Capítulo 17
7000 Palavras
Empurro as portas do celeiro onde a fenda para o submundo fica, sentindo uma brisa gelada passando primeiro pelo meu rosto e logo percorrendo meu corpo.
Quase que instintivamente abraço a mim mesma, esfregando as mãos nos braços numa tentativa de me aquecer, e ao passar de uma nova corrente de ar por mim, sinto meu corpo inteiro tremer. Não esperava que estivesse tão frio, parece que minha calça e blusa de moletom são pouco para o frio de hoje.
Como ficarei aqui no mundo humano, imaginei que precisaria de algumas roupas a mais, e também alguns mantimentos. Por isso, usando a mochila que peguei a casa daquele senhor que coletei a alma, coloquei alguns alimentos rápidos, e também guardei algumas outras roupas para caso fosse necessário me trocar.
Espero que as roupas que escolhi sejam o bastante para lidar com esse frio... Mas do jeito que está agora, tenho sérias dúvidas que sim.
Olho o papel por uma vez, apenas para me lembrar o que preciso fazer, e então torno a olhar a estrada, bufando preguiçosamente pela longa caminhada que terei pela frente.
Sem demora começo a caminhar, me encolhendo dentro das minhas roupas e refletindo onde poderei começar minhas buscas por esse grupo. – Espere um momento, menina! – Ouço de repente.
Viro na direção da voz, encontrando a mesma mulher de feição emburrada de antes. Ela vem caminhando até mim, segurando um copo com café e um óculos no rosto, enquanto me analisa por alguns instantes.
É alguém de pele morena, olhar duro, boca fina e algumas pequenas pintas em seu rosto. Cabelos grisalhos precariamente amarrados acima da cabeça, um suéter claramente denso, uma saia longa e, pelo jeito está usando calça e meias por baixo da longa saia. E além disso, ela tem uma manta cinza clara sobre seus ombros.
Estranho a princípio, já que da primeira vez que a vi, ela parecia muito mais velha do que está agora.
- Já te vi passar aqui algumas vezes, você é a nova responsável por essa região? – Ela pergunta com os olhos cerrados.
- Sim, comecei a pouco tempo. – Respondo, e vejo uma careta se formando no rosto da senhora – Algum problema?
- Maldito Minos. Não me avisou que iria enviar alguém... Sem os juízes Radam e Aecos, Minos se sobrecarregou e não está trabalhando direito... – Ela resmunga mais para si mesma, do que para mim – De qualquer forma, devo apresentar-me de forma adequada. Sou Verônica, a guardiã desta fenda. E você seria...?
- Sou Mika, uma das iniciandas. – Respondo, e a mulher tem um ar de surpresa.
- Enviaram uma inicianda justo para essa região? – Ela diz com desconfiança, e logo sacode a cabeça – Muito inesperado, mas não questionarei a decisão da soberana do submundo... Imagino que já esteja ciente de como é essa região.
- Sim, a região tem cinco cidades, certo? – Digo, já sabendo a resposta.
- Errado. – Ela responde para minha surpresa – É uma cidade ao centro, e quatro grandes distritos satélites nas proximidades. Sempre esqueço de pedir para atualizarem essa informação.
- Ah, mas qual a diferença entre cidade e distrito? – Pergunto, genuinamente curiosa com essa diferença.
- Veja você mesma. – Verônica na direção da cidade, e acompanho seu olhar – A cidade tem um território muito largo. O que você vê daqui é só uma parte dela... Já os distritos são bem menores em tamanho, sendo compostos por alguns bairros.
- Tá bem, cidade é o maior, e distrito é o menor... – Repito a mim mesma – Mas ainda fazem parte da cidade?
- Estão na região da cidade, então sim. – Verônica responde e assinto confirmando essa nova informação – Se fossem cinco cidades, teriam mais fendas além dessa.
- É bom saber disso... Enfim, também sei dos trabalhos que devo realizar. – Respondo sem demora. – Inclusive, estou aqui para cumprir meu segundo trabalho.
Ela assente, olhando para a estrada – E você pensa caminhar tudo isso de novo?
- Não tenho muita opção. – Respondo olhando desanimada para a estrada.
- Você quem pensa. – Verônica responde, e escuto seus passos – Venha comigo, quero mostrar algo.
Erguendo uma sobrancelha, acompanho a mulher. Ela segue até um segundo galpão, não muito afastado da casa. O lugar parece muito com onde a fenda está escondida, e apesar da quantidade de mato ao redor, é perceptível que está um pouco mais preservado.
- Como já deve ter percebido, as localidades dessa região são bem próximas uma da outra. – Ela começa a falar, enquanto destranca os portões desse galpão – Mas se tornam muito distantes quando se precisa caminhar entre elas.
- Distantes e demoradas. – Respondo.
- Eu bem sei. – A mulher destranca o portão e entra, acendendo uma luz automaticamente, revelando cinco carros com pinturas que reluzem na luz – É por isso que temos essas belezinhas aqui.
Fico sem palavras com o que vejo, me aproximando em passos lentos. Olho para a mulher algumas vezes, e outras para cada um dos carros, estando boquiaberta.
- Além de serem rápidos, também garantem que você não chame tanta atenção – Verônica diz tranquilamente. – Pode pegar um para você... Já sabe como dirigir?
