Capítulo 28

3196 Palavras

Me estico preguiçosamente no sofá, buscando por uma posição confortável para mim, e assim que a encontro, me ajeito devagar, passando meus braços em torno do corpo de Klauss, aproveitando tanto seu calor como também da nossa proximidade.

Ele se sentou no sofá maior hoje, e não em sua poltrona, e levou dois livros consigo. Pelo jeito, os livros são sequencias, e ele está disposto a encerrar um e já iniciar o outro logo em seguida.

Estou no meu segundo livro, mas a história desse é mais parada que a do primeiro. Até estou perto de terminar minha leitura atual, peguei o livro hoje e iniciei, mas estava com tanta preguiça que deixei de lado pouco depois.

Percebendo isso, Klauss me convidou a deitar em seu colo, e um pouco sem jeito, eu o fiz, e assim fiquei até então.

Achei esquisito de começo. Bom, mas esquisito. Melhorou muito quando Klauss pousou sua mão sobre meus cabelos, e senti seus dedos moverem devagar, em um carinho tão suave que não teria como não gostar, e pouco a pouco fui relaxando, sentindo meu corpo adormecendo, até o momento em que o abracei e não quis mais sair daqui.

Percebo o movimento lento do anjo, e sua mão descendo ao meu ombro devagar. Aos poucos, abro meus olhos e os ergo a ele.

- Desculpe, te acordei? – Ele pergunta sussurrando.

- Não, tudo bem. – Digo com um pequeno sorriso e a voz carregada pelo sono, e me ajeitando para vê-lo melhor.

- Preciso ir para a cidade. – Ele diz calmamente – Tenho que observar como estão as coisas.

- Por que? – Sussurro manhosa – Tem outros anjos na cidade, né? Eles podem cuidar de tudo... Fica aqui?

Percebo a hesitação no olhar âmbar do anjo. Sua feição poucas vezes se abala, onde mais que somente a calma absoluta se manifesta em seu rosto, mas essa não é uma dessas vezes...

Mas não são suas expressões que entregam o que Klauss sente, sempre sei o que o anjo pensa e sente pelo seu olhar. O profundo olhar dele me diz coisas que sua voz não pronuncia, e com isso tenho a certeza de sua sinceridade, como foi ontem com o brigadeiro... Eu entendi que ele já havia experimentado, mas de alguma forma, foi uma primeira vez para ele, e isso eu sabia ser sincero.

E no agora, seu olhar me diz que ele está dividido entre ir e ficar.

- Não posso. – Ele diz finalmente – Mesmo com outros anjos, ainda sou o responsável por proteger a cidade. Até segunda ordem, não posso contar com os outros anjos.

Assinto devagar e me levanto devagar, mas não escondo minha careta manhosa, que não passou despercebida por ele.

O anjo caminha pela sala, abrindo suas asas devagar, quando volta a me olhar. São poucos segundos, mas já sinto a falta da forma como estávamos, e sinto necessidade de ter seu corpo junto ao meu de novo.

- Volto logo Mika. – Me diz com um sussurro.

- Estarei te esperando. – Sorrio e volto a me deitar. – Tome cuidado.

Ele me acena com a cabeça, e caminha para fora da sala. Acompanho o brilho de suas asas ficando cada vez mais distante, quando por fim ouço o bater de suas asas, e Klauss se distanciando da casa, me deixando mergulhada no silencio.

Solto um suspiro, rolando no sofá por uma vez levemente agoniada, pensando o que posso fazer agora. Estou sem vontade de ler, e mesmo com sono pela preguiça, não tenho vontade de dormir sem Klauss aqui. Não sei o que fazer agora, bem que poderia ter uma televisão aqui, ou então algo para tocar músicas.

E acho que seria exagero ir ouvir músicas no carro, eu nem teria espaço para dançar direito. Só se deixasse o volume bem alto.

