Capítulo 55

5008 Palavras

Por um instante esqueci quem está à minha frente, quando percebi aqueles que estão nos cercando.

Os três demônios de mais alto nível que existem no submundo nos encaram em um misto de sensações, entre perversidade, satisfação e hostilidade. Eles não precisam sair de suas posições para nos intimidar, ou para dizer que desafiá-los juntos é morte certa.

O choque retira todas as minhas reações iniciais, e não sei ao certo o que fazer agora. Como as coisas chegaram a esse ponto?

- Mas... – Ouço Mika balbuciar incrédula – O que eles estão fazendo aqui?

- Creio que deveria ter ouvido meu aviso, Klauss. – Minos diz ao se aproximar, revelando sua presença e seu sorriso calmo. A aparente leveza em seu olhar disfarça por completo a maldade em si.

- Aviso? Você o encontrou antes Klauss? – Mika me pergunta, mas não a respondo.

- O avisei que haveria uma traição, mas Klauss não quis me ouvir sobre suas intenções. – Ele ri de forma estranha, em uma educação forçada, e se volta a Mika – De qualquer forma, eu te agradeço por trazê-lo até nós Mika. Você cumpriu bem seu trabalho.

- O que... – Viro o rosto para Mika e a raiva ferve em mim – Você fez isso?!

- Então era mesmo uma armadilha?! – Ion'Alia questiona irritado.

Mika tem o terror crescendo em seu rosto, ainda mais do que quando os juízes mostraram sua presença e ela prontamente nega com a cabeça – Não... Não! Eu não tive nada haver com isso!

O choque dessas palavras me atinge com toda a força, e tudo que Minos e Ion'Alia disseram parece começar a fazer sentido, e tantas coisas estranhas que estavam acontecendo finalmente estão se encaixando. Uma traição sendo feita por Mika, uma armadilha dela.

- Pouco importa neste momento, não concordam? – Aecos se aproxima, e um clarão ilumina o céu, tornando seu sorriso altivo completamente macabro de tão aterrorizante – Juízes, proponho nos divertirmos com esses anjos.

- De acordo. – Minos o responde em uma gargalhada.

Recuo um passo e o nervosismo cresce, quando os três juízes começam a se mover em nossa direção. Mika e Ion'Alia também recuaram apreensivos, mas reparo em algo estranho, os três parecem focados apenas em mim.

Um som repentino atrás de mim atrai minha atenção, e em um rápido lance de olhos para trás, constato que Stefan fugiu de nós. Covarde.

- Para onde está olhando?! – Ouço a voz de um dos três, e ao me virar novamente, me deparo com Aecos diante de mim, tendo passado por Mika e Ion'Alia sem que sequer tenham notado, e lançando suas mãos contra meu corpo, uma imensa onda de impacto me lança para trás com tanta violência que sequer consigo raciocinar ao certo o que aconteceu.

Tudo que sinto é meu corpo sendo lançado para trás de a vez e o mundo passando por mim de uma vez, Mika e Ion'Alia ficam repentinamente distantes e, quando finalmente consigo firmar meus pés no chão e volto meu olhar a frente, os dois já desapareceram por trás de incontáveis árvores, tudo escurece e um intenso frio recai sobre mim. Isso é anormal, não sinto frio.

Um clarão ilumina o céu e parece atravessar as densas árvores, tornando tudo visível por um único instante. Um segundo bastou do clarão no céu até a completa escuridão, e o repentino som do vento pode ser ouvido no céu, chacoalhando as copas das árvores sem parar.

Ergo os olhos ao céu, que outrora haviam nuvens cinzentas, agora se transformou em uma vastidão negra sem fim, por onde incontáveis flocos de neve surgem no alto, carregados pelo intenso vento, indicando a chegada brusca de uma tempestade.

