Dias Difíceis - Parte 01
Sou um cara de família simples, gosto das coisas que se resolvem de maneira simples, sou honesto demais e não agrado todo o mundo com minha maneira de ser.
Resumindo, sou uma pessoa de bem, taxado de infantil às vezes, mas isso se deve a minha honestidade diante de qualquer situação que me incomoda, não sei fingir. Quando vejo minha filha com seu comportamento tão parecido com o meu e sou chamado na escola para ouvir um sermão da professora de uma menina de sete anos, tenho certeza que ainda podemos ter esperanças de haverem mais pessoas francas no mundo.
Eu e Ira trocamos umas ideias com pessoas influentes que conhecemos sobre todo o ocorrido e dessa forma acabei expondo minha nova realidade para uns amigos mais próximos, olhando o quão pequeno ficou esse detalhe de minha vida diante de uma suposta ameaça a minha integridade.
O problema é que não existe como fazer qualquer coisa sem haver provas, fotos, depoimentos ou quaisquer detalhes concretos que possam ligar suspeitas à pessoas. Em resumo tem que acontecer algo para que providências sejam tomadas, mesmo assim com provas. Nessa bosta de país o criminoso é a vítima da sociedade e temos que entender seu contexto, enquanto pessoas de bem, que não necessariamente tiveram boas origens nem a melhor educação, sofrem e perdem de verdade.
Por isso optei por contábeis, onde pessoas físicas e jurídicas são entidades, não me envolvo (exceto acontece com Braz) com os problemas pessoais destes. Pessoas são complicadas demais.
Tive quase duas semanas dessas férias forçadas e senti muita falta de ser tragado pela minha profissão. Mas quando chego tenho duas surpresas, um pequeno vaso de cacto de um tipo que não tenho e ao abrir minha gaveta encontro meu notebook, que não faço ideia de como foi parar ali. Tenho quase certeza que não o coloquei ali, assim como estava certo de que não tinha deixado o meu notebook sobre a cama a carregar, algo que já tinha feito algumas vezes. Se aquele não era o meu, de quem era?
Tiro lentamente da gaveta como se ele fosse explodir. Sinto minhas têmporas pulsarem de tão grande a minha tensão.
Ligo e estranho ainda estar carregado. Fico esperando sempre com medo que algo aconteça, calculo a distância que eu deveria ficar do aparelho para não ser atingido em uma nova explosão.
Mas... Alguém deve tê-lo usado. Noto que os ícones estão diferentes na área de trabalho e no lugar do papel de parede onde havia uma foto minha com meus filhos, há uma ruiva pelada com todos os ícones estrategicamente posicionados a lhe cobrirem as partes íntimas e os mamilos. Coisa de artista. Algum filho da puta, que deve ser o Júnior, deve ter feito essa graça.
Não quero mais ver nada, deligo, fecho e com cuidado coloco na gaveta. Respiro lentamente, muito tenso.
Estou apavorado com o fato de um notebook, segundo a perícia, ter explodido e causado o incêndio em meu quarto.Logo, cuidadosamente fecho a gaveta.
- FALA CARA. – Camilo Júnior deve ter caído de cabeça quando criança, não tem explicações mais certas. Quase infarto e olho para ele com o máximo de ódio que posso transmitir num único olhar.
- Pra que berrar desse jeito? Acabo de passar por uma situação tensa, porra, dá para pensar um pouco antes de fazer uma merda dessas. – Eu grito com ele e só falta rolar pelo chão de tanto rir.
- Você... Parece o gato da Patrícia, ahaha. Eu o assusto só para o ver pular e você ficou com os olhos arregalados, igualzinho. Ah e essa florzinha?
Eu me recuso a falar porque vou ser muito grosso e se me levantar enforco esse cara, então com a maior calma que junto eu pergunto.
- O que vossa "alteza" quer?
- Meu note que está na gaveta, é que o pai usou a sala dele quando você ficou fora e usei sua mesa.
- Seu note? – Sou invadido por uma alegria tão grande que perdoou Júnior. – Seu?
Tiro da gaveta sorrindo.
- É seu mesmo? – Ainda não creio, mas fico sério para disfarçar. – Porra, porque tem uma mulher pelada na tela?
- Queria que fosse o Tarzan pelado? Claro que é meu. – Ele põe o computador embaixo do braço e sorri antes de sair. – O viadinho do chocolate, aquele da bundinha gostosa veio três vezes aqui na semana passada, todo preocupado. Deixou isso para você.
Camilo aponta com o rosto para a planta na minha mesa.
