Capítulo 8
Estou quieta, deitada no escuro do meu quarto. Mas a minha mente não. A minha mente voa, corre. Não está quieta, percorre todos os sítios, menos este. Está longe.
Não consigo parar de pensar. Penso no meu avô. Penso no Salvador. Penso no meu pai.
Até há muito pouco tempo pensava que ninguém aqui na comunidade tinha segredos. Para quê termos segredos quando todos aqui queremos o mesmo? Quando tudo aqui parece quase perfeito?
Segredos, uma palavra que até então pensava se ter extinguido juntamente com o planeta que deixámos para trás. Mas estava completamente enganada. Não só existem, como agora também tenho um.
Uma parte de mim diz-me que deveria acabar com tudo, dizer a todos o que vi o Salvador fazer. Não posso compactuar com algo que penso que é errado. É errado mentir, é errado não partilharmos, com os outros, informação que pode ser importante para a comunidade. Mas eu fiz ambas as coisas. E o que me levou a fazê-lo foi uma outra parte de mim. Uma parte que me diz que se eu disser, nunca vou vir a saber o que motivou o Salvador a fazer uma coisa daquelas. Nunca vou poder compreende-lo. E eu quero compreende-lo, eu PRECISO de compreende-lo. Porque para mim nada disto faz sentido.
Na verdade, não tenho muito que pensar. Tomei a minha decisão no momento em que deixei o Salvador sair da enfermaria com todos aqueles medicamentos na mochila. Pode não ter sido a decisão mais certa a tomar, mas a parte mais curiosa de mim ganha sempre. Talvez a curiosidade seja o meu grande defeito. Quero sempre saber mais, e saber demais às vezes pode ser perigoso.
Saber os segredos dos outros é sempre algo de mais, recordo as palavras da minha mãe, que ganham demasiada força na minha mente e me fazem estremecer. Não posso desistir agora, penso.
Agarro-me com força ao papel que tenho na mão. Ao papel que me tem acompanhado durante estes últimos dias. Superstição tola, talvez, mas acho que me tem dado mais força. E bem que tenho precisado dela.
Decidida, abro o papel frágil delicadamente e fito comovida as últimas palavras escritas, dirigidas apenas a mim, pela minha bisavó: "Faças o que fizeres, nunca desistas. Sê tu própria. Sê louca."
‒ Podes confiar, bisavó. Louca serei ‒ prometo, antes de fechar os meus olhos exaustos.
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