Capítulo 42

5245 Palavras

Termino de ajeitar todas as coisas que usei para arrumar o cabelo da Mel sobre a mesa de centro. Ela ficou bem empolgada quando disse que havia acabado, e pedi para que fosse mostrar para Mika.

Sento-me na minha poltrona para esperar que as duas desçam. Aproveito este momento para refletir um pouco sobre a última noite.

Foi por somente um curto instante, mas tenho certeza de que uma presença surgiu, e pouco depois desapareceu por completo. Ainda que não houvesse presença alguma a ser sentida, investigando a cidade encontrei evidências de que algo, ou alguém, esteve vagando por aquelas ruas.

O que mais me preocupa é a quem aquela presença pareceu pertencer.

Isso tinha que acontecer justo em uma noite de lua nova?

Sinto falta do Anjo da Lua Negra, mas parece que sua existência amaldiçoou todas essas noites.

Ouço passos vindos das escadas e afasto tais pensamentos por enquanto, e vejo Mel descendo novamente – Papai, a mamãe falou que vai terminar de se arrumar e já vai descer.

- Vamos esperar então, logo ela estará pronta. – Digo vendo a pequena vindo até mim, parando ao lado da poltrona e me olhando fixamente. Seu olhar está cheio de curiosidade e pela sua expressão, arrisco dizer que sua imaginação trabalha em algo – Está com cara de quem quer me falar alguma coisa filha. O que tanto pensa?

- A mamãe estava vendo uma coisa lá no quarto. – A pequena começa a falar em sua voz infantil e um pouco embolada, enquanto a levanto e deixo sentada sobre uma das minhas pernas. A observo, prestando atenção em sua fala, enquanto a menina ergue suas mãos como se segurasse algo – Era uma coisa assim, uma luz bem brilhante igualzinho às suas asas, e a mamãe estava olhando. Ela falou que todos os anjos tem uma.

Assinto ao entender ao que Mel se refere – Ah sim, Mika estava com uma graça. Ela está certa, nós anjos temos uma graça dentro de nós.

- É tão bonita, e brilha tanto. – Ela diz com um sorriso. – Mas sabe papai, acho que suas asas ainda brilham um pouco mais, e também são bem mais bonitas. As da mamãe também, ela não mostra muito as asas dela, mas nunca me esqueço o quão bonitas elas são, e que elas brilham bastante, não são brancas como antes... Lembro daquela vez lá na praça, quando você tinha contado que as asas da mamãe estavam assim porque ela estava muito cansada, e precisava descansar, será que a mamãe tem descansado? Eu queria ver as asas dela de novo, fico pensando se elas voltaram a ficar brancas e bem brilhantes como antes.

Ouço cada palavra da minha pequena, dando um sorriso do tanto que ela fala e também de sua genuína inocência, tão igual a da Mika – Logo a mamãe vai nos mostrar as asas dela, só precisamos dar algum tempo a ela.

A menina assente, voltando seu olhar para a porta, e então a mim – Papai, posso brincar lá no balanço?

Espio a escada, e então confirmo – Pode sim. Quando a Mika descer, irei te chamar para sairmos.

A criança sai animada pela sala e a acompanho até sair da minha vista. Assim que isso acontece, volto a me encostar na minha poltrona e aguardo, reparando no silêncio presente na sala.

Tal quietude me faz lembrar de como as coisas eram alguns meses atrás, onde tudo que havia nessa casa era uma quietude absoluta. Não havia som, não havia bagunça, não havia nada, apenas eu, e até eu mesmo mal emitia qualquer tipo de ruído ao me mover por aqui.

Sequer recebia visitas de outros anjos. Esse local era apenas um local onde eu me recolhia e recuperava minhas energias por algum tempo, até a próxima vez de montar guarda na cidade, e nada mais que isso. E tudo que havia além de mim era o profundo silêncio.

E atualmente, vendo como me acostumei em ter companhia e não mais permanecer em ambientes tão quietos, esse silêncio me aparenta ser um pouco estranho.

