Capítulo 48

7158 Palavras

- Uma viagem? – Klauss pergunta, não parecendo surpreso com minha ideia. Na realidade, ele me olha levemente intrigado.

- Isso mesmo, uma viagem. – Reforço minha proposta, ostentando em meu rosto um sorriso que demonstra a animação que tenho em mim – Não precisa ser uma longa viagem de muitos dias, mas uma viagem, que possamos ir e voltar de carro.

Ele pondera a respeito, se envolvendo dentro de uma aura de mistério causada pelo seu silêncio, e mesmo buscando quaisquer sinais em seus olhos que indiquem qual será sua resposta, não encontro nada muito preciso – Não tenho certeza se poderei ir, afinal, tenho meus deveres como protetor desta região.

Aperto a boca e desvio o olhar ao lado, imaginando que essa poderia ser sua primeira resposta. Entendo que existam seus deveres como o anjo protetor desta cidade, mas não será isso que me fará mudar de ideia.

Não me passou despercebido que Mel está escondida atrás do batente da porta da sala, nos espiando com expectativa em seu rosto infantil. Ela tentou se esconder quando voltei meus olhos em sua direção, mas tive tempo o bastante para ver como seu rosto estava iluminado e provavelmente, agora sua imaginação está saltando com incontáveis possibilidades.

- Sei bem que você tem seus deveres Klauss, e também sei como são importantes. – Começo, buscando escolher as palavras certas – Mas acho que você, assim como eu, nunca fez uma viagem como estou propondo.

Klauss não responde em palavras, mas sim em um aceno positivo.

- E sei bem que às vezes, o Paraíso pode ser bastante injusto. – Agora suas sobrancelhas dão uma leve saltada com minhas palavras, imagino que para qualquer anjo ouvir que o Paraíso é injusto pode ser um desrespeito sem tamanho, um que Klauss provavelmente sabe que é verdade, mas antes que ele pense em contra argumentar de alguma maneira, continuo – Por isso, acho que uma viagem nos fará bem, só uma viagem em família de alguns dias.

Ele continua reflexivo, seu olhar percorre um lado ao outro como se buscasse por alguma conclusão em tudo que disse, quando por fim volta a me olhar – Quem podemos deixar cuidando da cidade?

- Acredito que Layla aceitará. – Proponho, imaginando que ela aceitaria, e sendo essa uma oportunidade de facilitar caso ela queira ver Nick durante esses dias que estivermos fora. – Ela já ficou pela cidade por algum tempo, então imagino que ela poderá cuidar de tudo.

- Tudo bem. – Ele decide finalmente – Irei contatar Layla para que fique na cidade enquanto estivermos fora. Você e Mel, vão arrumar as malas.

- Então nós vamos viajar? Vamos mesmo? – Ele solta um riso nasal, e confirma com a cabeça. Nisso, abro um largo sorriso empolgado e me viro para a porta da sala, sabendo que Mel está ali – Mel, nós vamos viajar!

*****

- Agradeço que tenha vindo. Está mesmo tudo bem em cuidar de tudo por esse tempo? – Klauss pergunta a Layla.

- Claro que sim Ka'Su, por favor não se preocupe. – Ela assente com um sorriso. – Serão somente três dias, posso cuidar de tudo sem grandes problemas.

- Eu agradeço muito, sei que a cidade estará em boas mãos enquanto estivermos fora. Inclusive, pode me chamar somente de Klauss. – Ele olha para mim, vendo minha reação cheia de animação pela viagem que iremos fazer, e Layla também demonstra uma reação bem eufórica quando vira seu olhar para mim.

Estou dessa maneira desde que Klauss aceitou minha proposta a dois dias atrás, tão empolgada que já deixei minhas malas prontas na mesma hora, vi e revi tudo que irei levar por várias vezes, e posso dizer que quase perdi meu sono, tamanha é a animação em meu peito.

Quem realmente perdeu o sono foi Mel. Nossa filha ganhou uma energia sem tamanho quando contei da novidade, e com toda certeza sua empolgação se iguala a minha com facilidade, talvez esteja até maior.

- Levarei nossas malas para o carro, e verei como Mel está. – Klauss anuncia, deixando a cozinha.

Agora sozinhas, Layla e eu trocamos um olhar que compartilha nossa empolgação nesse momento – Você vai viajar Mika!

- Eu vou viajar! – Respondo em mesmo tom junto aos risos trocados – Eu ainda nem estou acreditando, minha primeira viagem no mundo humano e vou fazer junto da minha filha e do meu namorado!

- Já sabe para onde irão? – Ela pergunta curiosa.

- Não, o Klauss decidiu manter em segredo até estarmos na estrada. – Digo dando pulinhos no lugar – Estou tão animada! Mas me fala, você não terá problemas por ficar aqui na cidade, não é?

- De jeito nenhum, apesar de pertencer a Legião, não tenho nenhuma região que seja de minha responsabilidade. – Ela salta os ombros – Mas devo me apresentar caso seja convocada pelo Paraíso.

- E costumam convocar com muita frequência? – Pergunto curiosa, já que nunca vi Klauss sendo convocado, e enquanto ainda vivia no Paraíso, lembro de Ion'Alia passar alguns períodos prolongados sem ter tarefas a cumprir.

- Não tanto, às vezes fico semanas sem ser chamada. – Ela dá um meio sorriso – E costumo ficar pelo paraíso com os outros anjos. Só venho ao mundo humano quando...