Volto minha atenção a ela, e balanço a cabeça negando – Ainda não... Nem tenho ideia de como fazer isso.
- Então devo te ensinar a dirigir primeiro... – Ela diz me fazendo um gesto para acompanhá-la e assim o faço, seguindo para uma sala no fundo do galpão – Depois, te apresento os carros.
- Bom, e como vamos fazer isso? – Pergunto entrando na sala logo depois de Verônica.
O lugar é bem ajeitado, com um piso de madeira, uma mesa não muito larga e duas cadeiras. Além disso, tem uma estante com alguns poucos livros em cima, e quatro pequenas portas embaixo, uma parede com um quadro tendo chaves penduradas, e algumas caixas com coisas velhas largadas.
- De um jeito muito rápido. Sente-se – A senhora me indica a cadeira, e vai a estante procurar algo nas portas do armário. Enquanto me sento, a ouço reclamar – Onde foi que deixei...?
Espero por um momento, e ela volta segurando um livro antigo, batendo uma de suas mãos na capa extremamente empoeirada.
Ela abre o livro de forma precisa, e ajeitando seus óculos, ela observa a página por alguns segundos – Aqui está, só peço que não se mexa muito.
A mulher começa a recitar algumas palavras estranhas, e conforme as pronuncia, um brilho surge das páginas, se transferindo a mim em alguns poucos segundos, até finalmente cessar.
- Acabou? – Pergunto incrédula – Não sinto nada de diferente.
- Vamos ver se deu certo. – Ela diz, saindo da sala e retornando aos carros de antes, e tornando a me olhar – Todos são modelos esportivos. Escolha um.
Observo a cada um, estranhando que tenho uma visão diferente sobre eles.
Um modelo preto com alguns detalhes em vermelho me chama atenção. Não sei ao certo, mas é o que me atraí mais – Esse.
- Um Mustang Mach 1... Um carro muito forte... – Ela diz com um riso e um gesto de aprovação com a cabeça – Excelente escolha... Entre.
Faço como ela pede e um pouco hesitante entro no carro, observando o painel dele, me dando algum tempo para conhecê-lo.
De uma maneira que não entendo, sei exatamente o que fazer. Lentamente levo minhas mãos ao volante e me encosto no banco macio, e apertando um botão no painel, o veículo inteiro treme e ouço o forte ronco do motor.
O som é tão repentino, que num susto tiro as mãos do volante e recuo, permanecendo parada olhando o painel, e esperando qualquer coisa que seja acontecer. Ao fundo ouço os risos rouco de Verônica.
- Você é uma inicianda engraçada. É a primeira que vejo essa reação. – Ela diz, parando ao lado da porta.
- Eu me assustei. – Reclamo com uma careta.
- Vai ficar com esse mesmo? – Ela pergunta olhando o carro.
- Vou... Gostei desse – Respondo, tornando a segurar o volante, me preparando para sair.
- Pode levá-lo, e se não tiver lugar para deixá-lo quando for retornar ao submundo, pode guardar aqui. Só quero te avisar algo. – Verônica apoia sua mão na janela, e com a outra ela tira algo do bolso de sua blusa e me mostra – Até onde sabemos, Klauss dirige um Corvette ZR1 branco igual o desta foto. Se vir esse carro por aí, fique longe.
- Um Corvette... Certo, vou me lembrar disso. – Confirmo com a cabeça, sem ter certeza que irei me lembrar desse detalhe.
- Muito bem, pode ir. – Verônica se afasta, e me preparando, piso no acelerador, um pouco mais forte do que devia, e o carro arranca.
Grudo no banco com toda a força da arrancada, e segurando o volante com força tento manter o controle do carro, e imediatamente o freio, já me dando conta que estou fora do galpão.
Respiro fundo, ficando estática enquanto corro somente meus olhos ao redor, me recuperando do choque causado pela força absurda desse carro.
Tá legal... Isso não será fácil.
*****
Vou encostando o carro próximo a uma calçada a uma velocidade baixíssima, tentando ao máximo manter o controle desse monstro.
Quando me dou por satisfeita, piso fundo no pedal do freio e o carro para bruscamente, de jeito que me sinto ir para frente pela parada tão imediata.
Percebo algumas pessoas olhando na minha direção, com as sobrancelhas erguidas. Tudo que faço é olhar para elas, e retorno a atenção para minhas mãos, que estão brancas de tão firme que seguro no volante.
Eu deveria ter escolhido um modelo mais discreto... E menos potente.
Um único toque errado no acelerador, e esse carro arranca com uma força absurda de tão alta, a qual sempre acabo grudando no banco.
É assustador, e ao mesmo tempo consegue ser muito divertido... Mas preciso urgentemente aprender a usar essa coisa.
De que adianta ter o conhecimento de como dirigir, se não tenho pratica alguma nisso?
Vamos olhar pelo lado bom... Consegui chegar inteira na cidade. Então, acho que não fui tão mal.
Respiro fundo enquanto desligo o carro apertando o botão escondido atrás do volante, e pegando os papeis do meu trabalho, corro os olhos rapidamente em busca de maiores detalhes.
Preciso começar a investigar a região logo, mas são onze pessoas e não sei onde começar a procurar.
Pela descrição, a localização aproximada é no terceiro e quarto distrito. Ou seja, os mais distantes da cidade e também da fenda.