- A muito tempo tenho esperado por esse momento. – A voz de Minos ecoa neste lugar. Procuro de um lado ao outro, mas não consigo identificar onde ele pode estar – O momento de finalmente pôr minhas mãos no anjo que causou tantos problemas.

- Acha que podem fazer isso? – Meu olhar vaga de um lado ao outro, estudando toda possível movimentação ao redor buscando por qualquer indício da presença dos juízes – Suas presenças atrairão a atenção dos Arcanjos, em instantes estarão aqui.

- Os Arcanjos do Paraíso não serão um problema, eles não virão por você. – A voz de Aecos que ecoa dessa vez, e a tempestade se agita ainda mais. O frio é tamanho que percebo minhas vestes começando a congelar. Não, não somente minhas vestes, o lugar inteiro está sendo coberto pelo gelo – Deve se preocupar somente com você mesmo.

Um brilho amarelado surge por entre as árvores, quando uma esfera flamejante gigantesca surge vindo até mim, incinerando tudo que está em seu caminho.

Flexiono os joelhos e salto para o lado, me apoiando nas árvores próximas para me impulsionar para longe da esfera, que ao passar por mim, causa uma explosão ensurdecedora, levantando poeira, galhos e folhas ao alto, enquanto a vegetação mais próxima do impacto é retorcida ao ponto de se partir, arremessando poeira e sujeira por todos os lados.

Tento me proteger do impacto e cubro os olhos como consigo, atordoado por tantos barulhos. Ainda assim, por entre a poeira erguida, flocos de neve e cristais de gelo pairam no ar, e isso me deixa em alerta. Baixo os olhos rapidamente, procurando por qualquer indício de que um novo congelamento iniciou, mas não encontro nada que mostre isso, quando então volto minha atenção ao céu.

Os cristais de gelo estão se reunindo no alto, moldando o que parecem ser diversas lanças congeladas acima das árvores. Não tenho tempo de pensar em uma maneira de me defender, todas as lanças se projetam contra o chão de uma vez.

Consigo me desviar de algumas lanças que fincam no chão, outras passam por mim, rasgam minhas roupas e causam feridas superficiais em minha pele, outras lanças apenas atravessam e destroçam as árvores atingidas, que explodem em pedaços que voam por todos os lados.

Um arfar me escapa, tentando ignorar a dor dos cortes em minha pele. Os gelos fincados no chão reluzem em um branco pálido, emanando uma densa névoa fria que espalham ao redor.

- O que houve Klauss? Como pensa em nos enfrentar se apenas foge? – Ouço a voz de Aecos ecoando no ar – Anseio por ver toda a força do anjo mais próximo dos Arcanjos novamente.

Não tenho como enfrentar três deles aqui, muito menos na situação em que estou. Enfrentar somente um dos três juízes seria possível em outras situações, eu poderia aguentar manter o confronto contra um deles, mas contra os três reunidos é praticamente impossível.

Giro os pés e, manifestando minhas asas, me lanço para longe, usando toda a força das minhas asas e minha graça para me impulsionar para cada vez mais longe desse lugar o quão rápido eu conseguir. Preciso me afastar, ganhar tempo o suficiente para que o Paraíso perceba a presença dos três juízes, e enviem os Arcanjos para enfrentá-los.

Diante do maior poder do Submundo, somente os seres mais poderosos do Paraíso podem fazer frente.

Se dois deles estiverem em meu encalço, acredito que Mika e Ion'Alia serão capazes de lidar com o terceiro pelo menos por algum tempo, o suficiente para que o Paraíso perceba o que está havendo.

Mas com tudo que fiz, com os crimes que fui acusado, a maneira como fui atacado, pela forma como tratam Mika, o Paraíso viria por nós?

E Mika... Eu não consigo acreditar nisso, no que disseram. As coisas não encaixam de forma nenhuma, só pode ter algo errado. Você realmente me trairia?

