteira. Onde estava com a cabeça? Como podia sair de casa até sem o celular?

Daeyang estava prestes a se virar e ir embora, mas seus pés travaram no lugar ao reconhecer a figura sombria sentado na parada de ônibus logo à frente. Como se uma força maior a puxasse para ele, a moça não conseguiu continuar seu caminho e observou-o com uma curiosidade proibida e perigosa. Não deveria encará-lo com tanto afinco, não deveria se permitir admirá-lo tanto, ele era luxúria em pessoa e Daeyang já sabia o que acontecia com aqueles que caiam em tentação.

Iludidos, com corações partidos.

Yoongi tinha os olhos elevados ao céu, o rosto escondido por uma fina cortina de fumaça e, como sempre, vestido como uma criatura das trevas, mesclando-se na escuridão noturna. Ele parecia ser feito de noite, e Daeyang achava aquilo perigosamente atraente. Como um abismo sem fim, sentia uma estranha vontade de se jogar desse precipício, mesmo que soubesse dos riscos fatais. Yoongi era magnético, Daeyang não conseguia manter-se distante.

Seus pés moveram-se por conta própria na direção daquele que deveria manter distância. Ela deveria parar, deveria dar meia volta e se esconder entre as paredes seguras do seu apartamento. No entanto, ela continuou andando, como o cão que persegue o carro, indo para um lugar que não deveria estar, procurando por algo que nem sabia o que era. Tudo por causa dos olhos dele, como duas estrelas binárias, emitindo um brilho sem igual e cintilando uma cor forte. Yoongi mantinha os olhos no céu com tanta melancolia, que Daeyang pensou por alguns segundos que talvez ele pudesse ver bem mais que aquelas estrelas ofuscadas pela poluição urbana. Como se conseguisse visualizar uma galáxia, nomear cada estrela e planeta. A jornalista quase perguntou sobre isso, mas apenas suspirou de forma patética.

Yoongi só então notou sua presença, nem se dando ao trabalho de encará-la para ver de quem se tratava. Apenas pisou no cigarro e se curvou, murmurando um pedido de desculpas. A franja negra cobria parcialmente seu olhar, e contrastava com a pele pálida e a jaqueta preta. Daeyang sentiu-se levemente hipnotizada pelo movimento casto dos fios escuros com a brisa suave que soprava o corpo de ambos.

— Está se desculpando por se matar lentamente? — ela questionou, não aguentando segurar a língua e porque estava há tempo demais mergulhada no universo particular que era admirar Min Yoongi. Daeyang cruzou os braços, precisava se proteger do frio e do magnetismo dele.

Ele a encarou surpreso. Os olhos estavam salientados, mas um sorriso suave brincava no canto da sua boca.

— Srta. Esquentadinha. — ele saudou com sarcasmo, fazendo o rosto da jornalista adquirir um tom rubro. Daeyang estava prestes a xingá-lo e voltar a fazer seu caminho até o apartamento, mas o olhar melancólico de Yoongi lhe refreou. Ele desviou os olhos para o céu novamente, como se visse bem mais que o que o plano físico mostrava e a moça sentiu-se um tanto curiosa. — Me desculpei por poluir o ar, não acho que minha vida seja muito significante.

Daeyang suspirou, ainda analisando-o com certa compaixão. O mundo é cruel com todos, sempre ditando regras, mas ela não concordava com essa política jurídica das pessoas decidirem o que era o bem e o mal, o que era bonito ou feio. Daeyang não gostava de ter seus valores medidos com base no seu passado, na sua posição social, tampouco pelo que vestia. Então, como poderia decidir se uma vida era importante ou não apenas pelas atitudes de um ser humano? É muito mais fácil apontar o dedo, mas era mesmo necessário? O que Yoongi tinha feito de tão grave para ser convencido de que sua vida não era significativa?

— Está enganado. — a moça ocupou o lugar ao seu lado, em uma distância segura e continuou abraçando o próprio corpo ao fitar o mesmo céu que Yoongi encarava com tanto afinco. Portanto, não viu quando o músico desviou o olhar para ela, não percebeu como seus olhos brilhavam e como estavam inchados e avermelhados. — Toda vida é importante, Min.

— Quem disse isso?

— Eu.

Ela finalmente o encarou, deparando-se com um par de olhos intensos vidrados em si. Só então percebeu seu olhar nublado, as pálpebras vermelhas e inchadas e o brilho triste que as íris escuras carregavam. Ele tinha chorado? Como se percebesse o olhar analítico da moça, Yoongi desviou os olhos para um ponto qualquer do chão e evitou contato visual. Forçou um sorriso, Daeyang fingiu acreditar nele.

