Azul - Final.
O grito da chuva arrancou-me do profundo que cedia sentido ao silêncio. Fazia-me calar. Tomava-me. Tinha consciência disso: de afundar ao extremo de todas as coisas. Pensei ser assim que morrem todos. Sentia que meu corpo, contraditoriamente em meio a tanta leveza, pesava uma montanha inteira e invertidamente descia ao dentro da terra. Alguém fazia isso, eu pensei. Alguém de proporções maiores que todos fazia isso: cavava e colocava-me como semente. Por conhecer a minha vocação, aquele não esperava vida brotar do meu corpo vazio de sentimentos, como esperaria o brotar de uma árvore frutífera. Esperaria tudo, menos vida. E o grito da chuva arrancou-me do profundo. Das mãos da força que plantava-me coisa morta.
E tremendo de frio e fraqueza tentei reclamar alguém. Naquela noite de extremos capazes de arrancar homens da terra, eu pedi ajuda.
O escuro não deixou-me ver o homem que ajeitava-se ao meu lado, mas permitiu o sentir. Isso nenhuma outra força tiraria de mim: o que senti. Os braços envolveram-me ligeiramente e logo meu corpo frágil e leve foi parar dentro do peito do homem agigantado. As pernas grudaram-se e deram um nó fácil, minhas mãos uniram-se ao peito coberto de grossos pelos e na mesma região afundei o meu rosto. Aquele peito era um bom lugar para morrer naquela noite.
Nos dias seguintes à noite em que garantiu proteção da chuva em seu gordo abraço, o homem fora pouca, quase nenhuma palavra. Limitava-se aos olhares e cuidados. Às vezes eu colocava-me à porta enquanto o homem caminhava sobre a neve ao relento, observando o quanto diminuíra naquele dia e se diminuíra. As roupas de cores escuras contrastavam sempre com o que era o peso de todas as coisas. Pensava que seria bonito fazer uma fotografia daquele instante: um homem ao distante em seu mundo próprio, inventando lonjuras e travas. Mas em seguida lembrava que nenhuma câmera ficara comigo na fuga instigada pelo meu senhor. Eu era isso: um homem ainda mais vazio. Somente vocação, o que não garantia-me bonito conteúdo.
Quando voltava da sua aventura pela infindável brancura coberto por pontos alvos sobre o gorro escuro, ombros, peito e neve até os joelhos, segurava o riso quando ouvia-me rir da sua tentativa de manter alguma distância entre nós dois. Fazia isso para que não precisasse falar, eu vi, mas falava. Observava pouco sobre o inverno severo daquele ano, ou sobre a comida que era sempre a mesma coisa e quase nunca o mesmo sabor. Desculpava-se por suas modéstias que eu dizia serem até encantadoras. Quanto ao distante da outra parede, o outro extremo da cabana, olhava-me sobre o ombro largo. Fazia isso vagarosamente, mas era sempre flagrado pelo resgatado. O eu vazio. Não tínhamos para onde olhar, senão para o outro.
Cuidava de mim. Como sempre silencioso, erguia a blusa que era sua, sentia o rasgo já começo de cicatriz e demorava-se no toque. Não pretendia fazer isso, mas fazia ainda assim. Foi num desses momentos que sentiu-me doutra forma: quando sua mão pousou sobre minha barriga, viu inchar o tecido que cobria a virilha. Demorou o olhar na região inchada e não recuou quando sentiu sobre sua mão, a minha. O punho engrossou, os dedos enrijeceram-se, mas não houve recusa: tocou o meu membro desperto. Fez isso sob o meu comando. Por estar imóvel, parecia desejo único e solitário meu, mas o agigantado queria isso. Tanto queria que procurou a extensão dele com os dedos gordos e alisou-o inteiro, arrancando um suspiro pesado do homem fraco sob a sua sombra. Tanto gostou do que sentiu, que fez novamente. Procurou a extensão do que era meu, circulou a base por cima do tecido e arrastou o dedo por aquilo tão duro e tão pulsante. Não foi preciso muito dos movimentos para que meu liquido aparecesse na calça sob os meus gemidos abafados e grosseiros espasmos. Seria tudo silêncio novamente se a minha respiração não fosse ruidosa, mas nenhum outro movimento ousou o outro. Ficamos os dois presos em nossos sentidos, quietos e calados, até ele levantar-se subitamente.
