Capítulo 20

4056 Palavras

Em momento algum esperei tal reação, e quando vi suas lagrimas caindo, não soube o que dizer, ou o que fazer. Por muitos motivos, fiquei completamente sem ação.

Vê-la daquela forma mexeu comigo, de uma maneira que não cogitei acontecer. Presenciar Mika chorando daquela maneira fez uma sensação simplesmente horrível surgir em mim, me deixou confuso por não compreender o que estava havendo, nem o que havia causado aquilo.

E somente naquele momento, ignorei os vários pensamentos que estavam saltando em minha mente, e a abracei. Ignorei se ela veio do submundo, qualquer atitude suspeita, para mim, isso não fazia diferença alguma naquele momento.

Não sabia o que havia lhe causado tamanha dor, mas sabia que não conseguiria permanecer ali, apenas olhando. Da forma que pude, busquei confortá-la, e daria o tempo que precisasse para sentir-se melhor.

Levou um tempo até Mika se acalmar. Mais tempo do que imaginei, e isso foi um choque. Só me deu mais certeza do quanto ela estava abalada, e até então não sei ao certo a razão disso.

Quando ela conseguiu se acalmar, Mika voltou sua atenção para a aurora, que havia se expandido através do céu. Percebi como ela emudeceu e assim permaneceu por longos minutos, com um semblante tomado pela melancolia e uma emoção ainda presente em seus olhos marejados. A todo momento estive a olhando, buscando a certeza que ela estava bem.

Mika então se afastou devagar, secando os olhos com as costas da mão e após me pedir desculpas por mais uma vez, perguntou se poderíamos jantar, em meio a um meio sorriso.

Concordei acompanhá-la a mesa, mas que desta vez não comeria nada. Apesar de não sentir fome, tenho gostado de compartilhar esses momentos com Mika, e de assistir suas várias reações enquanto eu mesmo experimento certas coisas também pela primeira vez, como no caso das rosquinhas algumas horas atrás.

Mas ao ver sua reação abalada ao ver aquela aurora, não tive mais ânimo para comer algo. Isso me deixou profundamente inquieto, e a todo momento permaneci observando Mika.

Mesmo agora, em que ela está deitada no sofá, aparentemente entretida e animada com um livro que pegou na estante, me pego refletindo sobre o que aconteceu momentos mais cedo.

O que pode ter causado uma reação tão sentida como aquela?

Durante toda minha existência, conheci e enfrentei muitos enviados do submundo, e nenhum deles derramou uma única lágrima sequer. E recentemente, surgiu a Mika.

Sei que conheço Mika a pouco tempo, mas vejo que ela é diferente dos demais que já vi. Sei também que ela é alguém que é verdadeiramente sincera em suas reações, ela as expressa de maneira tão genuína que é comum me surpreender profundamente. Então, é certo que o que ela mostrou foi real.

E aliás, agora que penso melhor, ela já aparentou ficar abalada quando mencionei o incidente do anjo boreal e seu desaparecimento, tanto que também aparentou não saber o que dizer. Até parecia que... Ela já conhecia esse incidente.

Mas... Conhecer esse incidente? Isso não faz sentido, mesmo que já soubesse o que aconteceu, por que Mika ficaria tão abalada?

Não acho estranho que ela tenha ouvido falar sobre isso alguma vez, porque essa história acabou se espalhando mais do que o esperado. Mas sim, ela ter se abalado tanto.

Tem algo errado... Tenho a sensação de que alguma coisa está faltando. Mas o que pode ser?

Seu riso me arranca dos pensamentos, atraindo meu olhar para si.

A garota está ocupando todo o sofá, deitada de bruços e com sua atenção voltada ao livro que pegou na estante, estando alheia a minha presença. Por esse momento, mantenho meus olhos sobre ela, como se atraídos por um magnetismo único que só a ela pertence.

Mika mergulhou tanto em sua leitura, que agora claramente está se divertindo. Como imaginado, afinal o livro que ela escolheu é um de leitura bem leve, e muitas partes engraçadas.

Volto meu olhar ao meu próprio livro, mas isso dura pouco, já que pouco depois volto a observar Mika, sem vontade alguma de desviar minha atenção dela.