Me levanto e, seguindo pela cozinha, saio de casa para assistir ao crepúsculo, mas para minha decepção, o céu está completamente nublado, e além disso, está um clima bem frio.

Abraçando a mim mesma, solto um suspiro duradouro olhando ao céu cinzento por alguns instantes.

Retorno o olhar para a casa vazia, lembrando do que Klauss sempre faz. Ele sempre deixa suas asas livres, de uma forma tão natural, que as vezes, o anjo nem mesmo deve perceber que o faz.

Minhas mãos buscam minhas costas devagar, e mesmo sozinha, estou relutante em fazê-lo, mas preciso. Sei que por Klauss, não haveria o menor problema, ele até mesmo gosta delas, de uma maneira que nem eu mesma gosto, mas de forma alguma isso torna as coisas mais fáceis para mim.

Não me sinto confortável com minhas asas, muito menos com quem sou, e por isso, não sei se consigo.

Fecho meus olhos me preparando para isso, e devagar sinto o mover em minhas costas, e o som das minhas asas sendo abertas por mais uma vez.

Fito o chão por um instante, atenta a luz dourada criada pelas minhas asas impuras, e o silêncio a minha volta apenas intensifica meus pensamentos e o desconforto nesse curto instante.

A contragosto, passo a olhar para minhas asas, vendo como são hoje, com o desgosto presente em mim. As aproximo devagar do meu corpo e, hesitante, aproximo os dedos das plumagens douradas.

Meus dedos tocam nas plumas macias, que soltam pequenas fagulhas cintilantes, que desaparecem assim que tocam o chão. Aos poucos, abro minhas asas por completo, que é capaz de iluminar boa parte do lugar, e me deixa tão mais reflexiva.

Por que Klauss gosta tanto delas, se nem eu mesma gosto? O que ele enxerga de tão belo nas minhas asas?

Eu... Eu sou uma caída, não mereço ter essas asas. Então por que Klauss aparenta gostar tanto?

Apesar disso... Ainda tenho essas asas. Por algum motivo, elas não foram tiradas de mim.

Será que... Será que ainda consigo voar?

Ergo meus olhos para minhas asas por um momento, as encarando fixamente, buscando a certeza do que estou prestes a tentar. Fecho meus olhos por um momento, me preparando mentalmente para isso.

Com força, bato minhas asas por uma vez. O ruído do mover das minhas asas é forte, mas gracioso. Uma intensa corrente de ar, que agita toda a vegetação a minha volta, causando um intenso ruído que reverbera noite adentro.

Plumagens douradas voam agitadas com o bater de minhas asas, e fagulhas cintilantes pairam no ar, criadas pela minha tentativa, brilhando no ar enquanto caem serenamente no chão.

Apesar de toda a força, não foi o bastante.

Torno a abrir minhas asas, e repito o movimento, com ainda mais força do que da vez anterior, causando uma nova onda de vento que percorre ao meu redor. Os sons da natureza só são mais baixos que o som do bater de minhas asas.

Não me dando por vencida, repito o movimento, abrindo minhas asas ao máximo que consigo, e com toda a força que posso, inicio um novo bater de asas, numa força e mover contínuo, o mais rápido que meu corpo permite.

Sinto o impulso causado pelas minhas asas, consigo sentir elas empurrando meu corpo para cima, a forma como elas tentam me projetar ao alto, e começo a sentir meus pés deixando o chão por um pequeno segundo, mas acabo retornando ao chão bruscamente, e por muito pouco consigo me manter de pé.

Endireito minha postura devagar, retomando meu fôlego e abro minhas asas novamente. Se ainda tenho essas asas, então elas ainda devem ter alguma serventia.

Talvez eu ainda consiga voar... E estou decidida a tentar.

*****

Meu corpo exausto vai de encontro ao gramado, enquanto que respiro ofegante sem parar, enquanto sinto um calor absurdo e o suor escorrendo em cada parte de mim.