A questão agora é saber como chegar lá nesses distritos. O único local que vim é essa cidade, e ainda conheço muito pouco dela.
Bato as costas no banco e solto um suspiro demorado. Isso realmente não vai ser fácil, mas não tem jeito, terei que procurar por mim mesma.
Torno a ligar o carro, decidida a chegar a um desses distritos, e para meu pesadelo esqueço da força desse carro e piso no acelerador um pouco mais forte do que gostaria, resultando no ronco estrondoso do motor e uma arrancada forte, que com muita sorte consigo controlar o carro.
Observo ao redor, percebendo que todas as pessoas ao redor se assustaram e me olham com semblantes surpresos, e dessa vez controlando melhor a aceleração dessa coisa, deixo esse lugar às pressas.
*****
Por mais uma vez paro o carro, ainda errando na força que uso no freio, resultando em mais uma parada brusca.
Chega! Acho que por enquanto, já tive o bastante desse carro.
O desligo e, guardando a chave no bolso da calça, saio do carro e me afasto em passos apressados, aliviada por estar andando outra vez.
Caminho olhando ao redor, sem saber ao certo em qual distrito estou.
Mas o que notei desde o momento que cheguei aqui, são as diferenças aparentes desse lugar para a cidade. Aqui nesse distrito tudo é muito mais aberto e calmo.
Além disso, percebo haverem muitos restaurantes de um lado da rua, todos em construções com formatos bem diferentes. Do outro, uma praça bem ampla, tendo poucas árvores e um gramado baixo, com um tipo de palco construído mais ao centro.
Enquanto caminho na calçada da praça, observo o papel com as informações do meu trabalho.
O grupo tem onze membros com alto conhecimento espiritual. Eles enganam pessoas com falsas promessas de salvação e, além disso, tentaram invocar uma fera do submundo, a qual não tiveram sucesso.
Parando pra pensar, essas informações são bem escassas. É até difícil saber onde começar a procurar só com isso... Acho que preciso lembrar de pedir mais detalhes para a senhorita Raika nos meus próximos trabalhos.
Será que só ir perguntando para as pessoas por aqui vai me trazer alguma informação?
Olho ao redor, e vejo um grupo não muito longe, sentados no gramado. Sem muita opção, caminho até eles, decidida a começar minha busca de algum modo.
Assim que estou próxima, os olharem de todos vem a mim. São cinco humanos, sendo eles três mulheres e dois homens, todos não sendo nem muito jovens, e nem muito velhos – Com licença... Vocês... Ouviram algo sobre um grupo falando de "salvação"?
Eles se entreolhar confusos – Tipo uma igreja? – Um deles questiona me olhando, para meu desespero por não saber o que é uma "igreja".
- É... Tipo isso... Eu acho... – Respondo sussurrando a última parte, juntando as mãos a minha frente.
- Olha... – Outro deles fala, apoiando uma mão frente a boca e virando o rosto por alguns segundos, e então ergue seu braço numa direção – Não sei bem se é isso que você está procurando... Mas tem uma igreja pra lá, seguindo aquela rua bem ali... Acho que pode ser o que você está procurando.
Olho na direção que ele aponta – Uma igreja... Certo, agradeço muito.
Avanço na direção que me passaram sem perder tempo. Acredito que nessa tal igreja posso descobrir algo a respeito, e agora que percebi, não perguntei qual é esse distrito. Bom, pergunto isso para a próxima pessoa que encontrar.
Entrando na rua em questão, não levo muito tempo até encontrar a igreja, mas me decepciono assim que paro em frente ao local tão distinto dos demais e o encontro fechado.
Olho em volta por uma vez, certificando de que não tem ninguém olhando na minha direção, toco a fechadura do portão e trago à tona meu poder, elevando tanto a temperatura que o portão destranca e posso entrar sem problemas, e acabo repetindo o feito com as portas de madeira e entro, agora tomando cuidado para não causar um incêndio outra vez.
Sigo adentro do grande salão, repleto de vários bancos muito largos em ambos os lados, pinturas muito detalhadas nas janelas, e também uma pintura muito maior no altar logo a frente.
Me aproximo da base do altar, observando a pintura com atenção. Existem desenhos de pessoas, muitas ajoelhadas, acima deles vejo desenhos de anjos trajando mantos e voltados ao centro, e todos parecem louvar algo ao centro, não tendo uma forma aparente, apenas um tipo de luz.
Meus olhos voltam aos desenhos dos anjos, e neles permanecem por alguns momentos, aos quais os olho atentamente em cada detalhe, tendo uma sensação estranha de aperto no peito enquanto os olho.
Reflito que, e apesar de quase todos os anjos dessa pintura terem a mesma feição, me impressiono pelos desenhos retratarem os anjos com tamanha semelhança. Achava que os humanos não sabiam da existência dos anjos.
Será que tomaram ciência da existência dos anjos no tempo que estive presa?
Ignoro esses pensamentos que me remetem a uma era antiga, a qual não pertenço mais, e torno a focar no que vim fazer aqui.
Caminho pelo lugar, entrando em uma porta próxima do altar, avançando pelos corredores em busca de quaisquer informações que me leve ao grupo. Se eles tentaram uma invocação, talvez eu encontre algo com esse sentido... E se foi uma tentativa muito recente, pode ter algum tipo de vestígio dessa tentativa no lugar.
