Capítulo 32 - Sobre irmandade e dor


Eu sei que sempre começo pedindo perdão pela demora, mas infelizmente preciso começar assim. Houve uma montanha russa de coisas e acho que já falei com vocês que quando não estou bem não consigo escrever e oferecer algo lindo, como vocês merecem, por isso demorei muito a postar. Primeiramente Deus e depois vocês, merecem receber o melhor capítulo que posso oferecer, através do Espírito Santo, é claro. Então, me perdoem e orem sempre por mim porque eu sei como esse livro abençoa vocês e ele me abençoa primeiro, mas o inimigo não fica satisfeito e tenta me impedir, mas eu falei com Deus e com algumas meninas no WhatsApp: Eu jamais vou parar! Enquanto for da vontade do Senhor estarei aqui, mesmo demorando. Obrigada por toda paciência e por todo carinho. Sério. Vocês moram em meu coração.

Boa leitura.


Olho-o expressando toda a minha raiva. Eu sei que esse homem não tem culpa, mas só de vê-lo sei que nada de bom vai vir desta visita.

- Mattheus! - Ouço a voz da minha avó me repreendendo.

Afasto-me do homem engravatado e percebo que faltou pouco eu não agarra-lo pelo colarinho.

- Ela mandou eu te entregar isso. - Ele estica a carta em minha direção e eu afasto-me ainda mais.

Sinto meus olhos pesados. Ao mesmo tempo que a raiva quer explodir, as lágrimas querem descer.

Minha avó passa na frente e pega a carta agradecendo.

- Como você soube desse lugar? Por que veio aqui? Não poderia mandar para chegar em casa? - Pergunto com raiva cerrando os punhos.

- Bom, eu soube desse lugar por uma vizinha da sua avó.

- Sempre as velhas fofoqueiras! - Interrompo-o cruzando os braços.

- Mattheus! - Novamente minha avó me repreende. Bufo tentando me controlar.

- Eu vim aqui porque estava com essa carta a uns dias e nunca conseguia encontrar ninguém para entregar. E ela perguntou se eu poderia te dar pessoalmente.

- Virou cachorrinho dela agora? - Sinto um tapa na minha cabeça no momento que pergunto e me arrependo no mesmo instante. Mas o orgulho não permite que eu saia do modo defensivo.

- Você deveria respeitar pelo menos a sua irmã, que está dentro desse quarto te esperando, e a sua amiga que está no mesmo lugar que você. - Ouço a voz da minha avó e fecho os olhos sentindo o peso de suas palavras.

- Obrigado doutor Sérgio por entregar a carta da minha mãe. - Digo expressando todo meu desprezo pelo título dela em minha vida.

- De nada, senhor Mattheus. Espero que leia antes de amassar. - Reviro meus olhos enquanto fecho o punho e vejo-o seguir seu caminho.

Me aproximo da parede e descanso a testa puxando fortemente a respiração, enquanto tento controlar a raiva para poder falar com a minha irmã. Ela não merece me ver neste estado.

Sinto uma mão macia passando pelas minhas costas e sei muito bem quem é.

- Desculpa. Vocês não merecem me ver assim. - Digo virando-me para ela.

- Todo mundo tem um lado ruim, Matt. Alguns só escondem melhor.

- Até seu lado ruim deve ser lindo. - Digo sorrindo de lado.

- Não se iluda com isso... Vamos ver a Teté? - Balanço a cabeça assentindo e pego o urso que minha avó estava segurando.

- Está mais calmo? - Pergunta minha avó.

- Não estava nervoso. - Digo irônico.

- Olha o respeito, Mattheus. - Ouço sua voz desapontada.

A abraço antes de entrar no quarto e sussurro em seu ouvido:

- Perdão, vó. A senhora sabe como todo esse assunto mexe comigo. - Sinto seu beijo em minha bochecha e ela se afasta sorrindo pequeno.

- Vamos ver sua irmã. Hoje é um dia de comemoração. - Assinto a seguindo e Letícia, que estava nos esperando, faz o mesmo.

Assim que adentramos ao quarto, Ester pula da cama e solta o celular.

- Matt! - Ela grita e corre em minha direção. Letícia puxa o urso de minha mão a tempo, e então, a garotinha que é dona de todo amor que existe em meu coração, pula nos meus braços, assim que eu me abaixo recebendo-a. Respiro fundo sentindo a calmaria vir através de seu abraço.