Ela para de falar, e ergo uma sobrancelha – Quando...?

- Quando quero observar os humanos... E quando vejo o Nick. – Ela diz essa última parte bem baixinho mas ainda assim foi alto o bastante para que eu consiga ouvir. – Mas permaneço por pouco tempo, um dia inteiro, no máximo dois. E sempre me purifico quando retorno ao Paraíso... Mas não entendo...

- O que? – Indago apertando os olhos.

- Sempre nos disseram que purificação serve para retirar todas as impurezas do mundo humano de nossos corpos... Preservar a pureza de nossas graças, e impedir a perversão humana se espalhe por todo o paraíso. – Layla encara o chão.

Lembro-me da primeira vez que caminhei entre os humanos, e o que enxerguei em todos quando me concentrei o suficiente. Lembro o que minha graça me revelou – Layla, você já viu a perversão humana? A forma como ela se manifesta?

Ela me confirma – Já, algumas vezes... Surgem como manchas dentro das almas humanas, se espalham como uma doença, e quando desaparecem, deixam vestígios em quem foi contaminado.

- Como uma doença...- Sussurro pensativa, lembrando a maneira como presenciei tanto tempo atrás. – Você já enxergou algo semelhante nos demais anjos no paraíso?

- Nunca. Também pedi para buscarem em minha graça, e não encontraram qualquer sinal de perversão. – Ela ergue suas mãos e as encara – Mas não importa o quanto eu me purifique, não consigo me desprender de certas coisas...

- Quais coisas você se refere? – Pergunto intrigada.

- Gostar de um demônio... – Ela fecha seus punhos e suspira – Eu tentei Mika... Só eu sei como tentei me desprender disso, deixar de sentir como sinto, deixar de querer mais, mas não consigo... Sei que é errado, mas não consigo, isso não faz com que eu também tenha sido maculada?

Reflito alguns segundos antes de responder – Acho que não se trata disso Layla, acredito que se fosse a perversão humana, teria sido percebida pelos anjos... Talvez já teriam tomado alguma ação, mas isso não aconteceu. Você teve algum anseio ruim desde que tudo começou?

Ela aperta a boca, claramente pensativa, por fim nega.

- Acho que você não foi corrompida, de forma alguma. Talvez só tenha conhecido algo novo, como aconteceu comigo e Klauss. – Tento um sorriso para confortá-la de suas dúvidas – Acredito que não precisa se desprender do que sente, nem temer sentir mais. Não precisa se purificar de algo que não está te causando mal... Na verdade, imagino que esteja te fazendo muito bem.

- Acho que você tem razão. – Ela diz, ainda preocupada.

- Não pense muito sobre isso Layla, só dê uma chance e deixe tudo aflorar no seu tempo. – Ela concorda com um gesto. Percebendo como ela evita meu olhar, decido perguntar – Vocês ainda não conversaram, não é?

- Não tive coragem. – Ela admite rindo – Mas irei falar com o Nick.

- Quando eu voltar de viagem, quero saber todas as novidades. – Digo rindo, seguindo para a sala, e Layla vem logo atrás de mim. Vejo Klauss acompanhando Mel para a porta, levando consigo a bolsa dele e nos lançando um discreto olhar.

- Espero ter novidades para te contar. – Layla solta um riso divertido, apesar de tímido.

- Também espero por isso. – Olho para Klauss por alguns segundos, não me passando despercebido as roupas que usa. Ele não veste o característico branco de sempre, nem mesmo seu terno de sempre, ele está mais leve, usando jeans claros e uma blusa de moletom clara, é simples mas gosto de olhar como ele está – Então... Klauss, como as coisas vão ficar por aqui?

- A Layla pode ficar aqui em casa o tempo que quiser, se quiser pegar algo para ler ali na estante, e também pode comer o que quiser que tem na geladeira e nos armários, sinta-se a vontade. – Ele apoia a mala com as coisas de Mel sobre o assento do sofá – Quanto a cidade, recomendo permanecer duas a três horas por lá verificando o movimento, e atenta a quaisquer incidentes estranhos, ou presença vinda do submundo. Se precisar repousar, a aura está no primeiro quarto do andar de cima, a porta está destrancada.

Ela confirma com a cabeça algumas vezes – Certo, eu entendi.

Klauss leva uma mão ao bolso e estende uma chave a ela – Aqui está a chave da casa. O bairro é tranquilo e não costumo trancar as portas, mas se você preferir, pode fazê-lo.

Layla alcança a chave – Tudo bem, prefiro trancar tudo quando for para a cidade, acho que conseguirei trabalhar mais despreocupada.

Ele concorda e, pegando uma das chaves dos carros, olha para mim – Podemos ir, Mika?

- Podemos sim. – Vou a Layla e me despeço com um abraço demorado – Logo estaremos de volta.

- Aproveitem bem a viagem. – Nos afastamos, e seguimos todos para a porta da sala.

- Pode deixar Layla, cuide bem da cidade. – Klauss diz, seguindo para o meu carro, depositando a última mala no bagageiro, e indo ao lado do condutor.

Entro no carro, curiosa por ter sido o meu a ser usado para a viagem, e não o de Klauss. Lanço meu olhar sobre o ombro, vendo Mel animada no banco de trás, acenando para Layla, que prontamente responde com um sorriso divertido.

Klauss entra, e não aguento minha curiosidade – Por que o meu carro?

- O seu tem bancos de trás, o meu não. Não teríamos como levar a Mel no meu carro. – Klauss explica saltando os ombros, e ligando o carro apertando o botão no console central. – E o bagageiro do seu também é um pouco maior.