Deixo tais pensamentos de lado quando me dou conta que Mika está descendo. Antes que ela alcance o último degrau, já me coloco de pé e vou ao seu encontro. – Como estou Klauss? Estou bonita? – Ela pergunta assim que me vê.

Seguro uma de suas mãos, e Mika da um pequeno giro no lugar, um gesto que para mim foi inesperado, ainda sim, o que me permite vê-la por completo. Ela escolheu vestir uma jaqueta com uma camisa longa por baixo, uma calça jeans preta e um par de botas, todas em tons escuros.

Fito o olhar animado dela, ansiando minha resposta – Está uma verdadeira portadora do belo.

Ela da um sorriso sem jeito e desvia o olhar ao lado. Me olha por um segundo, e no segundo seguinte desvia novamente, um pouco risonha – E estar uma portadora do belo é bom?

- É mais do que bom. – Respondo, assistindo o pequeno anjo encabulado – Quero dizer que você está muito bonita.

- Se diz com tanta certeza, eu acredito em você. – Mika responde rindo, quando espia a sala atrás de mim – Onde a Mel está?

- Me pediu para brincar no balanço de pneu, está nos esperando lá fora. – Explico, e começamos a fazer o caminho para a cozinha.

- Você contou a ela onde nós vamos? – Mika questiona curiosa.

- Até agora não. – Respondo – Estou decidido a fazer uma surpresa a ela.

- Ela está toda curiosa desde que acordou. – Mika diz ao entrar na cozinha, olhando o porta chaves de parede que ela escolheu em uma visita que fizemos no distrito dos artesanatos – Vamos no seu carro?

- Melhor irmos no seu. – Digo e Mika escolhe a chave do seu carro – O meu não tem bancos traseiros, o seu já tem. É melhor para levarmos a Mel.

- Sabe, agora que penso nisso, nunca entendi porque temos esses carros. – Mika diz, indo na direção da geladeira e abrindo para pegar algo. Aproveito para dar uma espiada do lado de fora, e junto as sobrancelhas ao ver a neblina do lado de fora, esfriou bastante nas últimas horas – Primeiro que anjos podem voar, e os demônios do submundo, bem... Não podem, mas por que carros tão fortes?

Reflito em sua pergunta, enquanto Mika se serve de um copo de suco – Faz sentido os carros para podermos nos deslocar sem atrair atenção desnecessária para nós, mas tamanha potência realmente não faz tanto sentido assim.

- Não é? E nem dá pra dizer que podemos chegar mais rápido nos lugares, tem limites de velocidade e sinais em todo lugar. – Mika diz de forma risonha.

- São as opções que deixam para nós. – Respondo com um riso nasal – Vamos?

Mika termina de beber seu suco e deixa o copo sobre a pia – Vamos, eu dirijo!

Assinto com um gesto e caminho até a porta, interrompendo o passo com o que vejo do lado de fora, e imediatamente fico em completo alerta.

O nevoeiro aparenta estar ainda mais denso que momentos atrás, e vejo Mel brincando distraída no balanço, e logo atrás dela está uma figura estranha, mas também muito familiar.

A figura se assemelha a um humano alto, veste roupas completamente escuras e justas ao corpo não tão esguio, e cobrindo completamente sua face existe somente uma máscara branca, sem detalhes ou expressões, havendo somente fendas de onde seriam seus olhos.

Eu reconheço essa criatura, e também sei a quem pertence. Quem enviou essa criatura é...

Ao momento que Mel olha em minha direção e abre um largo sorriso animado, vejo a figura atrás de si erguer um de seus braços onde vejo nitidamente que ele segura um tipo de punhal, de imediato já manifesto minhas asas me impulsiono para frente, percorrendo todo o espaço da varanda até o balanço em um piscar de olhos.

Meus pés tocam o chão interrompendo meu movimento, com uma das mãos contenho o pulso da criatura que estava prestes a iniciar seu ataque, e com a mão livre afasto o pneu onde Mel brincava tão inocentemente.