Até quero retornar a minha leitura. Busquei meu livro, imaginando que seria um excelente meio para acalmar minha mente, mas não foi o que ocorreu. Agora, disfarçadamente sigo olhando, ao mesmo tempo que tento desvendar seus motivos, estou admirando tudo nela.

Vejo atentamente como ela mergulha em seu próprio momento de leitura, parecendo até esquecer que estou aqui. A dizer apenas pelas suas reações, dá para imaginar que ela está tão envolvida na história, que se sente participando de cada uma das cenas.

Não reprimo um riso nasal, e um sorriso discreto enquanto sigo a olhando. Acho que neste momento, observá-la me agrada e entretêm mais do que meus livros.

Não sei se por buscar respostas para o que ela guarda consigo, ou por simplesmente gostar do que vejo e de sua companhia.

Apesar de gostar deste momento, e a agradável sensação que tenho crescendo em meu peito sempre que olho para Mika, não esqueço de qual é meu trabalho. Não permito que tais momentos nublem meus pensamentos.

Minha mente não deixa de criar mais e mais hipóteses a respeito de Mika, seja sobre quem ela é, a razão de ser tão diferente daqueles que vieram antes... E também, sua reação de mais cedo.

E não posso esquecer que hoje cedo, enquanto estávamos no distrito do artesanato, vi Mika conversando com aquele membro dos onze arcanos que estive monitorando nas últimas semanas. O encontro desses dois me deixou em alerta, pois pode significar que Mika tenha mentido e na realidade, esteja aqui cumprindo algum trabalho.

Pensando melhor a respeito, ela pode ter sido enviada para encontrar esse grupo. Isso explica seu interesse tão repentino com a temática espiritual, seguido pela vontade de visitar justamente aquele distrito, onde a influência mística é tão mais forte do que o restante da região.

Tudo isso acontecendo no mesmo dia. Não acredito em coincidências, ainda mais desse tipo. Não tinha certeza, mas agora que as peças estão se encaixando as coisas fazem sentido.

Sendo assim... Neste momento ela é minha inimiga.

Não quero acreditar nisso, mas ao que parece, fiz certo em decidir convidá-la para essa casa e manter meus olhos nela durante sua suposta estadia. Mika mentiu seus reais motivos de ter voltado o tempo todo.

Mas mesmo que ela tenha me enganado e esteja aqui enviada para cumprir algum trabalho do submundo... Ainda assim não sinto a maldade em sua essência, e isso é muito estranho. Isso é confuso e muito contraditório. 

Não sei ao certo como agir com Mika.

O mais preocupante é ela não parecer alguém ruim. E quanto mais convivo com ela, mais acho que ela não seja um ser com uma essência maligna, mesmo tendo vindo do submundo.

Essa garota é um mistério completo. Não acredito como me tornei próximo de alguém enviado pelo submundo, principalmente já gostar tanto desse alguém em tão pouco tempo... Ainda mais, um que me deixa tão incerto de como agir.

Preciso descobrir mais sobre Mika.

Sei que está falando alguma coisa importante, e sinto que preciso descobrir o que é.

E sei como, e por onde começar a investigar.

O incidente de um ano atrás.

*****

Observo o céu noturno por alguns instantes, aproveitando do brilho da lua em meio ao céu com algumas nuvens.

Já é início da madrugada, e atento aos sons da casa, não ouço nenhum já a algum tempo. Com isso, tenho certeza de que Mika está adormecida.

Mirando meus olhos no horizonte, sei que chegou a hora. Preciso ir.

Sem me demorar, caminho para longe da casa ao mesmo tempo que abro minhas asas já manifestadas, e estando a uma distância considerável, me lanço ao céu num pulo.

O vento causado pela minha ascensão não é forte, mas indica o quão rápido me afasto do chão, e num rápido olhar para trás, vejo que minha casa já está próxima de virar um ponto em meio ao escuro da noite.

Sem demora continuo meu caminho, rumando para um local distante da cidade de minha atuação. Pretendo encontrar alguém que tem mais conhecimento no incidente do anjo boreal do que eu.

Se quero encontrar respostas, preciso saber mais desse acontecimento, e cada vez que penso em Mika, ou melhor, em sua reação naquele momento, tenho mais certeza que ela pode estar diretamente envolvida com o que ocorreu um ano atrás.

Passo ambas as mãos no rosto, subindo para meu cabelo que voa com o vento, e num suspiro, tento acalmar os vários pensamentos que ocupam minha mente nesse instante.

