Capítulo 10
8581 Palavras
Me surpreendi de forma muito grande com Diana e Nick. Estava muito resistente quanto a esses dois nos primeiros momentos, pois achava que eles poderiam me causar grandes problemas ou até mesmo me colocar em algum risco.
Mas depois das primeiras horas que passamos juntos, percebi que eles não são tão ruins quanto imaginava. Na verdade, são dois seres bem novos e também muito inocentes. Não conhecem tantas coisas, e estão aprendendo sobre si mesmos e também sobre o mundo, assim como eu.
Sou muito mais antiga que os dois juntos, mas mesmo assim, nessas primeiras horas com eles já aprendi muitas coisas novas, e tenho a sensação de que seguirei aprendendo mais.
A primeira, e que me deixou muito surpresa, é que para ligar aquela televisão do meu quarto, tudo que eu precisava fazer era apertar um botão certo nela. E depois disso, as imagens surgiriam na tela imediatamente, e eu poderia escolher o que assistir mudando de canal pelo controle. Me senti uma boba de tão simples.
Depois, acabou que Diana me mostrou o que estava no meu guarda roupa, e nele encontrei algumas roupas. Haviam calças, blusas fechadas e jaquetas penduradas, camisetas largas precariamente guardadas em gavetas, e alguns pares de sapatos simples que acho que se chamam tênis.
Não nego que ver tantas vestimentas de tons cinza, preto, ou o azul estranho das calças, acabou sendo algo um pouco decepcionante. Sem falar que enquanto olhava as roupas, não encontrei nada semelhante a um vestido... O mais próximo disso, são camisetas tão largas que conseguem bater nos meus joelhos, e metade dos meus braços ficam escondidas pelas mangas.
Escolhi o que melhor se ajustava confortavelmente ao meu corpo, sendo uma calça preta, uma camisa cinza não muito larga, e uma blusa de moletom, e me livrei do que restou do meu antigo vestido, que agora é apenas um tecido velho, sujo e repleto de marcas. Não perdi tempo em enrolar ele de qualquer jeito e enterrá-lo no fundo de uma das gavetas do guarda roupa.
Depois disso, Diana e Nick levaram a sério a ideia de sairmos um pouco para explorar o submundo, e sem paciência de ficar negando, apenas aceitei e seguimos juntos para andar por alguns lugares. Não gostaria de sair do meu quarto pelo risco de acabar atraindo muita atenção para mim novamente, mas para minha surpresa, não fui alvo de nenhum olhar por nenhuma vez.
Isso foi algo extremamente agradável, e graças a isso pude aproveitar mais do que esperava. Não sei o que fiz para passar tão despercebida por todos, mas pretendo repetir.
Depois de muito andar, até passando perto de alguns lugares que lembro terem sido citados por Minos, retornamos ao condomínio e cada um foi para seu quarto, já que aparentemente seremos chamados bem cedo para começarmos com algumas avaliações.
Prefiro esquecer algumas coisas que presenciei no salão dos prazeres. Alguns atos me foram muito chocantes, pela intensidade e voracidade de alguns, os movimentos, os sons, a lasciva presente, somente Nick, Diana e eu estávamos com alguma vestimenta, os demais não, e realizavam coisas que pareciam causar grande prazer a eles... Até mesmo o senhor Minos estava lá, observando a tudo com deleite, vez ou outra aproveitando de alguém com uma intensidade superior ao dos demais, e tive a impressão de até mesmo a senhorita Raika estar em seu lado em determinado momento, sendo a única que pareceu dominá-lo de forma que todos interromperam seus atos somente para assistir aos dois. Era algo difícil de não assistir.
Nesse momento, estou deitada no meu sofá-cama, encarando o teto pouco iluminado e refletindo profundamente sobre como foram as últimas horas. Em tão pouco tempo já aprendi tantas coisas diferentes, tive sensações muito distintas em meu corpo, e tudo ainda é uma grande novidade para mim... O cansaço físico que sinto nesse momento é uma novidade.
Solto um suspiro, conforme meus olhos começam a fechar aos poucos. Os sons da televisão vão ficando cada vez mais distantes, e a voz das pessoas se transformam em ruídos distantes, até que finalmente tudo silencia e me sinto adormecer
*****
Desperto aos poucos, esfregando os olhos e estranhando o silêncio absurdo à minha volta e o estranho calor que rodeia meu corpo. As coisas estão bem embaçadas, mas sei que estou num lugar bem iluminado, lembrando até mesmo a luz do dia que havia no paraíso.
Pisco algumas vezes, enquanto tudo ao redor fica mais nítido, percebo que não estou mais em meu quarto, mas sim em uma praça, sentada em um banco bem de frente a uma ampla fonte, onde a água é lançada de suas extremidades ao centro, formando arcos que caem dentro de uma espécie de prato segurado por dois anjos de costas um para o outro, enquanto a água escorre continuamente por seus corpos de pedra.
Ao redor vejo arbustos com muitas flores brancas com amarelo, além de altas árvores iluminadas pela calma luz do dia. Além disso, não ouço barulhos além do som da fonte. Um lugar calmo a qual sei que poderia passar horas sem me cansar.
Alguns pequenos animais voam serenamente e pousam em flores próximas, o vento passa abraçando meu rosto e braços nus, e respirando fundo, me permito sentir a agradável sensação em meu corpo.
Uma risada serena e calorosa pode ser ouvida perto de mim, e ao virar meus olhos para a dona da risada, vejo uma pequena menina correndo até mim, com seus braços estendidos em minha direção. Não a reconheço por não conseguir ver seu rosto com clareza, mas sinto que a conheço a muito tempo, seus cabelos dourados me trazem grande familiaridade, e sua voz me traz uma nostalgia profunda junto de uma intensa felicidade que enche meu peito de calor e carinho, e sem hesitar, abraço a pequena com força, tendo um largo sorriso em meu rosto.
Muitas palavras me são ditas, palavras animadas em meio a sorrisos, e sem hesitar deposito toda minha atenção nela, com um estranho sentimento de falta deixando meu corpo cada vez mais, sendo preenchida por sensações que não sei descrever.
Aos poucos a pequena figura começa a ser tomada por tons de cinza, me pegando completamente de surpresa, e lentamente observo sua figura começa a se esfarelar a minha frente, sendo levada para longe com o vento. O desespero de perder essa pequena aparece em mim, e antes que minhas mãos conseguem alcançá-la, ela desaparece completamente.
Olho de um lado ao outro, procurando a pequena sem parar, mas não importa o quanto eu procure, não consigo encontrá-la de forma alguma.
