Capítulo 8
3440 Palavras
Raika, o arquidemônio líder do submundo.
Nunca imaginei estar frente a um demônio, ainda menos de um arquidemônio. E agora, estou frente a não um qualquer... Mas sim daquela que os lidera.
Não nego que, agora que sei quem é ela, meu corpo treme de medo.
Tudo que sei sobre essas criaturas do submundo é o que ouvia em histórias contadas no paraíso. Criaturas terríveis que rivalizam com os anjos da Legião e espalham destruição por onde surgem...
- Consegue ficar de pé? – Ela me questiona, ainda me observando. Relutante, confirmo, e me coloco de pé, sem saber o que Raika pode querer comigo – Ótimo. Agora que já nos conhecemos melhor, temos muito a falar.
Engulo em seco, escolhendo bem minhas palavras – O que quer falar comigo?
- Não pense que sua liberdade é de graça. – Ela diz, sentando-se em seu trono e apoiando o rosto sobre as costas da mão – Isso é seu prêmio.
- Meu... Prêmio? – Pergunto sem entender.
- Ah sim, seu prêmio. – Ela confirma sorrindo de forma maldosa – Quero que você sirva o submundo.
- Como é? Servir o submundo? – Pergunto incrédula. – Mas... Por que eu? Sou um anjo...
- Não mais. Agora você é uma caída, Mi'Ka. – Raika rebate imediatamente – A partir do momento que você foi expulsa do paraíso, não tem mais como retornar.
Baixo meu olhar, absorvendo as palavras que acabei de ouvir. Não sou mais um anjo, e não tenho mais como retornar ao paraíso... Isso é verdade? Eu fui... Descartada?
- Se quer entender o que me levou a ir vê-la e fazer tal oferta, é a utilidade que enxergo em você. É algo especial, que talvez somente você possa realizar de maneira eficaz. – Raika tem um tom tranquilo em sua fala.
Aperto os olhos, refletindo a respeito – E o que seria esse "algo especial" que só eu posso fazer?
- Buscar almas corrompidas na terra, e então trazê-las até nós. – A naturalidade de sua voz me parece estranha.
- Me parece uma tarefa muito simples. – Digo estranhando – Por que somente eu posso fazê-lo?
- Porque demônios têm a mania de serem indiscretos, o que não se adequa a esse trabalho. Vocês anjos costumam ser mais discretos em seus trabalhos. – Ela responde sorrindo, enrolando uma mecha de seu cabelo entre os dedos – E se os humanos não estiverem em alerta, não tentarão escapar.
Vou juntando todas as informações na minha mente – Escapar? Mas minha tarefa não é buscar almas?
- De fato. – Raika responde – Você deverá tomar a vida deles, para então recolher suas almas.
- Eu... Precisarei matar humanos? – Minha voz falha, e sinto-me completamente perdida. – Mas... Ainda que sejam humanos corrompidos, por que eu Raika? Não faz sentido.
- Caso recuse, eu irei entender. – As palavras da Raika são num tom compreensivo. Mas algo me leva a crer que isso é apenas aparência – Imagino que não seja fácil trocar de lado como estou te propondo fazer... Entretanto, sabe o que te aguarda a seguir, não é?
Não é preciso muito para que fique claro o que irá acontecer caso eu recuse sua proposta. Eu retornarei para aquela prisão sombria, e provavelmente, nunca mais sairei de lá.
Não imaginava isso. A muito tempo atrás, sempre tive curiosidade com humanos e nunca imaginei tomar a vida de algum deles. Quis conhecê-los, interagir com eles, conhecer mais de seus costumes, mas jamais imaginei ou desejei tomar a vida de algum deles.
E agora, essa é a condição para que eu tenha minha liberdade.
Raika montou uma situação a qual sua proposta se mostra única e irrecusável. – Eu jamais retornarei para aquele lugar... Eu aceito sua oferta.
A mulher sorri com minha resposta, como sendo algo que já esperava ouvir – Excelente menina, sendo assim... Minos!
Ela diz com força e sua voz ecoa, parecendo até um chamado a alguém. Quase que imediatamente, ouço o ruído de algo sendo aberto com um rangido, e com minha atenção atraída viro-me para olhar.
Uma figura está parada em meio a portas que antes não notei estar ali, e calmamente ele vem caminhando até nós, tendo o som de seus passos ecoando no grande salão.