Meus instintos me alertam de um perigo iminente. Sem deixar de me mover o mais rápido que posso, procuro em volta por algo que possa representar tal perigo, quando lanço meu olhar ao alto, tendo visão de uma silhueta escura que atravessa o céu em ferocidade, se lançando contra o chão em um impulso repentino.

No instante que a figura se lançou contra mim, firmo os pés no chão e me lanço aos céus.

Um segundo bastou do momento que passei pela figura, até o estrondoso impacto que pode ser sentido rompendo o ar e devastando tudo, erguendo uma extensa nuvem de sujeira e neve, tão forte que arrasta tudo em volta, até mesmo sinto meu corpo sendo empurrado para longe com a violência do impacto, e sinto meu corpo ser atingido pela poeira, pedras e pedaços de galhos partidos.

Me estabilizo no ar, encarando a imensa nuvem que rapidamente se dissipa pelos ventos carregados de neve da tempestade, revelando que uma cratera abriu no local do impacto, e tudo ao redor foi varrido para longe. E ao centro, um homem está presente, se erguendo e endireitando sua postura.

Um homem de cabelos loiros médios e bagunçados e barba pouco crescida, um olhar selvagem que arde em um brilho avermelhado como fogo e maxilar endurecido. Seu corpo é absurdamente forte como nenhum outro, e veste roupas muito menos elegantes do que os outros dois, sendo apenas uma calça folgada, botas e uma jaqueta escura aberta, que parece que teve as mangas arrancadas, e um par de asas repletas de escamas que desaparecem em meio a chamas.

Sua presença e olhar exalam um grau de hostilidade e violência que jamais senti igual em toda a minha vida, existe uma fúria implacável vindo dele, junto a uma massa de poder tão densa que até mesmo se parece com Ka'Ruel de tão extrema. Esse homem é absurdamente perigoso.

Recordo-me de que já ouvi de Giullia enquanto ainda me preparava para servir a legião, o que foi confirmado pelo mestre Ka'Ruel. Existem três potências máximas dentro do submundo, os seres mais temidos, os três juízes, e deveríamos saber como identificá-los. Minos, um homem elegante e cortês de longos cabelos brancos, Aecos, um homem soberbo e afrontoso de cabelos negros médios repicados, e Radam sendo um homem tão selvagem quanto sua presença de cabelos loiros.

Radam, este é o juíz que está diante de mim.

- Você é aquele conhecido como o anjo com a graça mais próxima a dos arcanjos? – Radam diz com a voz carregada em hostilidade e desprezo. Ele me encara fixamente, como se eu não representasse nada para ele, mas que mesmo assim ele repudia com todo o seu ser.

Não o respondo, estou tenso demais para fazê-lo. Dou alguma atenção ao dano que ele causou ao lugar onde estamos, e sei que não posso ignorar sua força, nunca vi nenhum demônio com um poder destrutivo tão grande, e acho que tudo que ele usou foi seu punho.

- Desejo ver todo esse poder que dizem possuir. – Ele avança alguns passos lentos em minha direção. Cada passo me deixa mais aflito – Faça, enquanto ainda pode.

Ele não ataca novamente, apenas continua caminhando até mim, como se esperasse minha ação. Decido por não esperar por outra brecha que talvez não terei, e erguendo minha mão acima da cabeça concentro minha graça e a moldo em meus dedos, em uma orbe que se divide em diversos feixes luminosos que rasgam o ar e disparam rapidamente contra o juíz.

Ele me encara inabalável, sequer esboça a intenção de desviar de meu ataque. O primeiro feixe atinge o chão à sua frente, mas ele mal se incomoda. Os demais feixes caem em torno de si, tantos ao mesmo tempo e tamanha suas velocidades que sequer resta alguma brecha para desviar.

Radam mal se move, não esquiva e nem se defende. Ele se abaixa e salta rapidamente em minha direção, atravessando toda a distância que existe entre nós tão rápido quanto o piscar de um olho, e tudo acontece rápido demais.