Assinto algumas vezes, quando o anjo da ré no carro, e após um último aceno a Layla, deixamos nossa casa para trás, dando início a nossa viagem.

*****

Seguimos pela estrada já faz algum tempo, acho que pouco mais de uma hora. Carros passam por nós, passamos por outros, caminhões ruidosos vão ficando para trás, levando desde grandes caixas pintadas lacradas, outros carros, acho isso incrível. Fico pensando o que pode ter dentro de cada um deles.

A música toca em uma rádio qualquer que escolhi, um ritmo a qual não tinha ouvido antes, composto de batidas e acordes rápidos junto a um cantar frenético, que me contagiam e torna difícil querer permanecer imóvel no banco. Por não fazer ideia de como cantar o ritmo e nem o que o cantor diz, me limito a apenas dançar ao ritmo.

Mel está distraída olhando pela pequena janela do banco de trás, encantada com a vista da estrada.

Essa é outra coisa que me encantou no primeiro momento que vi. Por muitas vezes voei através do céu, observando as estradas muito ao longe como sendo apenas pequenas linhas por onde os carros percorriam seus trajetos, tão pequenos que mal podia distinguir qualquer detalhe, e agora que posso enxergar tudo também desta perspectiva, não imaginava ser dessa maneira.

Mesmo não enxergando tão longe como quando estava no céu, ainda assim, ver a estrada seguindo até o horizonte ao longe me soa encantador, único. As paisagens que surgem a frente e desaparecem logo atrás são algo que atraem meus olhos e instigam minha imaginação, cores presentes em diferentes vegetações, construções perdidas ao longe da estrada, humanos seguindo com suas vidas em tarefas que são desconhecidas para mim.

Existe tanto para ver, de tantas formas diferentes, tudo possuindo sua beleza particular que compõe um belo e gigantesco quadro que se altera conforme seguimos adiante por essa estrada... Algo que tentei sentir por várias vezes, não tem influência alguma de anjos Portadores do Belo, em nenhuma parte. Estou contemplando uma beleza própria e natural deste mundo humano.

Assistindo a todo esse mundo com um sorriso no rosto, maravilhada com tudo que meus olhos enxergam, me encontro pensativa... O quão surpreendente e belo esse mundo pode ser? Quantas coisas eu ainda não vi? Quantas coisas ainda não conheço? O quão grande este mundo pode ser?

Perguntas as quais desconheço completamente as respostas. Sequer consigo mensurar.

Volto meu olhar a Klauss, e me dou conta que o anjo está me olhando com um sorriso em seu rosto. Um sorriso claro e indiscreto, um que consigo decifrar claramente, ele está me vendo com admiração, com carinho, um encantamento que se distingue de quaisquer olhares mais simplórios.

- O que está pensando? – Sua voz parece ecoar pelo ar, acima do ruído continuo do vento.

- Em como este mundo é incrível. – Me encosto ao banco, deixando escapar um suspiro, um tão leve assim como me sinto, e por mais uma vez espio ao longe – E em como ainda não conheço nada dele.

- Acredito ser muito difícil alguém conseguir ver tudo neste mundo, sejam humanos ou não . – Klauss tem um tom reflexivo, que atrai minha atenção para si novamente – Talvez seja isso que torne este mundo tão incrível.

- Quantas coisas você já presenciou? – Indago curiosa.

- Muitas, incontáveis em poucas horas de viagem. – Ele sorri de leve com um riso nasal – E sei que tudo que vi, ainda assim é muito pouco. Esse mundo esconde muitas coisas.

- Fico curiosa agora que penso nisso... – Digo sonhadora, fechando meus olhos por alguns poucos segundos, tornando a abri-los quando me recordo da vista que me entretém desde que entramos na estrada – Tudo que ainda não vi, as coisas tão incríveis que irei conhecer...

- Você conhecerá muitas coisas no futuro Mika. – Ele diz com notável certeza em sua voz.

Seu olhar para em mim e ele mantém seu sorriso, que o torna tão belo e prende minha atenção a ele, em cada um dos detalhes de seu rosto sereno, a ponto que desviar meu olhar se mostra uma tarefa quase impossível. Sua mão ergue devagar, em um convite silenciosos pela minha, e assim aceito, sentindo o toque de sua pele a minha, seguido por carinhos lentos feitos pelo seu polegar.

- Não só eu, você também conhecerá muitas outras. – Digo sorrindo de volta, com uma grande tranquilidade transbordando dentro do meu peito, devolvendo os carinhos que ele entrega em minha mão.

- Nós dois conheceremos. – Ele deixa um riso escapar, voltando seu olhar atento a estrada – Ainda existe muito desde mundo que não vi.

- Então vamos combinar, iremos conhecer tudo isso juntos. – Digo brincalhona. – Te convidarei para mais viagens.

- Estou disposto a aceitar todas que propor. – Ele devolve e acabo saltando as sobrancelhas.

- Todas? Mesmo? – Pergunto curiosa – Acampar também?

- Por que não? – Klauss não da nenhum sinal de que está dizendo só para me animar – Nunca acampei, pode ser divertido.

- Você está me dando muitas ideias Klauss. – Digo completamente empolgada, com muitas possibilidades diferentes surgindo em minha mente, quando algo me vem em mente – Inclusive, ainda não sei para onde estamos indo.

