Capítulo 52

4271 Palavras

Sequer sei dizer como me sinto depois de tudo que acabei de ouvir. Minha mente encontra-se em um grande tormento após saber o que Klauss e Layla passaram nesse curto período no Paraíso.

Não consigo acreditar no que Ka'Ruel ordenou para Klauss e Layla. Como ele pode querer que os dois matem a mim e Nick?

Klauss me olha em silêncio, aguardando que eu termine de processar tudo que ele acabou de me contar, no âmbar de seus olhos encontro o receio. Já Layla, pouco falou, desde que chegou ela esteve quieta, encarando o nada, completamente perdida, e não sei o que posso fazer ou dizer a ela.

- Precisamos fazer alguma coisa. – Digo finalmente, rompendo o silêncio e me colocando de pé, arrastando a cadeira um pouco para trás – Isso não pode ficar desse jeito.

- Sei disso, mas não consigo pensar em nada. – Klauss responde frustrado. – Por muito pouco conseguimos resistir ao confronto contra Ka'Ruel, não sei se temos como conter ele, caso decida agir por ele mesmo.

- Ele não vai agir por ele mesmo. – Apoio as mãos na mesa e meu olhar abaixa, tentando pensar em alguma solução para esse problema.

- Mas não temos o que fazer Mika... – Layla se pronuncia, rompendo seu longo silêncio e atraindo nossa atenção a ela – Como podemos contrariar as ordens de Ka'Ruel? Ainda mais com os demais arcanjos e o Grão Mestre lá, não sei se temos uma saída.

Estou prestes a dizer algo, mas me contenho no último segundo, sabendo o peso que minhas palavras terão e como podem tornar as coisas ainda mais difíceis para Layla.

- Eu não vou deixar que você mate o Nick. Não quando eu sei que vocês se gostam. – Ela permanece de cabeça baixa, porém isso dura pouco, já que Layla debruça sobre a mesa e esconde seu rosto entre os braços dobrados. – Nós vamos achar um outro jeito.

Fácil é falar, difícil é conseguir pensar em uma forma de resolver isso.

Se fosse algo envolvendo apenas anjos ou demônios, talvez até algum trabalho que fossemos obrigados a cumprir e o outro discordasse, seria muito mais fácil de encontrar um meio termo para resolver tudo, mas isso é diferente. A ameaça feita pelo Arcanjo torna tudo muito mais sério.

- Temos um mês para resolver tudo. – Klauss diz de repente, com grande pesar em sua voz, e ergo uma sobrancelha – Pelo menos, esse foi o prazo que Ka'Ruel deu para nos despedirmos de vocês, antes de cumprir nossa punição.

- Ele disse isso? – Pergunto incrédula com tamanha frieza, e tanto Klauss como Layla confirmam com um aceno, Layla sendo bem mais discreta – Não consigo acreditar em tudo isso...

- Queria que tudo fosse mentira, ou um pesadelo que ainda não acordamos. – Klauss solta um demorado suspiro, encostando-se na cadeira com os ombros caídos.

- O que acontece se vocês não cumprirem a punição? – Questiono olhando a ambos.

Klauss balança a cabeça e torce a boca – Seremos considerados traidores, seremos caçados e aprisionados, ou expulsos do paraíso. Não tenho certeza... Mas a julgar pela raiva de Ka'Ruel, será algo terrível.

- Ainda temos tempo, podemos pensar em alguma coisa. – Prefiro desviar o rumo desta conversa, vendo como ambos estão abalados com isso. – Os dois estão machucados, precisam se recuperar na aura de repouso.

- Você passou por mais coisas do que eu, Layla. Deve ir primeiro. – Klauss diz, porém Layla não dá sinais de que irá se levantar.

Aproximo-me de Klauss, tocando seu ombro e chegando meu rosto bem perto do seu – Pode ir, eu converso com ela. – Sussurro.

- Tem certeza Mika? – Sussurra de volta.

- Sim, fico aqui com ela. – Ela confirma com a cabeça, se levantando devagar e saindo em direção a sala.

Acompanho o anjo com o olhar até que ele saia da minha visão, e retorno minha atenção a Layla. Devagar sento-me ao seu lado, e aguardo alguns instantes, apenas deixando com que toda a quietude desta tarde nos envolva.

O som distante de algum carro passando em frente de casa pode ser ouvido, e mais aos fundos o cantar dos pássaros compõe uma melodia escondida dentro da natureza que rodeia a casa.

