Capítulo 22

6557 Palavras

- Senhor Minos. – Digo me curvando frente ao juiz do submundo, deixando a minha frente uma sacola que peguei na casa de Verônica para trazer todas as almas. – Estou de volta, cumpri meu trabalho.

- Muito bem Mika. – ele responde do alto da escadaria, erguendo seu indicador. Imediatamente a sacola começa a reagir com a agitação das onze almas amarrotadas, rasgando a sacola em segundos e libertando as almas, que vão imediatamente até o juiz – Fez um excelente trabalho.

- Enquanto investigava eles, a única real intenção deles pareceu ser invocar criaturas do submundo unicamente por poder. – Digo, enquanto o juiz observava as almas com interesse.

- Como todos os humanos. Ele não mudam. – Minos ri com desdém. – Receberão a adequada punição, tenho a prisão perfeita para almas como essas.

Ao fechar sua mão, as almas se agitam e partem imediatamente para as portas atrás da grande mesa do juiz, parecendo até fugir apavoradas dele. Logo o brilho manchado das almas desaparece, e tudo que resta é a quietude nesta sala.

- Tem outro trabalho para mim? – Questiono mantendo meu olhar baixo.

- No momento não. – Ele responde, e posso sentir o olhar de Minos sobre mim – A julgar seu estado, você se encontrou com o anjo da legião, não é?

Sua pergunta me pega desprevenida, pois não esperava uma pergunta envolvendo Klauss.

Somente pensar nele faz com que a lembrança de algumas poucas horas atrás volte a minha mente. Recordo como ele me olhou e o que disse, ele está irritado e não quer falar comigo, talvez até nem queira me ver... Mas ainda assim, tudo que quero é deixar este lugar o quanto antes e ir encontrar Klauss.

Quero, e preciso ver ele de novo o quanto antes.

- Sim... – Admito, pensando o que dizer para desviar o interesse do juiz do submundo – Mas meu estado atual não é resultado de uma luta contra ele, mas sim contra os onze arcanos.

- Se encontrou com ele, como conseguiu escapar? – O ouço questionar – O anjo da lua não é do tipo que permite um oponente fugir.

- Utilizei feridos ao meu favor. – Respondo sem demora. – Durante o confronto com os onze, haviam muitos humanos ao redor, e todos eles se feriram. Isso fez o anjo ficar para curá-los, e consegui escapar sem maiores problemas.

- Entendo. – Ele responde assentindo – Antes que vá, recomendo que não deixe o submundo pelas próximas horas.

Ergo meu olhar ao Juiz, sem entender o motivo disso, e me sentindo incomodada. Meus planos envolviam sair desse salão, e voltar correndo para a casa de Klauss.

- Os juízes Radam e Aecos anunciaram seu retorno ao submundo, e nas próximas horas estarão chegando. Todos os demônios deverão estar presentes para recepcioná-los. – Ele termina sua fala, e a contragosto confirmo com a cabeça – Isso é tudo, pode ir.

Em silêncio me levanto e deixo o salão de Minos, agoniada como fato de precisar ficar aqui pela chegada dos dois juízes.

Eu deveria suspeitar por toda a movimentação que vi ao chegar. Notei muito mais demônios presentes do que de costume, mas simplesmente ignorei isso, já que ainda não conheço muito desse mundo, então não tenho real conhecimento de como é o movimento por aqui. E agora que presto atenção, é fácil notar toda a comoção.

- Ei, Mika! – Ouço alguém me chamar, e ao me virar, vejo Nick se aproximando com um sorriso animado. – Faz um tempo que não te vejo. Você sumiu.

- Eu estava no mundo humano, acabei de voltar. – Digo assim que ele se aproxima, com seu característico sorriso descontraído – Fui trabalhar. Tinha algumas almas para coletar lá.

- Uau, isso explica eu não te ver por tanto tempo. – Ele diz, me olhando de cima a baixo uma vez, e ergue uma sobrancelha – E algo me diz que esse trabalho não foi muito fácil...

- Não mesmo... Bom, boa parte sim, o problema foi só pra encerrar o trabalho, tive alguns problemas que não esperava... – Digo com um suspiro – De qualquer jeito, preciso voltar logo ao mundo humano.

- Precisa voltar? – Nick pergunta com uma sobrancelha erguida. – Mas você mal chegou, já tem um novo trabalho a cumprir?

- Tenho uma coisa muito importante para resolver. – Respondo passado as mãos pelo rosto e subindo aos cabelos, e voltando meus olhos para Nick – Mas eu não contava com a chegada dos outros dois juízes. Isso vai me atrasar muito...

Nick me olha, piscando algumas vezes enquanto caminhamos no mesmo sentido que os demais seres do submundo vão. – Então, vamos torcer para que essa cerimônia de retorno seja rápida.

Observo Nick de soslaio, imaginando se ele esteja curioso ou até vá fazer alguma pergunta sobre meu motivo de querer voltar ao mundo humano tão rápido, mas ele não o faz.

Dou falta de algo ao olhar ao redor – Onde está a Diana?