Meu ataque foi interrompido de repente e tenho meu pescoço sendo segurado. O olhar do juiz confronta o meu, e sinto que sou empurrado para trás – Eu espero que essa não seja toda sua força!

Ao dizer tais palavras, meu corpo inteiro é projetado para trás junto a uma força simplesmente esmagadora, tão brusco que sequer sei dizer quando atingi o chão e quando fiquei caído me recuperando do golpe. Tudo que senti, por um curto segundo antes de tudo apagar, foi o impacto que me atravessou por inteiro, e fez com que tudo parasse de repente.

Com alguma dificuldade tento me erguer, resmungando pela dor em meu pescoço e o impacto em minhas costas, quando enxergo o juiz pousar na minha frente de forma pesada. Mais um pouco e diria que o chão poderia tremer.

Estou prestes a me colocar de pé, quando Radan avança sobre mim outra vez, se lançando tão rápido como da outra vez, mas agora, já ciente de sua velocidade, consigo girar o corpo e sair de seu caminho por pouco.

Ao passar por mim, o juíz bate seu pé no chão contendo seu próprio avanço, e vira seu corpo para um novo ataque, lançando seu punho contra mim. Consigo me defender de tal golpe, fechando os braços frente ao rosto e resistindo ao impacto, mas forçado a recuar alguns passos.

Como se guiado por um frenesi envolto em fúria, ele dispara novos ataques contra mim, um mais selvagem que o anterior. Seus golpes são seguidos por rosnados e rugidos bestiais.

Muitos ataques consigo me desviar, outros consigo aparar, mas não tenho janela de oportunidade de devolver um ataque sequer. Simplesmente não tem como, e a maneira com a qual Radam me pressiona torna difícil qualquer ação além de recuar e tentar manter alguma distância segura, que é rapidamente rompida no segundo seguinte.

Com os dentes cerrados e o punho apertado, Radam se lança contra mim e, ao que desvio pulando para trás, ele acerta mais um golpe poderoso contra o chão, me dando espaço para finalmente me afastar dele e ao menos endireitar minha postura, moldando uma arma usando minha graça, tendo finalmente a brecha que eu esperava. – O que é isso? O tão falado anjo da lua pálida, tão poderoso quanto um Arcanjo, só sabe recuar?!

Ele levanta seu rosto e me encara, no exato instante que minha graça se reúne em torno da minha mão como uma lâmina larga, que desce de encontro ao ombro do juíz, realizando um corte fundo em seu corpo.

Vendo que ele não reage nem contra ataca, e principalmente, aproveitando que armas moldadas de graça pura não se prendem nos corpos de nossos alvos, giro o corpo e tento desferir um novo ataque, desta vez mirando a cabeça do juiz, porém, Radam ergue seu braço e consegue conter meu ataque, resultando em um corte fundo em seu antebraço.

Decidido a não dar qualquer nova brecha a ele, firmo minha mão em seu antebraço ferido, e com minha outra mão concentro minha graça da mesma forma que fiz em meu primeiro ataque. A nova lâmina se molda em um instante, e desfiro mais um ataque perfurando seu peito, forçando-o a arfar com o golpe recebido e baixar a cabeça devagar.

Ofegante observo o juiz, que apesar de permanecer de pé e com os braços soltos, não esboça quaisquer reações. Funcionou?

Os estrondosos ruídos de seus ataques desaparecem, ele já não se move mais. O único som que pode ser ouvido é o assovio constante do vento envolto em muita neve, que cai sobre mim e Radam, além de começar a cobrir lentamente todo o terreno acidentado.

Percebo uma aproximação repentina de onde estou e lanço meu olhar sobre o ombro, consigo sentir presenças densas e extremamente fortes chegando aonde estou. Não é preciso muito para saber que são Minos e Aecos.

Tenho que aproveitar essa chance de me afastar daqui. Talvez me ocultar de alguma maneira.