- Como você está Layla? – Pergunto.

- Péssima Mika... – Sua voz soa abafada e envolta em grande tristeza – Como isso foi acontecer?

Ela finalmente ergue seu rosto, deixando escapar um suspiro pesado e demorado. Não me escapa que seu rosto está molhado em algumas lágrimas e novas estão prestes a cair.

- Não consigo entender Mika, como tudo acabou assim? – Ela pergunta apoiando a testa nas mãos – Não consigo cumprir essa punição, não quero fazer mal ao Nick.

- Você não vai precisar fazer nada com o Nick, nós vamos encontrar uma maneira de contornar isso. – Digo tocando seu ombro, tentando confortá-la de alguma maneira.

- Não quero fazer isso, mas... – Layla para de falar de repente, tomando fôlego como se a tempos não o fizesse – Eu não sei o que fazer Mika, gosto do Nick, mas não posso contrariar Ka'Ruel.

Hesito alguns segundos, torcendo a boca e tendo meu olhar se perdendo – Você está pensando em obedecer Ka'Ruel?

- Não vou mentir, estou dividida... – Ela admite, e isso me preocupa – Devo cumprir minha punição para não ser vista como uma traidora do Paraíso e dos meus irmãos de Legião, mas ao mesmo tempo eu gosto do Nick e não quero fazer nada contra ele, é estranho que eu queira proteger ele.

- Não é estranho querer proteger quem nós gostamos. – O anjo da Legião ergue seu olhar desolado para mim. – Na verdade, é um alívio saber que você não quer fazer mal ao Nick, odiaria ver dois amigos meus tendo que se enfrentar por culpa de alguém que não sabe o que está falando... Ainda mais quando eu vejo que vocês dois se gostam.

Layla não rebate o que digo, não teria como. Está claro para nós duas esse fato, que ela mesma já ousou admitir como um ousado ato de rebeldia, que a libertou de tantas dúvidas.

- O Nick perderia para mim... – Layla diz com um pequeno riso, não se vangloriando, mas como se constatasse algo óbvio – Acho que ele não colocaria resistência alguma.

- Também acho. Ele admitiu gostar de você na frente da soberana do Submundo. – Dou uma risada ao lembrar daquele momento – Mas acho que se tentasse lutar, Nick acabaria amarrado em pouco tempo.

Layla dá uma risada junto de mim – Isso é verdade, sempre acabo ganhando dele, desde a primeira vez que o vi. Mesmo que as cordas não estivessem mais apertadas, ele nunca tentou se soltar... Na verdade, ele sempre dava risada quando se rendia, e ficava me olhando daquele jeito...

- É por isso que não vou deixar que essa punição ridícula aconteça. – Digo decidida – Não ligo para o que Ka'Ruel pense ou queira, não não deixar.

- Mas o que podemos fazer Mika? – Ela questiona – Ele é um Arcanjo, Klauss e eu mal conseguimos acertar um golpe nele. Como podemos contrariar suas ordens?

- Eu ainda não sei... – Admito frustrada, mordendo o lábio inferior e batendo os dedos na mesa – Mas temos um mês para pensar, e encontrar uma...

Paro de falar quando ouço um som do lado de fora de casa, como se algo acabasse de pousar. Layla e eu trocamos um olhar rápido e nos levantamos, seguindo até a porta e olhando o que houve.

Para minha surpresa e também alívio, encontro duas figuras conhecidas paradas não muito longe da varanda, enquanto flocos brancos caem serenamente do céu e pousando serenamente no gramado baixo. Duas figuras que trazem as sombras e o frio consigo.

- Oi. – O Cara do Casaco cumprimenta com um aceno, gesto repetido por sua irmã Alana.

- O que, mas... – Pisco algumas vezes, vendo a inesperada visita e não sabendo o que dizer.

- Estamos para voltar para casa, e quisemos passar aqui primeiro para dar um oi antes de ir. – Alana explica, acho que percebendo minha pequena confusão.

O Cara do Casaco ergue a sobrancelha ao olhar para Layla – O que foi que aconteceu com você?

Ela desvia seu olhar para baixo – Não foi nada...

A observo de canto de olho, quando uma ideia me vem à mente. Uma loucura completa, algo que antes nunca cheguei nem perto de imaginar, mas talvez, seja exatamente a solução para nosso problema.

Olho diretamente ao Cara do Casaco, que me observa de volta com um ar intrigado – Precisamos da sua ajuda!