- Eu também não. – Klauss me surpreende com tal resposta, dita com tamanha naturalidade que faz qualquer palavra me abandonar. Sei que estou boquiaberta – Estou brincando. Estamos indo a um lugar que gosto muito, é bonito. Mas levaremos algum tempo para chegar.

- Quanto tempo, mais ou menos? – Indago curiosa.

- Chegaremos ao anoitecer, se o trânsito cooperar. – Explica.

Faço as contas mentalmente, sabendo que saímos de casa no começo da tarde, e quando finalmente junto os pontos, faço uma careta – Tanto tempo assim?

- De carro sim. – Ele me olha de soslaio – Voando, não levaria tanto tempo, mas assim não conta.

- Acho que não precisamos ir rápido. – Digo pensativa, erguendo os braços acima da cabeça e relaxando no banco – Está legal assim, no ritmo que estamos.

O anjo não responde em palavras, sua boca curva para cima e assim permanece. Olhando para trás, curiosa com o silêncio de Mel, observo minha filha, que antes tinha sua atenção totalmente atraída par a paisagem, agora está adormecida.

- A Mel dormiu. – Digo me esticando e deixando um carinho em seu rosto.

- Ela estava toda empolgada com a viagem. – Klauss olha para ela através do pequeno espelho – Você tinha que ter visto, ela acordou cedo e disse que era porque não aguentava esperar tanto.

- Mas se ela dormisse mais tempo, não iria esperar menos? – Klauss salta seus ombros, e ao me endireitar novamente no banco, começo a refletir sobre isso – Se eu estiver esperando para fazer uma coisa que quero muito, e ficar sem dormir, eu não terei que esperar mais tempo? Se eu dormir mais, então eu espero menos tempo?

Percebo que Klauss está me observando com os olhos levemente cerrados.

- Me pergunto qual das duas começou a fazer perguntas complicadas primeiro, você ou a Mel? – Klauss solta e não contenho minha risada com sua resposta, que não me ajudou em nada no meu raciocínio.

- O que quer dizer com isso? – Pergunto risonha, me segurando para não gargalhar.

- Estou tentando encontrar uma resposta, mas é difícil. – Ele diz, ainda com os olhos apertados, e quanto mais olho para ele, mais minha vontade de rir. – Que pergunta foi essa Mika?

- Por que? O que você acha Klauss? – Pergunto apertando a boca, em uma vã tentativa de conter minha risada, já que o anjo parece desesperadamente procurar por uma resposta.

- Não faço a menor ideia do que responder, eu só dormi uma vez. – Ele diz, abrindo a boca, gaguejando, e não conseguindo dar qualquer resposta que seja.

- Pois eu acho isso mesmo, que se dormir mais tempo eu esperarei menos, mas se dormir menos irei esperar mais... – Olho para Klauss de relance, percebendo o nó que está se formando em seus pensamentos – Mas será que dormindo ou acordada, eu estarei esperando o mesmo tempo, só que estarei esperando de formas diferentes?

- O que? – Ele pergunta me olhando fixamente, claramente confuso.

- Estou brincando. – Não aguento e acabo gargalhando de sua reação.

A confusão do anjo permanece durante poucos instantes, já que expressão suaviza e ele logo balança a cabeça em negativa, enquanto eu não contenho meu riso.

- Ei Klauss, agora que penso melhor, não lembrei de ter trago algo para comer durante a viagem. – Digo pensativa.

- Não tem problema, podemos comer algo em alguma parada que fizermos no caminho. – Ele diz tranquilo – Imagino que nunca tenha estado em uma parada de estrada, não é?

Nego com a cabeça, já imaginando como deve ser esse lugar, e ele responde com um riso nasal.

Me reservo em minha imaginação e na curiosidade de como deve ser tal lugar. Será que é grande? Ou pequeno? Tem tanto espaço aqui onde estamos, e passam tantos carros ao mesmo tempo, então talvez seja grande, mas ai vem a próxima questão, o que tem em uma dessas paradas de estrada? Serão só coisas para comer? Se for tipo um restaurante, não acho que esse lugar precise ser tão grande. Como deve ser esse tal lugar que iremos parar?

Minha bolha de indagação particular é rompida quando escuto a voz de Klauss, e imagino que esteja falando comigo, quando me dou conta que, na verdade, ele está cantando baixinho a música que toca no rádio, e encantada em ver isso, decido deixar de lado meus pensamentos, só por um instante, para ouví-lo e aproveitar mais da paisagem.

*****

Percebo um leve toque em meu ombro, e meu corpo balançando devagar, e preguiçosamente abro meus olhos, reparando a pouca luz no lugar onde estou. Olho em volta, um pouco confusa e embebida em sono, tentando reconhecer o lugar onde estou, e encontro Klauss me olhando.

- Chegamos Mika. – Ele anuncia.

- Já? – Pergunto com uma voz rouca pelo sono em mim, e me espreguiço demoradamente, junto a um bocejo longo.

- Já, você e Mel dormiram durante o caminho. – Ele diz, virando-se para trás e parece do refletir entre acordar Mel ou não. – Vamos?

Assinto, esfregando as mãos no rosto para afugentar o sono, e saindo do carro em uma preguiça sem tamanho, estranhando como meu corpo parece pesado.

Assim que saio, recebo um golpe gelado que ajuda a me despertar um pouco mais. Quando saímos de casa já estava frio, mas não esperava que fosse ficar ainda mais, de modo que sinto meu corpo tremendo um pouco. Que bom que nos agasalhamos bem antes de sair, Mel principalmente, esse golpe gelado poderia deixar ela doente.