De repente sinto meu corpo sendo puxado para trás bruscamente. Tento lutar contra isso, me manter no local, mas ainda assim meu corpo continua sendo puxado, com cada vez mais força. Olho para trás tentando encontrar o que quer que esteja me puxando, e tudo que encontro é uma imensa distorção, em seu centro um espaço profundamente escuro que me causa certa aflição. Não somente isso, percebo minhas asas manifestadas e sendo puxadas por essa distorção.
Luto contra isso, tento resistir ao máximo dando passos para frente, mas quanto mais avanço, maior a força fica, e sou puxada de volta, e cada vez mais sou tragada para dentro da distorção.
Algo gelado agarra meu braço, e ao olhar o que é, percebo ser correntes vindas de dentro da distorção, e de onde surgiu a primeira, várias outras correntes surgem, vindo até mim e enlaçando em torno do meu corpo. Meus braços, pernas, cintura, pescoço e asas são envolvidas pelas correntes, limitando meus movimentos, e me desequilibrando acabo caindo, sendo arrastada pelo chão para dentro da distorção.
Não consigo me desvencilhar das correntes, e sinto meu corpo mergulhando em um liquido quente que queima minha pele por inteiro, enquanto observo a imagem da praça ficando cada vez mais distantes, até que eu esteja em meio a escuridão, sendo afogada por algo que queima não só meu exterior, quanto meu interior, e por mais que eu grite desesperada por ajuda, minha voz não pode ser ouvida, e a aflição junto ao medo me consome.
*****
Desperto num pulo, arfando desesperadamente enquanto meus olhos correm pelo ambiente escuro. Sinto o suor escorrendo pelo meu rosto, e minhas mãos apertam algo com firmeza, enquanto vou reconhecendo o lugar em meio a penumbra.
O que foi isso? O que foram essas imagens?
O nervosismo e medo me deixam aflita, e enquanto abraço minhas pernas, sem parar olho ao redor buscando a certeza de que estou num local seguro e que nada daquilo que vi aconteceu de verdade.
Não sei quanto tempo levo, mas consigo me acalmar, em meio ao silêncio do quarto, e incomodada em continuar aqui, deixo o sofá-cama e caminho para fora do quarto sem perder tempo. Não quero ficar aqui, pelo menos não agora.
Pego o elevador ao centro do corredor e desço, caminhando apressada para fora do prédio, buscando espaço aberto o quanto antes. Alguns minutos serão o bastante para que eu me acalme.
- Mikaela? – Ouço uma voz próxima, e ao ver quem é, encontro Nick – Já está pronta?
- Pronta? – Tento parecer o mais calma quanto possível, enquanto o jovem demônio se aproxima com um sorriso amigável – Para o que?
- Lembra que hoje é o dia que iremos fazer alguns testes? – Ele responde.
Recordo do que conversamos pouco depois que nos conhecemos, que hoje será o dia que faremos alguns testes iniciais, para avaliarem as nossas capacidades e então, nos enviar para as tarefas mais adequadas para nós.
Se bem que, se o que Raika falou for verdade, já tenho uma tarefa especial reservada para mim... Mas ainda assim, acredito que serei avaliada da mesma forma.
- Ah é, me lembrei. – Digo com um meio sorriso – Você já fez esse teste antes Nick?
- Não, será a minha primeira vez... – Ele diz com um riso – Acho que todos os surgidos com até quatro semanas serão testados hoje, e... Estou um pouco nervoso...
- O que? Não precisa ficar tão nervoso com isso. – Digo numa tentativa de tranquilizá-lo – Acho que, se for para ficar nervoso, que seja quando descobrir como seremos testados.
- Esse é o caso, nem sei o que é e já estou nervoso. – Nick responde com uma gargalhada – Não sei como vai ser, nem a dificuldade, e quem vai nos avaliar será o senhor Minos...
- E justamente por não saber como vai ser, que você não deve se preocupar tanto. – Respondo oferecendo um sorriso de canto – Fique calmo, você vai se sair bem.
Nick solta um suspiro – Espero isso Mikaela... E como espero... De qualquer jeito, onde a Diana está? Ainda dormindo?
- Talvez, não encontrei com ela. – Torço a boca de leve – Será que ficou assistindo aqueles programas de culinária?
- Não duvido, ela conheceu a pouco tempo e já adorou. – Responde saltando seus ombros, quando vemos uma figura sonolenta saindo do prédio, esfregando os olhos preguiçosamente – E acho que temos nossa resposta.
- Realmente Nick, alguém assistiu televisão demais. – Digo e damos uma risada, ao passo que Diana percebe e nos mostra a língua como resposta.
Olho ao redor, vendo que alguns outros demônios se reúnem perto de onde estamos. Alguns conversando entre si, outros calados em seus cantos mergulhados em seus próprios pensamentos. Ainda assim, percebo que certo nervosismo está presente no rosto da maioria dos reunidos.
Ao que parece, todos aqui presentes são os que farão seus primeiros testes hoje. Não são muitos, são apenas vinte contando comigo, e pelo jeito, ninguém aqui sabe ao certo como isso irá ocorrer.
Outra coisa que percebo aqui, além da predominância das mesmas cores nas vestes de todos, é que ninguém aqui está olhando na minha direção. Pelo jeito, Nick e Diana cumpriram com sua promessa de não revelarem para ninguém que sou um anjo... Cumpriram até agora, mas ainda é muito cedo para qualquer coisa, afinal, passaram boa parte do tempo comigo ontem.
Só poderei ter certezas com mais tempo... Principalmente certeza se posso confiar neles.
Percebo uma mulher se aproximando em passos firmes, tendo um cabelo levemente avermelhado amarrado no alto, com muitos anéis prateados adornando seus dedos, uma pequena e discreta pedra em seu nariz, e vestes escuras bem alinhadas, passando seus olhos por nós de um jeito analítico.
Todos parecem perceber a mulher, e as vozes uma a uma vão se calando.
- Todos pontuais. Muito bom. – Ela diz com um pequeno sorriso satisfeito, olhando um por um rapidamente – Muito prazer meus jovens iniciandos. Eu sou Ceres, e a pedido do lorde Minos, estou aqui para recepcioná-los e acompanhar vocês para seus primeiros testes.
- Onde será o lugar dos testes? – Alguém que não consigo ver quem é pergunta.
- Levarei vocês ao local. Peço que me acompanhem. – Ceres vira sobre os pés, e começa a caminhar com a mesma firmeza que chegou, e seguimos atrás dela sem demora – Mas, posso adiantar a vocês que fica nos prédios próximos ao estádio.
Um burburinho começa entre todos, e bem próxima de Diana e Nick, puxo a manga de ambos bem de leve – O que é o estádio? – Sussurro.
