[2] Per Speculum

— Como assim não mora nenhum velhinho baixinho com a aparência semelhante ao Mestre dos Magos nessa casa? — Berrava para a moça na qual me atendia na porta da casa do meu, aparentemente, falso vizinho de frente.

Não preguei os olhos durante o restante da noite anterior, se muito me ocorreu foram breves cochilos e por isso levantei determinado a devolver o espelho.
Eu tinha certeza de que todas as portas que davam acesso à minha casa estavam devidamente trancadas, então não há como alguém ter entrado, ou seja, aquilo só pode ter sido projetado dentro do espelho pelo velho do bazar.

Entretanto, para o meu desespero e infelicidade, fui atendido por uma senhora na qual se identificou como governanta da casa. Após questioná-la sobre o velho baixinho e seu bazar, a mesma disse que não havia ninguém com tal aparência residente ali e que os donos da casa haviam viajado faz dias.

— Senhor, se acalme, sim? — Estendeu as mãos para frente, pedindo que eu ficasse mais tranquilo, o que era impossível naquele momento. — O senhor pode ter errado a residência, existem outros vizinhos próximos a nós que podem ter essa descrição na qual me passou, tente ir até eles.

— A senhora, não está entendendo, ontem tinha um bazar bem ali fora e... — Não deu tempo de completar pois a mesma fechou a porta na minha cara.

Porra, caralho, inferno.

Sorte dela que eu sou educado e respeitoso com os mais velhos, ao menos alguns deles sim, mas não vem ao caso agora.

Andei até a calçada me sentindo o vilão principal de um filme que sofre algo traumático e depois de frustrado, começa a planejar vingança. Porém, antes de planejar alguma coisa, eu preciso descobrir onde esse velho está e o que aconteceu. Não existe a possibilidade de não ter ocorrido aquele bazar, afinal eu estou com o espelho, o que me faz concluir que o velhote com certeza pagou aquela senhora para me fazer de idiota.

— Jungkook? O que você faz aí largado na calçada? — Taehyung surgiu em minha frente cobrindo com sua cabeleira ruiva os raios de sol que batiam em meu rosto.

— É uma longa história. — O Kim retirou os óculos escuros do rosto e me analisou por um momento, logo depois me oferecendo sua mão como apoio para levantar.

Caminhamos em silêncio até entrarmos em casa. Taehyung havia trazido café da manhã diretamente de uma das minhas cafeterias favoritas, o cheiro do sanduíche feito na chapa apenas aumentava meu apetite e não esperei duas vezes para atacar o mesmo junto a um copo de suco assim que o Kim os colocou no balcão de mármore da cozinha.

— Coma mais devagar, Jungkook. — Taehyung me chamou atenção e eu retribui com uma careta mal feita de boca cheia.

O ruivo apenas me observou em silêncio e assim que me alimentei devidamente, o mesmo me ajudou a limpar a bagunça e me acompanhou até as caixas empilhadas para iniciar a organização do que havia dentro delas.

— Certo, eu segurei minha curiosidade até agora, não vai me contar o que houve? — Taehyung sentou-se no chão, abriu a caixa com os livros que ficariam nas estantes do meu quarto e começou a arrumá-los.

— Separe-os por gênero, por favor. — Me sentei ao seu lado e abri uma caixa aleatória. — Bem, ontem eu ganhei um espelho de um velhinho, no qual era para ser meu vizinho de frente, mas hoje descobri que ninguém com as características dele mora naquela casa.

— Conta essa porra direito. — Taehyung largou imediatamente o livro que segurava no chão e como uma velha fofoqueira aproximou-se para ouvir minha lenda urbana.

Contei tudo ao Kim que me ouvia atentamente como uma criança ouvindo o professor narrar a melhor história de conto de fadas já inventada, a diferença é que é um conto de terror.

— Jeon, você tem certeza de que não leu nada ontem e acabou sonhando? — Taehyung questionou. — Porque vejamos bem, não que seja impossível, mas o bairro que você está atualmente tem um índice muito pequeno de invasões e outros incidentes, logo, a dedução de alguém ter entrado aqui é quase descartável, restando apenas a opção de que foi um sonho ou outras teorias sobrenaturais mesmo. — Taehyung me encarou e estreitou os olhos. — Você fumou?

— Taehyung isso só aconteceu uma vez, por Deus. — Revirei os olhos. — Eu preciso desvendar o que está acontecendo, agora venha ver o espelho.