Nick torce um pouco a boca, me olhando de canto – Não sei se você vai acreditar Mika... Mas ela também foi para o mundo humano.

- É sério? – Salto as sobrancelhas – Quando ela foi?

- Pouco depois que você sumiu. – Ele assume um semblante pensativo – Stefan convidou ela a ir com seu grupo até o mundo humano para fazerem alguma coisa... E ela foi.

- Uau... E ela ainda não voltou? – Questiono, genuinamente surpresa ao saber que Diana está com Stefan e seu grupo, e tenho um balançar de cabeça de Nick. – Não esperava por isso...

- Eu também não, mas ela quis ir... – Nick salta os ombros – Aí fiquei por aqui.

- Sem a Diana para você ficar enchendo. – Digo com um riso.

- É ela que fica me enchendo, eu não faço nada. – Ele ri de volta.

Alcançamos um local do submundo que nunca visitei, e acho que poucos vem aqui, já que mal existem construções próximas. O local é na beira de um desfiladeiro extremamente profundo e muito quente, onde não é possível enxergar seu fim, mas é perfeitamente possível ver um líquido vermelho incandescente escorrendo pelas paredes do desfiladeiro.

Olho de um lado ao outro, vendo como o desfiladeiro se estende por ambos os lados até sumir no horizonte, tendo seus lados ligados por várias pontes, que estão repletas de vários seres do submundo, que me fazem ter noção de quantos existem aqui.

As várias vozes aqui presentes criam um ruído ensurdecedor, e extremamente incômodo. São tantos amontoados e falando ao mesmo tempo, que quero me afastar daqui o mais breve possível. Por várias vezes olho ao redor, buscando o melhor caminho de sair daqui e correr de volta ao mundo humano.

Existem tantos... Será que se eu fizer isso, serei notada por alguém?

De um segundo ao outro, todas as várias vozes se silenciam, e é possível sentir uma grande pressão surgindo no lugar inteiro, de modo que é até difícil estar aqui. Não entendo o que está havendo e o que está causando isso, quando vejo uma figura conhecida pairando sobre o desfiladeiro, com um enorme par de asas abertas.

- Agora, tenho a atenção de todos, meus queridos. – Escuto a voz de Raika, mas ela pareceu ter ecoado dentro da minha mente – Como bem sabem, nos últimos tempos estivemos contando somente com o Juiz Minos com a administração do submundo. Radam esteve desaparecido nos últimos meses após o confronto no profundo Abismo, e Aecos foi enviado para encontrá-lo...

Observamos Raika erguendo suas mãos, e neste momento o lugar inteiro começa a reagir. O chão abaixo dos meus pés começa a tremer, o vento se agita em uma corrente quente que chega a ser sufocante, e gigantescos pilares de chamas emergem de dentro do desfiladeiro.

Sinto uma mão pousando em meu ombro, e assim que vejo o que se trata, percebo Nick com seus olhos fixos no céu, em um semblante assustado. Assim que volto meus olhos ao alto, percebo o grande vórtice presente entre as nuvens, mergulhando em um interior assustadoramente sombrio onde não é possível ver nada.

Dali de dentro, descem três figuras aladas lentamente, a qual reconheço somente um deles.

- E tenho o deleite de anunciar, que agora os três juízes estão novamente reunidos entre nós. – Raika continua dizendo, conforme as três figuras param próximas a ela, demonstrando igual presença e imponência entre si. – Radam, da ira, Aecos da soberba, e Minos da luxúria! Contemplem, os três juízes do submundo!

Todos tem uma estatura semelhante. Enquanto Radam é uma figura loira, de olhar completamente violento e feição endurecida, carregando duas lâminas em suas mãos, Aecos é alguém de cabelos negros, carregando um sorriso de superioridade e seus braços cruzados.

O curto momento de silêncio é finalmente rompido pelos incessantes gritos de todos ao presenciarem os três juízes do submundo. Punhos são erguidos e gritos de euforia se espalham, conforme Raika mantém seus olhos ardentes sobre todos.

Com a aparição desses dois, eu tenho um péssimo pressentimento crescendo em mim.

*****

Não sei quanto tempo a comemoração pelo retorno dos três juízes durou. Podem ter sido longas horas, mas estava tão incomodo que eu poderia dizer que se passaram dias. Eu não sei, mas simplesmente não conseguia sair de lá.

Todos estavam comemorando, bebendo coisas com cores estranhas, gargalhando, lançando ondas de chamas ao ar junto com aquelas bebidas e fumaça, causando uma arruaça sem fim.

Não demorou muito até eu acabar me perdendo de Nick, mas pela cara que ele estava fazendo, é certo que ele tentou procurar um lugar para fugir daquilo, do mesmo jeito que tentei.

As coisas só acalmaram quando Raika dispensou a todos, pois seguiria com uma reunião com os três juízes. Ficou claro que eles tinham muito a conversar, coisa que não poderia ser feita ali em meio a toda aquela bagunça.