Recuo um passo e dissipo minha graça, decidido a tentar cobrir o maior caminho que puder voando, quando meu punho é segurado de repente, e Radam começa a erguer seu rosto, com um sorriso largo revelando grandes presas, e um olhar que queima como o fogo – Está melhorando... Mas não está nem perto do que espero ver.

Tento me soltar, puxar meu braço com toda a minha força e livrar meu pulso de seu aperto, mas não consigo, ele meu pulso ainda mais do que antes, começando a rir de maneira seca.

Ainda tenho um braço livre e com ele, agarro sua cabeça enquanto manifesto meu poder novamente, dessa vez ao máximo que consigo trazer a tona e lançar contra Radam. Tal poder reunido é liberado de uma vez, em um feixe de luz que envolve o rosto do demônio e expande em torno de seu corpo, porém que ao se dissipar, revela que tudo que causei foram apenas algumas queimaduras em sua pele.

Ainda segurando meu punho, Radam me puxa e consegue me erguer no alto pelo braço como se eu não pesasse absolutamente nada, e a dor de seu aperto começa a realmente me incomodar.

Ele me observa com um riso largo no rosto, e devolvo a encarada, decidido a me soltar – Ainda não está a altura de toda sua fama anjo. Bem que disseram que você gosta de se conter... Talvez isso o incentive a se soltar.

Ao dizer tais palavras, a dor que sinto agora é insuportável de tão grande, e não consigo conter o grito ao sentir como se meu braço acabasse de ser esmagado, e ao longe ouço o que parece ser uma gargalhada.

Um brusco impacto atinge meu peito, empurrando meu corpo para trás em um baque tão forte que sinto ser lançado para trás, mas mantido no lugar pelo meu braço contido. O primeiro impacto é seguido por outro que acerta a lateral do meu corpo e sinto a força atravessando meu corpo, e mais outro em meu estomago que arranca um arfar mudo, e mais um que já não consigo distinguir onde atingiu.

Cada ataque impulsiona meu corpo para trás e me sacode no ar, ergo o braço livre em uma vã tentativa de me defender ao prever como posso cada novo golpe, mas os ataques não param de me atingir, todos com grande força. 

Um repentino clarão surge à minha frente, e por mais uma vez tudo que sinto é que sou lançado a algum lugar, em um impacto tão brusco que me faz esquecer toda a dor, e apenas desabo no chão.

Abro os olhos e encaro o céu, que agora parece tão distante de mim, e devagar seguro meu punho, que lateja de dor sem parar. Um gemido de dor me escapa, mas mesmo assim, com muita dificuldade, começo a me erguer outra vez, vendo o juiz que me encara sem se aproximar.

De repente me dou conta de como o gelo começa a surgir do chão, em uma velocidade tão alta que chega a me surpreender. Não, o gelo não está somente surgindo do chão, ele está se movendo de uma maneira anormal, cresce e avança se fosse algo orgânico. Algo vivo. 

Não consigo me livrar a tempo, tão rápido quanto surgiu, ele sobe por minhas pernas e espalha em torno de mim conforme tento me livrar, e de um segundo ao outro meu corpo acaba envolvido por uma densa camada de gelo, que expande em torno de mim e restringe todos os meus movimentos, em um frio que atravessa meu corpo até meus ossos.

Mesmo dentro do gelo, continuo consciente de tudo que está acontecendo à minha volta. Consciente o suficiente para ver que uma aparente onda de ar congelado serpenteia pelo chão rumando até o meio da densa vegetação, e dali, se aproximando ao longe, dois homens que vem caminhando devagar por entre as árvores.

De um deles, posso notar um brilho incandescente surgindo de sua mão, tal brilho surge a minha volta. Este brilho emerge do chão como fagulhas de chama, crescendo aos céus como um pilar flamejante que atravessa o gelo e substituindo o frio, uma onda de calor abrasadora envolve cada parte do meu ser, erguendo-me do chão em um impulso e fazendo com que eu caia outra vez.