Entro em uma sala com muitas estantes repletas de pastas. Presto atenção por um momento, não escutando barulho nenhum, e pego uma buscando olhar seu conteúdo.
- Registro de batismo... – Sussurro a mim mesma lendo o conteúdo da primeira folha, algumas explicações, nomes e números espalhados pela folha inteira.
Passo para a próxima folha, e a próxima, e mais outra. Por mais que eu olhe, tudo que tem nessa pasta é mais desses registros. Penso que pode ter algo útil ou diferente aqui, mas as folhas são, praticamente, todas idênticas.
Solto a pasta no chão, e pego a próxima, encontrando mais registros de batismo. E assim se repete em várias pastas que pego, todas sendo mais desse tal registro de batismo, números diferentes e diversos nomes.
Não entendo nada do que está disposto aqui. O que significa isso?
Ignoro essa estante e vou a próxima, passando meus olhos e pegando um livro pesado e de capa escura e letras claras – Livro de registro de matrimônio religioso... – Sussurro o abrindo, lendo o conteúdo de suas páginas.
Igual foi com as pastas de registro de batismo, esse livro de casamentos é mais do mesmo. Boa parte do conteúdo das folhas se repete, as diferenças presentes são nos números, e nos nomes humanos que se repetem por algumas folhas antes de serem trocados por outros nomes, que seguem o mesmo padrão.
Eu não estou entendendo, tudo é tão repetido. Por que os humanos guardam isso? Qual a finalidade desse livro e desses registros?
Seja lá o que for, continuarei pesquisando. Tem muita coisa aqui, e tenho certeza que esse lugar dessa sala deve ter alguma informação sobre o grupo que vim procurar, e as atividades que eles estão tentando. Tudo que preciso fazer, é procurar.
*****
Arrasto os pés para fora da igreja, passando a ponta dos dedos na testa tentando espantar o cansaço e também uma leve dor.
Li boa parte daqueles registros, e não consegui descobrir simplesmente nada. Era sempre o mais do mesmo em cada papel que li. Acabei perdendo um dia inteiro pesquisando naquela igreja, e não tive avanço algum.
Encosto o portão atrás de mim, e olho ao alto, percebendo como o véu da noite começou a cobrir o céu. A lua já aparece no alto, e algumas estrelas começam a cintilar timidamente. E também, apesar de não estar ventando, é fácil sentir como está ainda mais frio agora, a ponto de sentir alguns arrepios percorrendo meu corpo.
Volto minha atenção para a praça de antes e inicio meu caminho de volta, passando uma mão pela minha barriga, que além de doer um pouco, também está fazendo uns barulhos estranhos. Acho que estou com fome.
Ignoro isso enquanto caminho pela praça, repensando meu modo de agir. Talvez faça muito mais sentido perguntar para as pessoas sobre isso, se ouviram sobre algum grupo com grande influência espiritual recentemente... Qualquer coisa que me faça ter algum avanço.
Observando a praça, vejo apenas algumas poucas pessoas caminhando, distraída em suas próprias coisas.
Vou caminhando e desvio minha atenção da praça para as lojas ao lado. Percebo alguns lugares próximos abertos, alguns vendendo moveis, outros focados em alimentos, todos com alguma movimentação.
Vejo uma loja pequena, que um rapaz está guardando algumas coisas. Percebo que são estranhas argolas de madeira, pequenas cordas, e algumas plumas coloridas, ao que aparentemente foram feitos a mão.
As luzes são desligadas, e duas pessoas, sendo duas mulheres, estão saindo em uma conversa descontraída, enquanto comentam sobre o cansaço de um dia puxado.
- Ah, com licença... – Digo sem me aproximar muito, e ambos olham para mim – Onde posso conseguir algumas informações sobre conhecimento espiritual?
- Conhecimento espiritual...? – Uma delas diz e se vira para a colega – Não conheço nenhum lugar... Você conhece algum?
- Conheço uma... – A segunda começa com um ar pensativo – Tem uma loja esotérica que fala bastante sobre isso, eles tem muitos livros sobre o tema a venda... Só que essa loja fica no próximo distrito, e acho que hoje eles já estão fechados.
- Fechados... – Sussurro para mim mesma refletindo sobre – Uma outra pergunta... Eu sou nova nessa região, qual é esse distrito que estamos?
- Esse é o segundo, o distrito focado em culinária e artesanato. – Responde a primeira.
- Espera, eu estou no segundo distrito? – Pergunto surpresa, e agora compreendo que estou no lugar errado todo esse tempo.
- Sim, esse aqui é o segundo distrito. – Ela entra na loja, e retornando segundos depois com um papel dobrado em mãos – Aqui. O mapa da região.
Ela me estende o papel e o pego, abrindo o papel e vendo as várias linhas, nomes e algumas imagens com vários detalhes. Levo poucos segundos para entender que esse tal mapa é uma forma de se orientar e conseguir andar na região. Isso vai me ajudar muito.
- Ah, como você é nova na região, pegue esses também. – Ela me estende outros papeis, e sem demora olho suas capas – É um de cada distrito, e esse último aqui é um geral de como viajar na região sem se perder... Tem as rotas da cidade e dos distritos.