- Bombom! - Aperto-a, enquanto fecho os olhos sentindo meu coração bater mais forte.

- Como eu estava com saudades, Matt! - Ela funga e eu a afasto notando algumas lágrimas escorrendo de seus pequenos olhos.

- Não chora, meu bombom. Eu estou aqui agora. - Ando com ela nos braços até a poltrona, colocando-a sentada e me abaixando em sua frente. - Você está muito grande. - Digo sorrindo para ela.

- A vovó me obrigou a comer todas aquelas comidas sem gosto que as enfermeiras trouxeram. - Dou risada juntamente com minha avó e Letícia.

- Eu sei, mas era para o seu próprio bem. Viu como você se alimentou e melhorou? Agora pode ir para casa. Passou rapidinho.

- Não mente, Matt. Mentir é feio. Os dias demoraram muito a passar. - Ela faz um bico agradável e eu me controlo para não rir.

- Não estou mentindo. Para mim passaram rápidos, mas como você estava aqui dentro não percebeu. - Pego uma mecha de seu cachinho e o enrolo no dedo.

- Eu não quero mais voltar para o hospital. Foi horrível! - Passo a mão em seu pequeno rosto e a olho demoradamente.

Será que todos vêem como eu sou amável ao lado dela? Ester muda tudo em mim, nos mínimos segundos que passo ao seu lado.

- Eu sei, bombom, mas se você comer todos os legumes, frutas e verduras que a vovó te der, não vai precisar voltar aqui. - Sorrio para ela e recebo seu sorriso de volta.

- Tudo bem. Eu vou comer tudo. - Abro meus braços e recebo-a novamente a apertando.

Vê-la aqui neste hospital conectada a soros e tomando medicamentos na veia cortou meu coração. Todo esse cenário me traz a memória dias ruins da minha vida.

Ester se afasta e sorri se voltando para o quarto e só então, nota a Ruiva parada com as mãos cheias de presentes.

Bombom sorri empolgada e segue em direção a Letícia.

- Lê, eu não acredito que isso tudo é para mim. - Ester sorri e pega o urso das mãos de Letícia.

- Claro que é bombom. Quem você acha que merece todas essas coisas?

- Eu mesma. Sou uma guerreira por ter enfrentado tudo neste hospital sem chorar. Já sou uma moça. - Diz olhando o urso e levantando o queixo orgulhosa.

- Vamos com calma que você ainda é uma criança. - Me intrometo dizendo.

- Eu tenho nove anos, Matt. Não sou mais uma menininha. - Bufo enquanto Letícia e minha avó riem.

- Por isso você não tem me chamado mais de sereia? - A ruiva pergunta pegando o urso de sua mão e dando a cesta.

- Sim. Eu te chamava assim porque você é linda como a ariel, mas percebi que você é mais bonita ainda por ser de verdade verdadeira. - Balanço a cabeça negativamente e Letícia da risada.

- Então tá bom, mas eu posso continuar te chamando pelo seu apelido, né? - Letícia pergunta vendo Ester abrir a cesta.

- Claro. Eu amo bombom. - A Ruiva sorri para ela ajudando-a a pegar o doce.

- Por que não comemos esses doces no carro? Vamos embora deste lugar. - Digo pegando a mala e mochilas de cima da cama.

- Eu concordo! Não aguento mais ver esse quarto. Quero poder fazer um jantar na minha cozinha. - Minha avó responde colocando sua bolsa no ombro.

- Então vamos. - Letícia diz ajudando Ester a pegar seus presentes.

Saímos rapidamente do quarto e seguimos em direção ao estacionamento.

- Tá vendo aquela morena ali? - Ouço Letícia sussurar em meu ouvido. Olho para a jovem negra de cabelos cacheados discretamente.

- O que tem ela? - Pergunto em sussurro.

- É a enfermeira que ficou olhando o Lucas. - Letícia da risada. - Quando eu encontrar com ele vou dizer que vi sua admiradora. - A Ruiva diz dando risada.

Balanço a cabeça em negativa e assim que chegamos perto do carro destravo o porta malas guardando as coisas.

