Decisões - Parte 02

Numa manhã tranquila eis que chega a minha sala sem bater, o Camilo Júnior, o "menino" como seu pai o chama. Lembra-me aqueles cantores de boys band que fazem adolescentes gritarem enlouquecidas. Tem traços da atual esposa de seu Camilo, cabelos claros, corpo de viciado em academia, brinco, boné virado para traz, mastigando um chiclete de forma ruidosa. Este elemento desaba na cadeira a minha frente sem ao menos cumprimentar-me.

- E aí? O Pai falou que você quer me ensinar contabilidade, porra, não levo jeito para essa merda aí.

- Primeiro lugar, bom dia Júnior. – Digo e ele revira os olhos. – Depois contabilidade é uma ciência e merda é o que você tem dentro dessa cabeça. Não quer apender algo para tornar sua existência menos inútil, a porta é atrás de você.

Um dia o próprio seu Camilo me disse que quando mandamos alguém a merda pela primeira vez, a sensação é quase igual a um orgasmo. Nesse caso minha gozada foi satisfatória, porque ele levanta e sai batendo a porta. Naquele dia minha reflexão foi diferente, voltada apenas para a quantidade de "sapos" que nem engoli direito por conta da minha profissão e esse foi meu limite nesta empresa. Se necessário demito-me, pois tenho capacitação e competência o suficiente para arrumar outro emprego.

Meu patrão não me liga, isso é sinal de que Júnior deve ter-lhe contado na íntegra a conversa que tivemos.

Dez dias. Hoje já estou indeciso de novo quando vejo um colaborador referir-se a sua colega de curso, que é lésbica como "sapa" e o assunto do horário do break girou em torno de sexo entre mulheres, causando expressões desde indignação a sorrisos largos de homens a dizerem que seria um sonho se suas esposas topassem levar uma garota para a cama.

- Até parece que fazemos apenas isso, sexo. – Bianchi, auxiliar do RH é homossexual – Gente, hétero faz sexo, gay faz sexo, o desrespeito está na forma que vocês colocam as coisas.

Termino meu cafezinho e vou para minha sala com essa injeção de coragem e sorrindo, vejo que tenho o meu ponto de partida. O equilíbrio da minha vida depende de como lido com vários aspectos. Luiz Bianchi, um funcionário que sempre olhamos com respeito, tem seu relacionamento homo afetivo estável e nunca isso gerou comoção em dois anos que ele nos oferece seus serviços profissionais. O que o difere dos demais?

Coço minha cabeça nervoso. Torço para que Braz esteja realmente disposto a me aceitar daqui a dez dias, pois se fosse hoje lhe diria que sim, que poderemos ser mais que amantes. Queria lhe dizer isso naquele momento, mas seu celular não me atende.

Que tortura!

Pior que isso é a visão que se estabelece a minha frente outra vez.

- Bom dia, Túlio. – Seu Camilo sempre me tratou com educação. – O que o Júnior aprontou que tirou você do sério, rapaz?

- Ah seu Camilo, ele chegou exaltado, falando besteira e eu dei-lhe uma bronca. Sei que o senhor deve ter se ofendido, mas tenho vivido mais sua empresa que minha vida, então chega seu filho e me diz de cara que não quer fazer essa merda. Claro que acabei perdendo a cabeça.

- Mas é isso que eu preciso que você me ajude a orientá-lo, gostei da sua postura com ele. Junior contou-me tudo e dei uma reforçada, até disse a ele que chega de moleza. Para castiga-lo tirei o carro e dei trinta dias para recuperar.

- Como assim?

- Segunda feira ele começa a trabalhar aqui e tem um mês para você avaliar se posso devolver a chave do carro.

- Seu Camilo, o senhor vai ter que me desculpar, mas isso é um assunto familiar. Aqui, se for para eu continuar a trabalhar e manter a qualidade, o senhor deve aconselhar melhor seu filho para colaborar conosco, não me transformar na referência de sua frustração caso ele não atinja um objetivo.

- Eu conversei com ele, Juninho disse que vai se esforçar e depois ele é inteligente, aposto que em um mês, ele vai ensinar alguns aqui dentro. – Seu Camilo é assim e o filho é dez vezes pior.

Só resta-me aceitar e deixar a coisa fluir.

A segunda-feira chega e as nove hora da manhã, minha porta abre quando estou concentrado em erros de validação de uma escrituração fiscal.

- Oi, vai começar? – Júnior chega com a cara de cú de sempre. – O que é pra fazer?

- Bom dia Júnior. Senta, por favor. – Respiro fundo para me acalmar. – Responde uma pergunta antes de tudo. Está com um mínimo de disposição?

- Não, mas fala de uma vez.

O que eu faria se pudesse? Daria uma voadora no peito dele, só para derrubar e continuar chutando. Como pode o pavio curto que sou, aguentar isso?

Com calma lhe empurro um bloco de anotações e uma caneta.

- Anota, por gentileza. – Ele me olha sorrindo com desprezo, quando peço. – Cumprir o horário, ser educado com os colegas...

Ele não pega a caneta, continua a sorrir e diz calmamente.

- Hey, teacher, leave kids them alone. Ensine-me contabilidade logo e não tenta ficar me dobrando que é pior, cara não sou seu filho, nem seu empregado.

Yoga, quem sabe? Vou amadurecer a ideia e por na minha rotina.