Me levantei estendendo a mão para ajudar o Kim a se erguer. Subimos e caminhamos até chegar na frente da porta de meu quarto que se encontrava entreaberta, empurrei a mesma dando passagem para Taehyung que estava em meu encalço.

Como duas cabeças pensam mais do que uma, ambos paramos na frente do espelho e encaramos os nossos reflexos durante um tempo, apenas pensando no que poderíamos fazer.

— E se desmontarmos o espelho? — Taehyung quebrou o silêncio.

— Caralho, você pensa, que descoberta incrível. — Disse ironicamente. — Uma das minhas teorias era de que existe algo no espelho que projetou aquela sombra ontem, então vamos logo com isso.

Quando o Kim se aproximou do espelho, seu celular vibrou em seu bolso, iniciando um toque barulhento e animado, nos assustando.

Era meu pai.

O contato "Senhor Podre Jeon", brilhava na tela do celular à nossa frente. Taehyung me fitou rapidamente e eu apenas assenti para que o mesmo atendesse, e assim ele o fez, colocando no viva voz em seguida.

O irresponsável do meu filho está com você? — Ele não parecia exaltado, muito pelo contrário, sua voz era séria e cortante.

Peguei imediatamente o celular da mão do Kim e desativei o viva voz. Não é como se ele não soubesse sobre o tratamento que recebo de meu pai, mas mesmo depois de anos ainda me sinto desconfortável quando pessoas próximas presenciam tais atitudes.

— Estou sendo irresponsável durante anos então? — Respondi no mesmo tom pelo qual fui recebido.

Sua risada amarga soou do outro lado da linha.

Não vamos começar isso de novo, Jeon. Agora me diga, onde está a porra do seu telefone?! — Alterou a voz. — Sempre tenho que ligar para esse inútil, para saber onde você está.

— Está carregando, pai. Ontem com a mudança não tive tempo de... — O mesmo me cortou antes de eu concluir a explicação.

Pouco me importa o que você estava fazendo, as negociações com os acionistas das livrarias não vão ser feitas sozinhas. Incrível, que mesmo depois de anos você continua incompetente. — Disse rispidamente. — Tempo é dinheiro, Jeon Jungkook. — Foi a última frase dita, antes do mesmo desligar.

Fiquei encarando a tela apagada do celular até Taehyung vir e tirá-lo da minha mão, não sem antes dar língua como se de fato meu pai ainda estivesse ali.

— Jungkook, primeiro vamos terminar de arrumar sua mudança, sim? Uma coisa de cada vez, não se sobrecarregue por causa das palavras dele.

Assenti e acompanhei o Kim de volta para continuarmos a organização. Tudo o que eu desejava era distrair minha mente com meus livros e fugir da realidade que me cerca, principalmente das palavras de meu pai. Se eu pudesse, iria para outra dimensão e me isolaria lá.

Ao entardecer e com grande parte das coisas arrumadas, Taehyung se despediu deixando ainda a bagunça dos lanches que compramos para serem recolhidos, mas como a casa é minha e estou quase sempre só, limpo outra hora.

Subi direto para o quarto e parei diante do espelho, foram tantas coisas acontecendo que meu foco se desviou totalmente dele.

— Espelho, espelho meu, existe alguém mais belo do que eu? — Brinquei na frente do mesmo fazendo poses exageradas.

De repente, o espelho inteiro iluminou-se e uma frase começou a surgir em sua lateral, parecia até que havia alguém escrevendo algo com os dedos. A cada letra desenhada faíscas douradas eram expelidas.

Per Speculum.

— De fato, você é muito belo, no entanto, eu sou muito mais. — A mesma sombra, da qual apareceu na noite anterior, se projetou recostada na borda do espelho.

— Meu pai do céu, me mudei para ter sossego mas o universo decidiu me presentear com terror. — Joguei os cabelos para trás e passei as mãos pelo rosto impaciente. — Vamos lá espírito do espelho, eu não estou com paciência hoje, sim? Então, me diga quem você é, de onde vem e o que quer de mim.

— Eu sou Park Jimin, um bruxo do reino de Alfather, estou preso neste espelho a estimados 100 anos e preciso que você me ajude a sair dele.

