Capítulo || 33

Uma sensação de euforia incompreensível preenchia meu corpo a medida em que sentia a música vibrar em meus ossos. Cantava a letra de um jeito desajeitado e inconfundivelmente bêbado, mas algo me impedia de parar, possivelmente substâncias ilícitas ou simplesmente álcool. As possibilidades eram variadas. Entretanto, apesar das circunstâncias, a ideia de interromper a dança parecia ridícula.

Os momentos seguintes se arrastam de forma lenta e ilegível, como uma fita antiga com partes cortadas ou emaranhadas de forma que seja impossível distinguir o que acontecia na cena. Com certo cuidado, uma mão me puxava, porém estava inebriada o suficiente com a voz de Freddy Mercury para ao menos pensar em contestar o ato.

- Você vai ser processado pelo artigo 307 da constituição. - digo de forma autoritária, minha única artimanha no momento, já que meu corpo não parecia agir na mesma sintonia que meu cérebro, não obedecendo os comandos impostos a ele.

- Meus sapatos com vômito também pedem um processo. Mas já que foram dados por você aceito apenas um acordo com indenização.

Percebi com o tempo que a voz era feminina e que parecia singelamente irritada. Não entendia qual a razão para tal sentimento ser voltado a mim. Afinal, qual meu envolvimento com seus sapatos? Nunca a vira em minha vida e, pelo que me lembre, meu vômito não possuía tais características, precisaria ingerir aproximadamente outros dois coquetéis de mirtilo para conseguir deixá-lo tão azul. Mas bem, talvez seja melhor guardar as descrições grotescas para o tribunal. Conhecia muito bem meu corpo para saber que aquilo, definitivamente, não havia saído de mim. Ou havia?

- Você é o Noah? - pergunto assim que a pessoa me coloca no banco passageiro de um carro, após por um momento ter pensado ouvir sua inconfundível voz. Não conseguia distinguir sua feição por estar com os olhos fechados devido a claridade, algo que não parecia tão significativo minutos atrás enquanto dançava.

- Sabe que sou uma mulher, não é? - ouço sua risada, sentindo também algo gelado em minhas mãos. Percebo que a bebida vermelha saborosa havia sido substituída por uma garrafa de água. Solto um gemido de frustração.

- Sim? Ou não. - rio da situação cômica. Eram duas palavras tão engraçadas. Uma expressava afirmação, enquanto a outra negação. Como alguém era capaz de criar algo tão genial?

- Lily, por favor, não use o porta-luvas do carro do seu pai para vomitar. Gosto da ideia do nosso grupo com 14 pessoas, e não 13. - Lily. Reconheceria a autora do tão particular apelido em qualquer lugar, e agora me achava idiota o suficiente por demorar tanto tempo para perceber. Mas não era minha total culpa, apenas tive pequenos obstáculos até que minha memória permitisse tal revelação.

Por mais que adorasse divagar sobre quão estupida era, uma de suas palavras teve um impacto maior que as outras, fazendo-me recobrar parte da consciência quase que imediatamente. Por que meu pai está envolvido nessa história?

- Quem foi a cadelinha fofoqueira que contou pro meu pai que eu estou aqui? - a expressão de quem não fazia ideia do que acontecia foi substituída por algo próximo ao pavor. Mas, ainda assim, a confusão era presente, assim como as náuseas. Talvez, de fato, eu use o porta-luvas.

- O Simon não sabe de nada. - a frase supostamente me traria alívio, e trouxe, de certa forma, mas deixou outra tese em evidência, uma ainda mais assustadora.

- Então... você roubou o carro?

- Não roubei sozinha! Quero dizer, a palavra certa não seria roubo, é algo parecido com um... empréstimo que ele descobrirá mais tarde. - uma careta se forma em seu rosto, e posso perceber sua postura tornar-se mais rígida. - E bom, já que você, que é filha do Simon, está aqui, todas as queixas e possíveis processos se anulam. - ela termina com um sorriso, expressando evidentemente seu nervosismo.