Vejo um homem alto de aparência até jovial, cabelos brancos bagunçados e não muito curtos, olhar cinzento junto de um sorriso calmo. Suas vestes são um conjunto escuro alinhado e com grande elegância, junto de uma capa vermelha longa presa em seus ombros, que tornam sua presença muito marcante, imponente, e ouso dizer, até bela.
Conforme ele se aproxima de nós, algo se torna aparente nele. Consigo perceber o poder que sua presença exala, unida a uma agressividade sem tamanho. Algo que contradiz completamente a calma presente em seu rosto ou a beleza que ele apresenta.
Sem levar seu olhar a mim, ele para ao meu lado, fecha seus olhos e se ajoelha sem desmanchar seu sorriso – Senhorita Raika.
Me impressiono com a voz dele. É uma voz igualmente calma, porém firme, e tenho a impressão de haver algo provocante em seu tom, o que torna muito agradável de ouvir.
- Creio que já notou nossa recém-chegada, não é Minos? – Ela começa, olhando fixamente para ele.
O homem abre seus olhos e me encara de soslaio – Sim, de fato notei.
- Essa é Mi'Ka. Um anjo que foi expulso do paraíso e que decidi adotar. – Ela diz, e retorno meu olhar a ela, intrigada com sua escolha de palavras – Quero que você a oriente em seus primeiros momentos conosco, e acompanhe sua adaptação.
- Muito bem, assim farei. – Ele concorda imediatamente.
- Sendo assim, não tenho mais a dizer. Ambos estão dispensados. – Raika diz, abanando uma mão.
Minos se ergue, e virando-se começa a caminhar imediatamente. Olho para Raika uma última vez, e então começo a caminhar atrás de Minos, com o nervosismo crescendo em mim.
Sua presença me causa um desconforto muito profundo. Em meus tempos no paraíso, lembro de sentir presenças igualmente fortes em alguns anjos, mas nenhuma era agressiva como a dele. Grande parte de mim sente-se desprotegida próxima desse demônio.
Deixamos o salão, e o que vejo é uma escadaria de pedra e um caminho de pedras chamuscadas, e logo a nossa frente, vejo uma grande praça com árvores de troncos escuros ao redor, e as folhas soltam faíscas como se seu interior estivesse em chamas.
Existem alguns pilares em torno do caminho de pedras, indicando caminhos para outras construções perto, e esses pilares possuem orbes emanando uma luz amarelada. Além disso, ao longe ouço o som que parece ser um rio em uma selvagem correnteza, e procurando com calma,vejo algumas pontes que lembram as que existiam no paraíso.
Percebo que o céu tem cores púrpura com azul escuro simbolizando a noite, além disso, muitos pontos cintilam no alto, lembrando muito as estrelas. Não nego estar surpresa com o que vejo, acredito que imaginava algo completamente diferente neste lugar.
Observo Minos caminhando em passos firmes. Apesar da indiscutível beleza que ele carrega, não consigo ignorar a ameaça que ele me transmite, e isso me faz manter certa distância dele. Uma coisa é certa, ele é alguém extremamente perigoso.
- Mi'Ka, não é? – Minos diz de repente, me tirando de meus devaneios. Percebo que ele me olha de canto. – Qual era sua função no paraíso?
- Eu... – Começo, não esperando que ele falasse algo comigo – Eu era uma Portadora do Belo.
Ele salta uma sobrancelha com o que ouve – Uma Portadora do Belo, é? Que inesperado... Imaginava que você fosse um membro da Legião.
- Por que imaginava isso? – Olho o demônio fixamente.
- Seu olhar. É duro como o deles, talvez mais frio. – Responde – Pensei que fosse um deles.
- Nunca quis fazer parte deles. Não acho que me encaixaria na legião. – Respondo preferindo não entrar em maiores detalhes.
- Entendo, você é interessante. – Ele responde deixando de me olhar.
Conforme caminhamos, observo mais detalhes do lugar, e vejo alguns seres com uma aparência muito diferentes das de Minos. Enquanto ele carrega uma elegância extrema consigo, a ponto de ser perceptível alguns olhares sendo lançados em sua direção, os demais me aparentam um considerável desleixo com suas aparências.
Suas vestes são desalinhadas e muitos casos surradas, e, apesar de uma variedade de cores maior do que a que via no paraíso, os tons tendem muito mais para o escuro, e percebo uma tendência a mostrarem muito de seus corpos... Isso quando vestem roupas, já que alguns deixam a parte superior de seus corpos sem vestimenta alguma, sejam figuras masculinas ou femininas.