- É o lugar onde treinos físicos acontecem. – Nick me responde também sussurrando.
- E como serão esses testes? – Outro alguém pergunta em meio a todos.
Nos olhando sobre o ombro, Ceres esboça um sorriso – Não pretendo estragar a surpresa que o lorde Minos planejou para vocês.
Decido me manter em meu silêncio enquanto muitas perguntas são feitas a Ceres. A mulher demônio consegue se esquivar de todas as perguntas sem grandes dificuldades, mas isso não impede que novas perguntas sejam feitas a ela.
Nick está claramente mais nervoso que Diana, pois ele não consegue sequer imaginar o que pode ter sido planejado para esses testes. Já Diana apenas se reservou a seu sono de uma noite mal dormida, sem se preocupar com o que nos aguarda.
Caminhamos por um bom tempo até alcançar alguns prédios não muito altos, mas todos sendo muito bem cuidados e amplos. A maioria dos demônios que vejo por aqui não parecem nem um pouco amigáveis, todos com caras fechadas e exalando uma forte agressividade, que me deixam bastante desconfortável por estar aqui.
Independente disso, seguimos para o prédio e entramos, e logo a princípio tenho uma surpresa, pois o interior do prédio é o único local branco que encontro desde que cheguei ao submundo, lembrando muito alguns locais do paraíso.
Enquanto dou meus primeiros passos, perplexa com esse lugar, tenho a sensação de sentir o chão tremendo um pouco, mas ninguém parece perceber. Ceres apresenta algo para dois seres que se posicionam frente a um amplo corredor, e imediatamente ela garante passagem.
- Certo, a partir daqui irei mostrar os lugares que vocês serão testados. – O lugar inteiro treme com mais força de repente. – Bem lembrado, sugiro que tomem cuidado.
- O que foi isso? – Diana pergunta.
Ceres passa uma mão pelo queixo – Provavelmente é o lorde Minos.
Apesar de tantas perguntas, seguimos pelos corredores, e entre um tremor e outro, Ceres vai nos indicando salas onde alguns testes serão realizados. Alguns são testes mentais e lógicos, outros são testes de resistência, alguns físicos, alguns são testes de poder, cada um deles para avaliar os primeiros pontos de nossas capacidades, e durante alguns dias iremos ser avaliados, antes de sermos enviados para nossas tarefas.
Enquanto seguimos para o último local, que fica bem abaixo do prédio, Nick se mostra completamente aliviado por ver que os testes não irão começar hoje, mas sim que são apenas algumas apresentações.
Descemos algumas escadas, entrando num salão imenso, com paredes de vidro grossas. Existem alguns demônios de braços cruzados observando algo atentamente, e com um novo impacto, percebemos que algo está acontecendo em meio ao salão – Ah, e ali está o lorde Minos.
Paramos frente ao vidro, e vemos uma cena que deixa todos aqui boquiabertos pela grande intensidade a nossa frente. Vemos um demônio com intensas chamas vermelhas e pretas envolvendo seus braços e parte de seu corpo, e um largo sorriso e intenso olhar, saltando em um golpe feroz.
Já do outro lado, sendo o alvo do golpe, rodeado por diversas fagulhas de chamas, está Minos. O juiz mantém seu ar tranquilo, presente em seu sorriso e olhar intensos, não demonstrando nenhuma preocupação com o ataque tão selvagem, que ele acabara de conter erguendo apenas um braço, espalhando as chamas por todos os lados.
O impacto pode ser sentido por mais uma vez, e de nós, apenas Ceres não se incomoda com os tremores do conflito. Ela caminha elegantemente até um painel, tocando um botão e aproximando seu rosto de um suporte.
- Lorde Minos. – Ceres começa, e o juiz ergue seu olhar a nós – Os iniciandos estão aqui.
- Você se distraiu Minos! – Escutamos a voz empolgada do demônio em meio aos estrondosos barulhos de seu ataque, enquanto as chamas ganham ainda mais intensidade em torno de si.
Entretanto, de um segundo ao outro o demônio está com seu rosto sendo segurado, e suas chamas se dissipam imediatamente. Minos solta uma risada seca – Não Stefan. Você quem se distraiu.
O rapaz é solto no chão numa queda pesada, enquanto Minos gira sob os pés e mantém seu olhar voltado em nossa direção. Entre conversas dos demônios sobre o que acabaram de presenciar, vejo a expressão com mistos de frustração do tal Stefan.
- Vejo que chegaram cedo, isso é ótimo. – Minos se pronuncia, e sua voz ecoa. – Fez um bom trabalho Ceres. Mande-os descer aqui.
Voltamos nosso olhar a Ceres, e ela nos indica um caminho a seguir, o que fazemos sem demora. Descemos por mais um lance de escadas, alcançando uma porta que se abre assim que nos aproximamos, e parado ao centro do lugar, vemos Minos nos esperando com os braços cruzados.
O juiz não está tão elegante como da primeira vez que o vi. Ele utiliza apenas uma camiseta preta nova bem justa a um corpo grande e bem definido, calças e sapatos simples, todos de cores bem escuras. Além disso, ele tem uma corrente prateada em torno de seu pescoço, e também pequenas correntes adornando seus pulsos. Percebo também que não existem sinais de cansaço em sua postura.
Ao seu lado, observo o tal Stefan. Ele é um pouco mais baixo que Minos e também mais magro, de cabelos negros com alguns fios brancos bem bagunçados, e olhar intenso e completamente hostil, tendo iris avermelhadas. Está usando uma regata preta justa ao corpo com alguns rasgos na lateral do tecido, uma calça igualmente preta e botas. Ele usa um par de luvas e algumas faixas amarradas sem muita firmeza nos pulsos, e além disso, ele tem tatuagens em seus braços e uma cabeça de uma criatura nos ombros, e um par de brincos com pedras vermelhas em ambas as orelhas.
- Não quis participar hoje, Ceres? – Minos diz com uma risada, erguendo seu olhar.
Uma risada pode ser ouvida – Optei por não participar dessa vez. Quem sabe na próxima.
- Certo... – Ele volta sua atenção a nós – Sejam bem vindos iniciandos. A maioria de vocês ainda não me conhece pessoalmente, sou o juiz do submundo Minos, e junto de Ceres irei supervisionar vocês em cada um de seus testes. Eles servirão para avaliarmos suas capacidades, e quais as funções mais adequadas para cada um de vocês. Alguma dúvida?
- Quando começaremos os nossos testes? – Um dos iniciandos pergunta.
- Amanhã cedo irão começar. Antes de saírem, vocês serão informados com maiores detalhes do momento que devem estar aqui. – O juiz sorri de canto – Entretanto, irei realizar a primeira avaliação de vocês nesse instante.