*****

- Quer que eu faça o que?! – A figura me pergunta com algum espanto, tendo as sobrancelhas saltadas e estando boquiaberto.

Olho para Alana, que não expressa reações além de um olhar surpreso ao ouvir minhas palavras. Já Layla está boquiaberta, em pleno choque com o que ouviu, sendo essa a reação mais diferente que ela teve desde que chegou em casa com Klauss.

- Mika, mas... – Layla tenta dizer, porém é notável que ela não consegue encontrar quaisquer palavras. Ela gagueja um pouco, mas nada claro pode ser ouvido.

- Eu sei, é algo impensável... – Bufo baixinho, ainda sustentando meu olhar na Cria do Abismo – Precisamos que você vença um Arcanjo.

- Isso é loucura Mika. – Alana consegue dizer, espiando o irmão de canto de olho e então voltando a nós – Como vencer um Arcanjo? Por que isso?

Não expliquei a eles o motivo do meu pedido. Não disse absolutamente nada do porque tive tal ideia, apenas pedi algo que simplesmente não dá para ser pedido a ninguém, ainda mais da maneira como o fiz.

A surpresa lentamente desaparece do rosto do homem, e ele cruza seus braços baixando o olhar, e algo me leva a acreditar que ele possa estar refletindo a respeito de meu pedido. Não sei o que me fez pensar nisso, mas quero acreditar que sim.

Alana volta sua atenção ao irmão, e não sei decifrar sua feição, mas consigo ver seu nervosismo. Ela analisa e aguarda em seu silêncio, batendo a ponta do dedo na mesa, talvez ansiosa por uma resposta que ainda não veio?

- Tudo bem, posso fazer isso. – Ele diz finalmente, com uma aparente tranquilidade em sua voz. Ele não sorri descontraído como de costume, mas ainda assim ele não demonstra desconforto ou temor, está notavelmente calmo.

- Irmãozão? – Alana não parece realmente impressionada com a resposta, apenas preocupada. Ele a olha de volta, e finalmente sorri.

- Mas antes, quero saber o motivo disso. – Ele pede, fitando de mim a Layla – Vocês não estão contando o que aconteceu. Não é comum me pedirem para enfrentar um Arcanjo.

- Alguém já te pediu isso alguma vez? – Layla pergunta genuinamente curiosa.

- Não, por isso não é comum. – O anjo esboça uma careta com a resposta, mas a Cria do Abismo até tem seu ponto. Ele volta a atenção a mim e insiste – O que te levou a um pedido desses Mika?

Sei que preciso contar. Mesmo que ele já tenha decidido nos ajudar, ainda assim devo alguma explicação do que está acontecendo.

- Klauss e Layla receberam uma ordem de acabar comigo e com Nick. – Digo sem enrolação. Layla desvia o olhar de mim e ela parece tensa, apertando suas mãos com força.

- Quem ordenou isso foi o Arcanjo que vocês querem que eu vença? – Ele pergunta.

- Sim... Ele não nos deu opção. – Layla conta com a voz tensa – Não sei o que pode nos acontecer se não cumprirmos essa punição. Klauss tentou convencê-lo a tomar outra decisão, mas Ka'Ruel estava decidido.

- Você já viu ele! – Lembro da operação que os anjos fizeram para tentar capturar ele, e a imagem desse encontro me vem em mente – Naquele dia que você levou Klauss e eu para aquele lugar cheio de neve e lutamos lá, o Ka'Ruel estava apareceu.

- Acho que me lembro dele. – Diz apertando os olhos – Era aquele mais irritado, não é?

- Sim, esse mesmo! – Digo com uma estranha empolgação em mim.

Ele pensa alguns instantes e olha para Alana – Acho que posso dar conta dele irmãzinha, já enfrentei alguém muito parecido no passado.

- Tem certeza irmãozão? – Alana se mostra bem preocupada.

- Se lembra daquele demônio que invadiu o Abismo tempos atrás? – Ela assente com a cabeça – Eles são quase a mesma coisa, e tem comportamentos parecidos. Acho que ele se chamava Radam.

- Você já enfrentou o juíz Radam? – Pergunto espantada.

- Ganhei dele. – Diz sem se vangloriar muito, como imaginei que faria. É impressionante que alguém sobreviva a um confronto com um dos três juizes, mas é ainda mais surpreendente saber que ele ganhou e não se gabe por isso. – Por isso, acho que posso lidar com Ka'Ruel também.