Além disso, percebo que muitos utilizam adornos em várias partes do corpo, além de cabelos bagunçados e também vários desenhos marcando suas peles. Detalhes que tornam suas aparências ainda mais desarmônicas.
- Muito diferente do paraíso, não é? – Minos diz de repente.
Volto minha atenção a ele, e noto o demônio observando ao redor sorrindo – Sim... É completamente diferente. Aqui é muito mais... Movimentado.
Disse movimentado, mas minha real vontade era dizer como a desarmonia desse lugar é um completo oposto da harmonia presente no paraíso.
- Você se acostuma. – Ele responde, e então para de caminhar – Certo Mi'Ka, devo te explicar algumas coisas. A primeira é que, apesar da diferença notável que você está notando, não somos muito diferentes do que estava acostumada no paraíso.
- Não são diferentes? – Rebato sua fala quase que imediatamente – Tudo aqui é diferente do paraíso.
- Em aparência, mas a essência é a mesma. – Ergo uma sobrancelha – O submundo nada mais é que um grande depósito de almas, assim como o paraíso. O que nos difere dos anjos, são as almas que temos aqui.
Mantenho meu olhar cerrado. – E qual seria a diferença nas almas?
- O paraíso armazena almas que são consideradas bondosas, enquanto nós, enterramos aquelas consideradas como maldosas. – Minos solta um riso debochado – No fim, somos a mesma coisa. Apenas ocupamos lados opostos de uma mesma linha.
Reflito por um instante, ainda não acreditando nas palavras dele – E por acaso aqui, vocês tem um espaço onde as almas guardadas revivem algum momento de suas vidas?
Ele passa o indicador no queixo, e sua resposta pode me fazer acreditar – Mais ou menos... Não um momento de suas vidas, mas sim seus maiores pesadelos, são lançados em seus medos profundos, ou então situações que remetem os crimes que cometeram em vida.
Não é igual, mas muito parecido com o Pilar das Almas. Talvez o que ele diz é verdade, mas ainda está muito cedo para acreditar em suas palavras. Por enquanto, me manterei descrente.
- Existe algo semelhante no paraíso, não é? – Minos questiona calmamente.
- Sim... No paraíso, havia um lugar onde as almas descansavam revivendo os melhores momentos que tiveram em vida. – Digo e uma ponta de lembrança me atinge – Chamávamos de Pilar das Almas.
- Que nome característico. Contrasta bastante com como chamamos por aqui. – Minos diz.
- Como vocês chamam? – Minha curiosidade torna a surgir, depois de muito tempo.
- Tumba das Almas. – Ele ergue seus ombros – Um nome nem um pouco convidativo, eu sei.
- De fato Minos, nem um pouco convidativo. É um lugar que, somente pelo nome, não tenho pretensão alguma de visitar. – Respondo querendo dar esse assunto por encerrado – Quais outras coisas preciso saber?
O demônio ri de minha fala – Gosto do seu jeito Mi'Ka, você é bem direta... Sendo assim, vamos continuar... O segundo ponto que deve saber, é que apesar de não parecer, temos alguns pontos estabelecidos para que as coisas funcionem.
- Por exemplo? – Digo enquanto um grupo vem correndo em nossa direção, e assim que eles colocam seus olhos em Minos, eles imediatamente param de correr e abrem caminho, e conforme passamos, os olhares deles recaem sobre ele... E vez ou outra, sinto os olhares vindo a mim.
Acho isso no mínimo intrigante. Cada vez mais, tenho certeza de que Minos é alguém bastante respeitado no submundo... Bastante respeitado, ou bastante temido.
- Por exemplo... – Minos torna a falar – Se apresentar imediatamente quando convocada pela senhorita Raika, independente do que estiver fazendo. E claro, evite atrasos.
- Algo me faz imaginar que esse é o mais óbvio. – Comento mais para mim do que para Minos, mesmo assim ele escuta, e solta um riso – O que mais?
- Você é livre para fazer o que quiser, com quem quiser... Entretanto, esteja preparada para caso alguém queira devolver suas ações. – Minos sorri de forma diferente – E é claro, caso alguém faça algo com você, sinta-se livre para devolver. Você pode resolver suas pendências da forma que preferir.
- E isso costuma acontecer com frequência? – Pergunto, preocupada com como podem ser as coisas.
