O igual
É preciso que o homem desbrave o seu interior. É preciso que ele explore outro mundo, o que cabe dentro, e dele retire o que precisa para entender sua existência e todas as camadas que constituem a natureza humana.
A Islândia, aos corajosos, mostra-se vigorosa e de pesada poesia. Como se das mãos de um poder maior, ela fosse entregue crua. Sem dosagem. O vento não sopra, ele se arrasta. Corre sobre a terra como se sua intenção fosse limpar a primeira camada habitada por nós. Como se precisássemos sumir dali. Se chove, a água chega quase congelada, como pingos de morte sobre a pele quente. Como se sua função fosse interromper a vida que insiste brotar da terra que por si só já é cruel. Se enjoada, a ilha cospe fogo. Dizima os homens que provocam os deuses e constroem suas casas aos pés das montanhas. Há uma comoção geral quando isso acontece. Pensamos que a terra é castigada quando a matéria fumegante é expelida e se arrasta pela superfície. Uma erupção em nós. Disseram outros, um dia, que tal espetáculo era um prenúncio: como um dia ela surgiu, desaparecerá. Do nada para o nada.
Eu tinha consciência da força daquela terra. Sempre tive. Desde que pedia permissão para desbravar os poucos metros além da minha casa, aos dias em que partia para as montanhas. O longe de sempre.
Os contornos das elevações que parecem querer atingir os céus revelam paisagens inóspitas. Devastadas pelo rigor de duros tempos. Pelo gelo, vento, fogo e nos tempos modernos, pelo homem. São paisagens que se estendem por muitos e muitos e muitos quilômetros além de nós. Se nos aventuramos pelo topo, conseguimos, em dias de maior clareza, avistar os vulcões além dos vales de outras penínsulas. Casas de outra gente. De outros perigos. Nos sentimos maior e é aí que erramos. Não somos, eu digo. Nem hoje, nem em um futuro próximo.
Se ao sabor da terra caminhamos, as rachaduras criadas a partir de gritos nos mostram os limites. Por elas correm rios glaciais de um azul leitoso, como se fosse o fim do trabalho de um gigante que pintava de branco e azul o pico dos montes.
Quando águas não correm, nascem.
Das fendas brota água quente. Fervente, às vezes. A expulsão delas se dá por geysers espalhados por toda a ilha. Buracos que explodem. Deles a água escoa e formam piscinas naturais onde se banham homens, mulheres, crianças e idosos. Os mais velhos falam de cura pela água termal, os mais jovens falam de diversão e paquera. Não há malícia nos corpos nus, mas há beleza. Infindável beleza alourada. São essas águas que divertem toda a gente da ilha durante os massacrantes invernos de noites intermináveis.
Por sorte havia uma dessas fontes não muito longe da vila. E pela distância da capital, ali os turistas quase não apareciam.
Com a câmera na mão eu desbravei encantadora dureza. Passei frio quando saí do jipe ao deixá-lo na estrada e corri descendo o terreno, pisoteando musgo e pedras menores. Casa de seres mágicos. Prestes a pedir misericórdia aos deuses por causa do vento cortante, o vapor esbranquiçado que avistava me convenceu de continuar. Como neblina ele cobria aquela região.
Paraíso, escapou da minha boca.
O equipamento passível de destruição deixei sob uma proteção estrategicamente erguida ao lado da piscina de margem já revestida em concreto. Era o começo da exploração. A prova existencial do homem. Ali também deixei minhas roupas, porque precisaria delas secas, e fui correndo matar a saudade da quentura acolhedora das águas. Mergulhado até o pescoço, deixei meu queixo pousar sobre o concreto morno. A alheação me trazia memórias e eu as deixei mergulhar comigo.
.
- Você não vem?
- Sem roupa mesmo?
- Pra quê serviria as roupas? Não se seja idiota, Andri. Entra logo!
O meu amigo já estava lá dentro. Submergia e voltava tirando os fios que colavam no rosto. Ria da minha preocupação em averiguar o terreno ao redor. Se na escola tiravam sarro do meu corpo miúdo quando íamos tomar banho e eu insistia em continuar de calção, imagina o quanto iriam rir se me flagrassem completamente nu? Eu não daria esse gosto aos selvagens daquela vila.
Lá dentro tudo era melhor. A água leitosa não permitia que nosso corpo ficasse à mostra e isso foi motivo da minha gratidão, pois lá embaixo meu membro de menino recém passado dos quatorze endurecia livre. Gunnar era o alvo da reação. Quando mergulhava, sua bunda ele erguia e depois volta rindo, cada vez mais próximo da borda onde eu sofria.
Aquela não fora a primeira vez que nos banhamos sem a companhia do resto do pequeno grupo de amigos e também não fora a primeira vez que tais visões causaram enrijecimentos involuntários.
Nos banheiros, depois das aulas de futebol, quando desistiam de fazer graça comigo e com os outros de menor idade, eram os corpos nus que eu admirava. Em tenra idade eu só sabia que aqueles desejos destoavam daquilo que sentia a maioria quando os via falando das garotas. Os mais crescidos se vangloriavam de conquistar uma ou outra, de tocá-las despreocupadamente escondidos dos mestres. De sentir suas bocas e seus beijos.
O que era beijo? Eu deveria tocar as garotas? Eu deveria querer gostar delas e não dos garotos que me empurravam contra a parede e diziam coisas que só eram engraçadas para os outros e nunca para mim?
