Difícil arte de manter a ética - Parte 01

Por Túlio...

Em um escritório contábil, como em qualquer outra área, recebemos todos os tipos de pessoas as quais procuramos atender bem, relevando suas particularidades. Nosso trabalho é avaliar a "saúde" de uma empresa através dos lançamentos, apurações e demonstrativos e partir destes, possibilitar aos administradores tomarem suas decisões.

Minha política neste escritório que gerencio há seis anos chama-se parceria, seja com funcionários ou clientes, gosto de transparência e ajudar quem quer ser ajudado. Não sou o famosos guarda-livros, sou o contador pé no saco e isso já me levou a ter atritos por ser exigente com todas as partes envolvidas. Um dos pontos positivos, em minha opinião, é que tenho boa fama como contador e é claro que atribuo isso a equipe que comigo trabalha.

Por esta fama recebi mais um cliente, este do ramo da indústria e comércio de chocolates artesanais finos. Um jovem empresário que deve ser mais novo que eu e que colhe bons frutos que seu empreendedorismo tem gerado. Este empresário me procura para saber sobre os encargos que terá ao registrar seus funcionários, ele veio por indicação de uma pessoa conhecida por quem tenho fortes sentimentos, meu Braz. Seria apenas mais um usuário de serviços contábeis, se esse rapaz não fosse o ex-amante dele.

- Então Carlinho. Seriam esses os encargos que você teria, ah, sua empresa não é do Simples, tem o INSS patronal... – Não me reconheço, estou nervoso de verdade na frente daquele rapaz que até agora demonstrou total simpatia e atenção ao que lhe explico. – Certo? Seria isso. Perdoe-me, mas quem faz sua contabilidade?

- Nem me fale. Ele não explica nada dessas coisas e nunca me disse que eu podia ter "poblemas". Esses dias eu levei uma multa só porque pegaram uma calculadora em cima do balcão e pensa que ele me avisa essas coisas?

Sem me aguentar eu faço a pergunta que não consigo reprimir mais.

- Conhece bem o Braz?

- Conheço demais aquele ursão. – Ele sorri malicioso e eu lhe sorrio falsamente como se fosse totalmente ignorante aos fatos. O que não fazemos em nome do profissionalismo? Ah, Braz... Ou devo chamar de ursão? Minha cara queima de raiva. – O Braz é viciado nos meus bombons, sabia?

Ele ri e desta vez não me forço a ser cordial, apenas volto ao assunto referente a sua visita.

- Que ótimo saber disso. Certo, tem mais algo que gostaria que lhe esclarecesse? – Isso o faz voltar ao contexto.

De forma gentil pede-me sobre os trâmites para a transferência de suas lojinhas para a nossa responsabilidade e no final da conversa quando contorno minha mesa para dar-lhe a mão, ele me olha dentro dos olhos e aproxima seu rosto para beijar minha face num cumprimento que habitualmente não acontece entre dois homens.

- Obrigado então Carlinho, tenho que agradecer o Braz.

- Vou estar com ele hoje de noitinha, ah, eu que agradeço por tanta atenção Túlio. Já ia me esquecendo, vou deixar uma amostra para ver se você gosta. – Carlinho dá-me uma caixa lindíssima com pequenas e finas trufas de chocolate ao creme de café.

- Obrigado.

- O Braz ama esse daí. Ele é maluquinho por chocolate e me liga direto... – Ele diz sorrindo e me dá uma piscadinha deixando-me desconfortável.

- É, chocolate é bom. – Não estou com ciúmes, apenas sinto vontade de fazer esse cara engolir a embalagem que tenho em minhas mãos. E Braz? Ah, seu Braz e eu temos que conversar. – Mais uma vez lhe agradeço.

Quando ele sai eu respiro. Braz Joaquim Vieira, eu espero que me explique direito isso.

Espera! O cara vai ter um encontro com ele?

Que vontade de atirar a caixa de chocolates nas costas desse sujeito que anda rebolando até a saída.

Será que isso são ciúmes? Foda-se, ninguém gosta de ser feito de trouxa e hoje vou medir o quanto canalha Braz pode estar sendo, pedindo que venha me ver, quebrando nosso combinado de nos vermos apenas nas quartas, sextas feiras e os fins de semana onde não fico com meus filhos.

Para "melhorar" meu dia, Junior aparece com um sorriso dos mais debochados que conseguem atravessar sua cara e aspira do ar de minha sala.

- Quem era a "gata" cheirosa? Ganhou até chocolates, hum?

Calmo Túlio. Eu penso.

- Um cliente que tem lojas de chocolates e por favor, não fale assim de forma desrespeitosa.