- Todas prontas? - Vejo Letícia arrumar o cinto em Ester, porque ela não quer mais ficar na cadeirinha, e minha avó ri da cena se acomodando.

- Agora podemos ir. - Letícia diz após entrar no carro e faço o mesmo.

Seguimos o caminho enquanto Ester tagarelava o tempo todo sobre como a comida era ruim e de como ela acordava assustada com as enfermeiras trocando os remédios. Ela relatou todos os dias que passou no hospital e disse que nunca mais quer voltar para aquele lugar.

- Você poderia me deixar na ONG? - Viro-me após ouvir o pedido de Letícia.

- Mas você não vai jantar conosco? - Olho para minha avó pelo retrovisor e peço sua ajuda pelo olhar.

- Minha filha, vamos festejar o retorno da Teté. Estou com saudade de cozinhar para todos e ver a casa cheia. - Minha avó diz tocando seu ombro.

- Vou ter que deixar para a próxima, dona Angel. Preciso muito resolver algumas questões burocráticas com a Najú. - Reviro meus olhos e bufo.

- Você pode me deixar lá, Matt e seguir para o jantar de vocês. - Fico calado e balanço a cabeça apenas.

Não sei bem o que fez o clima dentro do carro mudar, mas depois que Letícia falou que não iria jantar conosco todos permaneceram calados.
Assim que chegamos em frente a ONG Letícia suspirou e me agradeceu:

- Obrigada pela carona. Estou muito feliz em saber que você vai para casa descansar, bombom. - Ester sorriu de lado, mas nada disse.

A Ruiva sai do carro após se debruçar e beijá-las e me dar um abraço de lado rapidamente. Ela dá a volta no automóvel falando com Ester pela janela.

- Você quer dar um abraço na Najú? Ela está com saudades de você. - E foi então que minha irmã sorriu novamente. Letícia a ajudou a soltar o cinto e as duas saíram em direção ao galpão da ONG.

- Vou dar um beijinho na Najú também. - Minha avó saiu logo atrás e seguiu a passos lentos.

Bufei me extressando ainda mais. Além de não jantar conosco, Letícia carregou as duas mulheres consigo. Puxei fortemente a respiração e decidi segui-las. Não sou motorista para ficar esperando.

Assim que Ester e Letícia entraram, uma gritaria começou e palmas foram ouvidas. Minha avó que estava próxima apertou os passos e entrou também. Bufei curioso e segui mais rápido até elas.

Assim que entrei pelos portões, notei várias crianças pulando e enxerguei Ester no meio delas. Tinha bolas para todos os lados e um bolo com vários docinhos em cima de um mesa, na frente de cortinas coloridas, como se fosse um arco-íris.

- Gostou da minha surpresa? - Tomo um susto com a voz de Letícia ao meu lado.

- Tinha que ter sido você, né, Ruiva? - Olho-a demoradamente e vejo suas bochechas ficarem vermelhas. Sorrio em sua direção. - Você poderia ter me contado. Eu ia te ajudar.

- Najú me ajudou com tudo. Apesar de ter sido às pressas, ela conseguiu chamar os amigos de Ester e as crianças da ONG que entraram recentemente.

- Vocês duas são incríveis. Essas crianças têm sorte de ter vocês. - A Ruiva sorri e coloca uma mecha de seu cabelo atrás da orelha.

- Essa parte boa é dom de Deus. O amor que Ele implantou dentro de mim, eu dou a eles. É tão fácil amar os pequenos, eles são sensíveis e sinceros.

- E bagunceiros. - Completo dando risada.

- Com certeza. Isso é o bom de ser criança. Eles são inocentes e ficam felizes com poucos gestos de amor. - Assinto.

- Não sou muito fã de fotos, mas acho que hoje é um dia que precisamos guardar, não só na mente. O que acha? - Pergunto-a. Letícia sorri e assente empolgada.

Retiro meu celular do bolso e nos posicionamos um ao lado do outro de costas para as crianças, no fundo a bagunça dos pequenos pulando aparece, e na frente a foto registra Letícia e eu sorrindo lado a lado.

Ainda tiramos mais algumas fotos com Ester e minha avó. Dei flashs nas crianças comendo pipoca e se sujando com mini pizzas que Ana Júlia doou. Na hora dos parabéns, elas decidiram fazer uma oração de agradecimento pela recuperação de Ester e até eu me senti no direito de fechar os olhos e abaixar a cabeça, como todos fizeram.