— Já é o nosso terceiro encontro por acaso, estou começando a acreditar no destino. — ele exclamou, em uma falsa emoção, fazendo a jornalista bufar um riso desacreditado.

— Não seja ridículo.

— É sério, talvez esteja escrito nas estrelas.

Sem perceber, Daeyang acabou deixando um riso escapar, surpreendendo-se com a sinceridade dele. Yoongi lhe encarou com uma expressão travessa, mas ela sentiu-se pega no flagra. Admirando-o perigosamente, notando com precisão o quanto todos os seus traços eram delicados e adoráveis. Ela não deveria olhar tanto, mas não conseguia se segurar. Ele tinha olhos tristes, Daeyang quis muito perguntar o que deixava uma pessoa que tinha tudo aos prantos. Dinheiro, fama, amor. Yoongi tinha tudo, por que os olhos vermelhos? Por que perambulava pela madrugada solitária como se também estivesse perdido?

Daeyang deveria parar de fazer tantas perguntas.

— Você é extremamente irritante. — ela abraçou ainda mais o próprio corpo quando um vento frio açoitou os fios de ambos, Yoongi mediu-a com um olhar analítico. — Cada vez que te vejo sinto vontade de socar seu nariz, será que isso também está escrito nas estrelas?

O músico soltou uma gargalhada sincera, que ecoou pela noite e mente da jornalista com suavidade. Ele tinha um sorriso bonito, não era como os de mentira que via os ídolos darem para câmeras, não era falso. Era doce, genuíno. Os olhos transformaram-se em duas meias luas invertidas, e a boca exibiu uma fileira de dentes pequeninos escondidos pela gengiva. Foram alguns segundos, mas Daeyang gravou cada detalhe daquele sorriso e sentiu como se o tempo começasse a passar em câmera lenta apenas para que ela pudesse admirá-lo com precisão.

— Foi por isso que fugiu de mim esse tempo todo?

Daeyang piscou três vezes seguidas, recobrando a consciência. Encarou Yoongi, que exibia um sorriso malandro e quis se estapear.

Ficou maluca? Onde estava com a cabeça?

— Eu não fugi de você! — acabou soando um pouco desesperada e isso fez com que o rapaz ao seu lado arqueasse uma sobrancelha numa expressão duvidosa. Daeyang soltou um riso frouxo, quase que nervoso. — Uwa, sei que isso deve ser chocante, mas o mundo não gira ao seu redor, sabia?

— Eu sei, e é uma pena.

— Inacreditável. — ela bufou e Yoongi riu. — O que é tão engraçado?

— Você. — ele ainda sorria quando se aproximou um palmo da moça, fazendo-a perder o fôlego por alguns instantes. — Te incomodo tanto assim, Srta. Esquentadinha?

Daeyang bufou, sentindo vontade de enforcá-lo. Maldito apelido irriante, malditas celebridades, maldito seja Min Yoongi!

— Sim! Você me incomoda muito, então fique longe de mim!

Para sua infelicidade, Yoongi ainda exibia a mesma expressão suave e não parecia ter se abalado nenhum pouco pela fala ríspida da jornalista, pelo contrário, ele sorriu. De novo. O que diabos era tão engraçado?

— Interessante dizer isso quando foi você que se sentou aqui do meu lado.

Por um tempo, Daeyang apenas ficou estática, piscando e encarando o rapaz em um silêncio desconcertante. Até que a risada dele a fez murmurar um palavrão e se lavantar, decidida a deixar aquele idiota para trás. Não deveria ter se deixado levar por aqueles olhos tristes, não deveria se permitir ser atraída para o abismo quando sabia o quanto a queda seria grande. Yoongi era um incômodo para ela, porque mesmo que soubesse o quanto deveria se manter longe, continuava caminhando na sua direção, analisando seus passos, admirando seus traços. Ele era tão estúpido quanto era bonito. E isso deixava a jornalista prestes a enlouquecer.

Daeyang deu apenas três passos, mas a voz rouca e suave a fez parar no lugar.

— Srta. Park, espere. — era a primeira vez que ele dizia seu nome, e a moça martirizou-se incansavelmente ao se dar conta de como seu corpo reagiu ao ouvi-lo pronunciar cada sílaba com tanta maestria. Como se saboreasse um doce pela primeira vez, deleitando-se do açúcar com prazer. Daeyang apreciou aquela sensação, aquele som.