Olho em volta, reparando melhor onde estamos. Este lugar não é grande, por mais que de para contar uns dez carros estacionados, o piso são de pedras cascalho que reagem ruidosamente em cada passo nosso, e bem a nossa frente vejo um pequeno corredor com arcos de madeira ornamentados por plantas trepadeiras criando um tipo diferente de soleira.

Através deste corredor não é possível ver muito, mas percorrendo seu trajeto com os olhos, encontro uma porta de madeira entreaberta com o interior iluminado por uma luz amarelada, já a estrutura por fora, me lembra uma casa grande e bastante comprida, bem antiga ao mesmo tempo que também me aparenta ser muito bem cuidada.

Me dou conta como tudo não está tão quieto, não ouço o som de pessoas, mas sim um ruído constante que não sei identificar muito bem o que é pela distância, e também, existe uma fragrância no ar, algo leve e muito diferente de onde moramos. E acima de nós, um céu que a pouco assumiu o profundo escuro da noite, as estrelas já mostram seu cintilar e a lua quase cheia está pouco escondida por finas nuvens cinzentas.

Estico o corpo como consigo, não conseguindo afugentar o cansaço em mim. Klauss vai ao bagageiro pegar nossas coisas, enquanto eu retiro Mel do carro, ela resmunga um pouco e se aninha em meus braços, mas não acorda.

Espero o anjo retirar a última mala e, as ajeitando da melhor maneira, caminhamos para a entrada.

Entramos no local, sendo recebidos por um ambiente quente e acolhedor, onde o silêncio é rompido por um tic-tac constante, que apesar de baixo, se destaca no recinto. Meus olhos curiosos percorrem pelos sofás aparentemente muito confortáveis, indo para a pequena mesa de centro que com certeza Mel adoraria usar para fazer seus desenhos, seguindo a uma estante de canto talvez esquecida, ao lado de um grande relógio em torre e um largo balcão, e por fim um corredor ao lado de uma escadaria, que levam a lugares desconhecidos.

Reparo como tudo aqui possui tons semelhantes, entalhes feitos em madeira escura adornam a mobília, o qual parece estar de pé a muitos anos. Dentro da estante, espio o que parecem ser jogos de pratos e xícaras, tão antigos como a própria estante onde estão, além de garrafas escuras com rótulos prateados brilhantes e selos em seus lacres intocados.

Percorrendo meus olhos pelas paredes, observo um quadro contendo a imagem desbotada de quatro humanos, sendo um casal adulto e duas crianças, um menino e uma menina de mesma idade, que presumo serem seus filhos.

Klauss se aproxima do balcão e acompanho seu movimento, espiando a pilha de papéis perfeitamente organizada sobre uma pasta, canetas dispostas em um pequeno suporte, uma xícara que se encontra abandonada bem ao canto do balcão, e um sino prateado. Atrás do balcão, existe somente um painel largo com algumas poucas chaves penduradas.

O anjo bate no sino, e o singelo som ecoa no ambiente, e ele aguarda, e não me passa despercebida a maneira como ele olha para tudo tão demoradamente, enquanto seus dedos alisam o balcão vagamente.

Um senhor idoso surge do corredor, de cabelos grisalhos arrumados e barba cheia, unidos a vestes simples em seu corpo levemente roliço, e percebo que este senhor é o mesmo homem que está no quadro, muitos anos mais velho. Os olhos cansados nos analisam por trás de um óculos redondo de armação dourada, quando param em Klauss por mais tempo do que eu imaginava.

- Eu não acredito em meus velhos olhos... – Diz com uma voz rouca e muito grave, caminhando devagar até Klauss em passos devagar e o fitando com uma dureza que não esperava encontrar, e por trás de sua densa barba, ele abre um largo sorriso – A quantos anos não o vejo rapaz!

- Muitos anos, mais de uma década. – Klauss exibe um sorriso, enquanto o senhor o cumprimenta.

- Minha velha, venha cá! Você precisa ver quem está aqui! – Ele diz em alto tom, tornando a se virar para Klauss – Por que não avisou que vinha?

- Foi decidido de última hora. – Klauss se justifica com alguma leveza. – E acredito que não tinha meios de os contatar.

- Que gritaria foi essa meu velho? – Ouço uma outra voz, dessa vez uma feminina, menos rouca e mais macia que a do senhor, quando percebo uma senhora igualmente idosa entrando. De cabelos volumosos amarrados sobre a cabeça, tão grisalhos quanto o senhor, muitas rugas em seu rosto moreno e um olhar castanho claro, ela presta atenção no anjo ao meu lado – Oh meu Deus, Klauss!

A senhora vem em passos não tão largos e dá um abraço no anjo, e demora para soltá-lo. Ele me olha de canto de olho, e salta seus ombros como consegue, enquanto seguro minha risada – É bom ver que ambos estão bem.

- Você está ótimo, não mudou nada em todos esses anos. – A senhora diz, apoiando as mãos nos braços do anjo e o olhando com um misto de alegria e espanto. – Continua o mesmo de antes.

- Enquanto nós dois mudamos bastante, não é? – O senhor diz risonho, e a senhora confirma com um balançar de cabeça – Os anos passaram para nós.

- Acredito que posso ter mudado um pouco. – Ele sorri, ergue seu braço e pousa sua mão em minhas costas e sem a necessidade de trocarmos uma palavra, me aproximo – Quero lhes apresentar alguém... Essa é minha namorada, Mika, e essa pequena é nossa filha Mel.