Lave o que sujou, foi o que disse quando afastou-se apressado da cama e do homem que despertara os seus desejos. Vi isso: era ainda algum desejo. Nenhuma comemoração e agora muitas vontades. Eu quase ri.
Mais tarde ao sair do banheiro correndo do frio com dificuldade e depois de deixar a calça pendurada num cordão ao canto da cabana, lancei-me sobre a cama e pedi que fizesse o favor de ceder-me uma peça sua. Disse-me, em tom ainda mais grosso, que me virasse com os tecidos que protegiam-me do frio à noite. Queria isso: dar-me uma punição por permitir, ou mais: provocar o toque tão íntimo. Fiz o que queria, então: tremendo de frio, mas segurando-me o quanto pude, continuei somente de blusa e cueca. Assim sentei-me à mesa para jantar a sopa rala de peixe que fez naquela noite. O homem, certo de que fazia o que era correto para nós dois, não olhou em minha direção por um único inteiro segundo. Ou somente não deixou-me ver seus olhos cuidadosos, mas ainda misteriosos.
Mas naquela mesma noite, quando os ventos cobriam a cabana e sopravam neve contra as paredes, senti a mesma mão pesada procurar o meu corpo em total escuridão e tão próprio silêncio. Os dedos sabiam para onde ir e a intensidade do toque que reproduziam. Tomou o meu membro enrijecido e repetiu os movimentos que arrancaram-me tão quente líquido e tão grossos ruídos. Não esperava, porém, que as minhas mãos tomassem os seus braços e o puxasse para mim. Foi o que fiz: puxei o agigantado que, despreparado, caiu sobre o meu corpo tomando cuidado para não esmagar-me completamente. E em silêncio e falta de detalhes permitiu o encaixe que sugeri. Entre minhas coxas exageradamente abertas, seu corpo grande serviu-me algum calor. Foi o que fiz: rocei meu corpo contra o seu. Sob as roupas nossos membros vivos pulsavam. Foi o que fizemos juntos: permitimos que a natureza de cada um domasse o outro.
Grosseiramente tive minha cueca rasgada. Senti quando ele fez isso. Senti o forçar da costura lateral em minha pele e dos restos do tecido deixando o meu corpo. Igualmente grosseiro abaixou sua própria calça e deixou o membro procurar o seu lugar. Achou caminho entre minhas nádegas e no que era mais íntimo meu forçou entrada. Grunhi para a boca do homem acima de mim que negou o beijo procurado e abri-me ainda mais. Rasgando foi como penetrou-me. Diferente de como cuidava daquilo que era presente da violência da natureza, não houve cuidado naquele momento. Fez isso com força e muita vontade. Tanta vontade que transbordou antes de completar a penetração. Despejou-se em mim antes de qualquer mínimo movimento, bufando como um animal sobre outro, procurando meu pescoço com seus lábios grossos e rasgados de tão ressecados. Sentindo a pele já quente, mas negando beijar. Isso queria, eu vi. Queria muito beijar a minha quentura. Talvez sentisse saudade do que é beijo, ou por solidão tão sua, não soubesse o que era isso e temia o constrangimento da tentativa, então pelo homem e por mim deixei-o experimentando o gosto do meu corpo. Respirava fundo, cravava os dentes na pele, mordia lento e depois mais forte, respirava outra vez ainda mais profundamente, tremia a língua, chupava um pouco. Fez-me gozar antes de um sexo completo. E quando preparava-se para levantar, teve o susto de estar preso entre os meus braços. Não vi, mas imaginei o homem olhando-me surpreso. Os olhos fundos e escuros mirando os meus, os lábios torcidos e escondidos atrás do bigode exagerado e ainda mais desgrenhado pelo contato vigoroso com o meu pescoço.
Fique, foi o que eu disse. Já muito tomei do que é seu. Fique por hoje, pedi.
E o homem obedeceu-me como se nada pudesse fazer depois da minha ordem. Como se fosse nenhuma vontade, ou força, ou decisão e fosse somente o que dissera que deveria ser. E ficou. E escorregou para o lado e acomodou-se como fez na noite em que a chuva nos acordou: entre meu corpo e a parede. E tomou-me para si. E abraçou-me novamente, mas sem que eu pedisse pelo abraço. E cheirou-me os cabelos compridos. E ajeitou os fios para que o atrito entre nossos corpos cobertos não os puxasse. E suspirou uma última vez. E dizia muito assim: suspirando. E dizia tudo. Queria esse deitar. Queria isso: ser comigo. E foi.