- Nossa primeira avaliação? – Pergunto erguendo uma sobrancelha.
- É claro. Desejo ver o que vocês são capazes. – Minos olha Stefan de canto de olho – Se quiser, você pode tentar de novo.
- Fazer isso junto desses novatos? – Stefan rosna com os olhos apertados – Está brincando comigo? Eles só irão me atrapalhar!
- Você não conseguiu sozinho. Quem sabe recebendo ajuda, seu resultado não seja diferente? – Minos provoca, e com um ar irritado, Stefan vem até nós com seus punhos fechados, e encarando Nick, Diana e eu, ele para bem à nossa frente fixamente.
- Vê se não não me atrapalha. – Ele diz seco, virando as costas para nós.
Diana puxa tanto a mim quando Nick para perto – Que cara desagradável... Não gostei dele – Ela nos sussurra.
- É, concordo. – Nick responde sem desviar o olhar dele, quase como se esperasse um ataque de Stefan a qualquer instante.
- Vocês não precisam pegar pesado. – Minos anuncia, descruzando os braços – Será apenas uma partida amigável, onde avaliarei suas capacidades físicas. Estão eliminados quando caírem no chão, e eu serei eliminado caso me derrubem. Estão preparados?
Alguns riem e dizem que não estão preparados, arrancando um curto riso de Minos, tornando a coisa mais leve. Ainda assim, todos se preparam para avançar. Não sei o que sentir quanto a isso, é um misto de nervosismo com empolgação. Ao mesmo tempo que uma parte de mim não quer fazer isso, outra parte anseia por tentar.
Antes que qualquer sinal seja dado, Stefan dispara na frente de todos, mas antes mesmo que ele realize o primeiro ataque, Minos move-se rapidamente, passando uma de suas pernas por trás das pernas de Stefan e empurrando uma mão no peito dele, resultando numa queda rápida que arranca o ar de Stefan, fazendo todos que avançavam pararem imediatamente.
- Stefan, eliminado. – Minos diz sem nem mesmo olhar para baixo, caminhando até nós. – Não seja tão afobado. Lhe darei outra chance, mas caso caia de novo, estará eliminado de vez.
O rapaz gira no chão e fica de joelhos, com um punho apertado contra o chão, enquanto alguns poucos se arriscam contra Minos. O juiz não derruba todos tão rápido quanto Stefan, ele realmente vai deixando com que os iniciandos avancem, tentem algum golpe contra ele, mas um a um, os iniciandos vão sendo derrubados com golpes leves mas muito rápidos.
Diana, Nick e eu tentamos avançar juntos. Nick avança na frente, tentando distrair Minos. Diana e eu vamos pelos lados e tentamos avançar contra ele, mas o juiz é muito mais rápido e parece ciente aos movimentos que fazemos, conseguindo desviar e contra atacar com uma velocidade surpreendente.
Consigo desviar de alguns golpes, me desequilibrando mas sem cair, mas Minos aproveita uma brecha para segurar meu braço e puxando meus pés, acabo caindo sem a menor chance de impedir. Nick cai logo em seguida quando Minos desviou de uma investida e com um pequeno empurrão desequilibrou o rapaz, e por último Diana, que conseguiu saltar em suas costas e agarrou o juiz, mas foi rapidamente retirada e lançada ao chão quando o juiz girou seu corpo para frente.
Resmungo no chão e devagar giro para me levantar, percebendo que todos os iniciandos estão no chão, e ao centro Minos nos observa.
- Quanto tempo durou, Ceres? – Minos questiona, apoiando uma mão na cintura.
- Os iniciandos duraram mais tempo dessa vez. – A voz de Ceres pode ser ouvida – Foram três minutos e onze segundos de avaliação.
- Olha só, vinte e oito segundos a mais que a turma anterior. – Minos diz satisfeito – Vocês todos se saíram bem.
- Lorde Minos, o contador ainda não parou. – Ceres adverte.
- Sim, eu sei. – Minos responde rindo, e alguém se ergue – Pelo visto, alguém aqui insiste em me enfrentar sozinho.
Stefan está parado, com um sorriso afrontoso – Como se eu fosse me juntar a esses novatos. Prefiro fazer isso sozinho.
- Teria sido menos vergonhoso aceitar a ajuda deles, Stefan. – Minos mantém a calma em sua voz, e se vira tranquilamente – Agora, do mesmo jeito que me enfrentará sozinho, você cairá sozinho.
Com alguns pulos empolgados, Stefan avança, dessa vez tomando o cuidado de não ser derrubado imediatamente. Ele tenta de todas as formas acertar Minos, que sem desmanchar sua feição, segue defendendo e desequilibrando Stefan. Sempre que se desequilibra, Stefan tenta emendar algum golpe que é facilmente aparado pelo juiz, e não leva muito tempo para que ele também seja lançado ao chão numa queda brusca.
- Quanto tempo? – Minos pergunta endireitando sua postura, logo após derrubar Stefan.
- Trinta e sete segundos. – A voz de Ceres anuncia.
- Durou dois segundos a mais. – Minos anuncia – Mais sorte na próxima Stefan.
O mesmo resmunga irritado enquanto se levanta, e passando uma mão pela testa para tirar o suor e alguns fios de cabelo, ele encara Minos com os olhos ardendo em chamas. Já nós mais novos já estamos todos de pé, a uma certa distância do centro do salão.
O juiz ergue uma de suas mãos, sinalizando para nos aproximarmos, e assim fazemos. Ao chegarmos perto dele, escutamos o som da porta sendo aberta, e Ceres se aproxima de nós, trazendo uma bolsa consigo.
- Vocês tiveram um bom rendimento – Minos fala com calma – Amanhã seus testes irão começar, e irei acompanhá-los. Estão dispensados.
Diana e Nick param ao meu lado assim que Minos nos liberou, e vamos nos afastando em passos descontraídos. Ceres ficou conversando algo com Minos em voz baixa, a qual nenhum de nós parece ter conseguido escutar.
Diana encara Nick com um sorriso divertido. – E então Nick? Está mais tranquilo?
- Estou, não foi tão terrível quanto pensei. – Nick responde rindo. – Mas já estou nervoso por amanhã.
- Francamente, se você sobreviveu hoje, não precisa se preocupar com amanhã. – Diana rebate balançando a cabeça negativamente.
- Hoje é hoje Diana. – Nick se defende – Amanhã é uma outra história, e não sei o que o senhor Minos e a senhora Ceres planejam para a gente... Tenho motivos para me preocupar.
- Você está se preocupando demais para alguém que não foi derrubado tão rápido. – Digo numa tentativa de tranquilizar Nick – De nós três, eu quem fui ao chão primeiro.
