O Contador e o Empresário - Parte 01

Todos os dias nós temos a oportunidade de ouro de dar o melhor de nós e tentarmos colher algo de bom. 

Eu não sou o único homem que tem filhos, trabalho, relacionamento, contas para pagar, mais de trinta anos e se comporta tipo adolescente às vezes. Isso me acontece quando Júnior aparece na minha sala na primeira hora, consumindo a minha dose de energia diária.

Não sei para qual entidade superior, eu Túlio, solicito paciência. Deve ter um santo que nos protege de gente como Júnior e assim não permitir que eu me humilhe na frente desse merda.

- Porra cara, me tira daquele departamento fiscal...

- Você que pediu para ir trabalhar lá Jesus Cristo. – Passo a mão na cara e já sinto a queimação e a raiva subindo.

- Tá, mas o lance é que tem a Monique, entende? Porra, ela me pede vinte coisas ao mesmo tempo. – Ele reclama afinando a voz para imitá-la. – Camilo já mandou a DIME? O ICMS? Não esquece que vence dia dez. Já imprime os parcelamentos para mandar junto. Ai, atualiza os DAS do Cicrano da porra, ai não esquece que ligar para a fulana do caralho...

Seguro o riso, porque esse cabeção me leva a olhar a vida de outra maneira às vezes.

- Ah Túlio, não dá certo... acho que estou meio afim, sei lá.... Ela viaja o tempo todo, já dei dica e não rola, sabe.

Não falta mais nada, eu penso.

- Você pediu para trocar de departamento quando ela assumiu, Junior. Monique tem quase trinta, tem gêmeas de 6 anos.... Quer isso tudo? Ela não é mulher para dar uns tiros. E se ela tem dado umas cortadas em você é por que não tem interesse. Você é novo rapaz, te emenda. E sobre essas expressões nada profissionais, sério agora, tem que parar.

Ele revira os olhos. Porque não posso responder com uma bofetada?

- Cara, é que tem uns "filha" da puta...

- Júnior... Vou começar a emitir advertências se continuar assim.

- Só xinguei agora.

- Não senhor, passei pelo setor ontem mesmo e ouvi: "porra, essa vagabunda não pagou a guia, tenho que interromper minhas coisas, para calcular essa merda. " Eu ouvi você dizendo isso na frente das colegas, falando dessa forma de quem ajuda a pagar seu salário...

- Ahahaha... – Porque esse corno dá risada? – Cara, você é engraçado. Entendi, não é para xingar mais esses clientes...

- Chega. Cliente paga nosso salário e quero mais respeito aqui dentro, agora some da minha frente que ainda te soco.

Ele sai da sala rindo e me deixando ainda mais irritado.

Minha manhã tirando isso foi calma. A tarde tem a escola da Rafa que programei para ir no início. O que será que vou escutar por lá? Não basta ser pai, como dizem.

Almoço com Braz, aproveitando para levar uns livros Diário e Razão para ele assinar. Pego a Rafa na casa da Ira, que estuda a tarde, deixo o Edu na creche e fico uns cinco minutos na antessala da orientação aguardando a fulana terminar de atender uma mãe. Depois que a outra mãe sai, vem na porta a jovem orientadora sorridente.

- Túlio? Paizinho da Rafa?

- Sim, sou eu. Acho que te conheço. – Claro que conheço, foi minha ex namorada lá pela oitava série.

- Eu também. Quanto tempo que não te via, sabia que um dia você ia trabalhar com números, você era bom em matemática. – Ela diz apontando a logomarca da contabilidade bordada em minha camisa. – Eu não vou tomar muito seu tempo, sei que é bem corrido, sabe que precisei tomar uma postura perante as outras mães que vieram aqui reclamar da Rafinha.

- Outras?

- Umas quatro mães. Ela é bem pavio curto. Pelo menos umas três foram por defesa de seu ponto de vista. Um coleguinha falou mal do cabelo dela, pou, deu um chute do menino naquele lugar. Uma menina usou termo racista, ela socou o nariz dela até sangrar, outro menino quebrou a régua dela, sabe o que ela fez, jogou o material dele pela janela.

- Ufa, pelo menos não bateu nesse.

- Jogou o material dele, depois de ter dado uns chutes. Túlio ela é agressiva assim em casa?

- Minha filha não é agressiva, eu concordo que é um pouco geniosa, mas crianças são assim mesmo.