- Pai, nós entramos em Tua presença te agradecendo por todos todos os benefícios que tem nos feito.Te agradeço, Senhor, pelo ar que respiramos e pelo fôlego de vida. Pai, obrigada por este momento com nossos pequeninos e principalmente pela cura da Teté. Só tu sabes, Senhor, tudo que ela passou naquele hospital e como chorou por não poder estar em casa, então te louvamos e devolvemos toda honra a Ti, porque tudo foi permissão Tua e sabemos que a sua vontade é boa, perfeita e agradável. Nos perdoa pelas falhas e nos ajuda a seguir adiante todos os dias, em nome de Jesus, abençoo todos os pequeninos que estão neste lugar e desde já te agradeço pela vida de cada um deles, em nome de Jesus, amém. - Letícia acaba sua oração e palmas são entoadas. - VAMOS COMER BOLO? - Ela grita e as crianças pulam eufóricas e empolgadas.

- Não tem nada mais lindo do que o sorriso de quem amamos, né? - Meus olhos estavam em Letícia e rapidamente virei assutado para Najú que se encontrava ao meu lado.

- O que você disse? - Indago piscando meus olhos rapidamente.

- Quis dizer que é lindo o sorriso de quem amamos. Olha como essas crianças estão feliz. - Solto o ar que nem sabia que estava preso e vejo Najú sorrir de lado.

- Você não presta, garota. - Digo e saio andando.

- Olha o respeito, hein. - Ela gargalha e vai para o meio das crianças.

Observo todo o cenário da festinha. Os piralhos pulando enquanto dançam, outros comendo bolo até estarem todos lambuçados de doce. Realmente eles são felizes.

(..)

Não sei quantas horas passaram, mas após escurecer, alguns pais começaram a vir buscar seus filhos, outros, Najú levou para casa de carro e logo se iniciou a limpeza no ambiente.

- Nunca pensei que estaria em uma ONG ajudando a limpar a bagunça de uma festa. - Digo e Letícia gargalha enquanto junta brinquedos.

- A mudança sempre impressiona aquele que não espera. - Diz sorrindo.

- Você está muito filósofa hoje. - Ela dá risada.

- Só disse a verdade, Matt.

- Eu sei. Acabamos tudo? - Ela olha em volta e assente com a cabeça.

Seguimos até minha avó e Ester que estão sentadas com aspectos de cansadas.

- Vamos para casa? - Todas concordam e, após Seu João fechar tudo, nos despedimos e seguimos para o carro. Najú tinha ido embora após levar algumas crianças para casa.

Nos acomodamos no carro e aumentei a velocidade indo levar minha avó em casa. O silêncio no automóvel era agradável e Letícia ligou a rádio em uma música baixa internacional.

- Teté brincou tanto que até dormiu. - Virei-me para trás quando estávamos quase chegando em casa.

- Estranhei que ela estava muito calada. - Comento.

- Hoje foi um dia cheio, né? Ela ficou feliz por ter saído do hospital e ter recebido uma festinha. - Letícia comenta virada para o banco de trás, olhando minha irmã.

- Sim. Estou feliz por ela. - Digo estacionando o carro.

Saímos do automóvel e após pegar Teté no colo, segui minha avó e Letícia, que adentrava levando todas as coisas que trouxemos do hospital.

A Ruiva ajudou minha avó a levar a roupa suja para o cesto e eu iniciei minha caminhada com Ester nos braços para colocá-la na cama.

- Matt. - Ouço seu sussurro e ela se remexe.

- Estou aqui pequena. Vamos descansar um pouco? - Indago fazendo carinho em seus cachinhos.

- Sim. - Ela boceja. - Estou cansada. - Assinto e ela aperta os braços ao meu redor me abraçando.

- Eu te amo muito, Matt. Você é o melhor irmão que Deus poderia me dar. - Fecho os olhos e suspiro.

Como eu queria ter forças para lhe dizer que sou um dos piores homens que existem neste mundo. Queria ter forças para confessar que eu já teria desistido de tudo se não fosse ela em minha vida. Ester é um bálsamo em meio a tanto caos.

