Capítulo 43
Capítulo duplo, gente! Este é um capítulo muito fofo, não resisti.
Na imagem acima temos uma nova personagem que vai aparecer neste capítulo. Não me matem, que eu sei que esta história já está a ficar apinhada de gente! kkkkkkkk
Espero que gostem!
Paralisada. Sinto-me incapaz de me mover.
Que bela ideia foi esta de vir até à sala secreta! Não haja dúvida!
Uns pés descalços de um tom castanho claro vêm colorir o chão que permanecia vazio há demasiado tempo. Sobressaltada, ergo a cabeça.
− Anda. Vem sentar-te um pouco − ordena Elisa num tom doce e melódico que lhe é tão característico.
Mesmo sem querer, vejo-me a segui-la sem qualquer hesitação. A sua voz tem o estranho poder de fazer o mais forte dos homens cair sem lutar.
− Vocês gostam um do outro − fala como se fosse uma afirmação e não uma pergunta.
Intrigada, observo-a atentamente. As mãos de um tom castanho pálido entrecruzam-se sobre as suas longas pernas esguias totalmente esticadas para fora do colchão. Os seus cabelos quase inexistentes parecem querer revoltar-se e formam pequenos caracóis negros no topo da sua cabeça. No seu rosto comprido destacam-se uns grandes e expressivos olhos amendoados que fitam o ar pensativamente.
Quem nos visse às duas aqui, sentadas lado-a-lado, diria que tínhamos a mesma idade. Apesar de ser bem mais alta que eu, a sua estatura franzina assim leva, erroneamente, a pensar.
− Como... O que te leva a dizer isso?
− Pela forma como reagem à presença um do outro. Eu sou muito observadora e quando se vive num sítio como este, onde não há privacidade nem muitas atividades para passar o tempo, o comportamento do ser humano deixa de ter grande mistério.
Ter vinte e dois anos deveria ser sinónimo de pouca experiência de vida. Mas no caso da Elisa, talvez esse pressuposto não se aplique.
A Elisa não é uma jovem que confie facilmente nas pessoas, então, ao início, senti muita resistência da parte dela. Mas, aos poucos, foi revelando a sua história e eu fui percebendo melhor a razão desta sua atitude. A mãe da Elisa morreu no parto e, apenas dois anos depois, o pai morreu de doença. Sem família, acabou por ser criada, um pouco, por todos os habitantes da sala secreta. Todos eles se tornaram importantes à sua maneira, mas sem nenhuma figura de destaque na sua educação, ela continuou a sentir o vazio deixado irreparavelmente pelos seus progenitores. A vida dela não poderia estar mais longe da normalidade.
− Não devias ter fugido do beijo.
− Desculpa?!
− Tu percebeste-me muito bem − afirma decidida. Os seus olhos voltam-se para mim, pela primeira vez desde que nos sentámos no único colchão vazio da sala. – Cometeste um erro. O Salvador é um bom homem e vocês estão perdidamente apaixonados um pelo outro. Porque é que fazes questão de o afastar?
− Podes saber muito das pessoas que vivem aqui dentro, mas não imaginas como é a vida fora desta sala − explico angustiada. Fito por breves momentos a porta relembrando o mundo que se estende por detrás desta. – Na comunidade existem regras que ditam a forma como nos devemos relacionar uns com os outros e com QUEM nos podemos relacionar.
− Estou a ver... Tu sabes que eu estou sozinha neste mundo. Tenho muitos amigos, claro, mas não tenho mãe nem pai, não tenho avô nem avó... Porém, o que mais me preocupa é nunca chegar a encontrar um parceiro para a vida. Alguém que esteja sempre lá para mim. Para me proteger, para me fazer sorrir, para me fazer sonhar... Para me amar! Alguém que queira construir uma família comigo. Estou aqui fechada e nem sequer existe nenhum homem disponível, quanto mais um que me ame e que eu o ame de volta. É frustrante, sabes? Sei que lá fora teria mais hipóteses, mas estou aqui... Então, desculpa se não compreendo. Eu dava tudo para estar no teu lugar, para viver uma história de amor, por muito breve que fosse.