Meus olhos passam pelo mundo a muitos metros abaixo de mim, e o movimento praticamente inexistente devido ao horário. A única coisa que vejo são alguns pontos de luz distantes de estradas, e bem ao longe algumas outras cidades, passando rapidamente.

Sei que voei por poucos minutos, mas estou distante da cidade, entrando no território de outra nação, e também, bem perto da região onde outro membro da legião atua.

Logo a frente, vejo dois brilhos no céu, vindo em minha direção, e conforme nos aproximamos, suas silhuetas ganham forma, e enxergo não um, mas dois anjos a minha frente.

Cedemos nosso movimento quase que em simultâneo assim que estamos próximos o suficiente, abrindo as asas de forma a planar no céu, tendo algumas partículas cintilantes surgindo de nossas asas e aureolas, manifestadas pelas nossas graças.

Mantenho meu olhar em um dos anjos é um que conheci a muito tempo e se tornou o mais próximo amigo que tenho na legião, tendo os cabelos prateados e sua veste larga amarrada por algumas faixas voando com o vento noturno presente nessa grande altitude. Logo em seguida, volto minha atenção ao outro ainda não conheço, de cabelos encaracolados bem longos e tendo roupas igualmente brancas, que lembram muito mais as roupas comuns que os humanos usam.

- Não esperava seu contato tão repentino, meu velho amigo. – Ele diz, abrindo um pequeno sorriso – A quanto tempo, Ka'Su.

- Digo o mesmo, Ion'Alia. – Apesar de não corresponder o sorriso, correspondo o tom amigável que sempre é presente entre nós, e então, viro meu olhar ao pequeno anjo a seu lado – Quem é essa?

- A nova integrante da legião. – Ion'Alia diz, pousando sua mão sobre a cabeça do anjo, que reage com um sorriso – Chama-se Lay'L. Aqui no mundo humano, seu nome é Layla.

- Muito prazer Lay'L. – A cumprimento com um gesto com a cabeça.

Ela me cumprimenta fazendo o gesto – Igualmente Ka'Su. – Diz de forma tímida.

- É incomum você querer conversar pessoalmente Ka'Su. – Ion'Alia diz – O que houve?

- Até o momento, nada específico. Somente desejo saber mais sobre o incidente de um ano atrás. – Digo sem demora, cruzando meus braços. – Sobre o desaparecimento do Anjo Boreal.

- Anjo Boreal...? – Lay'L sussurra, e olha para Ion'Alia, e o olhar é retribuido. Ao que parece, Lay'L também conhece sobre esse incidente.

- Um desejo repentino. Recordo-me que você não se interessou nem um pouco quando contei na primeira vez. – Ion'Alia comenta com as sobrancelhas saltadas – Mas claro, o que quer saber?

- Tudo. – Respondo, causando um nítido espanto em Ion'Alia – Quero saber tudo. Como as coisas aconteceram, como era o comportamento desse anjo, seus interesses, sua aparência, e principalmente, seu nome.

Ion'Alia cruza seus braços e ergue seu olhar por um momento – Tudo bem. Como bem sabe, isso ocorreu cerca de um ano atrás. Envolveu um Portador do Belo e sua profunda curiosidade com o mundo humano.

Assinto com a primeira e mais conhecida informação envolvendo essa história. Imediatamente minha mente volta ao momento que contei sobre esse incidente para Mika, e a forma como ela ficou abalada.

- Desde muito tempo, esse anjo demonstrou sua curiosidade com o mundo humano. E como bem sabe, nunca foi permitido aos portadores do belo interagir com os humanos. – Ion'Alia continua, voltando seu olhar a mim – Entretanto, sempre que vinha a esse mundo cumprir com seu trabalho, regressava ao paraíso com ainda mais interesse do que antes.

- Alguma vez esse anjo deu simais de que viria ao mundo humano? – Questiono.

- Não, apenas era surpreendentemente curiosa com o mundo dos humanos. – Lay'L diz de repente, e logo então se encolhe – D... Desculpe.

- Não se desculpe Lay'L. – Ion'Alia diz calmamente – Continue.

Ela assente e torna a me olhar – Quando soubemos, foi tudo muito repentino. Ela nunca demonstrou mais do que curiosidade.