- Viu? – Diana cutuca o braço do rapaz – A Mikaela tem um excelente ponto.
- Vou me preocupar quando estiver sozinho no quarto. Vocês não me deixam ficar aflito. – Nick diz em tom brincalhão, e nós duas acabamos rindo junto dele.
- Espere um momento Mikaela! – Escutamos atrás de nós, e vemos tanto Minos quanto Ceres se aproximando de nós. Paramos nosso passo, e Minos para a nossa frente – Tenho algo a falar com você.
- Ah, claro... – Digo, olhando para minhas companhias – Vocês me esperam?
- Claro, vamos te esperar ali na sala de vidro. – Nick diz, e Diana concorda, seguindo para as escadas.
- Vejo que já fez alguns amigos. – Minos diz, e confirmo assim que olho para ele.
- É, os dois são legais. – Respondo olhando na direção que os dois foram. – O que precisamos falar?
- Já que sua função já foi decidida pela senhora Raika, e por você também possuir experiência de campo, você começará com sua tarefa já nos próximos dias. – Minos ergue uma mão, num sinal de que ainda tem mais a falar – Ainda assim, você precisará passar por alguns testes. Eles serão um pouco diferentes que dos demais. Por isso, eu mesmo os aplicarei.
- Tudo bem senhor Minos. – Respondo assentindo – Eu... Quero perguntar uma coisa... Eu não tenho mais minha graça, e por isso estou sem poder algum. Como poderei realizar minha função?
Minos olha para Ceres, e faz um gesto afirmativo. Ela confirma, e se aproxima – Já pensamos nisso Mikaela, e temos uma solução. – A mulher me entrega a bolsa, e instintivamente olho seu conteúdo, encontrando uma orbe branca emanando uma energia avermelhada. – Absorva isso, e receberá um novo poder. Foi adaptado para que sua natureza celestial consiga resistir.
Observo a energia que flui continuamente dentro da bolsa. Não sei o que pode acontecer comigo, por isso talvez peça para Diana e Nick me acompanharem quando for absorver esse poder.
- Certo, eu agradeço. – Digo passando a alça da bolsa pelo braço.
- Pois bem, está dispensada Mikaela. Te vejo amanhã. – Minos diz, e sigo ao encontro de Nick e Diana sem demora, animada para contar a novidade para eles.
Assim que alcanço a porta, encontro alguém parado, me observando fixamente. Stefan.
Seu olhar para mim é apertado e desconfiado, seus lábios voltados para baixo. Ele me encara continuamente, mas não diz absolutamente nada. Um pouco desconfortável passo por ele, mas sinto que seus olhos estão nas minhas costas, e por isso me afasto o mais rápido que posso.
Alcanço o topo das escadas, sendo recebida pelo meus dois colegas, que tem suas sobrancelhas erguidas para mim – O que aconteceu? Por que você está desse jeito?
- Esbarrei com aquele tal Stefan. – Digo, e os dois se entreolham.
- Ele falou alguma coisa com você? – Diana questiona.
- Não, só ficou me olhando. – Me pergunto se ele ouviu a conversa que tive com Minos e Ceres, e com isso descobriu que na verdade sou um anjo, e não um demônio como eles. – Ele é muito estranho...
- Muito desagradável, isso sim. – Diana diz torcendo a boca.
- De qualquer jeito, vamos embora. – Digo olhando os dois – Quero que me ajudem com uma coisa.
*****
Passamos pelos corredores em passos apressados, e ao alcançar meu quarto, entramos sem demora. Resumi a coisa toda para Diana e Nick, e assim como eu, os dois ficaram bem empolgados com o fato de que terei poderes novamente.
Deixo a bolsa sobre a mesa com cuidado, evitando causar qualquer tipo de dano na orbe. Ao tentar tocá-la, percebo que o orbe não é feita de um objeto sólido, mas sim de um tipo de energia que reage com a proximidade de minhas mãos, e se ergue conforme ergo as mãos.
Esse orbe emana um forte calor que não sinto queimar minha pele, e além disso, consigo sentir um movimento rotacional lento, que causa suaves cócegas na minha pele.
- E ai? – Nick pergunta, olhando a orbe fixamente – Como você vai fazer isso?
- Ceres falou para eu absorver esse orbe, e terei poder outra vez. – Respondo.
- Ela falou em quanto tempo você vai receber seu poder de novo? – Agora é Diana quem pergunta.
Balanço a cabeça negativamente – Não lembrei de perguntar isso.
- Talvez seja na hora. – Nick sugere, e nós duas olhamos a ele. – Se você vai mesmo absorver essa coisa, então acho que você ganha seus poderes de imediato.
- É, tem essa possibilidade. – Diana diz, torcendo a boca de lado – Você vai absorver agora Mikaela?
- Sim, acho que quanto antes, melhor. – O nervosismo cresce em meu peito – Falaram que foi adaptado para que minha natureza consiga absorver... Mesmo assim, irei aos poucos.
Os dois dão alguns passos para trás, e respirando fundo, firmo minhas mãos iniciando o processo de absorção dessa energia. A luz projetada aumenta, as várias energias rodeiam meu corpo, o calor do orbe penetra meus braços e sinto se espalhando gradualmente pelo meu corpo, e me surpreendo com o tamanho da energia que se propaga em meu interior.
Aperto os olhos, tentando resistir ao calor e tamanha energia que, mesmo indo devagar, faz meu corpo inteiro arder em dores contínuas. Por um momento, a dor é tamanha que chego a pensar que irei ceder, e tamanha força vai romper meu corpo completamente.
De repente, sinto o calor desaparecer de minhas mãos, e percorrer por dentro do meu corpo numa rápida onda que me baqueia por inteira, ao mesmo tempo que o calor percorre meu interior de uma maneira que não me causa mais dores.
Minhas pernas cedem sem forças, mas Diana e Nick me seguram antes que eu caia, e com ajuda deles consigo ficar de pé – Acho... Acho que consegui...
- Como está se sentindo? – Diana pergunta.
Encaro minhas próprias mãos por um instante, e enquanto as fecho com força, me permito desfrutar de tamanha energia que corre em meu interior nesse instante.
É uma força que, ao mesmo tempo que é nova e com sensações tão diferentes, ao mesmo tempo se assemelha muito ao que eu sentia quando ainda possuía minha graça. Ainda assim, não é nem perto do poder que eu tinha quando ainda pertencia ao paraíso.
- Diferente... – Respondo após alguns segundos – Mas acho que ainda sou eu.
- O que será que consegue fazer agora? – Nick me olha com certa animação.
- Ela acabou de absorver esse poder todo, e você já quer saber o que ela consegue? – Diana resmunga olhando Nick de canto de olho.