Assim que tudo se acalmou, fui uma das primeiras a ir embora depois dos comandantes do submundo, senão a primeira. Foi bom pois pude ter uma visão diferente do submundo, o lugar sombrio mergulhado na ausência das vozes, apenas no ruído contínuo dos rios bravos que correm sem parar e o assoviar assustador do vento, e ruídos estranhos que não sei a origem.

Avancei por todo o submundo, de volta a fenda. A abri sem demora, e neste exato momento, estou deixando o celeiro e entrando novamente no mundo humano, dando de cara com um ambiente frio e de céu nublado.

Olho para o ambiente, sentindo o frio abraçando minha pele, e uma sensação de apreensão crescendo em mim conforme avanço ao meu carro, que deixei parado perto daqui.

Entro e ligo meu carro sem demora, acelerando para longe da fenda e seguindo diretamente para a casa de Klauss. Não sei o que vou dizer ao encontrá-lo, nem mesmo sei ao certo o porquê quero dizer algo, mas quero isso... E também, eu quero vê-lo.

Dirijo por algum tempo, tentando me lembrar de onde fica a casa dele. Memorizei um pouco da região onde ele mora, mas ainda não totalmente como chegar até lá. Por isso, o caminho é muito mais demorado do que imaginei, a ponto do céu escurecer completamente.

Alguns clarões iluminam o céu vez ou outra, e assim permanece por várias vezes. Isso só me deixa mais aflita, e enquanto dirijo, mantenho-me atenta se consigo ver o carro do anjo, ou o próprio por perto. Isso tornaria as coisas muito mais fáceis.

Vou pensando o que dizer assim que o encontrar, quando uma gota cai no vidro, seguida de outra, e mais outra, até que uma densa tempestade começa, tornando a visibilidade algo horrível. Aperto os olhos tentando enxergar algo a frente, mas é muito difícil.

E para completar, o carro para de funcionar sem mais nem menos. Tento ligar novamente, mas apenas algumas luzes acendem no painel e o carro não liga mais, e estou parada no meio de uma rua que sequer sei se é o caminho certo até a casa do anjo.

A contragosto saio do carro, mergulhando na intensa tempestade, tão intensa que tantas gotas incomodam meu rosto. Sem demorar, abraço a mim mesma e continuo caminhando apressada, tentando me lembrar do caminho para a casa do anjo.

Conforme vou andando, vou sentindo todo o peso da água sobre meu corpo, molhando completamente as roupas que não troco desde que acordei, e o forte vento frio me faz tremer.

Conforme vou andando, acabo pisando em amontoados de água no chão, que espirram um pouco de terra e sujeira em mim, e mesmo com a chuva tão forte, essa sujeira não sai do meu corpo. Alguns fios do meu cabelo grudam no meu rosto, e posso ver gotas caindo de algumas mechas, e cada vez mais, me agonio com meu próprio corpo.

Pra piorar, começo a sentir dores de fome. Não lembro quando foi a última vez que comi algo, já que não faço a menor ideia de quanto tempo durou aquela bagunça no submundo. Só sei que estou a muito tempo sem comer nem beber nada, a ponto da minha boca ficar seca, mesmo andando em meio a toda a chuva.

Estou com bastante fome. Preciso comer alguma coisa logo...

Olho ao redor, tentando reconhecer o local onde estou. Algumas coisas me são familiares, mas está tão escuro e chovendo tanto, que mesmo com algumas luzes próximas é difícil conseguir identificar onde estou.

Vou para debaixo de uma árvore e me escoro por alguns segundos, apoiando as mãos nas pernas que estão doloridas da minha caminhada. Não estive andando tanto tempo assim, mas sei que já me afastei bastante do meu carro, e agora que pensei, não sei se consigo voltar. Não saberia me localizar muito bem nesse clima, e também não decorei o caminho que fiz até aqui.

Desencosto da árvore, e com um suspiro volto a andar, tentando ignorar o cansaço. Dou um bocejo e passo as mãos pelo rosto, acreditando que isso ajude a afugentar o sono, mas não adianta. Meus olhos estão pesados de cansaço, e um sono frio parece querer se apossar de mim, e cada vez mais estou tremendo, com ondas de frio percorrendo meu corpo.

Sem desistir caminho pelas ruas, tentando me identificar como posso. Olho de um lado ao outro, tentando decidir a direção, e volto a andar agora sem saber qual o caminho certo. Tudo que estou fazendo agora é procurar, na esperança de conseguir encontrar na próxima rua que eu conseguir alcançar.

Algo chama minha atenção de repente. As luzes apagam de repente, deixando tudo completamente escuro. Olho de um lado ao outro, enxergando muito pouco, apenas algumas silhuetas ocultas pela escuridão da noite e incontáveis gotas de chuva.

Um clarão corta o céu, iluminando completamente tudo ao redor e tornando o caminho visível por um momento, logo mergulhando nas sombras, e com isso tento caminhar. Um novo clarão ocorre, rápido como o piscar de um olho, mas dessa vez vejo algo que não estava ali a um segundo atrás. Algo extremamente perto de mim.

Existe alguém parado bem a minha frente.