- Espera, não pode ter uma outra solução que não seja lutar contra juízes e arcanjos? – Alana pergunta, abandonando sua preocupação e assumindo um tom bem mais pensativo. – Porque vocês não vem para o Abismo com a gente?

- Como? – Layla questiona um pouco espantada com a proposta de Layla.

- Pode ser só por algum tempo se quiserem, até as coisas se acalmarem. – Alana diz olhando para Layla e então para mim – Seria menos arriscado que enfrentar um arcanjo.

- Será que é uma boa ideia? – Me pergunto baixinho

- É seguro, desde que meu irmão chegou ao Abismo, nunca houve novas tentativas de invasão de anjos ou demônios. – Alana explica – Vocês todos podem ir e ficar por lá algum tempo.

Apoio o queixo na mão e penso a respeito. Realmente é uma boa ideia não precisar enfrentar um perigo tão grande quanto um arcanjo, e apenas ficarmos fora da vista de todos.

Agora que penso sobre, esta casa já não é mais segura para nós, e pode não ser seguro continuarmos aqui. Tanto os juízes do Submundo como anjos já chegaram aqui outras vezes, e nada garante que não chegarão até nós outras vezes.

Além disso, Mel estará distante de toda essa bagunça. Longe e segura. Se for por pouco tempo, não tem problema.

Quero aceitar, mas não posso fazer isso sem antes conversar com Klauss a respeito. Ele precisa saber, e precisa concordar comigo para podermos ir juntos. Caso ele não concorde, não tenho como obrigar ele a ir ao Abismo, e precisaremos encontrar outro meio de resolver isso, pois não irei abandoná-lo aqui.

Além disso, Nick também precisa saber do ocorrido, afinal, agora sua vida também está em risco. Sei que Layla deve falar com ele a respeito do que está acontecendo, mas ela já tem muitas coisas a falar com ele, principalmente sobre como se sente. Sua cabeça deve estar tão cheia que, talvez, seja melhor eu conversar com ele sobre o perigo que corremos.

- Mas, se formos nos esconder no Abismo... – Layla diz baixo – Seremos considerados traidores do Paraíso no mesmo instante. Klauss e eu estaremos em risco constante.

Layla está certa, não havia pensado nesse ponto. O Cara do Casaco, ou melhor, o Abismo em geral não é bem visto nem pelo Paraíso como pelo Submundo. Caso façamos isso, poderemos até mesmo piorar a situação.

Confrontada com isso, me vejo sem opções novamente, diante de um perigo iminente o qual não sei se somos capazes de enfrentar. A única alternativa que ainda vejo é tentarmos fazer frente a essa força estrondosa chamada Ka'Ruel, e torcer para que o Cara do Casaco seja capaz de contê-lo de alguma forma.

- Preciso de apenas alguns dias. – Ele diz pensativo, e então olha para a irmã – Por via das dúvidas, é melhor que eu esteja em plenas condições para encarar algo assim. Por isso, irei ao Abismo para me recuperar, e então voltarei para a cidade.

- Quantos dias você precisa? – Pergunto um pouco ansiosa.

- Quatro, cinco dias no máximo. – Ele diz pensativo – Não estou debilitado nem nada do tipo, estarei em plenas condições em menos tempo. Mas devo resolver algumas coisas antes de voltar.

- Cinco dias, não é muito tempo. – Pondero comigo mesma. É tempo o bastante para que eu converse com Klauss, quem sabe consigamos encontrar outras alternativas.

O Cara do Casaco fica de pé, e erguendo uma das mãos, um papel surge entre seus dedos. Sons não foram ouvidos, qualquer essência de seu poder foi manifestada, nada, apenas surgiu, e isso me espanta mais do que eu imaginava.

Ele deixa o papel sobre a mesa, e por fim leva as mãos aos bolsos – Me liguem, caso tenham problemas.

Alcanço o papel e vejo o número anotado, e concordo em um gesto com a cabeça.

- Estamos indo, logo estarei de volta. – Ele se vira para a irmã, enquanto me levanto para acompanhá-los – Vamos Alana?

- Claro, estou sentindo falta de casa. – Ela ergue os braços acima da cabeça, e saímos de casa, avançando devagar sobre o gramado coberto pela pequena camada de neve, e sinto o frio do ambiente me envolver.

- Gostaria que voltassem, mas que fossem em uma situação menos problemática. – Sou sincera em minhas palavras, e ambos oferecem sorrisos compreensivos a mim.