Encaro a criatura, que vira seu rosto a mim e posso encontrar o profundo escuro nas fendas dos olhos de sua máscara, parecendo não haver nada por trás da máscara além de um denso vazio. Sem perder um segundo sequer, manifesto minha graça na palma da minha mão, e desfiro um golpe no peito do ser.

Minha graça penetra seu corpo, emitindo um forte brilho em seu interior quase que imediatamente, e com um leve empurrão meu, a criatura desaba, batendo suas costas contra o chão, sem esboçar quaisquer reações.

Sem deixar de monitorar a criatura desfalecida, aos poucos volto a escutar os sons ao meu redor, e ouço o aproximar rápido de Mika até onde estou. – Mel! Você está bem filha?

Volto meu olhar para as duas, assistindo Mika tirando a criança do balanço e a olhando de cima a baixo, buscando ter a certeza de que nossa pequena está bem.

Deixo meu lugar em um passo apressado e paro ao lado de Mika, também buscando a certeza de que não aconteceu nada com nossa filha, e sinto um grande alívio ao constatar que está tudo bem.

- O que foi isso Klauss? – Ela me pergunta, olhando para a criatura no chão – O que é essa coisa?

- É uma criatura invocada do submundo. – Respondo reflexivo.

- O que? Mas como isso é possível? – Ela diz incrédula.

- Eu não sei, mas se isso chegou até aqui, nós temos um problema. – Encaro a criatura novamente, apertando meu olhar e sentindo a preocupação crescer em mim.

- Acho que esse aí não era o único Klauss. – Mika diz em um tom nervoso, recuando um passo e ficando mais perto de mim. Vejo a expressão tensa em seu rosto – Veja...

Passo meu olhar ao redor, vendo que vários seres exatamente iguais ao primeiro caminham por entre a névoa, vindo em nossa direção em passos lentos. Um clarão rompe o céu, e de um segundo ao outro tudo escurece como se a noite acabasse de surgir sobre nós, junto a uma forte tempestade.

Fito cada um dos seres, contando silenciosamente quantos deles estão aqui conforme a água da chuva aos poucos me deixa completamente encharcado.

- O que está acontecendo? – Ouço Mika perguntando aflita, acolhendo Mel ainda mais.

- Fique atrás de mim, e não interfira. – Digo avançando poucos passos.

Paro meu avanço e observo as figuras, que também pararam seu avanço, mas é certo que todos estão focados apenas em mim. Suas figuras se revelam por meio de mais um clarão, e logo mergulham novamente na pouca luz tornando-se silhuetas assombrosas por mais uma vez.

Ergo uma das minhas mãos rapidamente, manifestando meu poder de vento sem me segurar de forma alguma. Um turbilhão cresce em minha mão, atraindo tudo aquilo que está a minha frente e abalando completamente a postura das criaturas.

Posiciono minha mão livre para um ataque e com isso intensifico os ventos ao extremo, puxando todos para mim de uma vez. Em um leve salto para trás, libero o turbilhão e com o balançar de meu braço, uma forte onda de vento contrária é lançada, acertando a todos os erguendo do chão e derrubando cada criatura em uma queda pesada sobre o gramado.

Abro minhas asas, concentrando uma grande quantidade do meu poder entre minhas mãos. Minhas asas intensificam seu brilho, sinto minha graça percorrendo por entre meus braços e unindo-se em um único ponto no espaço entre minhas mãos, e as erguendo, um feixe luminoso é lançado ao céu.

Antes que eu abaixe minhas mãos novamente, esse mesmo ponto luminoso retorna, porém como pontos luminosos que atravessam o ar semelhante a diversas estrelas cadentes atravessando o céu noturno, que atingem o chão e as criaturas caídas em incontáveis golpes.

Observo os vários corpos caídos e uma pequena fumaça saindo de onde os golpes os atingiram, e várias centelhas da minha graça pairam pelo ar, cintilando silenciosamente.