Quanta gentileza. Sinceramente não esperava tanto por algo assim, ainda mais sendo de uma maneira tão espontânea como foi. Considero até um pouco estranho.
- Obrigada, isso vai me ajudar muito. – Digo sorrindo a mim mesma.
- Precisa agradecer não, espero que goste daqui... Você verá que cada distrito é único. – A primeira diz, e elas fecham as portas da loja. – Boa noite moça.
- Boa noite, até uma próxima vez. – Digo com um sorriso e um leve aceno, e caminho de volta ao meu carro, sendo a direção oposta que as duas seguem.
Quanto mais me aproximo do meu carro, maior parece ser minha fome, e maior minha urgência em chegar nele. Assim que entro no carro, que por sinal está gelado, a primeira coisa que faço é largar os vários papeis sobre as pernas e pegar minha mochila, procurando qualquer coisa que trouxe para comer.
Alcanço uma das latas que peguei da minha geladeira contendo alguns morangos, mas agora que vasculho melhor a mochila, percebo que esqueci de trazer algo para abrir ela.
Acabo bufando irritada, me encostando no banco e deixando a lata com morangos de volta na mochila sem nenhum cuidado, e torcendo a boca, tento ignorar a fome e voltar minha atenção para o meu trabalho.
Olho os mapas por alguns segundos, mas está tão escuro aqui dentro que é difícil olhar maiores detalhes, mesmo os aproximando bastante do rosto. Agora que penso nisso, sei que esse carro tem uma luz, e até olho na direção onde ela fica, mas não faço a menor ideia de como ligar ela.
Sei como dirigir, mas não tenho prática alguma nessa coisa ou no que ela pode fazer. Não tenho nem ideia de como ligar uma única luz, é até irônico conseguir fazer essa coisa sair do lugar em gestos tão automáticos que eu mesma não compreendo.
Largo tudo de qualquer jeito no outro banco, e encaro o teto por longos segundos, abraçando a mim mesma para tentar escapar do frio absurdo dentro desse carro. Acho que não tenho muita escolha, além de esperar até amanhecer para continuar minhas pesquisas.
Batidas repentinas me fazem pular no banco e soltar um grito, e assim que volto minha atenção para a origem do barulho, vejo alguém parado com a mão próxima ao vidro. Estranho o gesto e estou prestes a ignorar, mas sinto meu coração e corpo gelarem quando a pessoa se abaixa e consigo ver seu rosto.
Klauss.
Mais do que depressa abro a porta e saio do carro, não sabendo se me sinto aliviada ou completamente preocupada desse anjo estar aqui, focando bem fundo nos meus olhos de sua forma calma e ao mesmo tempo profunda.
Parado logo atrás dele, reconheço o carro que Verônica havia me mostrado na foto. O imponente Corvette branco que, da primeira vez bastou ouvir o som do motor para saber da aproximação de Klauss. Como não percebi isso antes?
- Como me encontrou? – É a primeira coisa que consigo perguntar.
- Um Mustang sendo conduzido em aceleradas e freadas bruscas, uma condutora com aparência jovem e aparentemente inexperiente, e foi estacionado de uma forma pouco regular por estar mais fora da vaga do que dentro. – Ele responde olhando ao carro, e então para mim – Não foi difícil, Mika.
- Eu comecei a dirigir hoje. – Me justifico, cruzando os braços e desviando o olhar dele.
- Percebi. – Responde e ergue uma de suas mãos – E você levou uma multa.
- O que? – Pego o papel de sua mão e olho apressadamente, sem entender muito bem o que uma multa pode significar – Isso... Isso é uma coisa boa, né?
Klauss me responde apenas erguendo suas sobrancelhas.
Acabo bufando, me encostando de volta no meu carro e olhando o céu – Que dia horrível...
- O que faz aqui? – Ele pergunta sem demora, levando as mãos aos bolsos de seu sobretudo.
- Eu... – Estou prestes a dizer o que vim fazer, e me contenho de imediato. Se Klauss souber que vim aqui a trabalho, certamente irá me considerar uma inimiga e me atacará sem se conter por um único momento. – Vim aqui a passeio.
- A passeio? – Questiona sem se aproximar de mim.
- É, não precisa se preocupar comigo. – Respondo abanando uma mão, numa tentativa de afugentar Klauss daqui. – Pode ir embora se quiser.
- Sinto muito, mas não irei fazer isso. – Ele responde prontamente.
Apertando os olhos torno a encará-lo. – E por que não? Você sempre me encontra mesmo...
- De fato, afinal, você não é discreta. E agradeço muito por isso. – Klauss para ao meu lado, e também se encosta no carro. – Torna as coisas muito mais fáceis para mim.
Solto uma risada debochada – Muito obrigada por dizer que não sou discreta.
- Você também não se ajuda. – Klauss diz, e passa seus olhos pelo carro, e então torna a me olhar, quase que com um lampejo de diversão – Não vejo discrição alguma em você... Tudo que precisei fazer foi encontrar o carro, e te esperar aparecer.
- Você está começando a me magoar Klauss. – Digo em brincadeira, abraçando a mim mesma com firmeza. – Me esperar aparecer? Por acaso sabia que era eu?
- Não exatamente Mika. – Ele ergue seus ombros – Mas algo me dizia que era você.
Assinto encarando o chão – Que estranho...