- Se eu fosse você não comia, vai que tem uma macumba e depois você vira "lobisomem" que nem ele na lua cheia.

- Júnior, chega. Se quiser eu vou à sua casa, converso com o Camilo Pai e explico que não deu certo aqui. Posso?

- Sério? Agora que eu gostei disso aqui. Até fiz a matrícula para entrar na turma do segundo semestre de contábeis.

Valha-me senhor.

- Que notícia ótima! Agora fala logo o que posso fazer por ti?

- Preciso de uma sala né, porra. Não quero ter que ficar dividindo computador com a Nice, a sala do pai ninguém usa eu vou ajeitar pra eu mesmo usar.

- A sala do seu pai não, mas vou ver uma mesa no setor contábil onde você demonstrou tanta afinidade.

- Já falei com o pai e ele disse que posso ficar onde achar melhor, desde que não atrapalhe ninguém. Melhor eu ficar sozinho, naquele contábil ficam ouvindo música gospel o dia todo.

- Não quero saber. Vai de uma vez e leva isso. – Vou empurrar em suas mãos a caixa de bombom e ele levanta as mãos.

- Sai fora. Eu não toco nisso.

Como esse cara é infantil.

Nesses anos de contabilidade é a primeira vez que uma causa pessoal interfere em meu trabalho. Minha concentração é muito difícil, fico coçando a cabeça muito irritado e sinto meu estomago revirar. Não é ciúmes, porque eu teria ciúmes daquele rapaz? Ele é até bem bonitinho, magro, pequeno e analisando o balancete que ele trouxe, tem dinheiro. Quantos caras que são bonitos e tem dinheiro conhecem o Braz? Carlinho de repente representa todos os machos atraentes que passam na frente do meu namorado.

Namorado? Começo a rir, um riso de raiva e me dou conta do papelão quando Júnior está de braços cruzados a me analisar.

- Não vou ficar assim que nem você com o tempo ou vou? – Júnior está louco para rir.

- Estou cabreiro.

- Ah... – Júnior dá uma gargalhada. – Cachorrão, heim. Acha que está levando chifre de alguma vadia?

- Júnior, vai e organiza a mesa do seu pai como achar melhor e me deixa sozinho.

De repente acho que estou realmente um pouquinho enciumado. Aquela tarde de quinta depois que o "bombonzinho" idiota saiu da minha sala deixando aquele cheiro de perfume de puta barata, me livro do encosto chamado Camilo Júnior e ligo para o Braz.

Caixa de mensagens, claro. Cachorro. Ligo mais umas vinte vezes e nada dele me atender. Cansei dessa palhaçada. Quando chegam as dezoito horas, pego a caixa de chocolates idiotas e vou para casa.

Pelo caminho penso que um homem com trinta e um anos não age dessa forma, pois é ridículo. Meu comportamento cabe a um rapaz de dezesseis anos e claro que estou sendo precipitado em não dar chance ao Braz de explicar-se.

Ele não me atende as dezoito, nem as dezenove e lá pelas vinte e duas horas quando estou a me entreter com os informativos contábeis, meu telefone toca.

- Você me ligou? - Braz me atende todo falso como se nada tivesse acontecido.

- Porque você acha isso? – Estou puto. – Pensei que tinham te sequestrado. Poderia vir hoje?

Ele ri do outro lado.

- Eu estou acabado Túlio, deixa que amanhã nós conversamos e te explico tudo. Estou moído. – Ele fala com uma voz de alguém que fez algum esforço físico imenso.

- Porque, comeu muito chocolate hoje? Não vem, então? Nem precisa vir nunca mais, vai encher o rabo de bombom de café.

Desligo na cara de pau dele e em vez de tristeza sinto tanta raiva daqueles dois. Me lembro daquele rapaz todo meloso e oferecido e Braz agora todo estranho no telefone.

Tento assimilar o que estou lendo, mas é impossível. Fico meia hora sem foco algum e olhando para a proteção de tela do notebook, tentando esvaziar a cabeça ou sou capaz de ir até o Braz e socar a cara dele.

Já passam das onze horas e estou cansado, preciso recuperar um pouco de energia e dormir. Tomo um banho com raiva que fico vermelho de tanto me escovar e quase enfarto quando entro no meu quarto.

- Porra, vai assustar a tua mãe.

- O que você disse no telefone? – Braz me assusta com aquele tom alto de voz e vem caminhando devagar me minha direção. – O que disse que eu devia enfiar no rabo? Qual o problema com você, seu estressado?

- Meu problema é aquilo ali. – Aponto a caixa de bombom que nem sei porque, trouxe para o meu quarto. - O que significa aquilo?

Ele dá um riso irritado.

- E como quer que eu saiba? Que bosta é aquela?

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