Meu corpo começa a pesar cada vez mais, e até mesmo me manter consciente se torna mais difícil agora. Enquanto começo a ficar de pé e os encaro novamente, e as palavras que ouvi dos juízes vem a minha mente, eu ainda estou me contendo. Eu não posso me conter, não nessa situação.

Ergo meu punho que ainda está bom, fechando meus dedos e manifestando meu poder, minha força ao extremo, onde minha graça se manifesta em um brilho extremo, e todo seu calor percorre em torno de meu corpo, emitindo seu brilho branco incessantemente.

Os ventos que percorrem o céu começam a se agitar bruscamente, mudando sua direção de uma vez, a neve se agita e uma onda de vento instável cresce ao meu redor, expandindo por todo o espaço.

As nuvens no céu se contorcem em violência, rajadas de vento carregadas com cristais de gelo descem do céu e batem contra o chão, erguendo-se novamente em grande velocidade, girando cada vez mais rápido.

No céu, um grande vórtice toma forma por entre as nuvens, e ventos cada vez mais rápidos que afetam tudo à minha volta. Centelhas de minha graça são carregadas pelo forte vento, que demonstram finalmente afetar os juízes, e causar espanto nos três. Do imenso vórtice do céu, uma gigantesca coluna de ar giratório desce rapidamente e bate contra o chão em uma parede cinzenta de nuvens que giram sem parar,, ao mesmo tempo que do chão, funis de vento largos, tão maiores quanto as árvores tomam forma por todos os lados, percorrendo por todos os lados, devastando toda a natureza ao redor, partindo a tudo com grande facilidade.

Estendo a mão em direção aos três juízes e a erguendo ao alto, o corpo dos três é retirado do chão rapidamente, cercados por vários dos turbilhões que os forçam a girar no ar, e ao erguê-los alto o suficiente, os arremesso de volta ao chão com toda a força que consigo, e tudo que vejo são os três juízes do submundo se chocando contra o chão devastado tão rapidamente que seus corpos afundam.

Mesmo que não se ergam, guio os funis de vento para onde seus corpos estão, forçando com que se choquem e a onda de vento exploda em uma destrutiva onda sobre cada um deles. Um golpe que, por muitas vezes, eliminou diversos demônios.

Arfo pesadamente por usar tanto de minha graça de uma só vez para criar este grande salão de ventos, uma região do espaço onde controlo tudo o que acontece por meio de fortes ventos que atingem a velocidade que eu desejar, mas quanto mais rápido for, mais consome de meu poder, e como fiz agora, usou muito de minhas forças.

Os funis desaparecem, mas a grande parede de vento ao nosso redor permanece, mantendo o vento que puxa tudo para o céu, levando ao interior do vórtice formado por entre as densas nuvens no céu. Aperto meus olhos, resistindo as dores, quando para meu espanto, os três juízes começam a se levantar.

As vestes de todos foi destroçada, reduzidas a tecidos repletos de cortes causados pelos ventos. Seus corpos estão sujos e talvez, com alguns arranhões e ou danos mais superficiais causados pelos meus ventos.

- Excelente Klauss, é isso que esperávamos ver. – Minos é o primeiro a dizer, agarrando o restante de sua blusa e arrancando sem demora, e o trapo é levado pelo vento, restando somente uma camisa preta rasgada.

- Você finalmente parou de se conter. – Aecos se pronuncia com um sorriso, batendo a mão no ombro, retirando alguma sujeira do que restou de seu traje elegante – Capaz de nos causar tais danos, este é o poder que presenciei.

- Agora, verdadeiramente se assemelha a um Arcanjo. – Radam diz por fim, endireitando sua postura e rindo – Fiz bem em não matá-lo logo de cara.

Isso é impossível, eles parecem praticamente ilesos. Não há como, é simplesmente impossível enfrentar esses três ao mesmo tempo.