Os dois olham para mim, o senhor boquiaberto, e a senhora com as mãos em frente a boca. As sobrancelhas de ambos estão saltadas pela surpresa. Nenhum deles consegue dizer nada a princípio.

- Namorada e filha? – A senhora balbucia com alguma emoção na voz.

- E Mika, esses são August e Giullia. – Ele me apresenta a ambos, e os cumprimento com um pequeno gesto e um sorriso tímido. – Eles são amigos de muito tempo.

- O conhecemos desde que éramos muito jovens. – August conta nostalgico – Quantas lembranças, esse rapaz nos dava muito trabalho... Mas digam, o que os trazem aqui?

- Estamos em viagem, e viemos nos hospedar aqui. – Klauss conta, enquanto eu o olho de soslaio, curiosa em saber mais sobre ele dar trabalho. – Quero apresentar o lugar para minha família.

- Pois vieram a pousada certa. – Giullia junta suas mãos frente ao corpo – Ainda temos quartos livres, não é meu velho?

- Com certeza temos sim. – O senhor caminha até atrás do balcão e fitando o painel, pescando uma das chaves com os dedos enrugados, e girando o corpo com uma agilidade que não esperava vir dele, August pousa a chave gentilmente sobre o balcão – Aqui está. Por conta da casa!

Klauss alcança a chave e espia uma numeração pintada com tinta escura em uma pequena placa de madeira, e agradece com um sorriso – Espero que não se incomodem, apesar do tamanho, nossa pousada é bastante humilde.

- Não se preocupem Giullia, isso não nos incomoda. A verdade é que gostei muito daqui. – Giullia parece aliviada com minha resposta.

- Fico feliz em ouvir isso, e espero muito que também goste da região. – Ela tem um tom bem amável em sua voz suave. – Vocês devem estar cansados, vão descansar.

- Isso é verdade, fizemos uma longa viagem. Vamos para nosso quarto Mika? – Klauss me chama, pegando nossas malas novamente.

Concordo em um gesto afirmativo – Sim, acho que quero dormir mais um pouco... E a Mel também precisa descansar, ela acordou muito cedo.

- August, Giullia, os vejo amanhã cedo. – Klauss me guia em direção as escadas, e aproveito para dar boa noite apenas com um aceno.

O cansaço em mim se mostra presente conforme subimos as escadas, sinto o corpo pesado e pedindo por uma cama. Não imaginei me cansar tanto nessa viagem, principalmente tendo uma graça em mim novamente.

Alcançamos o corredor e em uma olhada furtiva de um lado ao outro, Klauss toma uma direção, parando após algumas portas e fitando a numeração na chave – É aqui.

Ele destranca a porta e a abre, dando espaço para que eu entre primeiro com Mel, e sou recebida em um ambiente acolhedor e discreto, contendo somente uma cama de casal grande bem arrumada, pequenas estantes e um armário simples de duas portas, e por fim uma porta entreaberta que leva ao banheiro.

Avanço e deixo Mel deitada na cama, ela desperta por alguns instantes e seus olhos claros param em mim, contudo ela boceja e torna a adormecer. Retiro os sapatos que usa e os deixo ao lado da cama, enquanto faço leves carinhos em seu cabelo e me levanto outra vez, assistindo Klauss, que deixou as malas próximas ao armário – Mel está bem cansada.

- Está, a viagem foi demais para ela. – Respondo, quando ele para ao meu lado – Nada que uma boa noite não resolva.

- Conheço mais alguém que precisa de uma boa noite de descanso. – Confirmo me deixando ser cada vez mais preenchida pelo cansaço – Durma mais um pouco Mika, teremos um dia movimentado amanhã.

Tenho que concordar, estou cansada demais para qualquer outra coisa, mal tenho pique para retirar as roupas que estou usando. Mesmo assim, opto por colocar roupas mais leves e por fim deitar.

- Você vai descansar também? – Pergunto enquanto vou me trocando.

- Não sei se irei dormir. – Klauss diz retirando a blusa que usa, e a enrolando em suas mãos, e espero que ele diga que não precisa dormir por não sentir sono – Mas ficarei deitado cuidando de você e Mel.

- Não disse que não precisa dormir por não sentir sono. – Comento brincalhona, enquanto vou terminando de me trocar.

- Mas não preciso dormir mesmo, afinal, não sinto sono. – Olho para ele com uma sobrancelha erguida, e ele me solta um riso nasal – Consegui dizer dessa vez.

- Você é chato Klauss. – Resmungo rindo baixinho, ajeitando as roupas frescas no corpo, e deixo as usadas sobre as malas.

Deito e me aconchego, enquanto Klauss por algo em sua mala, e fico imaginando o que ele pode ter trago para si, quando por fim retira uma fina manta, a abrindo sobre mim e Mel.

Acompanho seus passos pelo quarto, e após desligar as luzes, ele deita do outro lado da cama, tendo nossa filha entre nós dois, e na penumbra, seu olhar encontra o meu.

Me aconchego e tenho o toque de seus dedos em meu rosto, em um carinho tão agradável que não quero que pare, criando um sorriso que não sei se ele pode ver ka pouca luz – Boa noite Mika.

Boa noite Klauss. – Digo fechando os olhos e me permitindo ser envolvida pelo sono.