- Mas não achavam arriscado deixar esse anjo continuar vindo ao mundo humano, mesmo ao demonstrar tal curiosidade? – Questiono fitando os dois.

- De fato era, por isso Le'Shen sempre a aconselhava sobre sua curiosidade. Ele sabia o risco que tal curiosidade poderia representar. – Ion'Alia explica, e recordo-me do anjo que não vejo a muito tempo – E foi uma surpresa quando soubemos que ela utilizou uma condição presente em seu último trabalho para transitar no mundo humano...

- Uma condição? – Cruzo meus braços – Qual condição era?

- Ao que soubemos do trabalho, era preciso manifestar uma aurora, dissipá-la e algum tempo depois, a aurora deveria ser manifestada novamente. – Lay'L conta – Soubemos que durante esse período de espera, foi quando ela visitou uma cidade humana.

- Entretanto, essa não foi a primeira vez que esse anjo agiu. – Ion'Alia menciona.

- Houveram outras vezes? – Estranho esse detalhe.

- Somente uma, o incidente da Aurora Boreal em uma região imprópria meses antes. – Ion'Alia diz, levando uma mão ao queixo – Esse incidente foi perdoado pois a interferência foi vista somente como uma anomalia, e não afetou o equilíbrio.

- Recordo-me desse incidente, a suposta aurora criada para um único humano. Foi algo que causou muita comoção. – Digo, um pouco surpreso com o que acabei de ouvir – Não esperava que o responsável por esses dois eventos tão próximos fosse o mesmo anjo.

- Surpreendentemente foi. – Ion'Alia solta um suspiro, com uma feição entristecida surgindo em seu rosto – Mas a ação seguinte causou interferências diretas aos humanos, se revelou como um anjo para alguns, acabou salvando a vida de um outro. Isso resultou no desaparecimento desse anjo, e desde então, nunca mais soubemos nada a seu respeito.

Aperto os olhos, notando como ambos parecem falar com certa nostalgia – E vocês conheciam esse anjo?

- Sim, e muito. Convivíamos, e estava conosco sempre. – Lay'L responde, abraçando a si mesma e desviando o olhar ao lado. – Sinto falta da Mi'Ka.

No instante que ouço esse nome, sinto o tempo inteiro parar, e já não existir mais movimento algum no mundo a minha volta.

- Sei que sim, eu também sinto... – Ion'Alia diz de uma forma a tentar confortar Lay'L, e a pequena apenas assente com a cabeça – Por muitas vezes nos reunimos para conversar sobre nossos feitos recentes... E de repente, ela sumiu...

- Mi'Ka? – Sussurro o nome, correndo meus olhos entre os dois anjos sem parar. É a única coisa que consigo expressar no momento.

Como uma peça faltando em um imenso quebra-cabeça, incontáveis coisas vão se unindo mais e mais, e finalmente uma parte nebulosa que havia em torno de Mika começou a fazer sentido.

Esse detalhe acabou de reforçar ainda mais minhas suspeitas envolvendo Mika, e se eu estiver certo, então acabo de compreender o real motivo que Mika ficou tão abalada quando contei a história sobre o Anjo Boreal e seu desaparecimento. E também, o porquê de ela ter chorado daquela forma quando viu aquela aurora no céu.

É porque essa é a história dela. É a função que ela tinha como Portadora do Belo.

Se minha suspeita estiver certa, Mika é o Anjo Boreal desse incidente.

Não somente isso, se eu estiver certo, então Mika... Mika é um anjo.

- Ka'Su? – Ion'Alia me chama e toca meu ombro com firmeza, de forma que desperto da enxurrada de pensamentos que ocupam minha mente, e fazendo com que eu retorne minha atenção a eles – Está tudo bem?

Não consigo encontrar palavras a princípio, e então balanço a cabeça – Não tenho certeza.

- Nunca te vi desta maneira. O que houve? – Ion'Alia insiste.

Seguro os ombros de Ion'Alia, o que é algo que o deixa surpreso – Preciso que me fale mais dessa Mi'Ka. Como ela era?

- Mas... – Ion'Alia segura meu rosto com ambas as mãos – Se acalme Ka'Su. Você nunca demonstrou se interessar por esse ocorrido, por que isso agora?