Por mais íntimo toque o homem transforma-se. Como se compartilhar um deitar fosse alarme para intimidades e permissão para vontades que não mais conflitam, mas arrumam-se em um acordo. Um acordo natural. Foi o que senti quando despertamos na manhã seguinte ao que compartilhamos juntos. O homem de orgulhosa solidão sorriu para mim quando deixou a cama em uma muito visível e real ereção flagrada por mim. Quis que voltasse ao nosso deitar e que à claridade desse o seu corpo desnudo. Queria-o sem camadas e somente pelos, muitos pelos.
Mesmo sorrindo e menos fechado, o homem correu para alguma distância e desconcertado disse-me que prepararia alguma coisa enquanto eu amornaria a água para o meu próprio banho. Foi como ficou: sem jeito. Para a cozinha e a comida, para a lavagem das roupas, para a arrumação dos utensílios de alumínio ou ferro ou madeira, para arrastar a cadeira e para examinar o ferimento ainda mais cicatriz. Naquela manhã fez isso ainda à mesa. Segurando minha cintura e muito próximo de mim sentiu a pele e a casca cobrindo a pele rasgada. Entre as enormes coxas algo dobrava de tamanho, eu vi. Mesmo que tentasse prendê-lo no quente do seu corpo grande, ainda conseguia ver a montanha nascer em sua virilha. O seu membro rugoso e rude.
Por permissão minha, fui penetrado ali mesmo. Calças arriadas, blusas levantadas, coxas em atrito, pele queimando, as pernas da mesa gritando no chão em um arrastar natural toda vez que forçava seu membro gordo dentro de mim e causava a adorada e inicial dor. Desta vez beijava-me as costas. Em cada nova invasão um beijo deixava também na pele. Um gemido grosso, um respirar e um beijo. Um apertão em meu quadril, a abertura forçada entre minhas nádegas e um beijo. Como era esperado, despejou-se novamente dentro de mim, mas somente depois de muito sentir a mais intocada das minhas quenturas. O sexo é isso: calor. Era como marcava-me, mesmo sem pretensões de posse. Despejava-se de fazer pingar. Suávamos em meio ao frio extremo da ilha. Também pingávamos. Quando virou-me para enfim encarar o meu rosto, o riso grosseiro e tossido saiu quando viu meu líquido jorrado sobre o escuro da mesa. Aproveitando-me disso, do riso que trouxe leveza, beijei o homem. Um beijo apressado, mordido, apertado e molhado demais, mas beijo ainda assim. Línguas que perdidas em movimentos ainda novos, lábios engolidos com força, saliva que transborda, mas ainda beijo.
E seguimos assim tendo aquela noite não estendida e o dia seguinte como base não determinada em palavras, mas em gestos: acordávamos ainda em um abraço, comíamos juntos o que ele preparava e que ficava mais saboroso com o tempo, cada um abraçava o seu silêncio por alguns minutos, observava-o medir a neve, sentir o frio, e transávamos depois de cuidar do meu ferimento já sarado. Sabíamos que a pele não mais pedia aquele cuidado específico, mas o homem analisava-me ainda assim. Fazia pelo sexo sobre a mesa, ou sobre a pia, encostados na parede ou caindo ruidosamente sobre a única cama já muito velha. Fazia pelo toque.
E as palavras existiram. Da insistência de comentar o básico sobre o inverno rigoroso, ao efeito dele sobre o homem. Todos os homens da ilha. A preguiça que sentia e a vontade de ficar deitado para o sempre e existir somente ao dentro do que era. E por meu querer deitávamos, tinha minha cabeça e meus cabelos sobre o braço, e as pernas roçando as minhas, e o peito livre de proteções por pedidos meus. E tinha os meus dedos ao redor dos seus mamilos, na fundura do umbigo, da curva da barriga e a virilha quente sob a calça. E tinha os meus beijos no rosto e depois nos lábios. E conversávamos sobre como eram aqueles campos antes do peso de todas as coisas, e como seriam quando a morte escorria negra aos lagos em mais baixos níveis até chegar aos oceanos. Como eram as cores das flores, e de que tom era o verde. De que azul eram os lagos formados a partir do degelo. Se eram do famoso azul leitoso. E se tinha por ali alguma piscina termal. E se tomaríamos banhos nela ainda sob o inverno. E conversávamos sobre a sobrevivência, a dureza das noites estendidas, sobre sol quando era meia-noite. Sobre as luzes do norte, auroras de todas as cores, os bichos que caçava e a morte necessária. Seguimos uma ordem natural. Ciclo, eu disse. Chame do que quiser, ele retrucou.