- Isso tudo irá se resolver logo, e voltaremos para visitá-los mais vezes. – Ele ergue uma de suas mãos, e uma fenda surge bem à sua frente, em uma onda de vento que afasta toda a neve acumulada no chão e parece criar uma distorção no espaço a nossa frente.

Alana despede com um aceno e atravessa a fenda primeiro, o Cara do Casaco entra logo em seguida, e assim que desaparece dentro da fenda, ela se fecha no ar, deixando uma aura levemente multicolorida que se dissipa no ar.

- Eles já foram? – Ouço Layla dizer, não muito perto de mim.

Viro-me e a vejo parada no batente da porta, com o olhar perdido. Ela olha para mim, mas ao mesmo tempo parece não enxergar nada.

Layla se aproxima em passos arrastados – O que acha que pode acontecer?

- Não tenho certeza. Acredito que temos uma chance de resolver tudo... – Digo pensativa, mas com expectativas em mim. – Você está bem?

- Não Mika, não estou... – Responde encarando o céu – Minha cabeça está muito cheia. Acho que quero ficar sozinha, preciso de um tempo para pensar.

- Não quer ficar para repousar? – Sugiro, preocupada em deixar Layla sozinha – Klauss logo sairá, e você poderá se recuperar.

- Não precisa, tenho um local que posso usar para repousar. – Ela oferece um sorriso fraco – Além disso, não quero incomodar ainda mais.

- Você não é um incômodo Layla, e é bem vinda nesta casa. – Digo tocando seu ombro e apertando levemente. Percebo em seu longo silêncio que não conseguirei convencê-la, mas ainda assim, ela ergue seu olhar a mim e sorri – Venha e me avise se precisar de qualquer coisa.

Layla assente com a cabeça, e em um abrir de asas, ela ascende aos céus, afastando-se cada vez mais até se tornar um borrão cada vez mais distante, que logo começa a mergulhar entre as nuvens.

Permaneço parada até que Layla suma completamente da minha vista, e nisso meu olhar recai para a cidade ao longe, um pouco fosca por uma névoa fria presente hoje, e pelos incontáveis flocos de neve que caem lentamente de um céu nublado.

Um novo vento frio passa por mim, fazendo com que meu corpo inteiro tenha arrepios e eu estremeça de frio. Instintivamente abraço a mim mesma e esfrego as mãos nos braços nús, tentando me aquecer de alguma forma.

Decidida a me agasalhar, viro e faço o caminho de volta para casa. Em cada passo, me pego cada vez mais perdida em uma pergunta.

Que situação é essa em que estamos agora?

*****

Sentada no tapete da sala na companhia de Mel, tendo muitas folhas em branco e alguns giz coloridos a nossa disposição, a observo fazendo alguns de seus desenhos já a algum tempo, tendo abandonado minha leitura por não conseguir me concentrar de jeito nenhum.

Observo como minha filha dedica toda sua atenção em seus traços, alguns mais uniformes do que outros, mas sempre compondo algo maior em seus deaenhos.

Ela usa alguns dos giz a sua frente, e sem nem mesmo piacar, ela troca as cores e continua entretida, parecendo saber completamente o que quer fazer, parando poucas vezes para olhar seu desenho, e olhar, e olhar mais um pouco, mas sempre volta ao seu entretenimento pouco depois.

- Mamãe? – Ouço sua voz me tirando de tantos pensamentos – Quando o papai vai chegar em casa? Já vai ficar escuro... Eu sei que ele é um anjo e as vezes sai a noite, mas ele sempre volta logo...

- Klauss já voltou pra casa filha. – Ela me observa com um brilho nos olhos, mas cheia de dúvidas por não ter visto o pai momento algum. Na verdade, foi melhor Mel já estar dormindo na hora que Klauss chegou em casa, não teriamos como conversar sobre tudo que houve com ela acordada – Mas ele chegou bem cansado do Paraíso, precisou fazer muitas coisas, e agora está descansando.

- Então o papai está dormindo? – Ela pergunta animada, se ajeolhando prestes a levantar para ir vê-lo.

- Mais ou menos filha, ele descansa de uma maneira diferente de nós. – Tento explicar.

- Por isso ele não dorme né? – Ela pergunta e confirmo.

- Na verdade filha, o que faço se assemelha muito a dormir, mas ainda permaneço desperto. – Ouço a voz de Klauss e o vejo descendo a escada – Sei o que acontece, mesmo repousando.