- Eu também te amo, minha bombonzinha. - A aperto no abraço.

Assim que adentro em seu quarto a coloco na cama e ligo o ar-condicionado, cubro-a com um lençol e beijo sua testa. Ela se remexe e pisca os olhos sonolenta.

- Já vai embora? - Pergunta tentando manter as pálpebras abertas.

- Sim. Eu preciso levar Letícia para o apartamento. Todos estamos cansados. Foi um dia bem cansativo. Não acha? - Enrolo seus cachinhos em meu dedo.

- Acho. Mas eu queria que você ficasse aqui. - Sorrio triste e pego sua mão deixando um beijo no dorso.

- Prometo que volto amanhã. Mas você precisa se alimentar, dormir, descansar e tomar o remédio. - Ela faz uma careta quase fechando os olhos.

- Descansei muito no hospital. - Dou risada da sua fala. - Mas prometo tentar.

- Promessa de dedinho? - Pergunto levantando meu dedo.

- Sim. Promessa de dedinho. - Selamos a promessa juntando os dedinhos. Deixo mais um beijo em sua testa e levanto-me de sua cama e após desligar a luz, ouço-a sussurrar.

- Vai com Deus, Matt. - E em meu pensamento também desejei que ela ficasse com Deus.

(..)

Após descer as escadas, encontro Letícia me esperando de braços cruzados e olhos molhados.

- O que foi? - Pergunto franzindo a testa.

- Você é tão fofo com a sua irmã. - Reviro os olhos.

- Estava me espionando? - Balanço a cabeça em negação. Ela gargalha.

- Só fui ver se iria demorar. Agora vamos nos despedir de sua avó. - Ela segue em direção a cozinha.

- Você está ficando cada vez mais esperta em fugir dos assuntos. - Dou risada e ela me acompanha.

- Aprendi com você. - Balanço a cabeça em negação e encontramos minha avó.

- Estamos indo, Dona Angel. - Ela nos nota e acaba de coar o café.

- Vão com Deus, meus filhos. - Ela beija a Ruiva e logo depois me aproximo a abraçando. - Isso aqui é seu. - Diz, colocando a carta do advogado na minha mão.

Puxo o ar fortemente e tento controlar o peso que isso trás em meu coração.

- Tá bom, vó. Bênção.

- Deus te abençoe, meu menino.

- A senhor quer alguma ajuda? Quer que eu leve Letícia no apartamento e volte? - Pergunto segurando em suas mãos.

- Não precisa, meu filho. Ester vai dormi um pouco e eu vou preparar uma sopinha leve e depois que ela acordar vai tomar o banho e os remédios. - Assinto.

- Então tá bom.

- Ah, e eu seu tio Augusto vai vir dormir aqui essa noite.

- Fico mais tranquilo ao saber disso. Pelo menos vocês não estarão sozinhas. - Sorrio para ela. - A senhora é maravilhosa. - Elogio-a, deixando um beijo em sua testa.

- Obrigada. Agora vai porque Letícia deve estar doida por um banho. - Ela diz sorrindo e a Ruiva assente com a cabeça.

Após beijá-la novamente, deixo minha avó fazendo suas artes na cozinha e sigo com Letícia para o carro. Jogo a carta em qualquer canto e ligo o veículo. Durante o percurso conversamos sobre como os dias foram corridos ajudando minha avó a cuidar da Ester no hospital e de como hoje foi um dia feliz para a minha pequena bombom. Dinheiro nenhum no mundo compra a paz e alegria de ver quem amamos feliz.

(..)

- Nossa, eu preciso de um banho. - A Ruiva diz assim que adentramos no apartamento.

- Estou sentindo o fedor daqui. - Comento rindo.

- Deixa de ser ridículo, Mattheus! - Ela dá risada. - Vou me ajeitar e depois faço uma comida para jantarmos. Meu irmão deve ter chegado e se eu não fizer nada, ele vai querer pedir pizza em plena segunda-feira.

Ela segue para seu quarto e eu vou para o meu. Também preciso tomar um banho e procurar o Lucas, já que marcamos de conversar.

(..)