- É importante que eu saiba Ion'Alia. – Respondo enquanto mais me convenço sobre Mika – Garanto que é importante, e irei explicar em breve. Por hora, preciso saber mais sobre esse anjo.

Ion'Alia troca um olhar rápido com Lay'L, e então se afasta de mim devagar – Terá que me contar tudo.

- Eu irei. Tem minha palavra. – Confirmo a ele, e sentindo uma urgência para voltar logo para casa, repito minha pergunta – Como ela era?

- Era um anjo de cabelos loiros e olhos claros, bem animada e carinhosa, apesar de também ser bastante reservada. – Ele começa a falar devagar – Ela sempre estava atenta ao que nosso grupo conversava. Além disso, Mi'Ka era muito curiosa sobre tudo, as vezes bastante inocente e gostava de coisas novas.

Nesse momento, sinto que já nem mesmo preciso fazer novas perguntas.

As características batem. Sei que ainda é cedo para assumir qualquer coisa, mas cada vez mais minhas suspeitas se confirmam.

- Eu agradeço aos dois por tudo que me contaram. – Digo me afastando devagar – Devo retornar agora.

- Espere Ka'Su. – Lay'L é quem me chama – Por que quis saber tanto sobre a Mi'Ka e os incidentes que ela passou. Já faz um ano que não temos notícias.

- É porquê... – Começo a falar, escolhendo bem minhas palavras nesse instante – Talvez eu saiba onde Mi'Ka possa estar.

- O que?! – Ambos questionam em simultâneo – Isso é verdade Ka'Su?

Fito os dois por alguns instantes, refletindo antes de falar qualquer coisa que seja – Ainda não tenho certeza de sua real localização... Mas ouvi algumas coisas recentemente, que me chamaram muita atenção. Tenho suspeitas de onde esse anjo esteja. Só que precisava de maiores informações sobre ele para seguir com minha investigação.

- Se for mesmo a Mi'Ka... – Lay'L hesita um momento – Você nos avisa?

Permaneço os observando por segundos, que para mim mais pareceram uma eternidade, quando enfim confirmo com a cabeça – Sim. Irei avisar vocês assim que tiver minhas certezas.

Vou recuando cada vez mais, ainda olhando aos dois – Então... A Mi'Ka pode estar viva? – Lay'L comenta com um sorriso sincero no rosto.

- Sim, essa é uma ótima notícia. – Ion'Alia continua – Devemos contar isso aos outros.

- Não! – Interfiro na conversa dos dois, o que os faz voltar sua atenção a mim – Ainda não contem a ninguém. Mantenham isso em sigilo de todos até que eu tenha certeza de que é realmente a Mika.

Os dois anjos me olham de forma estranha, o que não entendo a princípio. Logo em seguida, percebo que o motivo disso é a maneira a qual chamei Mika, que talvez deva ter causado desconfianças nos dois.

- Assim que eu ter essa certeza, avisarei a vocês, e pensaremos se vamos contar aos outros anjos. Deve haver um bom motivo para os Arcanjos da alta esfera terem ocultado o desaparecimento desse anjo. – Continuo, pensando em uma desculpa rápida para manter tudo isso em segredo. E principalmente, não dar tempo de perguntarem porque chamei Mika dessa forma e não pelo nome de anjo – Prometam que ainda não contarão nada a ninguém.

- Tudo bem, damos nossa palavra Ka'Su. – Ion'Alia garante, acenando com a cabeça.

- Ótimo, agora devo retornar ao meu posto. – Digo sem demora – Não é mais seguro deixar a cidade desprotegida.

- Ainda mais agora que o submundo voltou a enviar seu membros. – Ion'Alia diz torcendo a boca. – Tinham que enviar alguém depois de tanto tempo? Com você lá, achei que haviam desistido daquela região.

- Ao que parece, não desistiram. Por isso, minha presença é necessária. – Me afasto e dou um aceno a ambos – Foi bom encontrá-los, mas devo retornar agora.

- Cuide-se Ka'Su. – Ion'Alia diz, e os dois me acenam de volta – Tornaremos a nos encontrar para conversarmos melhor.

- Certamente iremos. Até logo. – Viro-me e começo meu caminho de volta para a cidade, só que dessa vez muito mais rápido do que quando fui encontrar os dois anjos.

Reflito o que acabei de fazer. Não contarei nada.