- Olha você com o empresário de Neandertal a gente até perdoa, mas o Chocolatinho? Não dá né. –
Júnior já sabe? Bom, foi mais calmo do que eu imaginava. Ele sai da sala e eu finalmente posso me tranquilizar e voltar a minha função. O trabalho flui, não flui mais porque aquela planta me incomoda e num impulso eu saio da sala com o vasinho na mão.
-Kelly, quando o seu Carlos esteve aqui?
- Na semana passada umas quatro vezes.
- Alguém comentou algo sobre o que me aconteceu?
Kelly fica vermelha se denunciando.
- Eu comentei sem querer. Você ficou chateado?
- Deixa pra lá, o que esse cara quer comigo? Liga e pergunta se ele quer que eu o atenda, pode ser qualquer horário, o quanto antes.
São onze e trinta quando chega a "delícia" com seu perfume doce e forte que dá impressão dele ter mergulhado em chocolate de verdade. Se fosse isso não seria tão enjoativo.
- Ai, Túlio. – Ele já chega miando, falando fino e esticando a mão fina e macia. – Eu registrei todinhas minhas vendedoras.
- Bom, isso é bom. Obrigado pela planta. – Falo sério apontando a caneta.
- Ai, eu não sabia o que te dar de aniversário, até quero te dar um abraço. - Ele levanta da mesa e contorna até meu lado, levanto porque parece que ele vai sentar no meu colo. Carlinho me aperta, se esfrega o que pode e beija meu rosto. – Mesmo atrasado, "tudibom", ai, que corpo que você tem.
Ele se afasta e me analisa.
- Obrigado. – Falo muito sem graça. – Porque cactos?
- Aquela gordinha que sempre esqueço o nome, me falou.
- A Kelly. – Porra o que a Kelly tem que não consegue ficar com a língua atrás dos dentes? - Porque ela falou?
- Ai, eu perguntei o que você gostava. Por que, umas moças com uniforme daqui foram na minha loja e compraram uma cesta para o aniversário do chefe, aí fiquei todo curioso para saber? Quantos anos?
- Fiz trinta e dois. No que posso te ajudar?
- Jesus me abana, você é bem gato, 32 anos, você é alto e magro, sou louco por olho verde.
- Carlos...
- Carlinho... – Ele fala manhoso.
- Carlinho é quase meio dia, posso te ajudar? – Falo com calma para ele não ficar magoado. Sei lá, mas se for ele o inimigo é bom manter um olho sobre, sempre que possível.
- Vou por nas lojinhas aquela fonte de chocolate, sabe, fondue de fruta e chocolate, preciso saber as partes de imposto e se a vigilância não vai encher o saco, porque nas lojinhas a atividade é comércio e o fondue que é feito na hora pode dar "poblema".
- Legal, vou ver tudo isso para você e no início da tarde já converso com o Fabrício que cuida da parte pertinente a liberação das empresas, funcionamento e se mudar algo, para alterar seu contrato social. Quanto ao imposto...
O assunto é extenso e cansativo e quando me dou conta, passou da uma hora da tarde.
- Ai Túlio, coitadinho, por minha causa ficou sem almoçar.
- Não se preocupe com isso. Vamos terminar todos os seus assuntos primeiro, está com fome?
Porque fui perguntar isso.
- Ai, muita fome. – Ele me olha tentando me seduzir. A coceira deve ser grande. – Nós podemos até sair para almoçar e descansar e daí a gente volta.
- Eu estou sem fome, vamos encerrar aqui primeiro, ok?
Ele faz um beicinho que chego a sentir dó, olha para o lado que até penso que ele vai chorar. Eu odeio fazer gente chorar.
- Não vamos demorar por aqui, tem mais alguma questão?
- Tem sim. – A carinha daquele magrinho me parte o coração. – O Braz, ele nunca falou de mim para você?
- Ele... Não sei... – Cacete, o que eu falo? O cara sabe! Que se foda. – Falou, eu acho que disse que vocês saíram algumas vezes, acho que só isso.
- Ele que te deu esse anel bonito?
Eu fico vermelho, costumamos dizer isso quando nosso rosto esquenta, o meu rosto ferve na verdade.
- Olha eu conheci ele quando vocês não tinham mais nada...
-Eu nunca ganhei um anel de compromisso, de ninguém. Tem alguma coisa errada comigo?
- Não, acho que não... – Eu olho para aquela cara triste. – Carlinho, tudo bem?