Um novo clarão acontece, iluminando tudo à nossa volta, e por fim ergo meu olhar. Um novo clarão ocorre, fazendo com que a chuva pare e a iluminação volte a ser como era antes, parecendo que as coisas voltaram ao normal, contudo agora com tudo ao nosso redor molhado pela chuva.

- Como essas coisas chegaram até aqui? – Ouço Mika perguntando atrás de mim – Será que a barreira ao redor de casa ficou enfraquecida por algum motivo?

- Não, não é por isso. – Digo com meu olhar direcionado a entrada da casa. – A barreira continua da mesma maneira.

- Mas então, o que pode ter acontecido? – Escuto um passo de Mika vindo em minha direção, e de imediato ergo um braço em um silencioso pedido para que ela não se aproxime. – Klauss?

- Não chegue mais perto Mika, ainda não é seguro. – Instruo sem desviar meu olhar. – Cuide da Mel, ainda tem mais alguém aqui.

Uma risada pode ser ouvida bem à nossa frente, mesmo que não haja ninguém à vista. – Excelente, como esperado daquele dito se aproximar do poder dos Arcanjos.

- O que? Essa voz...? – Mika diz com temor, parecendo reconhecer essa voz assim como eu. Nós dois estamos tensos com aquele que está aqui, e já podemos ouvir seus passos sobre a grama, e conforme se aproxima, meus instintos gritam em alerta.

- O responsável por trazer essas criaturas até aqui... – Digo em alerta, assistindo a silhueta surgindo por entre a névoa, caminhando até nós devagar. Sua presença se revela, vestido de uma maneira completamente elegante em um terno negro, cabelos escuros pouco arrumados, um olhar perfurante unido a um sorriso altivo. – Um dos três juízes do submundo, Aecos.

Agora tudo faz sentido. Roguei com todas as forças para que minhas suspeitas estivessem erradas, mas algo em mim dizia se tratar dele. Desde o pressentimento que tive ao olhar a lua negra, a densa presença tão familiar que senti ontem a noite, e por fim essas invocações surgindo tão repentinamente. Tudo indicava a chegada dele.

De qualquer forma, não faz diferença alguma pensar nisso agora. Existe um problema gigantesco chamado Aecos bem diante de mim.

- Minhas saudações a ambos. – O juiz se pronuncia, olhando de mim a Mika por uma vez, nos analisando por completo. Ele sorri de canto, parecendo se divertir com a forma que deixa a mim e Mika tensos – Espero que não tenham se incomodado com minha maneira rude de cumprimentá-los.

- Você é a presença que senti na cidade ontem à noite. – Digo o óbvio, sem sequer desviar meu olhar dele. Qualquer deslize agora pode ser fatal.

- Ora, então foi capaz de sentir minha presença? – O juiz questiona erguendo suas sobrancelhas, soltando um pequeno riso. 

- O que faz aqui? Como encontrou este lugar? – Indago seriamente.

Ele olha em volta, aparentemente analisando o ambiente à nossa volta – A barreira em torno desse lugar é forte, consegue ocultar vocês totalmente dos demônios regulares, mas não de um dos três juízes. E você ter deixado a barreira na última noite facilitou, bastou seguir seu rastro até aqui.

O que? Então quer dizer que eu ter deixado nossa casa para vasculhar a cidade foi o que entregou nossa localização para Aecos?

O juiz volta sua atenção para a casa de repente – Você tem uma bela casa, onde inclusive, posso sentir a presença de mais um anjo.

- Não existe mais nenhum anjo dentro da casa. – Mika diz com cautela e se aproxima até o meu lado, enquanto o juiz a encara de soslaio. – Por que veio a esse lugar?

- Uma maneira atrevida de se retratar a mim, não acha? – Ele questiona, e seu olhar se inflama, de modo que todo o ar ao nosso redor fica mais denso – Minos irá adorar saber que uma de suas alunas favoritas está perdendo o respeito com seus superiores.