Giro o corpo e disparo para longe, atravessando a parede de vento e avançando por entre as árvores, tentando ir para o quão longe eu puder, sem olhar para trás. Devo tentar, de alguma maneira, escapar dos três juízes.

Não sei para onde estou indo, mas devo fugir deles de alguma forma.

Fora do espaço que criei, a tempestade tornou-se ainda mais severa, se tornou muito mais escuro, tornando difícil enxergar qualquer coisa à minha frente.

Novas dores recaem em meu corpo, arrancando-me gemidos doloridos, e sinto perder minhas forças de repente, despencando do céu a caindo pelas copas das árvores, sofrendo arranhões em meu corpo.

Bato contra o chão, não conseguindo mais sentir forças em minhas asas. Tento me forçar a voar, dar tudo de mim, mas não consigo.

Ouço ruídos por entre as árvores, barulhos altos indicando algo sendo partido, vindo rapidamente até onde estou, e consigo sentir a presença deles. Saber da proximidade dos três juízes, me impulsiono para cima com as poucas forças que tenho e ainda tento correr, porém acabo diante de um grande barranco coberto por neve, árvores e pedras.

É íngreme demais, não sei se consigo subir isso com apenas um braço, e minhas asas já estão sem forças o suficiente para me tirar do chão.

- Este é o fim da linha, anjo da lua. – Ouço Aecos atrás de mim, causando um calafrio que atravessa todo o meu corpo.

Olho sobre o ombro, e os três já estão aqui, me encarando como se estivessem bem atrás de mim a todo momento. Aecos me encara com desdém e arrogância, ele sorri de canto, fazendo parecer que todos os meus esforços até agora foram inúteis, como realmente foram.

Radam avança um passo até mim, rindo e mostrando as presas, juntando suas mãos e começando a estralar os dedos – Foi uma boa perseguição, anjo. Mas já chega!

- Façamos as honras? – Minos ergue uma de suas mãos, onde uma chama dourada começa a queimar entre seus dedos. Ele sorri me encarando, e seu sorriso engana, não existe qualquer sinal de maldade em si, parece apenas um homem cortês que está prestes a realizar uma gentileza. – Antes de continuarmos, gostaria de dizer algo... Uma cortesia que darei a você, antes de matá-lo.

Recuo devagar, olhando em volta tentando descobrir o que fazer. Como desviar, fugir e me esconder, mas nada me vem em mente. Não importa o que eu pense, estou sem forças e encurralado.

- Não adianta procurar, não tem mais como fugir, Klauss. – Aecos ergue seu punho, onde um ar congelado surge a sua volta, e além disso, posso ver a sombra de algumas de suas invocações surgindo atrás de si, e espalhando ao redor.

Eu não tenho como escapar, é meu fim.

- Não havia traição. Mika nunca mentiu para você, nem tentou te enganar. – Minos diz, e suas palavras me deixam surpreso – E mesmo sem saber, ela serviu bem aos nossos planos, você acreditou estar sendo enganado... E realmente foi.

Isso me causa um gosto amargo na boca. Mika nunca me enganou, nem mesmo mentiu.

Me deixei guiar pela desconfiança quando não devia, desconfiar de alguém que não dava motivos.

Agora percebo como fui tolo.

Mika, eu espero que você possa ter escapado, que você volte em segurança para casa e fuja, se esconda onde puder com a Mel.

Queria só poder me desculpar por ter desconfiado de você em algum momento, eu não devia ter feito isso, não devia ter sequer pensado nisso. Espero que me desculpe por isso, e não poder voltar pra casa hoje, e não estar mais com você e com a Mel... Queria ficar mais tempo com vocês duas.

Mas agora nesta situação, onde os três juízes do submundo estão à minha frente, acho que não tenho essa chance.

- Juízes, matemos esse anjo! – Um deles diz, quando apenas encosto as costas em uma árvore, apertando os olhos e apenas esperando o que me aguarda.