A vida aos olhos da Elisa pode parecer muito diferente, mas o que ela quer, o que ela mais deseja, é idêntico ao que muitas pessoas da comunidade procuram. Para mim, isso nunca foi uma prioridade. Durante anos vivi satisfeita e feliz com a família e com a vida que tive a sorte de receber. Receber, isso mesmo. Nunca tive de lutar por nada. As peças do puzzle foram caindo por ordem e eu só tive de as juntar. E agora dou comigo a lançar para o espaço a única peça que tanto trabalho me deu para trazer até mim. A peça que, por si só, vale mais do que a maior parte do puzzle que é a minha vida.
Todavia...
− E se descobrirem que estamos juntos e as consequências forem devastadoras?
− Aurora, eu vivi vinte e dois anos sem que a comunidade soubesse da minha existência. Convenhamos que é possível encobrirem mais um segredo. Só precisam de ter cuidado. Não deixes de viver a vida que desejas por medo. Eu não existiria se os meus antepassados o tivessem feito. E tu também não. Nós somos o resultado da ousadia de muitos Homens, nunca te esqueças disso.
A imagem da minha bisavó implanta-se nos meus pensamentos. Ela arriscou tanto para construir isto tudo. Arriscou tanto para que a família tivesse uma hipótese de viver uma feliz e longa vida. E eu aqui a sofrer, a adiar a minha vida e a limitar-me a sobreviver, tal como muitos faziam no danificado planeta que nos deu origem.
− Tens razão! – O entusiasmo preenche, subitamente, todo o meu corpo com a simples constatação de uma realidade que me impedia, a mim própria, de enxergar.
− Então?! O que é que ainda estás aqui a fazer?! Vai ter com ele!
E ao som da melodiosa voz de Elisa, levanto-me e encaminho-me para a porta. Desta vez, o que me impele a movimentar não é a força da sua voz, mas antes a força que ela me ajudou a encontrar dentro de mim.
Penetro nos escuros corredores que desejo ferventemente que me levem a ele. Corro, sem medo algum de cair ou de me perder neste labirinto que enfrento. Confio no meu instinto por inteiro e sigo de cabeça erguida, sem nunca olhar para trás.
Tenho de o encontrar o mais brevemente possível, não posso adiar mais esta situação.
Um pensamento perturbador, faz-me tropeçar no meu próprio pé. Cambaleio. Depois de ter fugido dele uma vez atrás de outra, será que ainda me quer, questiono-me ao tentar recuperar o equilíbrio. Não o posso julgar se tiver mudado de ideias relativamente ao que pensa de mim, ao que pensa de nós. Porém, ainda tenho esperança. Finco os pés no solo, o corpo todo estável e sólido novamente, e recomeço a andar.
Os meus olhos iluminam-se quando, finalmente, o vejo exatamente no sítio onde pressupus que estivesse. Está sentado com o tronco, ainda desnudo, recostado na grande máquina geradora de água e ligeiramente curvado para a frente. As pernas esticadas e inertes sobre o chão da enorme sala e o seu olhar friamente fixado nas mãos abertas sobre o colo. As mesmas mãos que senti docemente pousadas sobre o meu rosto ainda há pouco. Estremeço com tal pensamento.
Avanço na sua direção. Nem muito depressa, nem muito devagar.
Ao fim de três passos apenas, o Salvador deteta a minha presença e levanta-se de um salto.
− Aurora?! – profere incrédulo com a imagem que se apresenta diante dele.
Em absoluto silêncio, continuo a andar. Uns olhos azuis eletrizantes seguem atentamente cada passo que dou, ainda céticos relativamente à informação que transmitem ao cérebro do alvo das minhas melhores intenções. Talvez ele esteja, neste preciso momento, a colocar em causa a sua própria sanidade. A pensar que isso seria mais provável, do que a ideia de eu estar aqui por ele, depois de o ter afugentado.