Não sei por quanto tempo, nem de quantas maneiras tentei fazer isso. Forcei meu corpo e minhas asas ao máximo que podia, mas não tive sucesso em deixar o chão.

Tentei deixar o chão com a pura força das minhas asas, tentei saltar ao bater minhas asas, ou até mesmo alçar voo após correr alguns passos, mas não consegui voar. O máximo que consegui, foi pairar uma pequena distância acima do chão, e por muito pouco tempo.

Mas não foi o bastante. Não é como antes, minhas asas não parecem ter a capacidade e toda a força que tinham antes, de me erguer aos céus com tamanha facilidade. Agora é um esforço muito maior para apenas deixar o chão.

Será que o poder que tenho hoje não é o suficiente para que eu consiga voar outra vez? Ou então... Será que o poder do submundo me impede de alcançar o céu?

O incomodo que a grama causa em toda a extensão da minha pele me faz ignorar cada um desses pensamentos, e com as poucas forças que tenho, tento me levantar.

Meu máximo agora é conseguir ficar de joelhos, apoiando as mãos nas pernas e puxando o ar sem parar, tentando me recompor. Passo as costas de uma mão pelo rosto, tirando alguns fios do meu cabelo e sujeira do meu rosto.

Não fazia ideia do quão exaustivo tudo isso poderia ser.

Estou completamente esgotada, não tenho forças para conseguir ficar de pé.

O calor pelo meu esforço é sufocante, a ponto de me fazer esquecer como essa noite está gelada de tão fria. O suor continua escorrendo em meu corpo, estrou grudando e com um cheiro estranho, e tudo isso está me deixando agoniada. Eu preciso de um banho.

E para piorar, estou sentindo minha boca e garganta seca... Sem contar esse gosto estranho está na minha boca, é uma mistura horrível de salgado com amargo.

Pedaços de grama, terra e sujeira mancham minha pele e minhas roupas, que estão lavadas de suor e grudadas no meu corpo. Roupas essas que já havia trocado no meio das minhas tentativas, já que as anteriores eram desconfortáveis, e decidi colocar essas que eram mais confortáveis de tão leves.

No fim, acabou que não adiantou em nada. Estou sentindo calor da mesma forma, e agora, deixei essas roupas cobertas de sujeira.

E tudo isso pra no fim, não ter sucesso em minhas tentativas. Acho que voar é algo possível somente para os anjos... Pelo menos, aqueles que ainda possuem uma graça.

Devagar me levanto, apoiando as mãos nos joelhos, e por fim endireito minha postura, começando a caminhar de volta para casa, arrastando os pés descalços. Estou sentindo um cansaço absurdo sobre meu corpo, meus olhos estão pesados e querendo fechar.

Se levando a mão a barriga, agora que tudo se acalmou, consigo ouvir ela fazendo sons estranhos de novo. Acho que estou com fome...

Mas não sei o que faço primeiro... Se tomo um banho, se como alguma coisa, se durmo... Acho que irei tomar um banho e irei dormir, penso em comer algo depois. Estou exausta demais para qualquer outra coisa.

Assim que entro em casa, encosto a porta da cozinha, e vou caminhando devagar, seguindo até o banheiro no andar de cima. E durante o trajeto, sem me importar com nada, vou retirando minhas roupas e soltando de qualquer jeito no chão, e assim faço até parar em frente ao meu quarto, pegar uma toalha e seguir me arrastando para o banho.

Ao entrar, largo a toalha sobre a pia e vou direto para debaixo do chuveiro, girando o registro e sentindo a agradável água corrente vindo de encontro ao meu rosto.

Neste curto momento, tenho meu corpo relaxando por completo, e sem perceber, deixo escapar um longo suspiro de alívio e cansaço. Conforme a água quente percorre minha pele, tenho a sensação de ficar cada vez mais leve, até parecendo que a água estivesse levando consigo todas as impurezas que estavam em meu corpo.