- Klauss! – Ouço uma voz logo atrás de mim, uma voz conhecida.

Lanço meu olhar para trás e, no alto do barranco, encontro alguém que não vejo já há algum tempo – Nick?!

- Caramba, o que aconteceu com você? – Ele desliza pela neve e pula, parando bem ao meu lado e evitando me tocar, talvez pelo meu estado. Ele por fim, encara os três juízes.

- Como me encontrou? – Consigo perguntar.

- Passamos na sua casa, e Layla contou o que estava acontecendo. E também, aquele furacão de minutos atrás ajudou muito a te encontrar. – Não consigo responder, mais uma vez uma onda de dor me atinge e minhas pernas perdem as forças, mas Nick me segura – Calma, vou te ajudar Klauss...

- Quem é esse? – Radam pergunta com aparente desdém.

- Nick, era um dos meus iniciandos. – Minos solta uma risada seca – Me impressiona que esteja aqui.

- Vemos que seus iniciandos não são muito inteligentes, Minos. – Aecos debocha.

- Nick, vai embora daqui! – Alerto em uma voz pouco firme – Não deve se meter. Volta e avisa a Mika o que aconteceu, leva ela e a Mel embora.

- De jeito nenhum, eu vim aqui pra te ajudar! – Ele rebate, e volta a encarar os três juízes.

- Como é? – Aecos solta uma gargalhada, e começo a reparar que uma aura negra começa a emergir do chão, uma energia estranha e sombria que já vi antes, e me dou conta da pressão que existe aqui – Um demônio, de tão baixo nível, vindo ajudar um anjo? Essa é a melhor piada que ouvi nos últimos tempos.

- Veio aqui para ajudá-lo? Você? – Minos ri em deboche – Tudo que conseguirá aqui é a morte Nick. Que bela cavalaria você tem, anjo da lua, um mero incomodo.

- Estão enganados, eu só sou a distração. – Nick aponta para trás, com um pequeno sorriso – Ele é a cavalaria.

Do mesmo lugar que Nick veio, enxergo a silhueta de uma figura envolta em uma energia densa de escuridão, um homem vindo do Abismo. O Cara do Casaco.

Ele molda suas asas de escuridão e avança pelo ar, pousando de forma suave na neve pouco à minha frente, encarando os três juízes.

- Trouxe a Cria do Abismo? – Radam questiona, com um riso de escárnio.

- Nick, tire o Klauss daqui. – O Cara do Casaco diz seriamente – Eu cuido desses três.

Não consigo sequer debater com Nick, de tão incrédulo que estou por ver esses dois aqui.

Nick passa meu braço bom em torno de seu pescoço e começa a me guiar para fora deste lugar. Imagino um ataque vindo dos três juízes, mas não é isso que acontece, eles estão concentrados no humano bem à frente deles.

- Ele vai ficar bem...? – Consigo dizer enquanto nos afastamos do lugar.

- Não se preocupe, ele consegue resolver. – Nick diz, ao passo que avanço o mais rápido que consigo em meu estado atual.

- Onde está a Mika...? – Consigo perguntar, entre gemidos de dor – Você a encontrou?

- Não Klauss, enquanto vinha pra cá, não cheguei a ver a Mika. – Responde e o nervosismo me atinge.

- Precisamos ir atrás dela. – Paro de caminhar e ergo minha postura, recebendo um olhar incrédulo de Nick, claramente questionando o que estou pensando – Não sei se os três juízes fizeram algo com ela, ou o Stefan.

- Stefan também está na cidade? – Ele pergunta incrédulo, e afirmo com a cabeça.

- Posso encontrar Mika. – Digo com um suspiro pesado – Estou fraco, admito, e a pouca energia que tenho é insuficiente para conseguir me recuperar... Mas isso ainda tenho força o suficiente para fazer.

- Eu irei com você Klauss. – Nick concorda, tornando a me dar apoio para continuar andando – Mostre o caminho.

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