Mantenho o ritmo excruciante que parece não me levar a lado nenhum. O meu coração acelera de cada vez que um dos meus pés encurta a nossa distância. A minha respiração vai-se tornando cada vez mais irregular.
O Salvador mantém-se na sua posição, imóvel e hirto. Limita-se a aguardar enquanto um outro ser se aproxima tão perigosamente dele. Mas a posição que adota não parece de todo a de um guerreiro pronto a defender-se. Ele sabe que não constituo nenhuma ameaça à sua segurança. Talvez, outrora, o tenha realmente sido. Quando não o conhecia, perseguia-o e questionava-me, muitas vezes, se não deveria expor os seus segredos perante a comunidade. Porém, nunca me senti inclinada para tal. Qualquer coisa dentro de mim, o meu instinto, quem sabe, protegia-o. Ainda assim, até hoje representei uma ameaça ao seu bem-estar. Mas isso acaba aqui e agora!
Avanço. Avanço. Avanço.
O meu braço direito estende-se no ar. Sem nunca chegar a travar os meus pés, coloco a minha mão na sua nuca e puxo-o para mim. Fecho os olhos e tremo de antecipação. Os meus lábios abrem-se sobre os dele, que se apressam a responder com igual intensidade. O meu corpo colide com o seu e os seus braços prendem-me nessa mesma posição, enlaçados fortemente em torno da minha cintura.
A mão que tenho livre agarra-se às suas duras costas e sinto-o estremecer sobre o meu toque. Os seus lábios reclamam os meus para si desesperadamente e não permitem que estes se afastem nem por um segundo. O escasso oxigénio que entra no meu organismo provém dele. Um ar quente e delicioso que me aquece as entranhas, apesar de carregado de dióxido de carbono.
Já quase sem ar, rendemo-nos ao inevitável e as nossas bocas separam-se, lentamente, ainda abertas para deixar entrar o oxigénio de que tanto necessitamos.
Colo carinhosamente a minha testa à dele e os nossos narizes unem-se igualmente. Sinto-o inspirar e expirar o ar tão velozmente quanto eu.
− Se a tua ideia... é enlouquecer-me, − começa o Salvador notavelmente ofegante, − estás a ponto de consegui-lo.
Separo a minha testa da dele e abro os olhos para o poder ver pela primeira vez depois do nosso segundo beijo. Os seus olhos em chama devoram os meus.
− Queres dizer que depois deste esforço todo, ainda não te consegui pôr louco?! Acho que vou ter de me esforçar um pouco mais... − comento maliciosamente aproximando os meus lábios aos dele.
− Espera, Aurora. – O seu rosto afasta-se do meu, mas os seus braços continuam a segurar-me fortemente junto a ele. A sua recusa deixa-me confusa e magoada. Será que a ideia dele é tratar-me da mesma forma como o tratei a ele no passado para que perceba o quanto dói? Não, o Salvador não seria capaz. – Por mais que eu te queira beijar agora, não o podemos fazer. Já estamos a arriscar demasiado. É hora de almoço, lembras-te? Os homens que trabalham com o meu pai podem aparecer a qualquer altura.
O meu coração fica instantaneamente mais leve. Ele não se quer afastar de mim. Está apenas a garantir a nossa segurança. Como é bom ouvi-lo dizer que me quer beijar outra vez. Ele esperou por mim. Esperou até que eu estivesse pronta para viver este novo capítulo da minha vida. Ele não desistiu de mim!
− Então talvez seja melhor soltares-me... – provoco-o.
Um sorriso chega-lhe aos olhos. A imagem apanha-me desprevenida e solto um curto, mas incontrolável suspiro.
− És capaz de ter uma certa razão − admite. – Apesar de isso ser a última coisa que me apetece fazer. – Demoradamente, ele acede ao dever de nos salvaguardar e a minha cintura fica novamente desprotegida. – É melhor ires agora, antes que alguém te veja aqui.
− Está bem, mas eu volto.
− Prometes? – Questiona num sussurro ansioso.
− Sim. – Um sorriso sincero desenha-se no meu rosto. – Prometo.
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