Bendita hora que eu descobri o que era tocar um semelhante.
- O que vocês vão fazer na capital?
- Meu pai vai trabalhar para o governo - respondeu-me o garoto de mesma idade, mas de corpo muito mais evoluído. Tinha quase toda a forma dos corpos adultos, eu observava. Nu e molhado, tinha também a beleza deles. - Então quando acabar as aulas, acho que não nos veremos mais. Quer dizer, só quando eu visitar a vila.
- Você vem me visitar?
- Se você quiser... - Respondeu sem muita animação antes de um mergulho. - Tem uma coisa que eu ia pedir. - Anunciou quando emergiu. Lá embaixo eu ainda estava duro. Talvez mais que antes e só consegui murmurar em resposta.
- Você já beijou alguém?
- Garotas? - Eu tremi.
- Alguém, Andri. Você já beijou alguém?
Eu somente neguei com a cabeça.
- Eu não quero ir para a capital sem saber como é.
- Tem garotas na escola - eu respondi fingindo naturalidade ao brincar com a água. - Os meninos vivem beijando elas.
- Eu não sei se quero beijar as garotas, mas a gente poderia se beijar.
Eu ri porque essa seria a reação dos meninos que viviam de brincadeiras e gargalhadas exageradas. Mas ele devia saber que aquilo era encenado, porque eu não era um deles e não me comportava como um.
Existiu silêncio porque era isso o que nós melhor sabíamos fazer. Os olhos dele seguraram o meu olhar e eu colei na borda como se o mundo estivesse ruindo e isso forçasse em mim a necessidade de algo seguro e concreto para manter a sanidade que não sabia da importância. A natureza quis brincar e um geyser explodiu ali do lado roubando minha atenção em um susto que por muito pouco não parou meu coração. Mas o corpo de Gunnar ainda confrontava o meu e no retorno um beijo existiu.
Dois lábios pequenos unidos em algo só nosso. Um movimento descoberto. Um contato novo. Éramos a própria Islândia em erupção. Dois continentes distintos se encontrando. Havia língua em uma dança esquisita, quente e pegajosa. Havia mordidas desajeitadas e até um riso. Ele queria, eu percebi. Queria tanto quanto eu poderia querer.
Não houve nenhum toque mais afoito de nossas mãos, senão um ou outro encostar que nos fazia soltar aos poucos a mão da ingenuidade. Eu senti a pele escorregadia dos seus ombros e ele sentiu a minha cintura, e por mais que estivéssemos medrosos continuamos entre outros beijos e outros aprendizados. Cada vez mais demorados, cada vez menos constrangidos.
Eu finalmente sabia o que era beijar. Um saber físico. Além disso, eu diria: sabia que eu era aquilo. Aquele toque e nossa semelhança. Aquele sentir. As reações em nossos corpos. Os enrijecimentos. Dedos, línguas e até encontros de dentes. Eu era tudo aquilo. Inegavelmente e definitivamente.
Ninguém apareceu naquele dia. Agradecemos ao nosso modo por isso, pois trocamos e experimentamos outros incontáveis beijos.
Ele confessou ter gostado e finalmente entender o porquê disso ser assunto dos garotos nos banheiros. Eu não falei das minhas vontades quando os via falar sobre isso, mas confessei gostar de sentir aquilo. Os risos eram certos. Minha dureza juvenil também.
Cada um fez o caminho para casa em sua própria bicicleta. Os cabelos molhados ao vento frio daquele verão de descobertas, com algumas paradas estratégicas para alguns toques, beijos nervosos e sorrisos de cumplicidade.
Gunnar mudou-se para a capital no começo do inverno daquele ano.
O garoto alourado apareceu repentinamente em minha casa em uma noite de semana antes de partir. Minha mãe estranhou que mesmo tão novo ele não tivesse medo daquele escuro, mas não questionou nada. Não corríamos perigos além dos que eram oferecidos pela grossa camada de neve. Mas éramos garotos e de neve nós entendíamos. Até mais que os velhos, se duvidassem. Depois de uma desculpa dita para minha mãe, eu tranquei a porta do meu quarto porque queríamos nos beijar, mas Gunnar parecia querer mais.
Ele se esfregou em meu colo de um jeito novo e bom. Minha calça de dormir era fina e permitiu que meu membro pudesse ser roçado contra o tecido grosso da calça do garoto afoito de lábios quentes. Tivemos poucos minutos e descobertas imensas. Descobri dedos em meus lábios, em minha bunda e a lava que meu corpo pode expelir. Fúria dos subterrâneos de mim. Como os grandes montes. Como a natureza.
athanasius kircher, mundus subterraneus. 1664
Não fomos além de toques naquela despedida menos inocente. Não houve um "adeus", mas um beijo. Nossa descoberta. Só nossa, eu poderia ter sussurrado.
Eu o vi partir no começo do inverno daquele ciclo, mas pelas rachaduras e o calor deixado em mim, eu fui verão por alguns bons anos.
.
Sorri sozinho quando desci minha mão e encontrei meu membro duro como era o concreto em que descansava meu queixo. Meu corpo adulto pedia um toque. Clamava o fogo que cabia dentro. Eu não poderia negar o prazer: entre gemidos interrompidos e um respirar dificultoso, minha lava misturou-se à água leitosa, como se dela fosse parte.
Puro pertencimento.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top