*****

Levei bastante tempo para despertar, não imaginava que uma viagem de carro poderia me cansar de tal maneira. Foi difícil acordar Mel, já que ela também estava bastante sonolenta a princípio. Já Klauss, sequer se incomodou em passar a noite em claro.

No momento em que acordei, tive a surpresa de ver o anjo ainda deitado, achochegado com uma mão embaixo do travesseiro e outra livre, e imaginei que estivesse realmente dormindo, até que toquei seu rosto em um carinho suave, e ele me surpreende novamente quando esboçou um sorriso e me deu bom dia.

Por algum tempo foi assim que ficamos, deitados, trocando olhares e sorrisos, conversando sobre qualquer coisa que fosse, bem baixinho para não acordar nossa filha. Ainda me sentia preguiçosa demais para levantar, e também, não havia visto nenhuma fonte de luz entrando no quarto, indicando que não havia amanhecido, além de que, estava tão confortável ficar com ele daquela forma, que não fiz questão alguma de deixar a cama tão rápido.

Fomos levantar somente quando notamos que já havia alguma luz entrando pelo espaço da janela do quarto. Enquanto o anjo acordava Mel, fui colocar roupas bem mais leves do que as que estava usando, tanto pelo calor que estou sentindo nesta manhã, como também por aviso de Klauss para usar algo leve e confortável.

Mel e eu optamos por regatas leves e shorts, já Klauss usa uma camisa leve e calça folgada, ambas brancas e bem folgados. Após todos nos arrumarmos, deixamos o quarto e Klauss nos guiou a uma sala ampla com várias coisas diferentes dispostas para o café da manhã, e ali Giullia se servia de um pedaço de bolo.

Servi um copo de achocolatado para Mel, e me servi de um de café com leite, acompanhado de um pedaço de bolo, já Klauss montou apenas um pão com manteiga para si, o saboreando acompanhado somente de café.

- E então, o que pensam fazer hoje? – Giullia pergunta, rompendo o silêncio presente.

Lanço meu olhar a Klauss, já que não faço ideia de onde estamos e nem quais são os planos que ele tem para hoje – Pensei em caminharmos agora. Como está o clima?

- Excelente para roupas leves. – Ela conta com um tom divertido – O céu está aberto, e fará bastante calor.

- Para onde viemos papai? – Mel pergunta, sei que repetiu perguntas parecidas quando estávamos em casa como também na estrada, e Klauss respondia da mesma forma.

- Isso é segredo. – Ouvir essa resposta mais uma vez me deixa agoniada de tanta curiosidade – Mas muito em breve vocês saberão.

- Você está fazendo mistério a viagem inteira Klauss. – Comento fazendo bico, sem de fato estar incomodada. O anjo parece notar isso, já que posso ver um curto sorriso surgindo no canto de sua boca.

- Prometo que saberão onde estamos, ainda nesta manhã. – Diz e da um gole em seu café.

Aperto os olhos enquanto mordo meu bolo devagar, esperando por qualquer sinal que indique que Klauss irá revelar onde estamos, sinal esse que não encontro.

- Sabe o que pensei agora? – Apesar dos olhares em conjunto dos três, foco somente em Klauss. Sorrio de canto e olho para o bolo, e então ao anjo – Não foi você quem preparou.

Uma leve surpresa toma conta do rosto do anjo, a ponto de deixá-lo boquiaberto – Até aqui Mika?

- Você não preparou. – Repito cantarolando.

- Quanto atrevimento. – Klauss diz, e é notável sua vontade de rir, mas ele não o faz. Tenta de todas as formas aparentar estar sério, mas isso de desmancha conforme ele assiste meu cantarolar e a pequena dancinha que faço na cadeira – Mika!

- Klauss! – Devolvo gargalhando, e ele balança a cabeça, não disfarçando mais que está se divertindo.

- Nem em casa nós estamos. – Ele tenta se justificar.

- Por isso mesmo é tão divertido, você não preparou nadinha... Nem o café com leite. – Digo propositalmente me lembrando quando ele usou esse mesmo argumento tantos meses atrás.

Ele leva uma mão a testa e ri baixinho, e me divirto vendo como o peguei desprevenido e deixei tão sem reações. É tão melhor porque nós dois sempre nos divertimos dessa maneira.

Mel e Giullia nos assistem em nossa diversão. Nossa filha observa como sendo a coisa mais corriqueira possível, já que presenciou essa nossa brincadeira diversas vezes, já a senhora está completamente perdida.

- É coisa do papai e da mamãe, nunca entendi muito bem... – Mel explica olhando para Giullia, com um tom bastante pensativo em sua voz infantil. – Acho que é coisa de namorado e namorada.

- Estou vendo. – Giullia confirma com um riso contido. – Os casais são assim mesmo pequena, existem coisas que somente eles são capazes de compreender.

- Bem, iremos sair assim que vocês terminarem o café da manhã – Klauss diz finalmente, atraindo para si minha atenção e da Mel.

Concordo me enchendo de animação, tentada a terminar meu bolo com uma só mordida, mas acho que não será uma boa ideia. Não precisamos ter pressa, afinal temos o dia todo pela frente.

*****

Deixamos a pousada a pouco menos de cinco minutos, sob um dia claro de poucas nuvens, caminhando sem pressa, aproveitando deste passeio. Klauss caminha pela ponta da calçada, Mel está entre a gente segurando nossas mãos, e eu mais a dentro.

O dia está quente e sinto o calor em minha pele exposta dos braços e pernas, e tenho a sensação de que posso começar a suar em poucos minutos. Reparo também que aqui existe um vento constante, um ar leve carregando em si um aroma estranhamente salgado, e conforme andamos, os sons distantes vão ficando mais altos.