Após sair do banheiro e vestir uma bermuda e camiseta, sigo a procura do meu amigo em seu escritório. Estranho não encontrá-lo lá e bato na porta do seu quarto. Ouço sua voz permitindo que eu entre e assim que adentro o vejo sentado na poltrona lendo um livro com os óculos que ele, nem sempre, usa.

- Acho que o tempo vai mudar. Que milagre te encontrar relaxando no quarto ao invés de estar no seu escritório no meio de papeladas e o notebook. - Ele sorri e fecha o livro.

- Você sabe que sou exigente com o trabalho. - Assinto com a cabeça.

- Eu sei. Já te vi chorando por ter perdido um caso na justiça. E olha que foi o único. - Lucas dá risada.

- Me dê um desconto. Eu estava no começo da carreira. E quem nunca chorou por perder algo, né? - Ele se levanta e retira os óculos.

- Agora o meu amigo apareceu. Quando você está com seus quatro olhos é o advogado obstinado. Mas sem eles é só meu amigo. - Lucas revira os olhos e eu sorrio.

- Não estamos aqui para falar de mim e você me elogiar. - Agora é minha vez de revirar os olhos. - Diga logo o que você queria me contar. Pensei nisso o dia todo.

- Você nem foi na festinha, né? Sempre trabalhando.

- A água de salsicha me chamou, mas eu não pude ir. Esse final de semana vou visitar a Teté. Aquela menina tem todo meu amor. - Bufo. - Deixa de ser ciumento.

- Eu não disse nada. - Respondo.

- E eu não conheço essa sua cara de bunda? Não pode falar nada, porque você fica o tempo todo com a minha irmã. - Lucas diz e eu reviro meus olhos novamente.

- Trabalhamos juntos e moramos no mesmo apartamento. Por culpa sua que não deixou eu ir embora. - Digo.

- Tá bom, irritadinho. Vamos conversar sobre o que aconteceu e você não me contou. - Ele se senta na cama e se encosta na cabeceira.

- Não estou irritado. - Lucas revira os olhos.

- Eu te conheço, Mattheus. Mas vamos deixar isso de lado. Senta aí e me conta tudo.

- Fofoqueiro. - Digo seriamente e ele dá risada.

Me aproximo e sento no final da cama, me recostando na parede.

- Outro dia eu contei para sua irmã metade da minha vida. - Lucas passa as mãos pela leve barba e permance atento me ouvindo. - Foi uma noite difícil. Eu estava esgotado e foi ela quem me abraçou e disse palavras de ânimo. Eu chorei em seus braços e senti vergonha por todo meu passado.

- Mas você não tem que se envergonhar por causa do passado. Tudo que aconteceu na sua vida te fez ser quem você é hoje. Mesmo que as feridas tenham sangrando muito, elas te fortaleceram. Hoje, você pode dizer que viveu e superou coisas horríveis e isso é mérito de Deus e seu, porque portas para desistir sempre apareceram.

- Eu sei. - Comento. - Mas não foi fácil relatar e lembrar de tudo. Eu nunca esqueço, mas quando pronuncio tudo que aconteceu... A dor que eu sinto é diferente. O medo de que aconteça de novo. O desespero para acabar de falar para cessar meu sofrimento... Foi tão doloroso. Senti uma agonia tão intensa ao dizer todas as vezes que eles usaram e abusaram de mim, ao falar das vezes que eu mal sabia o que estava acontecendo, porque ainda era uma criança no corpo de um moleque. - Puxo a respiração tentando me controlar.

- Eu sei que dói. Quando você fala de algo que te aconteceu é como se estivesse novamente revivendo aquela cena. É como se pudéssemos sentir todas as dores de novo... E é por isso que muitas pessoas sofrem em silêncio. Elas não conseguem pronunciar a dor sem senti-la. Por isso que vemos cada dia mais pessoas sofrendo e morrendo, com sofrimentos e dores sufocadas. Às vezes, foi um abuso que sofreu, às vezes foi um surra que marcou seu corpo internamente ou até mesmo traições, bulliyng, acusações e tantas outras marcam que podem ser deixadas dentro de nós... E isso tem matado, cada dia mais, crianças e jovens que preferem morrer com algo dentro deles do que desabafar e sentir tudo novamente. - Lucas comenta.

- Eu entendo cada um deles.- Digo fechando os olhos.