- É claro, vai me dizer que você não quer saber? – Nick rebate de imediato.
- Querer eu quero, mas não sou tão desesperada quanto você. – E Diana devolve mais uma vez.
- Ei, como pode me chamar de desesperado? – Nick se faz de ofendido, mas seu meio sorriso deixa claro que ele está se divertindo.
- E você não é? – Diana pergunta com uma sobrancelha erguida. Nick nega balançando a cabeça continuamente – É claro que você é sim! Eu lembro muito bem como você estava com o teste de hoje!
- Eu estava nervoso, não desesperado. É muito diferente. – Ele se defende, cruzando os braços.
- Não tem diferença, são quase a mesma coisa! – Diana insiste em seu ponto.
Não contenho meu riso com essa conversa dos dois, e não nego que quanto mais convivo com eles, os considero mais e mais engraçados. Acho que passei a gostar de Diana e Nick. Os dois tornam as coisas mais leves.
Não sei como estaria lidando com tudo se eles não tivessem batido à minha porta.
- Ainda não sei o que consigo fazer... – Atraio a atenção dos dois – Preciso de um tempo para me acostumar, e descobrir o que consigo fazer... Mas...
Uma ideia me surge, junto da vontade de tentar algo que não faço a muito tempo. Junto minhas mãos, tentando concentrar esse novo poder aos poucos, enquanto Nick e Diana me olham fixamente.
Linhas de fogo surgem, percorrendo em torno dos meus braços e, conforme alcançam minhas mãos, essas chamas se concentram nesse pequeno ponto. Respiro fundo e afasto minhas mãos, vendo um pequeno véu luminoso de tons purpura claro se formando entre meus dedos, ao mesmo aspecto que aspectos do fogo se veem presentes nesta pequena manifestação.
- Uau... – Os dois dizem boquiabertos, enquanto observo fixamente o que acabei de criar depois de tanto tempo – Nunca vi isso antes... O que é? – Nick pergunta.
- Se chama aurora... – Respondo baixinho, me sentindo um pouco nostálgica – É isso que eu fazia enquanto ainda estava no paraíso.
Ergo meus olhos aos dois, que sequer piscam enquanto assistem perplexos os movimentos das pequenas luzes entre minhas mãos. Não reprimo um sorriso ao ver as reações dos dois.
Ainda assim, percebo que algo está diferente. Muito diferente. Uma força diferente e destrutiva está presente dessa vez, e tenho certeza de que algo está errado ao observar o formato estranho que a aurora está assumindo.
É algo parecido com um vórtice, com uma pequena esfera flamejante concentrada no centro. Essa esfera começa a puxar a aurora para seu interior, criando uma anomalia que nunca vi antes.
- Incrível, uma aurora é bem diferente. – Diana diz para Nick – Nunca ouvi nada sobre isso.
- Não... – Digo juntando as sobrancelhas, encarando fixamente a esfera – Algo está errado... Isso não é mais uma aurora.
Junto as mãos com força, tentando absorver de volta toda a energia que coloquei nela, e apesar da dificuldade que sinto, consigo fazê-lo rapidamente e logo a esfera não existe mais.
- Isso não acontecia antes? – Diana pergunta, e nego com a cabeça – Se não é uma aurora... Então o que era?
- Eu não sei dizer... – Respondo olhando minhas mãos – A aurora é apenas aquele véu que manifestei, mas... O que aconteceu depois é novo até para mim.
- De qualquer jeito... – Nick começa a falar, olhando de mim para Diana – A Mikaela é mais legal do que a gente imaginava.
- Eu concordo com você. – Os dois me olham – Você é incrível.
- Vocês dois exageram. – Dou um meio sorriso, negando com a cabeça – Amanhã quando formos fazer nossos primeiros testes, vou falar para Minos que já absorvi o orbe. Talvez ele já me mande para meu primeiro trabalho.
- Mas já? – Diana pergunta com as sobrancelhas erguidas – E como se sente com isso?
- Não me incomodo. – Digo, mas pensando um pouco melhor, lembrando o que precisarei fazer, me sinto estranha. Antes eu fiquei nervosa, mas agora, o que existe em mim é uma estranha e intensa euforia. A ideia de tomar almas me agrada, e não sei porque estou sorrindo. – Acho que me sairei bem.
- No seu lugar, eu estaria nervoso... – Nick diz com as sobrancelhas erguidas.
- Ah, jura? Que tal nos contar uma novidade agora Nick? – Diana provoca com um sorriso de canto.
- Você não me deixa, né Diana? – Nick faz uma careta.
Dou risadas com esses dois, e enquanto eles mergulham em mais uma de suas discussões, começo a pensar sobre como será quando contar a Minos que absorvi o orbe que me entregou... E principalmente, penso como será quando for enviada ao meu primeiro trabalho pelo submundo.
*****
Assim que chegamos ao prédio para nossos primeiros testes, e enquanto todos se organizavam, discretamente Ceres me perguntou se eu já havia absorvido o orbe que me entregou, e notei que enquanto me perguntava isso, Minos e Stefan estavam presentes, isso sem contar alguns outros que rodeavam Stefan.
Confirmei, e imediatamente Ceres avisou o juiz Minos. Ele me separou do grupo, dizendo que precisava aplicar testes diferentes em mim, mas que isso não significa que não estava de olho no restante do grupo, e então nos retiramos.
Reparei como Stefan e seu grupo estavam me observando de um jeito estranho por todo o tempo, e foi assim até que saí de sua vista.
Minos e eu descemos até o salão de luta, e ele disse que desejava ver como eu utilizava meu novo poder na prática, o que fiz prontamente. Foi estranho a princípio por não saber exatamente o que eu iria manifestar com esse novo poder, por mais que eu já tivesse a sensação de que envolveria o fogo.
Acabou que o poder que passei a manifestar foi mesmo o fogo, e minha estranheza mudou para surpresa ao perceber a grande facilidade que tive não só de criar chamas, mas também manipulá-lo à minha vontade. A facilidade que tive até pareceu surpreender Minos.
A partir daí, pelos cinco dias seguidos, além de fazer os mesmos testes que os demais, entre coisas que nossos corpos eram capazes de resistir, como reagimos mentalmente em determinados casos, e também lutas de teste entre nós, claro que com um pouco mais de intensidade quando era minha vez, passei alguns momentos a mais sob a supervisão de Minos, que observava e me instruía para aprimorar meu controle deste novo poder. Quanto mais seguia com cada teste, maior se tornava a empolgação que havia em mim, de forma que me destacava dos demais iniciandos.