Diferente de ontem a noite, existe algum movimento à nossa volta, alguns humanos transitam de um lado ao outro distraídos em suas próprias tarefas, mas suas simples presenças trazem um tom diferente a este lugar.

São poucos, mas vejo comércios ao redor, alguns muito pequenos e modestos, mas com coisas que chamam minha atenção de tão diferentes do que temos lá na cidade. Uma dessas lojas, inclusive, chama tanto minha atenção que paro de caminhar apenas para olhar mais.

Vejo coisas expostas pela calçada e em torno da entrada, mochilas, brinquedos coloridos, roupas largas de cores claras e estampas curiosas e umas coisas redondas imensas que não faço a mínima ideia de pra que serve, e do lado de dentro enxergo estantes com ainda mais coisas, são tantas que não sei como tudo cabe dentro de lojas tão pequenas. Tenho vontade de entrar para perguntar como conseguem isso, e também, descobrir o que mais tem aqui, minha curiosidade pede isso.

Vou tentando juntar todos os pontos de onde estamos, quando volto minha atenção a Klauss, que está me olhando com um olhar dourado que parece brilhar junto a luz do sol. Eu não tenho dúvidas de que ele está se divertindo, mas não deixo de me perder no brilho que existe em seus olhos nesse instante, são tão belos que me convidam a contemplar a cada detalhe e querer mergulhar em si. Um olhar intenso, misterioso e calmo, capazes de fazer com que eu perca a noção de quanto tempo estou envolvida nele.

- Descobriu para onde viemos Mika? – Ele pergunta com um sorriso discreto no canto da boca, e voltamos a andar.

- Ainda não. Não tem nem uma dica? – Digo brincalhona.

- Uma dica? – Ele reflete alguns instantes – Está ouvindo esse som? Sente o cheiro trago a nós através da brisa?

- Estou sentindo... – Sussurro prestando atenção nesses sons outra vez, cada vez mais proximos, me concentrando no aroma presente no ar. Acho que já os senti antes, mas não consigo me lembrar onde, é algo familiar para mim, mas ao mesmo tempo é algo tão novo que não consigo dizer o que pode ser, e cada vez mais me encontro ansiosa para finalmente descobrir. – Mas ainda não sei...

Klauss solta um riso nasal, baixando seu olhar – Você já descobriu Mel?

A criança balança a cabeça negativamente – Ainda não, estou olhando tudo mas não me lembro se já vim aqui.

- Você nunca veio aqui filha. – Ele diz com certeza em um riso entrecortado, ganhando um olhar pasmo de Mel – Vocês vão descobrir.

- Conta Klauss, estou tão curiosa que já não me aguento. Estou quase abrindo minhas asas e ir voando para descobrir onde estamos. – Digo com alguma aflição proposital, e nossa filha tem um brilho radiante em seus olhos com a possibilidade de me ver manifestar minhas asas outra vez.

O anjo da um largo sorriso com o que escuta – Não precisará utilizar medidas tão drásticas Mika. Vocês já repararam ali na frente?

Volto minha atenção para onde ele indica, reparando no que existe à nossa frente, e reparo pequenos montes cobertos de uma grama baixa que impedem ver do outro lado, e ao centro um corredor de areia onde, sendo o único local baixo que posso ver do outro lado, encontro um profundo azul que se estende até o horizonte.

Me encho de animação por estar tão próxima de descobrir, restando somente uma avenida calma de distância.

Atravessamos a avenida e chegamos ao gramado, o vento parece um pouco mais forte e a origem de todos os sons estão bem diante de nós, e as peças começam a se unir na minha cabeça

- Daqui para frente, é melhor irem descalças, é mais agradável. – Klauss aconselha, e tanto eu como Mel fazemos o que ele indica. Retiro meus tênis e as meias, os deixando de lado, e Mel faz o mesmo tão empolgada quanto eu, e o olhamos cheias de expectativas, ambas ansiosas por não perder mais um segundo que seja, e ele assente sorrindo – Podem ir.

- Vamos correndo Mel? – Pergunto estendendo a mão a ela.

- Vamos! – Ela se empolga e firmando sua mão na minha, nós corremos empolgadas.

Corremos, e tudo parece passar lentamente em torno de mim. Tenho a agradável sensação do vento percorrendo através do meu corpo e fazendo meus cabelos voarem, o calor do sol aquece minha pele e além dela, envolve e renova meu interior de uma maneira que não sei se já senti, a sensação dos grãos de areia em meus pés em cada passo, trazendo-me uma sensação única de leveza e liberdade, e sem compreender de onde vem, uma repentina alegria cresce em meu peito e me faz sorrir.

Toda e qualquer preocupação se mostra tão distantes agora, como se nunca houvessem existido, sinto-me como minha filha, uma criança livre de qualquer preocupação ou problemas, livre de qualquer medo, que pode viver em toda sua plenitude.

Meus olhos encontram o imenso mar a nossa frente, focando no quebrar ritmado das ondas e seu avanço suave sobre a extensa faixa de areia. O vento fresco envolve minha pele e leva consigo quaisquer palavras que eu poderia ter agora, e o que consigo fazer é observar com admiração profunda.

- Vocês nunca viram o mar dessa maneira, não é? – Klauss pergunta logo atrás de mim, mas não consigo desviar meu olhar. – Bem-vindas à praia.

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