- É. Sim. Eu gostava dele. Melhor que seja você e não aquele modelo vagabundo, a bicha invejosa do Valente, ai, ele me dá nojo. Você é legal, mas não acredito que o urso sossegou, ele até tem pinta de ser fiel, sabe... Bom eu atendo bastante ele com meu produto, então já sabe, percebo que ele ainda me olha, quase me come com os olhos, mas não fica porque acha que vou te contar.
Para quem está apaixonado é impossível ouvir isso sem ficar mordido, mesmo que seja mentira.
- Faz tempo que vocês não têm nada?
- Comigo sim, mas ele deve ter uns rolos, eu acho. O Valente veio me contar antes de viajar.
- Contar o que?
- O Braz teve uma namorada sabia? Uma mulher, pergunta para ele. Teve até um filho com ela. E pelo que soube ela que largou dele quando soube que o macho dela era um tremendo viadão.
Sinto a bílis me subir a garganta.
- Carlinho, está falando do Braz do mercado? Ele não me esconderia uma coisa dessas.
- Porque não?
- Porque eu não faria. – Respondo muito triste, mas fingindo que confio inteiramente do Braz, com a confiança abalada.
- Porque você é honesto, bom homem que até eu queria ter para mim, não merece ser feito de idiota. Você não tem o pé atrás, não?
- Você descobriu isso de que forma?
- O Valente contou que ele e o Braz tiveram um relacionamento faz muito tempo. Aí o Valente me contou que casou e depois de anos ele e o Braz tiveram um lance. Não entendi porque o Valente casou com aquela "demonha", mas acho que foi para sugar a grana dela. Eu sei que o Braz pediu proteção policial para o filho dele e a ex, depois que eles terminaram.
Não aguento mais tanta coisa em minha vida e tudo está muito complicado. Tenho medo agora de algo acontecer aos meus filhos, Ira e meu pai. Queria ser apagado do mundo ali mesmo.
- Desculpa, mas precisava te contar isso. Mas conversa com ele antes, nem comenta que alguém disse.
- Claro, fique tranquilo. Obrigado.
Carlinho está estranho ao levantar e não sorri apenas me olha triste outra vez.
- Desculpa mesmo, mas boa sorte e tomara que vocês não se separem por isso.
Quem dorme com um barulho desses?
Carlinho se vai e eu tenho vontade de fazer uma loucura. Preciso separar minha vida pessoal da profissional, preciso de foco, descobrir o que é verdade o que é mentira.
Se for mentira a vida segue. Se for verdade, eu tenho peças de um quebra cabeça e vou começar a montar. Se este filho existir, Braz terá me decepcionado muito ao me esconder isso.
Claro que eu posso conviver com o fato dele ser pai, isso seria algo que me faria admirá-lo ainda mais, mas esconder isso, por quê?
Passo o dia péssimo e busco a concentração de toda forma. Venço a segunda como se fosse uma luta mano a mano com um leão africano faminto. Estou exausto, magoado e não pretendo esperar até na quarta-feira, vou hoje mesmo ao supermercado para conversar.
- Braz, estou na área de vendas, você está atendendo alguém?
- Não, amor. Sobe.
Ele não pode estar mentindo, não acredito que esse homem está me enganando. Mas não consigo parar de ser afetado por tanta coisa.
Quando chego a sua sala, olho a volta e tenho aquela sensação gostosa de ser levado aos primeiros encontros ali. Ele me beija de leve e já lê minha expressão.
- Que cara de preocupado. Aconteceu alguma coisa?
- Braz, tem alguma coisa de seu passado que você não me contou?
- Olha Túlio, não quero falar do meu passado. O que devia te contar, eu já contei.
- Você teve um relacionamento com Valentin?
- Já te contei isso.
- Antes dele se casar com a Rosa? – Falo meio que me exaltando.
- A gente teve um caso antes e depois que ele casou saímos apenas uma vez. Eu sabia que ele era casado, mas não tinha nenhum sentimento envolvido.
- Você nunca gostou de ninguém? Não acredito nisso.
- Gostei sim, mas hoje gosto de você e é com quem quero ficar. E depois eu e você temos uma relação, onde sempre te respeitei. Túlio eu juro que nunca te traí, se tem coisas no meu passado, estão mortas e enterradas.
Nunca vi meu homem tão sério e triste. Com isso, estou quase certo de que ele me esconde aquele fato.
- Túlio, olha nos meus olhos e diz que você acredita em mim.
Eu olho dentro dos olhos escuros dele.
- Sim, acredito. Mas preciso que você desenterre seu passado para eu saber o que fazer para proteger minha família. Braz tem alguma coisa inacabada na sua vida?
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