O susto acaba fazendo com que eu erre meus próprios passos e caia, batendo meu corpo contra o chão, sentindo dores me percorrendo inteira, além de sentir muitas pequenas pedras e sujeira incomodando minha pele. Isso me irrita.

Escuto um passo ao meu lado, e de repente os pingos param sobre mim, mas percebo que a chuva permanece em toda sua intensidade ao meu redor. – Moça, você se machucou?

Ergo meu olhar para a pessoa parada ao meu lado. Está tudo tão escuro que não consigo ver seu rosto, apenas a silhueta de sua presença, porém isso muda assim que as luzes ao redor tornam a ligar, e posso ver a feição de alguém jovem, longos cabelos enrolados e uma longa veste escura, bem ao contrário do sobretudo que Klauss usa.

- Não... – Resmungo tentando me levantar, e recebendo seu apoio para ficar de pé – Não me machuquei... Isso não foi nada...

- Estou vendo. – A figura diz, me olhando com uma sobrancelha erguida – Está perdida?

- Não estou... Só não estou conseguindo me encontrar nessa chuva toda... – Resmungo para mim mesma, olhando ao redor tentando me orientar.

- Você admitiu estar perdida, só disse com outras palavras. – Reviro os olhos com o que ouço e torno a olhá-lo, que mantém um sorriso despreocupado no rosto.

- Tá, eu admito... Estou perdida. – Digo passando as mãos nos braços – Estou procurando uma casa, mas não sei como chegar nela...

- Como é essa casa? – Ele pergunta. – Talvez eu saiba onde fica.

- Ela... – Começo a pensar como descrever a casa – Ela é de dois andares... De madeira com pedras, ela tem um negócio na frente que faz sombra e não cai chuva... Tem muita grama no chão, e tem muito espaço em volta... Sabe se tem uma casa assim por aqui?

O rapaz humano me olha um pouco sem reação, e vendo sua cara nesse momento, não acho que isso seja um bom sinal – Ahn... Pode ser só um pouco mais específica?

- Mais específica... Mais específica... – Repito várias vezes, andando de um lado ao outro tentando pensar em alguma coisa que a casa do Klauss tenha, que não vi em nenhuma outra casa da região, e algo me vem em mente. – Um Corvette!!!

- Um Corvette? Você diz, o carro Corvette? – Ele pergunta me olhando fixamente, e assinto balançando a cabeça várias vezes – Tá bem, isso já ajuda mais... Sei onde fica...

- Sabe? – Pergunto com a animação voltando a mim.

- Sei... – Ele vira para um lado, com um semblante pensativo, e o observo com muita expectativa por algo que me ajude – Segue nessa direção, na terceira rua, você vira para a esquerda e segue reto... Você entra em uma rua mais sinuosa que vai dar vista pra cidade, se não me engano, a casa que você procura está ali.

- Certo, eu agradeço muito! – Digo começando a caminhar novamente, sem dar tempo para que ele diga qualquer coisa.

Meus passos que antes apressados, logo se tornam uma corrida. Não quero perder mais um segundo, apenas quero chegar logo até onde o anjo está, falar com ele. Ver ele. Sinto meu interior pedindo por isso.

Corro sem parar, seguindo na direção indicada. Mesmo cansada, com dores me incomodando e com bastante fome, eu continuo, não sabendo como continuo correndo. Meu fôlego desaparece e sinto a garganta secar, mas mesmo assim não paro.

Vou finalmente reconhecendo o lugar, mesmo tudo estando tão escuro. Sei que estou perto, estou muito perto. Forço meu caminhar ao máximo que consigo, com as pernas doendo demais pelo esforço, mas seguindo em frente, já tendo a visão da casa que tanto quis alcançar.

Chego ao portão, e olho a casa por alguns segundos.

Eu cheguei... Finalmente cheguei.

Já sabendo que Klauss não costuma trancar o portão, abro e entro, não vendo seu carro parado onde normalmente fica. Ignoro isso e vou até a porta sem demora.

- Klauss! – O chamo assim que chego frente a porta, batendo nela algumas vezes. – Klauss! Sou eu! Precisamos conversar!

Não tenho resposta alguma, respirando fundo algumas vezes. Olho ao redor, buscando algum sinal dele do lado de fora, mas não encontro nada.

- Klauss! – O chamo com mais força.

Miro a porta e giro a maçaneta, que para minha surpresa, a porta está aberta. A empurro devagar com um rangido baixo, e não escuto nada dentro da casa. Olho de um lado ao outro, e entro, tendo meus passos deixando ruídos estranhos no piso antes seco.

- Klauss?! – Chamo mais uma vez, avançando pela casa, com algumas gotas caindo do meu rosto e cabelo ao chão, deixando um claro rasto de por onde estou passando.

Vou até a cozinha e ligo a luz, na esperança de ver o anjo ali fazendo qualquer coisa que seja, mas não encontro nada. Viro-me e vou as escadas, olhando ao alto algumas vezes e me concentrando para ouvir qualquer coisa, mas não consigo ouvir nada.

Ele não está aqui. A casa está completamente vazia.

Onde ele pode estar?