- Lexy, você não nos deu outra escolha. - outra voz vindo do banco de trás me faz pular de susto e, em consequência, derrubar a água antes presente na garrafinha em direção ao teto, que agora pingava no estofado. - Hum... eu diria que isso não é bom. - ele diz ao olhar para o carro ensopado.

- Uber? Taxi? Me deixar na festa para mais tarde me encontrarem no hospital por causa de um coma alcoólico? Tenho muitas opções que não envolvem meu pai e seu carro. Especificamente. - apesar do alto teor alcoólico presente em meu sangue, a situação conseguiu me deixar alerta o bastante para conseguir usar pelo menos 5% da minha capacidade mental, que até o momento consistia em reclamar. - E por Deus! Está me fazendo fugir dele até aqui, Heyoon? Não entendo qual a utilidade do senhor Urrea no banco traseiro.

- Os gritos e música alta deixaram sua ligação no mínimo assustadora. E aliás, deixe a localização do snapchat ativa da próxima vez, tivemos muito trabalho em achar essa festa no meio do nada. - Noah, que parecia igualmente frustado, gesticula.

- Achamos ela pelo status do whatsapp, Noah, não exagere tanto.

- Não exagerar? Tivemos que dirigir por 30 minutos depois de roubar, pegar emprestado ou qualquer que seja a palavra para isso - ele parecia confuso, embaralhando as palavras. - e a Alexa continua a agir como uma criança de 10 anos que tomou vodka escondida dos pais, o que não é uma metáfora. Sinceramente...

A partir daquele ponto, comecei a ficar com raiva do garoto, então, na tentativa de não ouvir mais nenhuma palavra que escapasse de sua estúpida boca, coloquei as mãos sobre meus ouvidos, fazendo pressão enquanto cantarolava. Ao perceber que Noah me encarava com um olhar irritado, retiro minhas mãos, momentaneamente feliz por fazê-lo se calar, pois no segundo seguinte ele começa a falar novamente. Reviro os olhos.

- Por isso não chegamos a namorar, você é extremamente chato e impossível de se conviver. - com isso, tomo o que restava da garrafa de água e me sento de lado no banco, de forma folgada e fazendo menção de deitar o banco, diminuindo o espaço que Noah tinha no banco de trás. Heyoon tomou a reação como uma deixa para ligar o motor e começar a dirigir.

Poderia continuar a viagem tranquila e sem remorsos pela pequena briga com Noah, pois sabia que tinha total razão, porém, instantes antes de me deitar, olho para trás de relance. A visão que tive me fez querer gritar com minha parte insensível que havia aparecido minutos atrás. Ver o garoto fechar a expressão, claramente magoado, como se pudesse chorar a qualquer momento, fez com que meu coração apertasse. Agora, minha única vontade era abraçá-lo.

Não lembro ao certo quando chegamos ao hotel, apenas da sensação de conforto e segurança ao sentir braços me rodearem e, com cuidado, me depositarem na cama. No momento em que me encontrei longe do calor de seu corpo, senti-me imediatamente vazia e com frio, como se houvesse uma parte faltando.

- Noah? - me remexo, sonolenta, afastando as cobertas, a sua procura, contente ao percebê-lo sentado na ponta da cama, me observando. Sento-me e estico uma das mãos, tocando seu rosto de leve. O simples toque deixou meus dedos formigando e meu coração acelerado, praticamente implorando por mais.

- Esse é nosso último país. É triste pensar que não te verei em muito tempo. - ele diz, suavemente tocando uma das mechas do meu cabelo, deslizando pelos meus braços até encontrar minha mão, que entrelaçou com a sua, o bastante para fazer com que minhas batidas se descompassassem.

- Dorme comigo? - pergunto, com nenhuma outra intenção que não fosse aquela, apenas a urgência de tê-lo por perto. A ideia de sentir seu toque era o bastante para me fazer estremecer, e por um instante, torço para que ele não aceite, pois assim não terei que lidar com meus hormônios traidores.

Um sorriso escapa de seus lábios, como se pudesse ler todos meus pensamentos e intenções escondidas, algumas das quais nem eu mesma sabia da existência, mas continuvam ali, me induzindo a fazer coisas loucas - e que provavelmente me arrependeria horas depois - como aquela.