Mika aperta seus olhos com força, e fita o chão com pesar – Desculpe senhor Aecos, a que devemos sua presença em nossa casa?

- Assim é bem melhor. – Ele diz com aparente satisfação com a mudança de Mika, completamente acuada. Presenciar isso faz uma raiva arder em mim – Temos trabalho para você.

Ao ouvir isso, Mika troca um olhar apreensivo comigo, e então olha para Mel, a abraçando com força e então a colocando de volta no chão – Filha, vai lá pra dentro.

- Mamãe? – Nossa filha olha para nós dois, claramente assustada. – Ele é alguém mal?

- Está tudo bem, filha. – Digo de modo a tentar tranquilizar Mel, mas não sei se consigo. Ainda assim, dou um pequeno sorriso a ela – Entra em casa, nós já vamos.

Mel olha de mim para Mika, e então para Aecos. A menina hesita, quando por fim da seu primeiro passo, seguido de outro, e mais outro, e conforme avança, sei que seu olhar está fixo no juiz, como se buscasse a certeza que o mesmo não deixará seu lugar.

Para meu terror, o juiz do submundo acompanha cada passo da minha filha, a observando sem desmanchar seu sorriso. Esse curto momento parece durar uma eternidade, cada passo temeroso de Mel parece ecoar em minha mente, e meu corpo inteiro está atento a qualquer mínimo movimento, qualquer ação feita pelo juiz, eu não me conterei. Independente de quem ele seja, eu não permanecerei parado caso ele mova um único dedo em direção a minha filha.

Por um instante a criança para seu caminhar, bem ao lado do juiz do submundo, se encolhendo ao estar tão perto e olhar tão diretamente para Aecos, que a encara de volta a todo momento.

De repente Mel avança mais um passo, o único que restava, e passa pelo juiz, e com isso ela corre apressada para dentro da casa, saindo da nossa vista. Um curto segundo de alívio me percorre por ver que Mel está fora disso.

O juiz solta uma curta e seca risada, quando finalmente volta seu olhar para nós – Sua filha?

- Qual trabalho tem para mim? – Mika pergunta de imediato, antes que o juiz ou até mesmo eu diga qualquer coisa.

- Existem duas coisas que deve fazer. – Ele pronuncia – Sua presença foi requisitada no submundo, a senhorita Raika deseja vê-la o mais breve. Mas antes de retornar, deve levar alguém com você.

- Levar alguém? – Mika questiona com o olhar apertado.

- Sim, um grupo de amadores liderado por Stefan. – Essas palavras atingem Mika com força, e ela até mesmo recua um passo – Quando retornar, deve levá-los com você.

- Não sabemos onde Stefan e seu grupo está. – Mika tenta argumentar.

- Isso não é problema meu. Encontre-os, e os leve ao submundo junto de você. – Aecos rebate, abanando uma mão em sinal de que não se importa.

- Por que o senhor Minos não veio? – Mika pergunta receosa.

- Minos está ocupado, se divertindo com algumas iniciadas, provavelmente, as fazendo de servas. – Responde saltando seus ombros – Ele esteve tanto tempo sem brincar com seus subordinados, que não desperdiçou a primeira chance que teve de mergulhar em plena libertinagem. Imagino que uma aluna tão "especial" e querida quanto você deve ter tido a oportunidade de desfrutar de tal lado de Minos, e suponho que deva sentir muita falta dele.

- Do que está falando?! – Mika questiona sem entender.

- Por que você mesmo não o faz? – Questiono, recebendo uma encarada do juiz, e tirando a atenção de Mika das insinuações de Aecos. – Se conseguiu nos encontrar mesmo com a barreira, certamente pode encontrar o grupo por conta própria. Isso é fácil para um dos três juízes, não é?