Ela se virou para trás, mas foi surpreendida pela presença de Yoongi a um palmo de distância. Como um felino, ele se aproximou sorrateiro, Daeyang nem mesmo percebeu. A jaqueta foi pousada no seu ombro com suavidade, a jornalista fitou-o com os olhos salientados. O que ele estava fazendo? Logo, tudo o que conseguia sentir era o cheiro dele, assim como tudo o que conseguia ver eram os olhos estelares. Seu perfume misturava-se com cigarro do hálito quente que soprava contra o seu rosto, a fragrância era forte, deixando-a entorpecida. Havia um teor alcoólico no topo, como conhaque ou rum, um cheiro impregnante, impossível de esquecer. Seu olhar era tão intenso e quente quanto o perfume, Daeyang sentiu-se levemente zonza.

Então era esse o poder de Min Yoongi? Era por isso que as garotas que passaram pelos seus braços nunca mais o esqueceram? Ele era hipnotizante, tentador, e seu perfume não colaborava. Ali, a apenas um palmo de distância do seu rosto, pode ver o lugar de cada pinta presente neles, assim como a cicatriz acima da sobrancelha esquerda. Sentiu-se presa em seu universo particular, como se o tempo tivesse parado e só restou ela e Yoongi com seus olhos brilhantes e intensos grudados em si.

— Não deveria sair sem o casaco. — ele sussurrou, o brilho do seu olhar convertendo-se em algo que beirava a um convite para algo a mais. Daeyang engoliu em seco, sentindo seu coração disparar como nunca antes. — Está frio.

— Não precisa... — a moça ameaçou retirar a peça dos seus ombros, mas os dedos gélidos de Yoongi a impediram. Ela sentiu a sua mão formigar, como se o músico estivesse em chamas e sua pele fosse ser dilacerada a qualquer momento.

Ele sorriu de lado, como quem sabe que tem o mundo aos seus pés.

Está frio. — repetiu, como se isso fosse a coisa mais óbvia e correta a se dizer. Seus dedos abandonaram a mão de Daeyang com suavidade, a moça sentiu como se uma pena deslizasse sob a sua pele. Foi estranho, fez ela desejar empurrá-lo para longe e sair correndo. Contudo, permaneceu no mesmo lugar, com a mesma expressão abobalhada e hipnotizada. — Boa noite, Srta. Esquentadinha.

Ele piscou um olho e lançou-lhe um último sorriso lateral antes de virar as costas e sair andando pela calçada. Daeyang observou suas costas desaparecerem do seu campo de visão ainda estática, não entendendo o que havia acabado de acontecer e muito menos o motivo do seu coração continuar martelando feito louco dentro do peito. Estava caindo em um joguinho de Yoongi? Logo ela, que sempre odiou tanto essas pessoas de plástico? Não, ela não cairia nessa. Suga tinha muitos corações nas suas mãos, não precisava do seu para sua coleção doentia. Daeyang não ia se deixar levar, não se permitiria ser tão cega.

Ainda sim, quando encontrou uma carteira de cigarro no bolso da jaqueta, ela esqueceu-se de tudo isso por um momento e lembrou-se do olhar melancólico, do brilho triste e a fala amarga de Yoongi. A vida dele era importante, assim como a de qualquer ser humano da Terra. E foi por isso que ela jogou os cigarros no lixo, tendo a certeza de que não deveria ter feito aquilo, mas não se arrependeu em momento nenhum. Quando deitou a cabeça no travesseiro, tinha a consciência limpa e teve bons sonhos com um céu estrelado e um gato pardo.

curiosidade: segundo um senhor da minha rua, famoso por interpretar sonhos, sonhar com gato pardo é sinônimo de sorte. significa que coisas boas estão por vir, é como uma premonição para algo extraordinário. interessante, não?

dêem uma olhadinha nessas imagens geradas por IA dos protagonistas de BB e se encantem comigo:

o yoongi desse capitulo bua 

eu imagino a dae exatamente assim! sério, tudinho, o cabelo, os olhos, as covinhas (!!!). essa é a primeira vez que consigo mostrar uma imagem que mostre bem ela e eu estou muito bobinha, quero emoldurar! e vocês, também imaginam ela assim? me contem nos comentários!

nos vemos em breve, e já adianto para se prepararem para o proximo capitulo, hein... coisas vem por aí... se preparem viu...

até lá!

vick

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