Por dia, sentia como avançava, e no quinto dia, uma instrução diferente surgiu após os vários testes que passei com os iniciandos. Minos trouxe uma bolsa consigo, e disse que estava na hora de aprender o processo de retirada de almas, pois eu iria realizar meu primeiro trabalho.
Ao revelar o conteúdo da bolsa, vi uma esfera semelhante a uma chama, com diversos feixes brancos, azuis claros e cinzentos a rodeando sem parar. Ele não precisou falar, mas entendi de imediato que aquilo era uma alma humana.
O juiz ergueu sua mão, e a esfera se soltou imediatamente, vagando pelo salão rapidamente em um movimento suave. Ele me explicou que o processo para recolher uma alma era chamado de "separação", que consistia em tocar a alma, ou o corpo a qual ela reside, e começar a atrair a alma, forçando com que se concentre num único ponto... Ou seja, na palma da minha mão.
Após a explicação, o juiz ergueu uma de suas mãos e, em questão de segundos, senti meu corpo sendo atraído, ao mesmo momento que a alma interrompeu seu movimento e foi puxada até Minos, sendo contida em pouco tempo.
Levei horas tentando fazer o mesmo, mas não tinha ideia de como conseguir fazer algo para atrair aquela alma. Quando finalmente entendi que precisava fazer algo parecido com o que fiz quando absorvi aquele orbe, comecei a fazer a separação com eficácia.
Minos me pediu para repetir o feito por pelo menos cinco vezes, até estar convencido de que eu havia realmente aprendido. Não nego que isso foi muito bom, já que com isso, consegui memorizar tudo que precisava fazer.
E nesse momento, estou diante de Raika e Minos, esperando para receber meu primeiro trabalho.
- Em pouco mais de uma semana, você já está indo para sua primeira tarefa. – Raika diz me observando fixamente, com o mesmo sorriso que vi antes, estampando seu rosto agora – Como acha que ela se sairá, Minos?
- Acredito que Mikaela se sairá bem. – Minos diz, parado ao meu lado com seus braços cruzados, entretanto, mantenho minha atenção apenas no arquidemônio a minha frente – Ela tem experiência de campo, e sabe como trazer seus poderes à tona. Isso garantirá seu sucesso.
- Excelente. – Raika se encosta em seu trono, apoiando o rosto sobre a mão – Pois bem Mi'Ka. Já tenho decidido seu local de atuação, e também a data de seu primeiro trabalho. Está preparada?
- Estou. – Respondo sem demora, não sentindo nervosismo, mas sim empolgação pelo que irei fazer.
- Você irá atuar em cinco pequenas cidades, todas bem próximas. Poderá se locomover entre elas voando ou usando um veículo humano. – Raika explica calmamente, enquanto reflito sobre serem cinco cidades que deverei agir – A alma que irá recolher está localizada num pequeno prédio, se trata de um velho humano que vive sozinho.
- Um humano velho, e que vive sozinho... – Repito para mim mesma – Certo. Será fácil recolher essa alma. Já tenho em mente como irei agir.
Raika sorri satisfeita, entregando um papel para Minos – Gosto de sua empolgação... Minos irá levá-la até a cidade, e te dirá onde encontrá-lo. Localize e neutralize seu alvo... Estão dispensados.
Minos e eu deixamos o salão de Raika, e caminhamos em um sentido que nunca fui antes. Espero que o juiz diga algo, mas ele não o faz. E é assim por todo o caminho que fazemos pelo submundo.
Alcançamos um local no alto de uma colina, parece um tipo de templo com formatos que nunca vi antes. Na verdade, é uma construção bem diferente de todo o resto que existe no submundo. Tem um aspecto antigo e rústico por ser formado inteiramente por pedras escuras e várias colunas, e em seu interior escuro, existe um altar estranho, e um painel logo à frente dele.
O juiz me entrega o papel, e vejo nele algumas marcações. – Deixarei que faça você mesma daqui para frente. Insira esse código no painel, é do local que você irá atuar.
Sigo sua orientação, e vou colocando os detalhes, e assim que coloco a última informação, alguns raios correm pelo piso do altar. Eles correm de um lado ao outro e se reúnem no centro, erguendo-se do chão e abrindo uma passagem bem no centro, com um formato um tanto irregular.
- Ótimo, a fenda está aberta. – Minos diz, avançando até o altar. – Vamos atravessar.
Um pouco receosa, sigo atrás dele. O juiz mergulha na fenda, desaparecendo em seu interior, e respirando fundo avanço também, sentindo uma mudança estranha passando pelo meu corpo, quase como se estivesse atravessando uma parede feita puramente de uma corrente de vento.
Saímos num local escuro e amplo, com paredes e teto de madeira, além de finos pilares também de madeira. O piso inteiro parece ser de terra batida, além de que percebo pedaços de metal e outros objetos espalhados.
Minos abre as portas do local, deixando um pouco de luz entrar no lugar. Avanço até onde ele está, e ao ver onde estamos, sinto meu peito bater com mais força. Estamos no mundo humano.
Pela primeira vez, depois de tanto tempo, estou de volta neste mundo. O misto de sensações que tenho são, ao mesmo tempo que intensas, confusas, e sequer consigo dizer ao certo como me sinto.
- Vê aquela cidade? – Minos diz, e desperto de meus devaneios – Ali é onde você realizará sua primeira tarefa pelo submundo. Vá no endereço marcado, e encontre seu alvo.
- E depois? – Pergunto, e ele me olha de canto com uma sobrancelha erguida.
- Recolha sua alma. – Minos responde – Quando o fizer, volte a este local. Dentro do celeiro, existe um painel semelhante ao que viu no submundo. Está escondido debaixo de um pano velho.
- Certo... – Respiro fundo, enquanto Minos retorna para dentro do celeiro – Quanto tempo tenho para cumprir este trabalho?
- Até a meia noite de amanhã. – Ele responde – Lembrei de algo que é bom você saber. Esta região é pequena, mas está sob os cuidados da Legião. Por isso, tome cuidado.
- Tem anjos da Legião por aqui? – Pergunto, não me sentindo incomodada com isso.
- Anjos não. – Minos me observa – Existe apenas um. Não queira encontrá-lo.
Acho estranha toda a seriedade com que ele me advertiu isso. Ainda assim, apenas confirmo com a cabeça, enquanto o juiz retorna para o celeiro, sumindo na pouca luz.
Respiro fundo, olhando o mundo humano por mais uma vez, assistindo ao pôr do sol iluminando a cidade não muito longe por alguns instantes.
Preparada para meu trabalho, olho o papel por uma vez, e começo meu caminho até a cidade.