- Você veio somente a passeio, não é? – Ele questiona de repente. – Quanto tempo irá ficar?
Estranho sua pergunta tão repentina. – Acho que... Uma semana... Por que?
Ele me observa sem se pronunciar por alguns segundos, e me sinto um pouco desarmada diante desse olhar. – Tem um lugar para ficar?
- O que? Não... – Hesito a princípio, sem saber o que dizer – Não tenho... Pensei em passar os dias andando, e descansar no carro mesmo...
- Descansar no carro, com esse frio? – Klauss ergue seu olhar ao céu por um momento. Permaneço o olhando, tentando decifrar o que passa em seus pensamentos, escondidos nesse olhar âmbar tão intenso. – Você pode vir para minha casa, se quiser.
Uma onda de surpresa acaba me percorrendo – Ir para sua casa? Mas...
- Creio que seja mais adequado do que permanecer no carro em meio a esse frio. – O anjo retorna seu olhar a mim, um olhar apertado. – E acredite, no meio da madrugada esfria muito mais.
- Mas Klauss, eu... – Tento encontrar algo que o faça mudar de ideia, sendo que no fundo, o que mais quero no momento é aceitar essa ideia – Eu vim do submundo, lembra?
- Mas você não está aqui a trabalho Mika. – Ele responde prontamente – Portanto, neste momento, você não é minha inimiga.
- Como você tem certeza de que não estou aqui a trabalho? – Para meu próprio espanto, essas palavras me escapam. O que estou dizendo?
- Eu não tenho. – Ele responde, e apesar de seu olhar, sua voz soa serena.
Desvio o olhar ao chão mais uma vez, incerta do que responder. Não sei como, mas consigo sentir verdade nas palavras de Klauss, e esse anjo realmente não me vê como uma inimiga.
E não sei de quantas formas isso me deixa alegre, a ponto de me sentir boba... E parte de mim até se sente mal por não falar a verdade para Klauss.
Mesmo que esteja procurando motivos para dizer não, o que mais quero é dizer sim e aceitar a ideia de ir com ele, pelo menos para poder descansar em um local um pouco mais confortável.
Meu estomago torna a doer, e faço uma careta. Talvez na casa dele tenha algo que me permita abrir alguma das latas que eu trouxe e eu possa me alimentar.
- Tudo bem, eu aceito... – Responde arfando de leve – Fica muito longe daqui?
- Somente vinte minutos de carro. – Ele desencosta do meu carro e, abrindo a porta para mim, faz um gesto para que eu entre – Mostrarei o caminho até lá.
Acho seu gesto no mínimo curioso, mesmo assim entro no carro, e observo Klauss retornando ao seu e entrando. Ele liga o dele e imediatamente ligo o meu, e assim que vejo o anjo saindo e seguindo pela rua, vou logo atrás dele, curiosa com a situação que estou entrando.
*****
Por alguns minutos acompanho o carro de Klauss pelas estradas não muito largas, mas bastante iluminadas.
É perceptível notar toda a vegetação no caminho até aqui, isso sem falar que estamos num local mais alto, só não tenho noção do quão alto nós estamos.
Percebo o carro da frente diminuindo a velocidade e entrando numa casa lentamente, e acabo entrando também, tendo o máximo de cuidado que posso, mas da mesma maneira que antes, acabo pisando no freio com muita força, resultando em mais uma parada brusca.
Resmungando a mim mesma, desligo o carro e saio dele com pressa, satisfeita que ficarei longe desse monstro por algum tempo. Estou tão indignada com meu desempenho que a princípio até ignoro todo o frio a minha volta.
Percebo Kluss parado ao lado de seu próprio carro, observando a forma desengonçada que estacionei, e logo me observando. Poderia dizer que ele iria rir de mim, mas não é o que ele faz.
O anjo segue caminhando para a porta da frente da casa, e vou logo atrás dele.
- Entre, fique à vontade. – Klauss diz assim que abre a porta, retirando seu sobretudo devagar e o deixando perfeitamente arrumado sobre um sofá de um assento só.
Fico um pouco sem jeito aqui, olhando todos os detalhes desse ambiente.
É tudo bem simples, tão bem organizado, além de passar uma sensação de calor muito acolhedora. Existem poucos móveis aqui, sendo apenas dois sofás, uma mesa baixa, e estantes repletas de livros. Agora que me dou conta que não existe quaisquer decorações aqui, nem mesmo uma televisão.
Além disso, reparo uma porta que leva a um cômodo de cores mais claras, e bem a frente dessa porta tem uma escada que leva a um andar superior.
Sinto-me curiosa em ver os demais lugares dessa casa, principalmente por essa casa ser a morada de um anjo da legião, o que torna tudo mais instigante.
Agora que me dou conta, essa é somente a segunda vez que entro em uma casa do mundo humano, mas só agora posso olhar tudo com tanta ênfase. Por tudo ser uma novidade, cada pequeno detalhe chama minha atenção.
Quando estou prestes a seguir olhando a casa, algo bem a minha frente rouba minha atenção e qualquer palavra minha. Klauss acabou de abrir suas asas e manifestou sua aureola, de forma que seu tamanho majestoso e todo o seu brilho me encantam muito mais do que eu poderia imaginar.
Nunca imaginei ver asas e considerá-las tão belas. O formato delas, as plumas brancas e o intenso brilho branco que elas emanam proveniente de sua graça.