- Eu também, mas existem casos que só é possível vencer desabafando e chorando em um ombro amigo... Morrer com dores aprisionadas é sofrer lentamente, dia após dia. Porque aquilo vai te consumindo e retirando sua alegria de viver. - Assinto.

- Foi por isso que decidi pedir ajuda a ela. No meio da madrugada eu surtei e foi ela quem me ajudou. Letícia me estendeu a mão. Eu estava me matando aos poucos, a cada dia que eu aprisionava as dores e as alimentava com doses diárias de sofrimento... Eu quero viver, eu quero ser livre; quero poder amar sem medo de machucar alguém com a minha dor. Eu quero respirar tranquilo sabendo que qualquer notícia que eu receber, não irá me causar uma crise. Eu quero que as pessoas possam contar comigo, não quero que minha dor atrapalhe o meu trabalho. Eu quero salvar vidas, e principalmente a minha. - Lucas levanta a cabeça que havia abaixado e seca os olhos molhados.

- Amigo, como eu orei pedindo que Deus devolvesse a sua alegria de viver. - Ele funga. - Eu sentia falta daquele menino que corria atrás da bola em uma partida de futebol, sentia falta daquele menino que gostava de brincar e caçoar dos amigos... Mano, Glória a Deus pela sua vida. - Lucas levanta e puxa meu braço me puxando junto. Eu lutei contra as lágrimas, mas quando ele me abraçou eu perdi a luta.

Me rendi em um choro compulsivo e sofrido. Eu sei como meu amigo orou por mim, como ele insistiu para que eu procurasse uma ajuda médica. Somente nós dois sabemos quantas vezes ele me encontrou no meio dos becos drogado e sangrando. Só ele e eu sabemos como sofremos. Lucas via a minha dor e a tomava para si. Por milhares de vezes foi ele quem enxugou minhas lágrimas e me fez levantar do chão.

- Não sei o que seria da minha vida sem você, Lucas. - Soluço.

- E eu não sei o que seria da minha. - Ele diz fungando.

- Obrigado por ter permanecido do meu lado. Eu te mandei ir embora várias vezes, mas você teimoso sempre ficou. - Me afasto fungando e sorrindo.

- Alguém tinha que cuidar desse cabeção. - Lucas diz secando os olhos e batendo em minha cabeça.

- Seu idiota! - Empuro seu braço braço e ele dá risada.

- É sério, Mattheus. - Ele se senta novamente e eu o acompanho. - Você pode achar que esse passo em pedir ajuda não é nada demais, só que no mundo espiritual isso tem um peso muito grande.

- Como assim, Lucas? - Franzo o cenho não entendendo.

- Quando demostramos que sozinhos não conseguimos lidar com alguma situação e pedimos ajuda, nossa mente se abre para receber coisas que antes não conseguíamos. Sabe por quê? Porque enquanto deixamos o orgulho e a dureza do nosso coração falar mais alto, isso nos impede de reconhecer que precisamos de ajuda. É como se fosse uma criança fazendo birra com sua mãe, enquanto ela não ceder, não notará que precisava abrir uma brecha. A criança só vai ver o seu lado e não vai pensar que pode estar errada. A mesma coisa acontece com você, enquanto não não abria seu coração, você não se dava conta de que a cada atitude sua, de se fechar para as pessoas, mais você se matava por dentro. Quando não queremos abrir uma brecha para alguém nos ajudar, não notamos que podemos magoar alguém que só quer o nosso bem.

"Algumas pessoas se ferem por culpar os outros por algo que aconteceu em sua vida, mas outras pessoas se culpam tanto que esse sentimento vai o corroendo por dentro, ao ponto de não confiar em si mesmo. Se sente insuficiente, pensa que todos vão julgar o seu passado, que ninguém nunca vai te entender, que todos zombarão do que passou... Tem noção de como isso é triste? As pessoas se isolam e se aprisionam, não querendo dizer o problema que passaram, porque isso traz à tona toda dor que aquela situação proporcionou. Então eles se fecham para o mundo rejeitando ajuda e chega ao ponto de martirizarem-se sozinhos e passarem a não ver nada além da própria dor"...

"A dor se torna tão grande que isso gera ansiedade, depressão e pensamentos suicidas. Já parou para pensar quantas mães e pais não têm noção de que os próprios filhos se matam lentamente? Sozinhos e trancafiados em sua dor."