E carregava-me à neve em outras tardes, e puxava-me para longos beijos emoldurados por largos vales e inúmeras montanhas nevadas ao fundo. E suspirava em minha boca e deixava-me sentir o seu rosto, os ombros largos e tinha-me nos braços por muito tempo. Até que eu não conseguisse respirar corretamente e visse corar as minhas bochechas alvas. E sorria por gostar de ver-me assim. E nos excitávamos. E corríamos para transar. E Deixava-me abocanhá-lo. E fazia-me grunhir de boca cheia e transbordava-se para o meu engolir. E beijava-me demoradamente até que a noite fosse inteira.
Numa manhã ainda mais clara comemorou uma notável diminuição na altura da neve com um beijo que era mais sorriso que outra coisa. E vi seus olhos brilharem, mesmo que ainda fossem escuros e misteriosos. E segurou-me nos braços por longos minutos como aprendeu a gostar, olhando-me sério, comemorando que logo poderia voltar a plantar batatas e algumas folhas. E que comeríamos melhor, o que falava da vontade não dita pela minha permanência.
A minha terrível permanência.
E foi em seus braços gordos e pelo brilho nos olhos que eu decidi manter segura ao dentro de mim e somente lá a minha vocação. A violência tão minha. Fiz uma escolha: permanecer, mesmo que ainda não ouvisse um pedido por ela. Sabia que não ouviria. Segurar-me era como o homem solitário dizia querer-me consigo. Ali sob o protegido da sua casa modesta, das suas coisas pesadas, sob o seu corpo e com os mesmos brilhos nos olhos, sussurrou para mim:
Ólafur.
Estava feito: oferecia-me o seu nome. A sua parte mais verdadeira antes do que guardava ao dentro. Deixara-me penetrar a sua solidão carregando a minha própria. Era Ólafur, mas também "fique comigo quando a neve virar lama", ou "quero-o aqui quando ir embora parecer a única opção". E por brincadeira fingi não entender. Queria ouvir outra vez a sua voz.
- Meu nome - disse em clareza e atenção. - Ólafur. Talvez queira dizer o seu.
E paciente esperou-me beijar os seus lábios e brincar os dedos na extensão da barba e procurar as orelhas quentes protegidas pelo gorro e depois viu-me sorrir:
- Azul - eu soprei somente, escondendo ao dentro o peso da morte. Do matar. - Azul como o mais pacífico dos céus.
Seria isso, então: uma mentira que contada incansavelmente assumiria o papel da verdade.
- - -
Aquela nota: então é isso? Acabou? E onde estão as sirenes? E o "mãos para o alto. Você está preso"? E os tiros, porradas e bombas? Para quem ousar perguntar, respondo logo: vocês sabem que aqui só trabalhamos com o drama mesmo. Rá! Deixando as brincadeiras de lado, é isso! Este é o final que entrego e que curiosamente nasceu primeiro. É assim que componho: penso no final e o resto vai se desenrolando ao longo da composição. É como melhor trabalho. É como nasceu Andri: Azul em essência. Eu poderia meter aqui uma super explicação, linhas e linhas que detalham o que é esse personagem, mas no fim isso será somente o que eu acho. Prefiro que tenham em mente somente o que vocês acharam dele e de toda a trama dessa coisa louca.
Como sempre, obrigado demais por cada uma das leituras, e votos (eu adoro essa estrelinha), e comentários, e opiniões, broncas, correções, dicas. Obrigado de verdade pelo tempo cedido com meus escritos. Sou feliz com vocês aqui. <3
Sobre novos projetos: além desses dois compilados de contos (ambos sobre a noite) em andamento e que atualizo quando achar melhor e mais confortável, tenho somente ideias. E vocês sabem: ideias são ideias e precisam somente de um piscar para cair sobre o papel. Ou o Word, nesse caso. Do nada eu volto com algo. Sou assim. Os leitores antigos já conhecem. E antes que isso fique muitíssimo extenso, deixo aqui todos os abraços do mundo em cada um de vocês. Cada um mesmo. Até o mais silencioso dos leitores. <3
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top