- Klauss, você...? – Estou para me erguer, quando Mel se levanta primeiro e vai correndo a ele.

O anjo se abaixa e ergue nossa filha nos braços, com um sorriso envolto em ternura em seu rosto e deixando alguns carinhos com a ponta dos dedos no rostinho de uma Mel sorridente. Ele então se volta a mim, com um semblante semelhante ao que dedicou a nossa filha – Estou descansado Mika.

Entendo o significado de tais palavras. Ele já está recuperado, e percorrendo meus olhos pelo seu corpo, não encontro nada que diga o contrário.

Ele já trocou de roupas, abandonando seu terno que estava repleto de danos do conflito que teve no paraíso, para uma camisa branca justa com as mangas dobradas até a sobra de seus braços, e uma calça jeans simples e os pés descalços.

- Descansou bem papai? – Mel espalma as mãos nos ombros de Klauss e o olha curiosa.

- Sim, descansei muito bem. – Ele passa os olhos pelas roupas de Mel alguns segundos – Meu anjinho está tão bonito.

- A mamãe escolheu, disse que estava bem bem frio e que eu tinha que me agasalhar. A mamãe falou também que iria deixar meu cabelo solto porque iria me esquentar mais. – Ela explica olhando para mim e então para Klauss – Ah papai, você viu que está nevando?

- Ainda não vi, está nevando muito? – Pergunta, claramente dando corda para Mel.

- Sim... Na verdade não, acho que não. Está nevando tão devagar, achei que ficaria tudo branco rapidinho mas está levando tanto tempo... Eu tinha espiado a cidade lá do quarto, mas já não conseguia ver muita coisa, a cidade toda já nem da pra ver direito, agora acho que nem deve dar pra ver mais nada. Sabe papai, acho que começou a nevar primeiro lá do que aqui. Eu achava que poderia brincar com neve hoje. – Ela explica pensativa, olhando para ambos.

- Se continuar nevando durante a noite, amanhã cedo teremos uma boa quantidade de neve filha. E então poderá brincar, mas só se estiver agasalhada. – Ele instrui e não consigo deixar de assistir os dois.

- Sabe papai, eu queria saber... A gente estava na praia, e estava quente lá, bem quente, mas fomos voltando pra casa e esfriou tanto, aqui ta nevando... Será que na praia ainda está quente? – Ela pergunta inocente.

- Talvez Mel, a praia que visitamos fica bem longe daqui, são muitas horas de viagem. – O anjo conta e a criança presta total atenção – Por ser tão longe, talvez lá ainda esteja fazendo calor.

A criança se concentra na explicação e por fim, Klauss volta seu olhar a mim. Não queria interromper isso, mas existe algo importante que precisamos resolver.

- Nós precisamos conversar. – Digo finalmente.

O sorriso do anjo diminui, mas não desaparece – Sim, nós precisamos.

- O Cara do Casaco e a Alana estiveram aqui. – Estudo sua feição antes de continuar, percebendo já não haver qualquer mínimo sinal de desconfiança ou hostilidade quando se trata de algo envolvendo os irmãos do Abismo – Conversei com eles sobre... Os últimos acontecimentos, e eles nos convidaram a passar algum tempo no Abismo.

- Somente nós? – Ele pergunta.

- Layla e Nick também. – Ele assente com a cabeça. – Disse que podemos ficar lá pelo tempo que quisermos.

O anjo reflete em minhas palavras, e então confirma com a cabeça – Talvez seja uma opção. Mas precisamos pensar antes de tomar qualquer ação. Como Layla lidou com isso?

- Disse que precisava pensar, e então foi embora. – Torço a boca de leve – Não a julgo por isso, ela está com a cabeça muito cheia. Só espero que ela não faça nada precipitado.

- Acha que ela pode fazer algo? – Klauss questiona.

- Eu não sei Klauss. – Respondo baixo – E esse é meu medo.

Klauss se aproxima e senta no chão, próximo de onde estou. – Mika, você prestou atenção ao que houve na cidade?

- Na cidade? – Aperto os olhos – Não, o que houve?

- Enquanto estava no meu repouso, expandi minha graça para permanecer atento em tudo que acontecia na cidade, quando percebi algo novo surgindo... É uma coisa estranha, que nunca senti antes. – Ele explica com seriedade presente em sua voz – Alguma coisa desconhecida chegou a cidade.

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