Caminho de volta para fora da casa e, correndo pelo gramado, vou até os fundos, buscando algum sinal dele. Assim que chego, olho de um lado ao outro, tentando encontrá-lo em algum lugar, mas não o vejo.

Meus ombros caem, sem saber o que fazer para encontrá-lo.

Viro e vou arrastando os pés de volta para a frente da casa, olhando para a porta que deixei aberta, sabendo que ele não está ali. Com isso, vou de volta ao portão e alcanço a rua, mirando meus olhos de um lado ao outro, mergulhando no som da tempestade.

Ergo meu rosto e fecho meus olhos completamente esgotada e frustrada, não sabendo o que fazer. Queria tanto encontrar Klauss, mas agora que penso, sequer sei o que diria a ele. Ele não queria me ver e nem conversar comigo, e mesmo assim eu resolvi vir até aqui para no fim não encontrar ele.

Eu estou cansada, meu corpo e meu peito doem. Dói a ponto de ser sufocante, mas não sei o porquê disso. Eu sei que dói, desde o momento que recolhi aquelas almas e voltei ao submundo.

Algo chama minha atenção, um ronco de motor não muito longe de mim. Abro meus olhos, e vejo um carro branco parando não muito perto de mim. E de dentro dele, sai aquele que estive buscando desde que coloquei os pés no mundo humano novamente.

Esboço um sorriso ao vê-lo, sentindo meu corpo tremendo. Tremendo de dor, de exaustão, de frio, de tristeza – Oi Klauss...

- Mika? – Ele diz se aproximando sem nenhuma hesitação – O que está fazendo aqui?

- A gente precisa conversar. – Consigo dizer, mesmo tomada de cansaço, e sentindo que posso perder minha consciência a qualquer momento.

O anjo para a minha frente me olhando por alguns instantes, tocando meus braços, e com as costas da mão toca minha testa, e logo foca nos meus olhos – Você está gelada... Você pegou toda essa chuva?

Sua feição não muda. Nunca muda. Seu rosto sempre contém a mesma seriedade, e seus olhos sempre calmos, mas nesse momento, tenho a sensação de ver a preocupação tomando seu olhar.

- Por que não veio de carro? – Ele pergunta me olhando fixamente.

- Ele parou de funcionar do nada... Ficou sem combustível... E eu vim andando. – Explico, e o anjo continua me olhando parecendo não acreditar no que fiz.

- Vamos entrar, você não pode ficar desse jeito. – Ele diz retirando seu próprio sobretudo e o lançando sobre meus ombros. – Lá você se seca e troca de roupas.

- Espera. – Eu o seguro – Você precisa me ouvir.

- Lá dentro eu irei te ouvir. – Ele insiste, focando seu olhar apenas na casa.

- Klauss, me desculpa! – Digo com força, finalmente atraindo sua atenção a mim – Eu sei que eu não contei a verdade do porque vim, mas eu não podia te falar!

- Mika! – Ele coloca ambas as mãos no meu rosto e olhando fundo nos meus olhos – Eu irei ouvir cada palavra que você me disser. Mas só farei isso quando tiver certeza que você está bem, ou ao menos seca.

Não o respondo. Nem mesmo sei o que dizer agora. Tudo que faço é olhar o anjo que, neste momento, já está tão encharcado como eu. Seus cabelos já estão pingando assim como os meus, e as roupas já estão grudando no corpo. Mesmo assim, ele não deixa de olhar a mim.

- Vamos, essa chuva toda pode te fazer mal. E você precisa se aquecer o quanto antes. – Ele diz e seguimos para a casa em passos apressados, sendo que apenas aceito sem dizer mais.

O anjo observa a porta da casa aberta com os olhos cerrados, e conforme nos aproximamos, ele liga a luz e vê as várias manchas de passos e gotas pelo chão da sala, e quase como se já soubesse o que havia acontecido, ele me olha, mas não diz nada.

- Você está fria... Fria demais. – Ele diz, tornando a tocar meu rosto. – É melhor que tome um banho primeiro para se esquentar, e colocar outras roupas.

- Um banho? – Pergunto erguendo uma sobrancelha, tremendo e sentindo mais e mais frio, enquanto vamos subindo a escada.

- Sim, é naquela porta ali no final do corredor, na frente do último quarto. – Ele diz enquanto entra no meu quarto – Irei pegar toalhas e também roupas secas.

Assinto e entro no cômodo que vi da outra vez, e não entendi bem o que ele era. Entro olhando tudo com curiosidade, tentando entender o que Klauss quis dizer com banho.

Ouço algumas batidas na porta, e vejo o anjo entrando devagar – Aqui estão. O chuveiro já tem água aquecida. Agora, irei limpar a sala.

Ao dizer isso, ele vira-se e ouço seus passos se afastando. Sem demora começo a me livrar das minhas roupas molhadas e vou as deixando penduradas, e passo pela porta de vidro, olhando para o objeto suspenso pouco acima de mim.