O espelho iluminou-se pela segunda vez e a sombra aos poucos foi tomando forma, revelando um rapaz de pele pálida, madeixas castanhas caindo na altura do olho, a blusa branca de babado e o terno roxo contrastavam com os anéis de prata ocupando seus dedos e alguns colares de pedras coloridas avivando sua vestimenta.
Ele carregava em si o moderno e o antigo, com uma pitada mística.

— Você só pode estar de brincadeira. Como isso é possível? É armação daquele velho, tenho certeza. — O moreno levantou o olhar e me fitou.

— De fato foi uma armação para você ficar com esse troço aqui, mas eu não sou um tipo de coisa eletrônica, ou seja lá o que você estiver pensando. — O até então bruxo cruzou os braços na altura do peito. — E pense racionalmente, se eu fosse essa coisa aí, com certeza não estaria assumindo que foi um plano do velho. — Jimin piscou para mim.

— A solidão faz as pessoas terem amigos imaginários. É isso, eu criei você na minha mente para não me sentir tão só nessa casa. — Encarei um ponto aleatório na parede atrás do espelho.

— Santo Moliuns, com esses olhos arregalados, você parece mais assustador que um ciclope que só tem um olho. — O moreno esboçou uma careta.

— Se você for verdade mesmo, eu quero provas. — Voltei a olhá-lo.

Analisando melhor sua aparência, o bruxinho até que é atraente.

— Meus poderes não funcionam corretamente aí fora e nem aqui dentro. — Sua expressão tornou-se melancólica — Mas bem... — Jimin pôs as mãos, que eu notei serem pequenas e delicadas, nos lábios. — Eu te vi nu na frente desse espelho, já é uma grande prova, se é que você me entende. — Conteve um sorriso brincalhão que brotava em seus lábios.

Corei tal qual um tomate.

Eu ficaria excitado se não fosse perturbador.

Pigarreei quebrando o clima esquisito e o meu constrangimento.

— Estou falando de provas sobrenaturais bruxo de taubaté. — Revirei os olhos.

— Você quer mais do que o fato de eu estar, neste exato momento, preso nesse caralho, falando com você? — Não o respondi. — Certo.

De repente o reflexo do espelho ficou todo preto, como se estivesse apagado e sem aviso prévio, uma grande garra vermelha surgiu de dentro do mesmo e agarrou meu braço. Tentei me desvencilhar de seu aperto, mas o monstro colocou seu corpo todo para fora do espelho, revelando sua aparência tenebrosa fazendo-me congelar de medo.
Ele era muito forte, tinha chifres pretos e pontudos — diferente do vermelho do seu corpo — e presas enormes.

O monstro levantou-me apenas pelo braço em que ele mantinha o aperto e eu pude ouvi-lo estalar por tamanha força depositada.
Seu rosto era triangular e áspero, seus olhos vazios e negros, completamente negros. E encarando o mesmo, eu senti uma solidão avassaladora, e enxerguei a imagem de meu pai.

Não percebi quando lágrimas quentes começaram a rolar pelo meu rosto, até que o monstro me soltou no chão.

A criatura foi sugada para dentro do espelho como mágica e eu apenas me encontrava largado no chão com medo, muito medo.

— Era um demônio dos traumas. — Jimin surgiu no espelho. — O que mais me assustou foi o fato de eu não precisar utilizar totalmente minha magia para invocá-lo, pois você mesmo o fez. Eu só precisei realizar o feitiço, mas sua mente foi o controle. — O moreno suspirou. — Eu tive que mandá-lo embora já que as coisas estão piores do que eu imaginei. — Jimin se abaixou para ficar na altura do meu rosto e me encarou profundamente.

— Bem... — Desviei o olhar. — Eu acredito em você. — Jimin sorriu ao ponto de seus olhos fecharem. — Mas isso não significa que irei te ajudar. — Seu sorriso se desmanchou lentamente.

— Por hoje não irei mais insistir. — Jimin se levantou, ajeitando o terno. — Mas lembre-se que eu sempre estarei te observando através do espelho. — E desapareceu, me deixando apenas na companhia do meu reflexo.

⊱✙⊰

[caixinha para depositar sua opinião sobre o capítulo]

oioi quem é vivo sempre aparece né e quem é preso no espelho tambémkk

primeiro,

Per Speculum significa "Através do Espelho" em latim.

segundo, me desculpem pela demora da atualização, ainda tô atarefada :(
e muito obrigada por todo apoio e animação que vocês demonstraram com ADE aaaa, amo vocês <3

enfim, não se esqueçam de votar, um beijão na boca e até a próxima. 🌷

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