:(

Seis dias, faltam apenas seis dias e preciso de Braz hoje. Não apenas meu corpo tem rolado na cama e minhas mãos buscado o espaço vazio onde ele dormia comigo vez ou outra, mas minha alma anseia por ele, sinto falta de todo seu ser. A saudade nesse período cega-me para qualquer aspecto externo que nosso romance pode vir a afetar. Eu poderia me masturbar pensando nele por meses e assim não ter que ceder, apenas sofreria até o esse sentimento se dissipar. Mas não consigo me tocar, porque pensar nele causa-me mais que tesão, causa-me dor e outros sentimentos confusos que só vou entender com ele.

Ah Braz, que loucura isso tudo, penso quando estou sozinho. Um homem tornou-se a paixão da minha vida, hoje me fazendo sofrer pela distância, não mais pela indecisão. Quando chega a meia noite ainda tenho os olhos arregalados e penso, faltam cinco dias.

Porque não passo por cima disso e vou agora encontra-lo. Preciso tanto dele e tem que ser agora. Meus olhos umedecem e fico ainda mais irritado comigo e com ele por não ceder, simplesmente não atendendo minha ligação mais uma vez.

- Por favor Braz, chega de me torturar, já me fez tomar uma decisão, me atenda. - Falo sozinho, mas não acontece.

Durmo tão mal naquela noite a contar horas, minutos e fazendo contas para me distrair, pensando até que o Braz pode ter desistido e estar com outra pessoa que não tenha demorado tanto quanto eu para perceber o tamanho de sua importância em minha vida. Nesta minha vida onde poucos eventos foram tão intensos a ponto de me balançarem com força, como o falecimento de minha mãe, o dia de meu casamento e o nascimento de meus dois filhos, hoje mais um momento coloco nesse patamar de emoções fortes, o tempo que estive com Braz.

No caminho para o trabalho direciono os pensamentos totalmente à área profissional, no intento de não dispersar e demonstrar o quanto abalado estou. Nesta fase onde meu patrão colocara sob minha responsabilidade seu filho mimado, eu preciso demonstrar o meu equilíbrio, ocultando o quanto está fragilizado por uma causa pessoal.

Júnior naqueles primeiros dias me surpreende com sua assimilação rápida e questionamentos tão maduros em aspectos contábeis que me fortalecem para suportar os três dias que ainda tenho pela frente.

- Porque esse cidadão lança tudo contra o caixa? – Ele tem a cabeça fresca de aprendiz pegando detalhes que olhos experientes cansados sem querer deixam passar. – Não dá para baixar isso contra o banco já que tem os extratos na mão? São dois trabalhos, onde dava pra só conferir tem que conciliar e refazer.

Concentro-me nisso e minhas horas passam voando naquele dia. Fico feliz pelo efeito que o mundo contábil estava causando naquele rapaz.

Diante de um desafio que me absorve completamente chega o trigésimo dia.

Sinto muito nervosismo.

Como o Mauro não comentou nada mais a respeito de seu projeto particular, peço a ele que dê atenção a Camilo Júnior, porque a tarde atenderei uma questão pessoal.

Estou tão nervoso que meu estomago dói muito, meu corpo treme e suo muito apesar de não fazer um dia quente. Fico debaixo do chuveiro no mínimo meia hora somente a pensar no que vou fazer, estou com medo de sofrer uma rejeição, medo de consequências, medo de falar algo oposto ao que já decidi.

Quando fico totalmente pronto, entro em meu carro sem sequer ter decidido onde começar a procurá-lo. Talvez ele não esteja na matriz que é onde acho que ele pode estar. E porque estou indo até ele? Quem sabe devesse esperar por ele na minha zona de conforto.

Não posso mais esperar!

Ligo para seu celular com o coração batendo de uma forma que me assusta. E finalmente ele me atende.

- Fala, meus olhos verdes.

- Te amo Braz.

Acabei por falar em poucas palavras o nome do sentimento mais nobre que alguém pode sentir. Agora não tem mais volta, eu disse, chego a pôr os dedos em volta do meu pescoço onde sinto uma veia pulsar como um coração. Espero sua resposta do outro lado que parece hesitante.

- Precisamos conversar Túlio, vá a minha casa a noite. Estou em meio a uma negociação com um importador, fico esperando.

- Ok. – Fico ali me sentindo o cara mais ridículo do mundo e que se prestou ao papel mais ridículo do mundo ao falar aquelas palavras.

Eu fico dando voltas pelo centro sem fixar meus pensamentos em qualquer coisa. Cansado de esperar, sento em um banco no parquinho infantil próximo ao condomínio que ele mora quando sua voz desperta-me o que me faz levantar de prontidão.

- Achei que me daria um cano, Túlio. Trinta dias foi tempo suficiente? Se precisar te dou mais tempo.

- Chega Braz. Por favor, não faz isso outra vez. – Controlo-me para não chorar em sua frente, então ele me puxa com força.

- Te amo, contador. Por favor, vê se você não me faz sofrer por seis meses outra vez. Castigar-te me doeu aqui. – Ele aperta minha mão no lado esquerdo de seu peito forte onde afundo meu rosto e deixo uma lágrima quente rolar livre ao ouvir sua voz embargada. – Eu te pressionei de forma errada, reconheço, mas você precisa aprender a ceder um pouco. Podemos manter um relacionamento de forma discreta, se isso lhe tranquiliza, mas não quero que tenha vergonha de me assumir caso vier a tona.

- Já tínhamos um relacionamento, só hoje percebo. Acho que só faltava te dizer isso.

Ele beija minha testa depois busca minha boca que tanto queria um beijo seu. Me permito isso ali em naquela noite fria, talvez sendo observados por algum gato ou coruja já que não vejo outras testemunhas.

Volto a estar no melhor lugar do mundo, naquele abraço quente do meu homem, a quem vou me permitir um relacionamento. Espero que fique tudo bem entre eu e Braz.

***

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