Ergo uma mão a ele, o cutucando algumas vezes sem entender como ele funciona. Baixo meus olhos para um tipo de mecanismo que me lembra o de algumas pias, e assim que o giro, sou surpreendida por uma quantidade de água caindo sobre minha cabeça. Ela é fria, mas imediatamente começa a esquentar, e fico curiosa tentando entender como isso aconteceu.

Fecho meus olhos, aproveitando a sensação agradável que isso trás ao meu corpo, de finalmente estar me aquecendo novamente. Junto um bom punhado de água e jogo no rosto, conseguindo sentir todas as sujeiras acumuladas deixando minha pele.

É uma sensação até agradável saber que toda a sujeira não só dessa tempestade, mas também do submundo estão indo embora. Isso me deixa aliviada, ao passo que meu corpo inteiro relaxa.

Levo algum tempo até finalmente lavar meu corpo inteiro, retirando todas as impurezas que sabia haverem em mim. É surpreendente que além de já não sentir mais todo aquele frio de antes e nem estar tremendo, consigo sentir meu corpo inteiro mais leve agora.

Solto um suspiro ao lembrar tudo que quero dizer a Klauss. Nem mesmo sei por onde começar, mas sei que quero falar a ele meus motivos de não ter contado por que vim. Mas preciso admitir que estou aliviada ao saber que ele não me afastou, como eu achava que faria,

Giro o mecanismo de volta, e a água cessa. Estou muito melhor agora, a ponto de me sentir melhor comigo mesma. Não imaginava que um banho era algo tão agradável assim.

Pego a toalha completamente branca, e começo a secar meu corpo devagar, achando interessante como o tecido é tão diferente do de uma roupa, mas ao mesmo tempo é tão macia. Acho que poderia usar várias roupas de toalha algum dia, de tão agradável que é.

Pego as roupa que Klauss trouxe, e percebo serem as minhas roupas de quando vim para a casa dele. Mas ao que vejo, estão todas macias e com um aroma agradável, que não sei identificar ao certo o que é. Só sei que é um suave muito bom

Visto minhas roupas, sendo uma calça e uma das minhas camisetas escuras, as ajeitando no corpo, deixo a toalha sobre os ombros e sigo descalça de volta para a sala, sentindo o nervosismo crescendo em meu peito por não fazer ideia do que falar.

Sinto um aroma agradável no andar debaixo, e vou descendo devagar. A sala está toda ajeitada, com algumas cobertas sobre um dos sofás, mas não vejo o anjo. Entretanto, não o vejo, mas escuto alguns sons vindos da cozinha.

Vejo Klauss entrando na sala tendo um pote não muito alto em suas mãos – Preparei uma sopa para você comer. – Ele diz, olhando na direção do sofá e então a mim.

Entendo seu pedido silencioso e me sento, me ajeitando no meio das cobertas. Klauss se abaixa a minha frente e me entrega o prato – Você quem fez? – Pergunto com um meio sorriso.

Ele me observa alguns segundos – Perguntará sempre, não é? – Ele devolve a pergunta, e assinto pegando a colher e experimentando a sopa, sentindo um sabor combinado bem agradável e um calor repentino na minha boca, que me assusta – Sim, eu quem fiz.

- Obrigada... – Sussurro o olhando, pegando uma nova colherada e, após assoprar um pouco, saboreio sem queimar minha boca, e mergulhamos em um duradouro silêncio que é um pouco desconfortável. – Por que você tem isso? Anjos não precisam comer...

- Imaginei que você poderia vir em dias frios. – Ele diz, se sentando ao meu lado. – Humanos costumam usar sopa nos dias frios... Só cuidado, está quente.

- Tudo bem... – Digo dando um sorriso com esse pensamento dele sobre eu voltar mais vezes, e em mais uma colherada, me permito saborear a sopa, gostando do sabor diferente que parece misturar coisas diferentes, apesar da aparência muito estranha. – Não é ruim...

- Pode ficar melhor. Mas não peguei ingredientes o suficiente, e uma sopa completa demoraria muito para ficar pronta. – Ele responde, sem deixar de me olhar a todo instante.

- Não tem problema. Está bom desse jeito. – Digo com um sussurro.

Durante alguns segundos, mantemos nosso silêncio. Apesar disso, sei que Klauss mantém sua atenção em mim a todo instante, e ao mesmo tempo que gosto de ter seu olhar em mim, também fico se saber como reagir.

- Seus cabelos estão molhados. – Ele diz, e tenho meu olhar a ele, e o vejo pegando a toalha que deixei nos ombros – Vire-se. Irei secá-los para você.

- Não precisa se preocupar com isso... – Digo, mas somente ver a insistência em seu olhar me convence, e faço o que ele me pede, ficando de costas para ele.

- Sim, eu preciso. – Ele responde já passando a toalha pelo meu cabelo, com bastante cuidado em cada gesto – Deixar molhado dessa forma pode te adoecer.

- Eu venho do submundo, não ficarei doente... – Sussurro.

- Prefiro ter certeza de que não ficará. – Responde.

Assinto devagar, aproveitando a suavidade dos movimentos que Klauss faz por algum tempo, logo deixando a toalha de lado quando parece ter certeza que cumpriu seu objetivo. Assim que o faz, sou surpreendida ao ter suas mãos no meu cabelo em movimentos lentos.