- Mas Lucas, os pais precisam olhar mais seus filhos. Como que uma pessoa que mora com você muda drasticamente e o outro não percebe? - Indago.

- Da mesma forma que a dor cega, a distância também. Quantas não devem ter sido as vezes que os pais tentaram conversar e ajudar? Mas os filhos os afastam chamando-os de chatos e controladores. Quantas vezes a mãe não tentou se comunicar, mas o filho ou a filha ignora e menospreza aquele gesto? Eu sei que existem casos que os pais são relapsos e não notam, não se importam... Mas isso não pode continuar matando tanto jovens.

- A gente nem sabe aonde cada um está, Lucas. Eu sei de mim. Da minha dor, mas como posso saber da dor de jovens que eu nem conheço!?

- Você disse certo. A gente não sabe aonde eles estão, mas Deus sabe. O Senhor sabe aonde estão as feridas em nosso corpo. Ele sabe aonde nos encontrar. Mas Ele também sabe que muitos não querem saber dEle. Deus sabe que muitos o culpam por sua dor, sendo que Deus não tem culpa pela maldade do homem. São inúmeras vidas perdidas e que se dilaceram constantemente, mas enquanto permanecerem fechados a dor vai continuar cegando cada um... Eu só queria poder dizer a verdade que eu sei.

- Qual é a verdade que você sabe?

- Eu sei que o único que pode curar as feridas do nosso interior é Ele. Jesus veio nessa terra e morreu para salvar e curar vidas. Ele veio para trazer redenção, mas muitos não querem isso. Eu queria poder dizer a cada um: Ei, Jesus ama você e quer sarar as feridas da sua alma. Jesus quer te dar uma vida nova. Ele quer te puxar do meio dessa confusão de dores para te dar a liberdade que Ele conquistou na cruz do calvário. Ei, Jesus quer te abraçar, Ele quer consolar seu coração para que você nunca mais se sinta sozinho novamente. Ele quer que você seja feliz, pois é um Pai apaixonado por você! Ei, Jesus pagou um alto preço de sangue para que você não precisasse carregar um fardo pesado demais em seus ombros, e a única coisa que Ele quer de você é sua confiança. Ele quer ser seu amigo para cuidar das dores que ninguém vê. Jesus quer que você creia que Ele é capaz de te curar, mas você só precisa ter fé nEle; naquEle que deu a vida para te salvar. Não existe dor, nem sofrimento que Ele não possa curar. Jesus pode mover os céus ao seu favor... Mas creia e dê liberdade para Ele cuidar de você, e mesmo que ache que é mentira... O amor dEle é suficiente e isso te sustentará e você nunca mais se sentirá abandonado... Segure nas mãos dele e receba seu abraço, pois ali você estará seguro.

Lucas levantou seus olhos enquanto as lágrimas escorriam e quando meu amigo se deu conta, notou que eu segurava fortemente as minhas. Não consigo segurar a dor e ela sai em forma de lágrimas também. Lucas levantou e andou de um lado para o outro chorando. E isso não me assusta, eu o vi assim em várias vezes e a maioria delas foi quando falávamos da dor que as pessoas sentem todos os dias, mas nunca sabemos quem são e aonde está cada dor. A gente sabe que todos sentem, mas não tem o controle do mundo nas mãos.

Levantei em um pulo e o puxei para um abraço. É o meu coração que precisa, e meu corpo que necessita ser amparado, porque a dor que estou sentindo é tão grande que eu não sei o que seria de mim sem o meu amigo. Tudo que ele falou gerou um impacto em mim, mas confesso que tenho medo de tentar entender o reboliço que está meu coração... Tenho medo que todos vejam como eu sou um menino indefeso, como eu sou um moleque com medo da surra, como eu sou um menino que sofreu tanto que não enxerga possibilidades de ter um futuro feliz.

Eu tenho medo.

(...)

"A cada vez que a dor se tornar mais forte, mostre a ela que quem comanda sua vida é Deus".

Thayla Fernanda

Quero deixar aqui um pergunta final. Vocês entenderam a mensagem? Se sim, comente aqui para quando outras pessoas chegarem elas venham saber que não estão sozinhas.

Beijos e fiquem com Deus.

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