Quando estava prestes a chegar em ponto de combustão pela tamanha vergonha que sentia ao ser examinada por seu sorriso, ele, finalmente, senta-se ao meu lado. Estar a mínimos centímetros de Noah, mesmo que por poucos segundos, tinha suas consequências, que estavam rapidamente dominando meus pensamentos.

- Você parece tensa. Tem certeza que não é melhor que eu vá para o meu quarto? - ele diz com uma expressão receosa, e, antes que pudesse realizar qualquer movimento que indicasse sua saída, seguro seu braço.

- Não me deixa sozinha, por favor. - essa frase soaria ridícula demais caso eu estivesse em meu estado normal, mas dita por alguém que tomou mais do que sua tolerância alcoólica permitia, de certa forma, não havia justificativas para me culpar pelas palavras manhosas.

Ao notar o silêncio constrangedor no ambiente, Noah apoia sua mãos no tecido macio do colchão e se deita, aparentando estar levemente desconfortável. Entretanto, todo sentimento de não pertencimento parece sumir ao sentir o simples toque em seus cabelos. Poderia passar horas naquelas condições, com minhas mãos em suas mechas extremamente macias e com seu aperto em minha cintura.

Seu rosto abaixa por poucos centímetros, apenas para que pudesse olhar diretamente para meus olhos, fazendo meu rosto esquentar pela proximidade. Sua respiração quente entrando em contato com minha pele era o suficiente para as batidas já instáveis do meu coração entrassem em pânico. Traço meus dedos de seu cabelo até seu pescoço, sem quebrar o contato visual por momento algum. Seus olhos eram como uma espécie de transe que não ousava em me desvincular.

- Por que você faz com que as coisas sejam mais difíceis do que são? - ele sussurra, sua voz baixa e rouca fazendo cócegas em meu rosto. Estávamos tão perto, o mais perto que chegamos desde o Canadá, e sinceramente, não sabia com que forças conseguia me controlar. Me perguntava como pude repudiar sua aproximação por tanto tempo.

A distância tornava-se cada vez mais sufocante, por isso, sigo o pedido desesperado de meu subconsciente, ignorando todas as consequências e problemas que nossa relação possivelmente traria. Gentilmente, pressiono meu lábios contra os seus, e em contraposto, seguro sua nuca com urgência, trazendo-o para mais perto.

Minhas pernas involuntariamente contornam sua cintura, e logo, estou em seu colo. A sensação trazia nostalgia, e ao mesmo tempo aumentava consideravelmente meu desejo de estar perto de Noah. Com uma de suas mãos, acariciava minha cintura desnuda, e com outra, segurava meu rosto, fazendo-me sorrir com seu jeito carinhoso.

A sessão de beijos e carícias dura por tanto tempo que desisto de tentar estimar as horas e apenas me rendo ao garoto, ofegante e completamente bagunçada. Lembrando do voo que teríamos que pegar daqui poucas horas, me afasto minimamente, mas assim que meu olhar se encontra com o seu e me deparo com seus lábios rosados, esqueço de meu objetivo e volto a beijá-lo.

- Precisamos dormir. - para a supresa de ambos, a frase é dita por mim.

Subitamente me sentindo envergonhada pela posição que me encontrava, saio de seu colo e me deito, divagando sobre o que acabara de acontecer.

- Certo... - ele suspira, bagunçando os cabelos e tentando se concentrar, antes de depositar um último beijo em meus lábios. - Boa noite. - sorrindo, ele me beija novamente, para então me rodear com seus braços e fechar os olhos.

Sentia o sono cada vez mais perto, e sempre quando estava prestes a dormir, algo dentro de mim me fazia despertar, apenas para apreciar sua presença por mais algum tempo. Talvez fosse a saudade, mas havia outros elementos a serem analisados, como o porquê das minhas reações ou por qual razão sentia a extrema necessidade de seu toque, mesmo que singelamente soubesse a resposta...

Estava inegavelmente, completamente, totalmente apaixonada por Noah Urrea.

...

miiiil perdões pela demora, sério, e como sempre, sou cara de pau o suficiente pra voltar KKKKKK pra compensar vou postar dois capítulos :)

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