*****
Levei algum tempo caminhando até a cidade, sendo o suficiente para que a noite caísse e a lua começasse a brilhar no alto. Observei o céu aberto e o brilho das várias estrelas, ofuscadas apenas pelo brilho pálido da lua.
Procurei o endereço por mim mesma, e por longas horas não tive sucesso, mas finalmente encontrei a rua certa. A cidade é pequena, mesmo assim foi mais trabalhoso do que eu esperava.
Enquanto avanço pela rua procurando o local exato, reparo que já não vejo muitos humanos transitando agora à noite. Acho que é melhor assim, poderei cumprir com meu trabalho com calma e sem correr o risco de ser vista.
Ainda assim, me preocupo que é um local aberto e muito iluminado. Existe um lugar do outro lado de uma rua bem larga, onde alguns veículos param eventualmente. Reparei que, além de ser um lugar com muita luz, tem pelo menos três humanos ali, andando de um lado ao outro.
Se me lembro bem, aquele lugar é um posto de gasolina. Vi alguns deles em alguns filmes que assisti com Nick e Diana depois de alguns dos nossos testes.
Acho o prédio certo, sendo um de apenas quatro andares, mas muito largo e também bastante antigo, tendo um portão de grades que está apenas encostado. Olho de um lado ao outro, não encontrando ninguém por perto, e colocando o capuz do meu moletom, entro em passos cuidadosos, atenta a qualquer ruído próximo. Só preciso encontrar o quarto certo e fazer meu trabalho.
Subo até o último andar, até finalmente encontrar o local certo. Precisei me esgueirar em vários momentos para não ser vista ao passar na frente das janelas, e sempre recuava quando ouvia algum barulho atrás de alguma porta.
Paro em frente a porta que percebo ser de madeira, girando a maçaneta para entrar, mas a porta mal se move. Olho ao redor mais uma vez enquanto me abaixo, e ao encostar minha mão na maçaneta, manifesto meu poder de fogo. Com o calor, consigo puxar a maçaneta junto com parte da porta, mas acabo fazendo certo barulho, o que me preocupa.
Solto a maçaneta no chão devagar e empurro a porta, que tem algumas pequenas chamas presentes no local onde estava a maçaneta, e entro no lugar. Está tudo apagado, e não escuto nada. Um pouco tensa, avanço tendo cuidado com cada um dos meus passos, procurando pelo meu alvo.
Alcanço um quarto, onde vejo uma pessoa deitada em uma cama, e me aproximo devagar, paro ao lado da cama, o observando. Um homem de traços bem cansados, uma barba branca cheia e alguns poucos cabelos em sua cabeça.
Antes de começar meu trabalho, começo a ponderar sem desviar meu olhar dele. Ele é alguém que vive sozinho, e está sendo visitado por um anjo do submundo para ter sua alma retirada. Ele deve ter sido alguém muito ruim.
Toco o peito do homem, pressionando de leve – "Separação". – Pronuncio, enquanto começo a puxar a alma do homem para fora de seu corpo.
Seu corpo imediatamente tenciona, seus olhos se abrem e ele arfa num grito silencioso. Imediatamente me preocupo, pois imaginava que ele permaneceria dormindo durante a retirada da alma, mas logo em seguida percebo que seu corpo relaxa.
Com isso, continuo puxando sua alma para fora de seu corpo lentamente, até que é completamente retirada e se concentra na palma da minha mão, emitindo seu brilho manchado que ilumina este lugar.
Levou mais tempo do que imaginei pela alma se desprender devagar do corpo, mas consegui.
Vasculho o quarto em busca de algo para guardar a alma, e acabo encontrando uma mochila velha, e a deixando no chão, deposito a alma do homem em seu interior, e fechando imediatamente. Agora, tudo que preciso fazer é ir embora, de volta ao celeiro. Foi um trabalho fácil.
Agora que me dou conta, percebo um cheiro estranho no ar. Um cheiro forte de queimado.
Ao olhar para fora do quarto, reparo uma luz estranha e instável. Apressadamente vou ver o que se trata, e encontro uma grande chama consumindo a porta e já espalhada pelo ambiente.
Olho de um lado ao outro já aflita, sem entender de onde esse fogo surgiu, nem como ele se espalhou dessa forma. A saída desse lugar está coberta pelo fogo, que já espalhou por cortinas e alguns móveis, ocupando boa parte da sala, e em questão de muito pouco tempo, irá se espalhar nesse lugar inteiro.
Preciso sair daqui!
Recuo alguns passos, voltando correndo ao quarto e agarrando a mochila, a abraçando com força, tossindo com a fumaça cada vez mais densa e escutando barulhos estranhos, parecendo que alguma coisa perto daqui estourou.
Volto para a sala, olhando rapidamente o que posso fazer. Não existe outra saída além daquela porta, e a janela não é uma opção, as cortinas já foram cobertas pelo fogo. Tenho que deixar esse lugar de alguma forma, mas não tem um caminho seguro.
Outra coisa me preocupa. Estou ouvindo vozes do lado de fora.
Se eu só ficar parada, as coisas ficarão piores e não terei como sair daqui. Decidida em sair de qualquer forma, corro para o meio das chamas, saltando pela porta sem largar a mochila com a alma.
Caio no chão gelado, abraçando a mochila com firmeza. Ao me erguer, vejo o lugar sendo consumido pelas chamas, mas outra coisa me chama a atenção. Existem pessoas no corredor, algumas delas me olham com semblantes surpresos e de estranheza, e uma fumaça escura sai de outros quartos.
Ignoro isso e erguendo meu corpo, disparo numa corrida, empurrando algumas pessoas da minha frente e, alcançando as escadas, desço apressada tomando cuidado para não me desequilibrar e cair.
Enquanto desço, ouço várias vozes próximas, mas não paro em nenhum momento. Apenas me concentro em sair daqui o quanto antes.
Saio do prédio e corro para o portão, e antes de sair, ergo meus olhos um momento, vendo que não somente um, mas outros lugares além do quarto daquele idoso parece haver fogo em seu interior. Mas por que? Não estive lá, o que será que aconteceu? Será que foram aqueles estouros que ouvi?
Tanto faz, isso não é problema meu.
Saio do lugar, olhando de um lado ao outro. Os humanos no posto de gasolina parecem estar olhando para o prédio, já o outro lado da rua está deserto. É óbvio qual caminho irei escolher.
Ignorando tudo que acontece atrás de mim, volto a correr para o meio da rua, mas logo nos meus primeiros passos, todas as luzes da rua se apagam imediatamente. Paro de correr, sem entender o que está havendo, e imediatamente a luz da lua se intensifica ao extremo.
Para meu assombro, junto do brilho da lua, vejo uma imensa sombra surgindo no chão.
A sombra de um anjo.
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