Após alguns minutos finalmente relaxando, alcanço o sabão e começo a lavar meu corpo cuidadosamente, fazendo questão de me limpar por inteira, retirando toda e qualquer sujeira que ainda insiste em permanecer na minha pele.

Termino ao lavar meus cabelos, percorrendo os dedos entre os fios por algumas vezes, e nesse curto instante tenho a lembrança de quando Klauss penteou meus cabelos molhados com os dedos. Foi tão leve, e ele também foi tão cuidadoso, recordo bem da sensação agradável que tive naquele momento. Ter essa lembrança nesse momento me faz sorrir, seria legal se, alguma hora, algo assim acontecesse de novo...

Por fim termino meu banho e desligo o chuveiro, alcançando minha toalha e retornando ao meu quarto, me secando no caminho mesmo.

Ao entrar em meu quarto, encosto a porte e termino de me secar e, largando a toalha de qualquer jeito na beirada da cama, me rendo ao cansaço e me jogo na cama, puxando as cobertas e me enrolando, e com um bocejo, me ajeito para dormir.

Aos poucos vou adormecendo, relaxando com todo o silêncio. Abraço bem o travesseiro e encontro uma posição confortável para dormir, e assim permaneço por não sei quanto tempo, até que tenho a impressão de ouvir meu nome e leves batidas distantes.

Esfrego os olhos, resmungando um pouco, e ergo o rosto, achando ter sido somente uma impressão minha, e estou prestes a deitar de novo, e voltar a descansar. Tenho certeza que já estava dormindo, vendo o quão sonolenta estou.

- Mika? – Ouço meu nome com mais clareza dessa vez, e é a voz de Klauss.

Tenho a vontade de ignorar e voltar a dormir, e fingir não ter ouvido nada, quando um pensamento me surge, e quase que imediatamente abro meus olhos e sento na cama.

Klauss já chegou em casa?

Olho para minhas asas, que em momento algum as recolhi. Mantive elas livres desde o momento que comecei a praticar até agora, e estava quase dormindo dessa forma. Se ele entrar aqui, com certeza verá minhas asas.

Ele já as viu antes, mais de uma vez, mas ainda assim não é fácil para mim. Ainda não me sinto confortável em mostrá-las, elas carregam consigo muitas coisas. Muita história, e muitas lembranças difíceis, que eu mesma não gosto de lembrar.

E ver essas asas é uma lembrança constante de tudo que aconteceu... Uma lembrança de dias de dor, tortura e solidão constante. Me fazem lembrar de algo que eu passei, e apesar de tentar deixar escondido dentro de mim, ainda não sei como lidar.

Recolho minhas asas de uma vez, fazendo seu brilho dourado desaparecer por completo do quarto, e me enrolando nas cobertas para me manter aquecida, levanto da cama e caminho em pés descalços até a porta.

Ao abrir a porta, não encontro Klauss. Olho de um lado ao outro no corredor, quando vejo o anjo já em frente as escadas e prestes a descer, quando ele retorna seu olhar a mim.

- Desculpe, te acordei? – Ele pergunta com uma voz suave.

- Mais ou menos... – Respondo com a voz embargada de sono, e esfregando os olhos, observo ele retornando até mim. – Eu estava quase dormindo... Mas não tem problema...

Ele para a minha frente, olhando fixamente meu rosto, como se absorvesse cada detalhe que pudesse... É isso, ou então eu devo estar com sono demais e estou vendo coisas.

– Esqueceu isso. – O anjo estende suas mãos a mim, e percebo que ele tem consigo, todas as roupas que deixei espalhadas pela casa quando fui tomar banho.

- Nossa, eu esqueci completamente das minhas roupas. – Digo pegando o amontoado de roupas, sem saber bem o que fazer com isso nesse momento – Eu iria recolher tudo depois.