- Vou querer que você e a mãe da Rafa venham conversar comigo juntos, certo? Antes de ontem, ela bateu na melhor amiga. Por isso que te chamei, isso é sinal de agressividade ou não?

- Sabe o motivo?

- Foi uma brincadeira pelo que a professora me contou, uma coisa sem sentido.

- Não acobertaria minha filha se estivesse errada. Você percebeu o acumulo de coisas sobre ela? Falaram do seu cabelo crespo, da cor dela e alguém lhe quebrou um item escolar que provavelmente não foi reposto e ela é a encrenqueira? Educamos muito bem ela, mesmo separados somos parceiros na criação dos nossos filhos e se fosse para eu dar a ela um conselho sábio seria, não baixe a bola para ninguém e o tapa na fuça da melhor amiga foi merecido, já pensou em chamar o outro pai?

- Olha Túlio, a Rafaela tem qualidades e inteligente demais para a idade, tem sempre resposta pronta e geralmente monopoliza a atenção dos colegas e também da professora. Ela questiona demais, só se acalma quando está satisfeita.

- Está desviando do assunto...O motivo de bater na colega foi por ter comentado com ela a respeito de eu ter um relacionamento com uma pessoa do mesmo sexo e pedir para a melhor amiga guardar segredo, o que não aconteceu. A menina comentou com a sala toda, mas pelo que a Rafa me contou, o soco que ela deu na amiga, foi porque os colegas caíram na risada e usaram termos, como vocês dizem" inadequados", ou seja crianças de oito anos chamando o pai da amiga de viadão.

- Entendo, é complicado.

- Para você que é orientadora educacional, não deveria ser. Vou convidar a Iraci para vir comigo a reunião, mas me faça um favor, chame todos os pais e mães que reclamaram da milha filha negra de cabelos crespos e que tem um pai viado.

- Não, você está certo. Acho que tínhamos que chamar os pais da Isa antes, é tanta coisa, tanta criança...

- Foda-se, não me interessa. Minha filha é esquentada, é sim, mas é muitíssimo educada e carinhosa. Quanto a monopolizar a atenção, cabe a digníssima professora coordenar seus alunos, curiosidade é coisa da idade, não acabou de me dizer que ela é inteligente demais ou foi para me agradar?

Ela fica sem jeito e tenta argumentar, quase peço desculpas pela explosão.

- Você conversa com a mãe da Rafaela então, pode pedir para a Iraci me procurar que quero saber o que ela acha.

- Não vou pedir a Iraci para vir, vocês me chamaram, estou aqui e sou responsável por ela. Vou querer essa reunião com os outros pais.

- Olha Túlio, fica complicado porque cada um tem compromissos...

- Eu não? Fico no aguardo da reunião.

Saio puto daquela sala e nem me despeço. Eu todo atarefado, achando que haveria algum argumento decente para a advertência da minha filha e escuto um monte de lixo.

Tem dias que o peso da nossa "bagagem" excede o limite.

Quando descascamos um caminhão de abacaxi, chega um carregamento de pepino. Ah, eu ainda surto.

No jornal das sete vez ou outra noticiam sobre algum crime e "sócios" do esquema que deixou Rosa Maria e Valentin ricos. Tráfico de pessoas, sequestros, estelionatos, falsificações e até mortes por encomenda. Mas como a repórter diz: eles são suspeitos. O medo está levando-os a fazerem uma cagada atrás da outra, entregarem gente no intuito de se safarem e por fim arrumam testemunhas contra eles mesmos.

Eu ainda ando tenso.

No elevador Eliseu me convida pela enésima vez para tomar um café.

- Credo Túlio, é apenas um café com um vizinho. Eu não vou te agarrar.

- Não, claro, eu sei. Mas...

- Aquele sujeito mal encarado está certo em ser ciumento, você é charmoso, mas não confiar...

- Ele confia, Eliseu. Mas obrigado pelo convite.

Falo rápido e saio do elevador meio apavorado, quase correndo. Entro em casa e lá está: 1,95m de altura, moreno, cabelo preto, corpo forte, pelos que o deixam meio selvagem, rosto másculo, cara de bravo.

- Sim.... Que demora é essa? Vi o seu carro dobrando a esquina há vinte minutos.