São tão belas que não consigo deixar de olhar para elas em cada pequeno detalhe.
Neste momento, um estalo me faz lembrar que tenho minhas próprias asas, e tenho certa vontade em mostrá-las... Mas da mesma forma que tenho vontade, também tenho medo.
Medo de sua reação... E da minha própria.
Suas asas se recolhem para junto do corpo do anjo de repente, e só então percebo que Klauss tem sua atenção voltada a mim. – Desculpe, isso é um hábito meu.
- Ah... Não precisa recolher elas, é que... – Tento falar e tenho o olhar dele voltado a mim, e nesse instante é difícil qualquer palavra sair da minha boca – Eu achei elas bonitas...
Meu estômago me trai e mais uma vez um barulho estranho surge dele, junto a uma dor muito desconfortável.
- Está com fome. – Ele diz baixando os olhos a minha barriga, e os erguendo mais uma vez.
- Ah, não se preocupe com isso, eu trouxe coisas para comer na minha... – Olho ao redor, me dando conta que deixei minha mochila no carro – Não acredito nisso...
- Vou pedir uma pizza. – Klauss anuncia simplesmente, saindo pela porta frente a escada.
Um pouco curiosa, vou atrás dele em passos apressados, entrando no cômodo que vejo ser uma cozinha, ampla e com bastante coisa – O que é uma pizza?
- Com essa pergunta, vejo que você não tem um sabor favorito. – Ele me responde, pegando algo no balcão que percebo ser um celular – Você irá descobrir o que é, dentro de alguns minutos.
- Você tem um celular? – Pergunto curiosa – Por que um anjo tem um celular?
- Tenho, as vezes um celular pode ser útil. – Responde simplesmente – Mas não costumo usar.
Um pouco intrigada com isso e também com Klauss apertando o celular repetidas vezes, sigo de volta para a sala de estar, e me sento em um dos sofás.
Leva alguns minutos até Klauss retornar, e deixando seu celular sobre uma mesa de canto, ele vem a mim devagar – Em pouco tempo estará chegando... Você trouxe outras roupas?
- Trouxe algumas, mas as deixei no carro. – Respondo, estando mais sem jeito do que esperava ficar. – Mas também, não acho que elas façam muita diferença. Todas são iguais essas que estou usando agora.
- Entendo. – Ele diz, assentindo com a cabeça, seguindo escada acima sem se pronunciar mais.
Levanto e, em passos contidos, sigo para uma das estantes lotadas de livros, parando logo a frente dela. Lanço um olhar furtivo para trás, não vendo Klauss e nem escutando nada que denuncie que ele esteja perto, e sem demora começo a olhar as várias capas diferentes, e é simplesmente muito difícil não me perder com tantas formas, cores, e letras diferentes.
Algumas capas sendo de um material claramente diferentes das outras. Outras possuem alguns desenhos que parecem ter um certo relevo tanto nas letras quanto nas imagens, aos quais os tornam muito interessantes.
Klauss gosta tanto assim de livros?
Estou prestes a pegar um dos livros e me arriscar a ler seu conteúdo, quando um brilho repentino atrás de mim entrega que o anjo voltou, e está parado bem atrás de mim, e me seguro para não alcançar o livro.
Viro-me a ele, e vejo que ele tem algumas roupas e também um cobertor pesado cuidadosamente dobrado em mãos – Trouxe essas roupas, acredito que sejam mais confortáveis para descansar.
- Bem, obrigada... – Digo pegando as roupas com certa relutância, e Klauss se afasta.
Sem esperar, decido me trocar aqui mesmo. As roupas que Klauss trouxe são uma calça de moletom pesada, uma camisa que ficou imensa de tão larga, uma blusa também de moletom, um par de meias e um estranho tipo de sapato bem macio ao toque.
Olho a mim mesma, sem saber se estou bonita... Mas tenho certeza de que estou confortável.
Pego minhas próprias roupas e, as enrolando de qualquer jeito em meus braços, as deixo no mesmo sofá que Klauss deixou seu sobretudo branco, e começo a busca-lo dentro da casa.
Passo pela cozinha, e reparo em uma segunda porta, que leva ao lado de fora da casa, e tenho a impressão de ver várias luzes ao longe. Bastante curiosa vou a essa parte da casa, e sou recebida por um golpe de ar frio, muito diferente do ar quente acolhedor de antes.
E sentado nos degraus de madeira, vejo o anjo em silêncio, com os braços apoiados sobre os joelhos, suas asas pouco abertas em torno de si emanando um brilho puro junto de sua aureola, observando algo ao longe.
- Nossa, está muito gelado aqui fora... Você não está com frio? – Pergunto, abraçando a mim mesma algumas vezes, parando perto de Klauss, que mantém apenas sua calça, sapatos e uma camisa que claramente é de um tecido fino – Ah é, me esqueci que anjos não sentem frio.
O anjo ergue seu olhar a mim, e nada diz quando me sento ao seu lado. E por mais uma vez, estar sob esse olhar âmbar tão profundo mexe comigo.
Não sei bem o que seu olhar me transmite, ou o que ele mira com tanta atenção em mim. É algo tão místico que por nunca ter presenciado antes de conhecer esse anjo, não tenho a menor ideia do que dizer, do que fazer, ou do que sentir.