- Nem tanto. – Ele diz tranquilamente – Ocorre somente se existem desentendimentos muito grandes, mas normalmente esses desentendimentos são resolvidos com lutas de um contra um. Não toleramos covardia... Ah, e claro, você pode lutar o quanto quiser, ou melhor, o quanto aguentar.
- Lutas... – Digo num sussurro – Não havia isso no paraíso.
- Aqui é uma das formas de se entreterem. Além disso, temos o espaço das ilusões, os lagos ardentes, e também, o favorito de muitos, o salão dos prazeres. – Minos me olha, com um semblante curioso estampando seu rosto – O que vocês faziam para se entreter no paraíso?
- Ao que me lembro, sentávamos e conversávamos sobre nossas ações recentes. – Respondo.
- Que entediante, e eu que pensava que as coisas por aqui eram chatas. – Ele balança a cabeça por uma vez – De qualquer forma, pode se entreter e ter prazer à vontade.
- Certo, irei me lembrar disso. – Digo refletindo sobre essas diversões que ele citou.
- E outra coisa importante. – Ele estala os dedos – Em momentos livre, você poderá transitar livremente pelo submundo, e se desejar também pode ir ao mundo humano. Mas quando for convocada, deverá voltar o quanto antes.
- Espera, eu... – Digo, e os olhos cinzentos recaem sobre mim – Eu posso mesmo ir ao mundo humano? Não serei punida por ir lá?
- É claro que pode, não existem punições por isso. – Responde como se fosse algo óbvio – As punições ocorrem apenas em situações particulares, mas isso não vem ao caso agora.
- Certo... – Assinto devagar – Algo mais que preciso saber?
- A última coisa, por enquanto. – Minos diz me olhando de soslaio, e então ele aponta na direção de várias construções altas no topo de um monte não muito longe – Aquele é o local onde você poderá ficar quando quiser descansar. Irei te acompanhar até lá.
Desse momento em diante, imagino se Minos irá falar algo mais. Entretanto, isso não acontece, e nosso caminho é feito em silêncio, ou quase, já que o som das correntezas é frequente. Até mesmo passamos por algumas das pontes, onde me permito olhar para os rios daqui.
Suas águas tem uma correnteza extremamente forte que é visível nas bordas do rio, e mais ao centro, apesar de conseguir ver algumas poucas pedras emergindo da água, ele tem águas tão escuras que dão a sensação de não haver fundo.
Olhar para esse rio é estranho, ele parece me atrair, convidando para mergulhar em suas águas turbulentas. Minhas mãos tocam na beirada da ponte, e cada vez mais sinto-me atraída para seu interior, quando uma mão toca meu ombro com firmeza, me fazendo despertar. Sem dizer uma única palavra, Minos apenas balança a cabeça negativamente, e entendo o recado.
Afasto-me da ponta da ponte e continuo seguindo Minos. Não leva muito tempo para chegarmos ao local indicado, mas foi tempo mais que o suficiente para que eu fosse alvo de incontáveis olhares.
- Chegamos. – Ele se pronuncia, e erguendo o olhar, observo as várias estruturas altas com tons claros e iluminados por muitas luzes. Acho que existem pelo menos quinze dessas estruturas muito parecidas com torres – Inspirados nos humanos, nós chamamos esse lugar de condomínio. Você terá um quarto em um desses prédios, a levarei até ele.
Apenas concordo, e seguindo seu passo, entramos em um dos prédios e sem muita demora, entramos num cubículo cinzento. Minos aperta algo com um número, e imediatamente ativa uma luz vermelha e sinto que estamos nos movendo. Leva alguns segundos para estarmos em um corredor com portas bem espaçadas uma da outra, e em poucos passos, paramos frente a uma delas.
- É aqui, esse será seu quarto. – Minos pronuncia, tocando a porta com uma das mãos. Uma luz reluz com o toque dele, dando origem a um pequeno objeto enquanto a porta abre. – E esta é a chave. Entre.
Entro no lugar, que não é nem um pouco parecido com o dormitório que eu tinha no paraíso. Assim que dei meus primeiros passos, o ambiente escuro se iluminou imediatamente, e revelou um espaço muito diferente do que eu esperava encontrar.