Retorno para perto da cama, pensando onde posso deixar essas roupas sujas, e também, o que posso fazer com elas nesse estado. Acho que irei jogar elas fora, não faço a menor ideia de como deixar elas limpas, então faz sentido só jogar fora... Se bem que, agora que penso nisso, lembro que eu já deixei algumas roupas aqui, e quando voltei, elas estavam limpas... Como será que Klauss fez isso?

Acabo embolando tudo nas mãos e deixo de qualquer jeito ao lado da cama, endireitando minha postura e olhando ao anjo novamente – Obrigada por me trazer tudo. E desculpa por deixar não sei quanta bagunça.

- Não tem problema. – Ele diz calmamente, olhando para o chão na direção do banheiro por um momento, e então voltando a mim – Está com fome? Trouxe algo para comermos.

- Estou, ainda não comi nada. – Respondo com uma mão sobre a barriga – E a minha barriga está fazendo barulhos estranhos de novo... Desde cedo está fazendo barulho.

- Você realmente não comeu nada Mika. – Ele diz erguendo suas sobrancelhas, e recuando um passo de volta a escada – Vamos jantar. O que trouxe para nós é mais saboroso enquanto ainda está quente.

- O que você trouxe hoje? – Pergunto, indo logo atrás dele.

- Isso é surpresa. – Faço uma careta ao ouvir essas palavras.

- E foi você quem fez? – Faço a pergunta e tenho medo de qual será a resposta que receberei dessa vez.

- Hoje não, eu comprei. – Respiro aliviada por Klauss não fazer mistério hoje.

- Prefiro mais quando você faz. – Resmungo baixinho.

- Na próxima, eu farei. – Responde, e ainda bem que ele não está vendo meu espanto por não ter dito baixo o suficiente. Não era pra ele ouvir!

Ele me olha sobre o ombro, e seguimos o restante do caminho a cozinha sem falar mais nada.

*****

Passo as mãos pela barriga, me sentido satisfeita depois do tanto que comi no jantar. Não imaginava estar com tanta fome assim, de forma que até me esqueci do sono até agora.

Klauss está terminando seu próprio prato sem pressa alguma, até parecendo estar aproveitando o sabor, e dessa vez, aproveito deste seu momento de distração para observá-lo.

Apoiando o queixo sobre ambas as mãos, fico olhando para ele. Para cada um de seus pequenos detalhes. Ele mantém suas asas expostas e seu brilho contínuo é envolvente, posso até sentir o calor de sua presença abraçando meu ser por completo.

O anjo atrai minha atenção e meus pensamentos de tantas formas.

Permanecemos em meio a esse silêncio, que de forma alguma me é incômoda. Não precisamos falar a todo momento, isso não deixa as coisas estranhas de maneira alguma.

De repente, o olhar de Klauss ergue para mim, e deixo escapar um pequeno sorriso para ele. Ele não sorri, mas percebo como seu semblante está leve, e seu olhar firma em mim com tamanha intensidade que me sinto envolvida, e não desvio meu olhar do dele.

Devagar, ele aproxima sua mão sobre a mesa, buscando a minha, enquanto que estou fazendo o mesmo sem perceber, e sem receios ou medos, nossas mãos se encontram, em um momento que nossos dedos se enlaçam e ganho carinhos que, apesar de parecerem pequenos, são bons. Muito bons, e sempre me parece ser mais do que carinhos.

Mas então, o anjo vira seu olhar para a porta da cozinha com um ar de estranheza. Acabo acompanhando seu olhar, vendo uma luz avermelhada vindo do lado de fora.

De repente, algo entra na casa. Algo que reconheço muito bem. Uma esfera avermelhada emanando uma luz de mesmo tom, pairando em silêncio.

Olho devagar para Klauss, e pela sua expressão para mim, ele já entendeu o porquê dessa esfera estar aqui.

Eu tenho um novo trabalho a cumprir.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top