Olho para trás por um momento, e o vejo concentrado no que está fazendo. Ele percorre seus dedos pelo meu cabelo por algumas vezes, sem pressa e sem força. Seus toques são suaves e carinhosos, e apenas fecho meus olhos, aproveitando a sensação agradável de conforto e cuidado que ele consegue me passar.

- Estou te machucando? – Ele pergunta após meu cabelo ter enganchado em seus dedos.

- Não, eu estou gostando... Isso é bom... – Sussurro, encarando meu pote de sopa por alguns segundos, já me sentindo bem aquecida com a quantidade que comi. – Nós dois precisamos conversar...

Não tenho sua resposta a princípio, mas não sinto mudança nele. Klauss continua percorrendo seus dedos pelo meu cabelo devagar, e pouco a pouco ele parece não ter dificuldade alguma, já que seus movimentos não encontram mais impedimentos.

- Sobre? – Ele pergunta finalmente.

- Você sabe... – Continuo a falar – Eu não ter te contando o porquê de ter vindo...

- Não precisa me explicar. – Klauss diz, sem deixar a calma em sua voz – Eu compreendo.

- Eu... – Hesito um momento, fechando meus olhos – Eu tinha meu trabalho a cumprir...

- Suspeitei quando a vi conversando com aquele membro dos onze. – O anjo diz, e lembro daquele momento que conversei com aquele homem na livraria,

- Você viu? – Pergunto, já sabendo qual a resposta.

- Sim, eu estive te observando a todo momento. – Klauss pausa por um segundo – Acreditei ter vindo para auxiliar o grupo em uma nova invocação. Não para levar suas almas.

- Eu tinha que investigar a localização deles, e então levar a alma de todos. – Explico olhando o pote em minhas mãos – Nunca foi meu objetivo ajudar o grupo com um ritual. Mas não podia te contar nada...

Um momento de silêncio se estende – Por que não?

- Porque... – Começo, escolhendo minhas palavras – Porque não queria que você me visse como uma inimiga...

- Mas por ocuparmos posições opostas, é isso que somos, não é? – O ouço questionar.

- Sim... – Sussurro apertando os olhos – É isso que somos, mas eu não quero isso.

Não tenho uma resposta falada, mas seus toques agora são bem mais lentos. Sinto seu olhar em mim, e também, estou confortável em continuar. Sei que ele está atento ao que digo, e espera que eu continue.

- Eu não quero te ver como um inimigo... Eu... Eu gosto de você Klauss. – Confesso com um fio de voz – Eu sei, a gente se conhece a tão pouco tempo, mas... Gosto demais da sua presença... Da sua companhia... Do cuidado que você tem comigo... Dos momentos que temos, foram poucos mas eu gosto tanto... Gosto quando descubro coisas novas, experimento outras, e você sempre me explica tudo e é tão paciente... Eu gosto tanto, que não te vejo como inimigo, e não quero que me visse como uma inimiga, não quero perder algo tão bom...

- Não te vejo como uma inimiga Mika. – Sua resposta parece invadir meu corpo e acertar meu interior, não esperava que essa fosse sua resposta – E também não quero te ver desta forma.

O olho sobre o ombro – Não quer?

- Também gosto desses momentos, de cada um deles. – Ele me diz, tocando meu queixo com a ponta dos dedos.

Pisco algumas vezes, sem acreditar – Você também gosta?

- Talvez mais do que você imagina. – Ele responde – Também gosto de sua companhia, e de sua curiosidade. Você é divertida.

- Não está bravo comigo? – Pergunto sussurrando, sem deixar de olhá-lo nos olhos.

- Não. – Ele responde, e seu toque parece mais lento no agora. – Mesmo que continuasse bravo, não creio que duraria muito tempo.

- Na última vez que nos vimos, disse estar bravo comigo. – Pontuo o olhando de canto de olho. Ele não me responde – Tinha medo que não quisesse mais me ver ou falar comigo.

- Não conseguiria. Sentiria sua falta... Mas não nego que ainda estou decepcionado. – Ele responde, e mesmo que suas palavras não digam tanto, seus olhos me transmitem muitas coisas. Muitas as quais não consigo compreender com pensamentos, mas sim com a estranha sensação agradável que sempre tenho ao vê-lo. – Como você está?

- Me sinto bem... Já não tenho frio. – Respondo, e o anjo assente me olhando.

Por longos segundos ele faz o mesmo que fez tantas vezes atrás. Ele me olha fixamente, percorrendo os traços do meu rosto e enxergando algo que não sei o que é, quando por fim seu olhar volta ao meu.

Sua mão se une ao meu rosto como um apoio, e nossos olhares permanecem unidos. Sei que ele não está bravo comigo, ao mesmo tempo que ele espera por algo. Não sei ao certo o que é, mas é nítido para mim que Klauss espera por alguma coisa. Nos entendemos apenas em nossos olhares, sem a necessidade de palavras, quando eu mesma não entendo como isso ocorre.