Definitivamente ainda não contarei nada a eles sobre Mika. Não posso e não vou confirmar nada, isso pode colocar Mika em um risco muito grande.

Decidi por ocultar a localização da Mika e quaisquer outros detalhes dela. Acredito que neste momento, quanto menos anjos souberem do que está havendo, melhor será. Certamente isso poderia se espalhar num grande boato entre os anjos, até o ponto de chegar em um dos Arcanjos... E se chegar, é certo que um deles será enviado para averiguar, e não tenho condições de impedir um deles.

A cada bater de asas, sinto-me estranho. Sinto uma ansiedade crescendo em meu peito por saber que daqui alguns poucos minutos verei Mika, e também porque meus pensamentos trabalham em tudo que ouvi. Cada vez mais as coisas se encaixam, e minhas suspeitas se fortalecem.

Nesse momento, faz sentido o porquê Mika ser tão diferente daqueles que vieram antes. Isso explica ela ser tão diferente e também tão única.

Agora eu entendo.

Mika é um anjo.

Ou, pra ser exato... Um anjo caído.

Não que isso faça com que eu veja ela de uma forma diferente. A verdade é que isso somente torna Mika alguém que me intriga mais, e mais da minha atenção está voltada a ela.

Mas agora que sei, o que direi a ela? Como questionarei Mika sobre esse assunto?

Apesar de todos os pontos levarem a essa conclusão, ainda não estou completamente convencido de que Mika é realmente um anjo. Ela nunca me mostrou suas asas, sua auréola, ou então sua graça... Mas se ela decidiu esconder, deve haver um bom motivo, e com toda certeza, não deve ser um assunto fácil para ela.

Dessa forma, o que devo fazer? O ideal seria questionar Mika diretamente, ou então, deixar que ela decida me contar por conta própria?

Se Mika for mesmo um anjo, gostaria que ela mesma decidisse por me contar.

Agora que penso sobre isso... Ela pode ser o Anjo Boreal, aquele que sempre desejei conhecer um dia.

Seria irônico se o anjo que sempre quis conhecer pelas auroras surpreendentes ter passado tanto tempo comigo nos últimos dias, e esteja agora na minha casa.

Isso até mesmo me faz sorrir. Acho esse detalhe verdadeiramente divertido.

E também, outra pergunta assombra meus pensamentos. Porque ela abandonou o paraíso e se uniu ao submundo? O que a fez tomar tal escolha?

Quando penso ter as respostas para minhas perguntas sobre Mika, novas perguntas surgem.

A realidade é que pouco sei sobre ela, e ainda existe muito a descobrir a seu respeito, e não faço a mínima ideia do que ela guarda por trás daqueles olhos curiosos e seu jeito sinceramente cativante.

Vou identificando a paisagem logo abaixo, reconhecendo parte da cidade, e sei que já estou próximo da casa.

Quero conversar com Mika o mais breve possível, mas ainda não cheguei a uma conclusão sobre questionar ou esperar que ela me conte.

Acredito que o melhor seja pensar um pouco a respeito de tudo que ouvi, antes de realmente cogitar iniciar esse assunto com ela. Existem tantas coisas na minha mente que é até difícil escolher por onde começar.

Devagar pouso próximo a porta da cozinha, firmando os pés no chão e aproximando as asas do corpo, e assim entro tentando não fazer barulho para não acordar Mika.

A casa está bem quieta, tendo como únicos sons os dos meus passos e o mover de minhas roupas.

Espio a sala, mirando meu olhar no sofá onde Mika estava deitada quando saí, e me surpreendo ao não encontrar ela.

Entro no cômodo, olhando ao redor, vendo o livro que ela estava lendo deixado sobre a mesa de centro. Sem demora me viro para as escadas, seguindo até o quarto que ela está usando esses dias.

Dou algumas batidas com as costas da mão. – Mika? – A chamo, mas sem resposta.

Abro a porta devagar, e olhando o quarto, também não a encontro.

Estranho esse desaparecimento repentino, e desço de volta a sala, tentando imaginar onde ela pode estar, quando algo que aconteceu na última tarde volta em meus pensamentos num estalo.

Vou apressado até a porta da sala, e assim que olho do lado de fora, não encontro o carro de Mika.

Ela saiu... A pergunta agora, é onde ela pode estar?

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