Apenas sei que, estar perto dele me causa algo muito bom. Uma sensação de calma e paz muito grande, de forma que até me sinto acolhida, e até tenho uma necessidade de me aproximar mais dele, mas me mantenho onde estou. É estranho demais sentir tantas coisas assim.
- Então... – Começo a falar – Eu vou dormir no sofá, né?
- Não. – Ele diz, tornando a olhar para frente – Existem dois quartos livres nessa casa, você pode descansar em um deles.
Assinto devagar, olhando para frente, tentando entender o que ele olha sem nem mesmo piscar, e percebo que daqui é possível ver uma boa parte da cidade. E no alto, com algumas poucas nuvens no céu, é possível ver a lua em todo o seu brilho, que ilumina boa parte do lugar onde estamos agora.
Escuto um som que parece um motor, seguido de alguns simais sonoros estranhos. Klauss prontamente se levanta, recolhendo suas asas num ímpeto – A pizza chegou! – Ele anuncia, caminhando de volta para dentro da casa.
Fico parada olhando por onde ele foi, o acompanhando até que saia da minha vista. Estou curiosa com o que seja essa pizza, e ansiosa também, já que estou com fome.
Me levanto e entro novamente e espero na cozinha. Klauss retorna pouco depois, com um tipo de envelope de cor cinza e linhas verdes com vermelhas, a deixando sobre a mesa.
Acho o objeto minimamente estranho, mas o aroma que sinto me faz esquecer desse detalhe e salivar quase que imediatamente. Meu estômago, paladar e corpo inteiro clamam por isso.
Klauss abre o envelope tirando uma caixa redonda, e erguendo sua tampa, vejo algo redondo tendo duas metades diferentes. Uma sendo com uma aparência firme, toda amarelada com algumas coisas verdes, e outra com algo alaranjado desfiado e um tipo de cobertura fofa meio branca por cima, além de algumas bolotas esverdeadas espalhadas.
- Como você nunca experimentou uma, achei prudente pedir sabores mais convenciomais. – Ele diz indo até um armário e pegando alguns pratos e talheres, retornando sem demora para a pizza e começando a cortar pedaços dela – Qual quer experimentar primeiro?
Me debruço na mesa, olhando os dois sabores, e apoiando um dedo na frente da boca, começo a escolher, estando completamente animada – Eu quero... Essa!
Ele assente, separando um pedaço da pizza laranja com a cobertura branca, e sem nem ao menos esperar a pego, achando estranha como não é tão firme quanto parecia, a ponto de precisar segurar esse pedaço com ambas as mãos, e um pouco sem jeito, dou minha primeira mordida, e me sinto bombardeada pelos sabores tão únicos em uma combinação excepcional de tão boa.
- Isso... – Digo sentindo o sabor na minha boca e respirando fundo, ainda degustando todo o sabor maravilhoso que se apossa do meu paladar – Isso é bom demais!
Mal espero uma resposta do anjo, e desfiro mais uma mordida apressada, querendo desfrutar mais e mais desse sabor tão diferente, único e agradável.
Klauss está me observando comer atentamente, acompanhando cada gesto meu, e cada mordida que dou na pizza. Por um momento, ele até esboça um sorriso bem pequeno junto de um riso nasal discreto, e dessa forma, ele pega um pedaço para si e também começa a comer.
Termino meu primeiro pedaço, com um sorriso de satisfação no rosto e aliviada por finalmente comer algo após tantas horas – É inacreditável... Como é possível que os humanos tenham tantas coisas saborosas... Posso comer mais?
Klauss faz um gesto afirmativo com a cabeça ao mesmo tempo que move sua mão a frente, num claro gesto de que posso comer mais.
- Vamos ver, agora vou experimentar essa aqui... – Digo cantarolando, pegando um segundo pedaço de pizza e puxando para uma mordida, ignorando completamente meu prato.
Da mesma forma que antes, me permito aproveitar o sabor tão diferente da primeira, e ao mesmo tempo também muito saborosa. Não só o sabor, essa é muito mais consistente, e ela não ameaçou se desmanchar por completo igual a primeira, que precisei segurar com cuidado e impedir que metade dela caísse na mesa.
Vejo o anjo se levantando, voltando ao armário e alcançando dois copos, os deixando entre nós, e voltando sua atenção a uma garrafa com um líquido dentro que, se não me engano, veio junto com a pizza.
- Pizza acompanhada por refrigerante. – Klauss começa a falar ao abrir a garrafa, despejando seu líquido nos dois copos calmamente – É uma combinação muito comum de alguns humanos.
- Interessante, é uma combinação então? – Ele confirma com a cabeça, e olhando o estranho líquido borbulhante, me arrisco em beber um pouco dele, e apesar da sensação esquisita na boca, não posso negar que é muito bom – Olha, pizza com refrigerante... Eu gostei muito... Vou querer comer isso mais vezes.
Termino meu segundo pedaço e estou para ir ao terceiro, e somente eu sei como estou aproveitando esse momento com a mais improvável das companhias... Mas algo me faz ter certeza que não teria companhia melhor que a que tenho agora.
Sinto o cansaço recaindo em meu corpo, acumulado de um dia tão intenso. Então talvez depois que terminar de comer, eu vá descansar um pouco. Acho que mereço isso.
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