- De fato, tanto que sei onde se encontram. Contudo sou eu quem dita as regras. – O juiz ergue uma de suas mãos, e a aponta para a casa em uma clara ameaça – Está livre para negar, mas saibam que caso o façam, a próxima coisa que farão será desenterrar o corpo daquela criança do que restar desta casa.

Um rompante pode ser ouvido, e rasgando o espaço que existe entre nós em uma velocidade extrema, tanto Mika quanto eu avançamos em direção ao juiz do submundo.

O brilho da minha graça se intensifica em minhas asas e em todo meu corpo, e nesse curto espaço concentro o máximo de força em meus braços, e enquanto meu olhar foca no juiz, percebo um brilho avermelhado intenso surgindo ao meu lado junto ao intenso calor proveniente do poder de Mika, trago a tona em toda sua capacidade destrutiva.

Entretanto o juiz nos olha tranquilamente, e antes de conseguirmos alcançá-lo, um forte impacto nos projeta de uma vez para trás, em um tranco que atinge meu corpo inteiro e sinto me desorientar por completo de tão brusco que foi tal contra ataque, que sequer consegui ver de onde veio de tão rápido.

Consigo me manter de pé com alguma dificuldade, já Mika acaba desabando no chão e rolando para trás, de modo que não consigo alcançá-la de tão longe que está. Assim que volto minha atenção para confrontar o juiz novamente, ele está parado diante de mim, com o rosto na mesma altura do meu, me pegando completamente desprevenido.

- Muito bem, não esperava que vocês fossem ficar parados com tal ameaça. – Ele diz rindo em tom provocativo, debochando de nós.

Ainda com toda minha graça manifestada, a reúno em meu punho e desfiro um ataque com toda a minha força. Um golpe que Aecos contém em um impacto abafado que ecoa ao redor, seguido de uma intensa rajada de vento que passa por mim e pelo juiz, tão violenta que um largo corte é feito no canto do rosto de Aecos.

O vento cessa, enquanto o juiz segura meu punho próximo ao rosto, e nem por um momento deixo de tentar atingi-lo, empurrando meu punho contra ele, mas sem conseguir avançar – Farei com que se arrependa por ameaçar minha filha, Aecos!

- Vejo que mesmo após tantos anos desde nosso último encontro, sua força não diminuiu nem um pouco, Anjo da Lua Pálida. – Me encarando nos olhos, o juiz se mantém sorrindo, cerrando seu olhar e aproximando devagar seu rosto do meu – Certamente, é digno de ser considerado aquele com uma graça semelhante à dos arcanjos, porém, permita-me instruí-lo de algo.

Um novo impacto, semelhante ao anterior, acerta meu corpo de uma vez, de forma que não consigo permanecer de pé e acabo empurrado contra o chão, batendo as costas contra o chão.

- Se assemelhar ao poder dos Arcanjos é bem diferente de possuir o poder de um. – Ele diz em tom desdenhoso, e ao abrir meus olhos novamente, tenho a visão do juiz me olhando de cima com grande desprezo – Você é capaz de manter uma luta comigo, mas não é capaz de ganhar.

Foi assim da última vez, exatamente dessa mesma forma, uma força extrema capaz de subjugar quem ousar desafiá-lo. Somente em uma situação de total desespero, me levando ao completo limite sou capaz de fazer frente a um dos três juízes do submundo. Se não for dessa maneira, não tenho qualquer chance contra um deles. E essa é uma situação desesperadora.

- Se quiser ter qualquer mínima chance contra mim, pare de se conter como está fazendo. – Ouço cada palavra de Aecos como uma repreensão a mim.

Tento me erguer com dificuldade, e olhando ao lado, vejo Mika ajoelhada e tentando ficar de pé, com suas asas douradas abertas e seu olhar enfurecido perfurando Aecos.

- Que interessante. Ao que vejo, você possui uma densa quantidade de poder do submundo contido em si. Mas é uma pena que toda essa força esteja reprimida. – Aecos se pronuncia como um deboche a Mika, reforçada pela sua risada – Diferente daquele anjo, você não pode se opor a mim.