- Tenho uma pergunta a fazer. – Ele diz, alcançando o pote em minhas mãos, e deixando sobre a mesa de centro.

- Você com uma pergunta a fazer? – Brinco com um meio sorriso, e o vejo confirmar fazendo um gesto discreto com a cabeça. – Tudo bem, qual pergunta?

Seu olhar baixa por um momento, encarando suas mãos, até então tornar a sustentar sua atenção em mim – O que houve no dia da aurora?

- Ah... – Isso é tudo que consigo expressar, diante de sua pergunta tão inesperada – Aquilo?

Ele assente com a cabeça – Nunca vi demônio algum daquela forma... O que houve naquele dia?

- Nada... – Consigo responder, desviando os olhos para baixo – Nada importante.

- Me lembro bem como você ficou Mika. – Ele insiste. – Me parece importante.

- Aquilo foi algo que me abalou muito... – Respondo com um fio de voz, levando a mão ao peito enquanto as lembranças daquele momento retornam aos meus pensamentos. – Não esperava ver uma aurora... Eu... É que auroras mexem muito comigo...

- O que sentiu quando viu? – O ouço perguntar com aparente cuidado em sua voz.

Esboço um sorriso fraco – Tristeza, frustração, decepção... Nem eu mesma sei... Mas ver aquilo, depois da história que me contou... Foi muito difícil...

Torno a olhar o anjo, sem deixar de manter meu sorriso, mesmo que eu sinta meu coração doendo tanto.

- Aquilo doeu Klauss... Tanto, que não consegui aguentar. – Tentar segurar a angustia em mim torna-se cada vez mais difícil.

- Espere. – Ele sussurra – Não precisamos falar se não quiser.

- Está tudo bem... – Respondo com um suspiro – Nunca conversei sobre isso com ninguém... Não de verdade... Acho que esse é um bom momento...

- Está certa disso? – Pergunta, e confirmo com a cabeça – Tudo bem. Por que teve tantos sentimentos ao ver a aurora?

- É que... – Respiro fundo – Eu tenho história com auroras... Uma história muito difícil...

- Imagino que ver aquela aurora no céu não foi fácil. – Ele diz, e confirmo com a cabeça, o olhando novamente. Seu semblante está reflexivo – Compreendo.

- Não foi fácil, nem um pouco, e mesmo agora... Somente lembrar daquele momento, faz tudo voltar... – Consigo expressar com a voz falha – Toda a lembrança, toda a dor, tudo que passei em cada um daqueles dias... Eu lembro de tudo Klauss... Tudo... E isso me machuca demais...

Ele mantém seu silêncio, me olhando com cautela, mas sempre me olhando. Devagar sua mão busca a minha, a segurando com firmeza, e com um discreto gesto com a cabeça, ele me conforta e me deixa tranquila para continuar. Não encontro julgamento ou repreensão em seu semblante calmo, ele não me olha assim. Na verdade ele parece entender que tenho algo guardado que não é nem um pouco fácil de expressar, e não sinto que ele queira me forçar a falar.

Klauss está dando o tempo que eu preciso para consegui falar, sem me pressionar nem por um instante.

- Eu quero te contar... Mas... – Minha voz falha, e meus olhos pesam – Mas é tão difícil... Eu... Eu não sei se consigo...

- Não se force a falar Mika. – Ele me diz, enquanto seus dedos acariciam minha mão – Eu irei ouvir tudo que me disser... Mas não precisa se obrigar a falar algo que não queira. Eu não a obrigarei.

Viro devagar até ficar de frente para Klauss, tendo meus olhos marejados. Sei que o que ele diz é verdade. Tenho certeza, pois consigo sentir a verdade nele.

Observo nossas mãos unidas, ao instante que sinto meu rosto molhar – Sabe... A história que me contou naquela noite... Antes da aurora surgir...?

- Sei. – Ouço falar. – A história do anjo boreal.

- Sim... – Respiro fundo, tomando fôlego antes de tocar essa parte do meu passado, e finalmente torno a erguer meu olhar.

Relutantemente me levanto e caminho para longe do sofá, preocupada com o que estou prestes a fazer. O que estou prestes a mostrar a ele.

Devagar ergo minha camisa e a tiro, sentindo o olhar do anjo fixo em mim a todo instante. Respiro fundo fechando meus olhos, e liberto aquilo que preferi manter escondido, que mostram minha real natureza, tão diferente daquilo que insisto dizer que sou.

Após tanto tempo, torno a manifestar minhas asas.

Elas não estão mais cinzentas e opacas como da última vez que as vi. Agora emitem um brilho dourado, quase incandescente que nunca vi antes, quase como se seu interior estivesse em chamas. A auréola sobre minha cabeça emite a mesma luz dourado, mas agora ela não brilha como fazia antes, ela manifesta aspectos que lembram o fogo.

Olho para Klauss sobre o ombro, temendo qual será sua reação com o que estou mostrando, que agora é uma surpresa até para mim – Essa é a minha história... Nunca fui um demônio, eu sou... Ou melhor... Eu fui o anjo boreal...

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top