Aqui existe um tipo de banco com encosto confortável e um assento muito espaçoso de tão longo. Algumas estantes e uma mesa com cadeiras, e uma televisão grande na parede. Do outro lado do quarto vejo alguns tecidos que estão pendurados frente as janelas do quarto, e além disso, um daqueles baús grandes, esse com cinco portas.
- Sinta-se livre para olhar tudo, esse lugar agora é seu. A televisão tem vários canais livres, e tem alguns mantimentos na geladeira caso queira cozinhar algo para si. – Minos diz, com os braços cruzados – Agora, imagino que esteja cansada. Por isso, irei deixá-la descansar...
Assinto com a cabeça, com o olhar baixo – Você também vive por aqui, Minos?
- Não, por ser um demônio de alto nível e juiz do submundo, vivo em um lugar diferente, mas não é longe daqui. – Ouço suas palavras, mas não olho para ele – Algum problema?
- Os olhares. – Respondo – Tantos olhares, me senti estranha. Desconfortável...
- Demônios, realmente não conseguem ser discretos. – Minos da um suspiro – Mas, olhando para você... Ou melhor, para suas asas e essa auréola, posso dizer que os entendo.
Ergo meus olhos a ele, tentando entender o que ele quis dizer. Abro minhas asas devagar, que já não possuem o brilho que um dia tiveram, e minha auréola está na mesma situação. Não consigo reprimir o incômodo que sinto ao vê-las desse jeito.
- Mesmo caída e sem sua graça, sua aparência permanece a de um anjo. Já não pode mais alçar voo com suas asas, entretanto, elas ainda estão aí. – Minos diz, sem deixar de me olhar – Não é comum termos um anjo no submundo... Você é diferente, muito diferente, em tudo. Inevitavelmente, chamará atenção para si.
- Acho que precisarei aprender a lidar com isso. – Respondo torcendo a boca.
- De fato, precisa... – Ele responde – Mas, se souber usar isso a seu favor, poderá se beneficiar. A maioria dos demônios gosta de bancar o valentão, mas fazem de tudo para evitar anjos.
- Obrigada, eu vou me lembrar disso. – Respondo, vendo Minos virando para sair do quarto.
- Estou indo, mas antes... – Minos diz sem me olhar – Esse é um novo começo para você... Diga-me, como quer ser chamada daqui em diante?
Um rosto borrado surge em meus pensamentos. Um rosto dono de uma voz doce, que por muitas vezes surgia em minha mente, e era a única coisa que me acalentava no meio de tanta dor. Não recordo seu rosto, apenas preservo sua voz, e essa voz me sussurra um nome – Mikaela... Esse será meu nome, mas pode me chamar apenas de Mika.
Minos não me responde, mas ouço uma risada contida – Mikaela? Vocês anjos são engraçados... Muito bem Mika, descanse. Eu retornarei em breve.
Sem dizer mais nada, ele parte e apenas escuto seus passos se afastando pelo corredor, e em passos arrastados pelo chão, fecho a porta do meu quarto e a tranco. Em meio ao ambiente finalmente calmo, muito diferente da barulheira constante, vou até a janela olhar o lugar com calma.
Estou bem no alto, e posso ver um pouco do movimento deste lugar um tanto estranho para mim. Vejo grupos rindo e correndo de um lado ao outro se divertindo. Aqui é muito diferente do que estive acostumada em toda minha vida, e agora, não nego que sinto-me estranha e bastante deslocada.
Deslocada... Desprotegida... E sozinha.
Afasto-me da janela e sento no chão, abraçando os joelhos com força e sentindo a necessidade de me esconder... Me esconder de tudo, de todos. A angústia e aflição crescem em meu peito, junto a uma tristeza que se revelam em toda sua intensidade, a qual não consigo conter.
Em meio a este lugar estranho, longe da vista de todos, permito que todos os sentimentos que contive em mim por tanto tempo finalmente se manifestem... E pela primeira vez, me permito sentir a dor que abala não meu corpo, mas sim minha essência quebrada.
Notas Finais
1 - Existem três juízes do submundo, baseado nos três juízes da mitologia grega, sendo esses Minos, Aiacos e Radamanto.
2 - Cada juiz é um arquidemônio de alto nível, com domínio e autoridade máxima no submundo, não havendo nenhum demônio ou arquidemônio com poder superior a eles, inferiores somente ao poder e influência de Raika.
3 - Assim como no Paraíso, o Submundo possui um líder máximo, sendo esse Raika. Seu nível de poder está em plena igualdade com o do Grão Mestre Arcanjo.
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