Do que ele está falando? O poder de Mika está contido?

- Direi novamente, e dessa vez acho melhor pensarem direito em suas ações. – Aecos foca sua atenção diretamente para Mika – Encontre e leve Stefan e seu grupo de volta ao submundo, e apresente-se a senhorita Raika o quanto antes. Fui claro?

Mika se ergue devagar, com os punhos fechados e o poder de chamas envolvendo seu corpo de maneira selvagem, de modo que seus cabelos se agitam com a manifestação de seus poderes. Suas asas ardem em chamas, e de suas plumas fagulhas de fogo surgem e pairam no ar, erguendo-se violentamente ao céu.

- Eu o farei! – Diz entredentes, com sua voz rouca e carregada de raiva.

Soltando uma risada, o juiz se vira e começa a caminhar para longe – Excelente. Nós estaremos aguardando seu retorno, por isso não se atreva a demorar.

Fico de pé, olhando na direção que o juiz seguiu e, assim que ele desaparece, sua forte presença também desaparece como se nunca estivesse aqui, tornando até mesmo o ambiente muito mais leve que antes.

Sem perder tempo vou até Mika, que encara o chão fixamente. Seus punhos permanecem fechados onde as chamas já estão presentes, e suas asas ardem em um calor intenso e não deixam de emanar o fogo por um segundo sequer.

- Mika? – A chamo, porém ela continua encarando o chão, respirando fundo e tomada em sua irritação. Seguro suas mãos com firmeza, sem me importar se todo o fogo queima minhas mãos, e dessa forma, consigo atrair a atenção dela para mim – Isso, olhe para mim Mika.

- Klauss...? – Mika parece despertar, seu olhar suaviza e encontra o meu. As ardentes chamas formadas pela sua raiva se dissipam, e ela parece atordoada, mas mais calma. – O que eu...?

- Se acalme, ele já foi. – Digo tentando tranquilizá-la, deixando pequenos carinhos em suas mãos, que apesar de momentos atrás estarem envoltas em fogo, permanecem sendo suaves como sempre.

Ela mantém seu olhar em mim, um olhar trêmulo, inseguro, assustado, e me pegando de surpresa, ela avança e me abraça com força, encostando seu rosto em meu peito e assim permanecendo.

Não demoro a notar como Mika está tremendo, e ver o quão abalada ela está me dói de uma forma que perfura todo o meu ser, e sem demora a abraço de volta em mesma intensidade, querendo confortá-la e de alguma forma, tirar todo o medo e a raiva que está sentindo.

- Está tudo bem Mika. – Sussurro a ela, deixando um leve carinho em seu cabelo. – Está tudo bem.

Ela assente em silêncio, afastando-se devagar e seu olhar encontra com o meu. Seus olhos buscam pelas minhas mãos, e sinto seus dedos segurando meus pulsos com cuidado, observando as marcas de queimadura presentes na minha pele.

- Está machucado... – Ela diz com a voz falhada. – Fui eu...?

- Não se preocupe com isso, logo esses machucados estarão melhores. – Respondo, recebendo um olhar preocupado dela – Vem, temos que ver como a Mel está.

Mika me confirma com um aceno, e voltamos para casa em passos apressados. Mika entra primeiro e sigo logo atrás, e em um rápido passar de olhos pela cozinha, seguimos para a sala, onde também não tem sinal algum da criança.

Subimos ao andar superior, onde Mika vai checar seu quarto, enquanto que sigo pelo corredor até o quarto de Mel para checar onde ela está, e assim que entro, olho ao redor procurando por ela, mas não a encontro em lugar algum.

- Klauss, venha cá! – Ouço Mika me chamando, e sigo apressado ao quarto ao lado, e assim que entro, a encontro abaixada ao lado da cama – Ela está aqui.

Percebo haver um brilho vindo debaixo da cama, e por fim me aproximo, me abaixando ao lado de Mika, vendo a criança escondida debaixo da cama. Devagar Mel vai deixando seu esconderijo e pula ao colo de Mika, se encolhendo.