- Ei, pode parar, não começa com isso. Eu estava na recepção conversando com o Pacheco e depois subi. Tá, eu encontrei o Eliseu que subiu comigo, mas é só.

Estamos na segunda quinzena de setembro, clima gostoso para um namoro, uma conversa com cerveja, assistir ao jogo do meu verdão contra o time dele, mas clima ameno é apenas a temperatura da estação, nada mais. Braz anda possessivo, aliando isso a preocupação com nossa integridade.

- Amor? – Mais tarde sentados no meu sofá, lembro-me de alguma coisa. – Fomos convidados para um casamento em início de fevereiro. Fui convidado para ser o padrinho do Mauro.

- Isso que quero ver... Você de mãos dadas comigo dentro da igreja.

- Aposta o que?

- Meu cu. – Ele ri quando fala.

- Fechado. Esse já faturei fácil.

- Mas enquanto esse dia épico não chega, vem sentar no meu colo e ganhar cafuné. A Itália, minha empregada, me contou que o filho policial dela e está vigiando uma testemunha.

Encho nossos copos com a cerveja escura geladíssima e sento no seu colo.

- Aquela testemunha? – Sorrio.

- É, aquela doce testemunha. O que ele falou no depoimento não é nada perto do que já veio à tona. Mas foi muito importante esse grande passo, o rapaz ganhou meu respeito.

- Pelo que ele me falou e pelo que deu para entender, é que usavam alguns fatos para assustar ele e mantê-lo de boca fechada. Acho que nem ele sabia que havia tanta merda oculta.

- Essa cerveja é boa.... Comprou no concorrente?

- Não achei no seu. Voltando ao assunto, sabe que me veio uma loucura na cabeça.... Será que o médico envolvido naquele esquema dos órgãos, que intermediava, favorecendo os pacientes com grana e ganhando comissão, talvez seja o pai da Elvira?

- Nada de brincar de detetive, vamos brincar de mágica...

- Idiota, vem com a piada infame de esconder a vara que te dou um chute.

Braz não diz nada, só dá uma risada. Depois de um banho, namoramos gostoso, varamos a madrugada a conversar e no outro dia acordo num humor péssimo pela falta de sono.

- Túlio, vamos sair da rotina nesse final da semana. Aluguei um chalé no interior, vai fazer bem para nós dois.

Com o passar de dias ou meses, a relação estabiliza. Estabilidade pode levar a rotina e se não buscar algo que venha apimentar a relação a coisa esfria e congela. Por isso a confusão no início de um relacionamento, depois de um beijo ou de uma foda gostosa, nos pegamos jurando amor eterno, na primeira briga nos odiamos e por vezes um casal que se adora vira um par de estranhos. Eu acho que está perfeito da forma como as coisas estão e tenho um pouco de preguiça de sair desse ritmo.

- Chalé? Que tipo de chalé? Não é muito longe, não é? Não tenho saco para pegar a estrada no sábado, todo mundo sai junto e odeio transito.

- Já acabou?

- O que?

- De reclamar. Porra, que cara chato. Não quer sair comigo? Já fiz a reserva e a coisa mais fácil que tem, é cancelar.

- Onde você vai? – Braz ficou chateado e no mínimo vai embora.

- Dar um tempo, vou dormir em casa, não quero ter que comer teu rabo para te comprar. Você é quem sabe.

Sem chance de alcança-lo, fico na porta do elevador parado uns quinze minutos, achando que ele volta.

Não é a primeira vez que brigamos. Por que o Braz quer impor a mim sua vontade? O foda é ele fica dois dias inteiros sem falar comigo e eu me odeio por ser tão orgulhoso. Olho a para o meu celular e não tem chamada perdida, nem mensagem. Ele não vem em casa, nem atende na casa dele. Mas sua empregada o faz e comenta que o Braz ficou um dia na sua filial no Paraná.

Dois dias... será que ele terminou comigo e não me disse nada? Porque ele não atende a bosta do celular? Será que vai me dar um mês torturante ou serão quatro?

Chega, isso tem que acabar ou ele aprende a ouvir um não. 

Ah eu vou morrer sem ele. Vou lá dizer que sim, quero ir para o interior ou para onde ele quiser.

No mercado onde ele costuma ficar, o gerente Crésio me recebe todo sorridente e diz que o Braz está cansado de correr para o estado vizinho para resolver pepinos.

....

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