- Está tudo bem filha, ele já foi embora. – Mika diz em conforto a criança, se levantando e sentando sobre a cama, a ninando devagar, e me sento ao seu lado, a abraçando de lado e olhando para nossa filha.

- Mesmo? – Ela pergunta assustada, olhando para nós dois.

- Mesmo, ele não vai nos incomodar mais. – Mika diz, fazendo leves carinhos no topo da cabeça de Mel – Por que está com isso filha?

- Essa é sua graça mamãe. – Nossa pequena começa a falar. A graça está bem embrulhada em um tecido bem velho, e ainda assim é possível ver o brilho em seu interior – Quando vi antes, eu me senti tão bem. Me lembrei do dia que a gente se conheceu na praça, quando você estava vendo flores, lembrei quando voamos pelo céu, me lembrei de todo aquele dia... Ai quando aquele homem mau apareceu, eu fiquei com medo dele, muito medo, e vim me esconder... E eu lembrei da sua graça, de como ela faz bem, e não queria que ele pegasse, então escondi comigo.

- Você é um anjinho mesmo Mel. – Mika diz com um sorriso, abraçando a criança com firmeza, enquanto me mantenho olhando ambas sem me pronunciar. Devagar, Mika alcança a graça e me olha – O que devo fazer com isso?

- Deve absorver, é sua graça. – Digo num sussurro, e seu olhar encontra o meu – Acredito que deste momento em diante, você precisará deste poder.

- Tem certeza? Você sabe que... – Ela para de falar, ao olhar para Mel. Sei que ela não falar que se tornou uma caída e que possui o poder do submundo na frente da nossa filha. E também, sei que ela sente medo de absorver uma graça, quando já tem o poder do submundo em si.

- Não se preocupe com isso Mika, eu estou aqui. – Digo segurando sua mão com firmeza, um aperto que ela corresponde – Não deixarei que nada te aconteça.

Ela assente com um pequeno gesto – Se tenho mesmo que encontrar Stefan e seu grupo, eu preciso de toda a força que puder conseguir.

- Não só isso, será perigoso. – A preocupação cresce em mim, e algo me surge em mente, que desperta uma irritação em meu interior – Eu ainda me lembro o que aconteceu, e o que Stefan fez com você na última vez. Você não pode fazer isso sozinha.

- Eu sei disso Klauss. – Mika da um suspiro – Mas então, o que podemos fazer?

Baixo meu olhar e reflito por alguns segundos antes de dar uma resposta, quando por fim volto meu olhar para Mika – Chame o Nick, e eu irei chamar a Layla.

- Você querendo que eu chame o Nick? – Mika diz brincando.

- Ele é seu amigo e você confia nele, ele nos avisou de coisas importantes, conseguiu sobreviver horas sozinho com a Layla, que agora também parece gostar dele, e também o Nick cuidou bem da nossa filha. – Digo, deixando um carinho no rosto de Mel – Acredito que também posso confiar nele.

Mika solta um riso divertido – Ai Klauss, ele vai comemorar tanto quando souber disso. Depois de todos esses meses, é a primeira vez que você disse confiar nele.

- Vamos combinar de não contar isso ao Nick quando ele chegar. – Digo com uma sobrancelha erguida, e Mika se perde em rir.

- Tudo bem, eu não vou contar nada para ele. – Ela concorda sem deixar de rir.

- O tio Nick e a tia Layla vão vir aqui em casa? – Mel pergunta me olhando com curiosidade, e até com certa animação.

- Vão sim, vamos ligar para eles virem pra cá. – Mika confirma rindo.

Minha atenção fica nas duas, vendo como ambas já estão muito mais leves se comparadas à minutos atrás. Gosto de vê-las assim.

Sei que Mika tem um trabalho a cumprir, um que será muito difícil, mas que deixarei para pensarmos a fundo somente mais tarde.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top