Conto de resultados - Parte 03
Por Carlinho - O Bombonzinho...
Jamais achei que ia ficar desse jeito. Nunca fiz mal a ninguém e acho que o preço que a vida me cobra por alguns erros é muito alto, estou sempre devendo.
Minha vidinha começou numa cidade do interior. A minha mãe verdadeira era doméstica na casa da tia Rosa, que no começo me tratava bem como se fosse seu filho. Eu achava que a tia Rosa era uma rainha, porque era tão bonita quanto uma atriz de novela e o tio José, seu marido era o homem mais lindo do mundo. Só que um dia ele morreu. Eu era pequeninho e nem sei o que aconteceu.
Por ser muito pobre, minha mãe deu-me para tia Rosa me criar. Eu fiquei um pouquinho contente. Só eu estudava numa escola particular, enquanto meus irmãos todos mais velhos que eu, tinham que trabalhar e ajudar a mãezinha.
Tia Rosa quis ir morar numa cidade que ficava em outro estado e me levou junto, não demorou para começar a me tratar mal e me chamar de nomes que nem gosto de lembrar. Ela melhorou um pouquinho quando casou com tio Epa, que parecia um vovô legal e me dava todas as coisas que as outras crianças queriam e não ganhavam.
Um dia quando eu tinha nove anos, tio Epa esperou a tia Rosa sair e disse que havia me comprado dois presentes. Ganhei uma boneca e um vestido... Foi a primeira vez que ele fez aquelas coisas e também a primeira em que me ameaçou.
Senti muita dor, chorei e tive febre alta, por isso e também de saudade da minha mãe.
As vezes eu ouvia a tia Rosa e ele conversando coisas muito feias. Entendia muito pouco, mas ele pagava para "ter" crianças e ela sabia. Quando eu tinha doze anos. apareceu uma menina lá em casa bem mais nova que eu. Ela ficava trancada no quarto e quando ele entrava ela gritava muito.
Tia Rosa não tinha pena de ninguém, quando sai correndo pelado fugindo do tio Epa, ela me segurou e me devolveu para ele. Foi naquela noite, depois daquelas coisas, que não ouvi mais os gritos da menina...
Ela tinha sido sequestrada por umas pessoas que ganhavam dinheiro da tia para "trabalhar". Como o pai da menina era rico só de aparência, não teve dinheiro para pagar o resgate... Então... isso nem gosto de lembrar.
Quando fiz quinze anos fugi de casa e ela pagou para me acharem, me amarram e me bateram. Tio Epa abusou outra vez de mim e no outro dia, a tia Rosa me levou na delegacia para denunciar ele. Depois que ele se matou, fiquei detido por dois anos e meio por ser menor de idade e quando sai, fiz catálogo de acompanhante e ganhei bastante dinheiro, um dinheiro sujo, mas que ganhei com meu "suor".
Não sabia do paradeiro da tia Rosa, só que ela tinha mudado de cidades e casado outras vezes.
Então depois de tanto programa e venda de bombons de chocolate que fazia em casa mesmo, abri uma "fabriquinha" com uma colega... O Deusimar, que atendia também por Deusa.
Estava tudo melhorando e então falei para meu último cliente que aquele era meu programa "gol mil". Era a foda de despedida da "vida". Esse cliente era lindo, gostoso e rico, quando saí da vida continuamos a nos encontrar. Seu nome era Valentin, mas eu o chamava de Valente, porque ele parecia um príncipe para mim. Todo chique e educado.
Mal sabia eu sobre o inferno que viveria a partir de tudo aquilo, ele trabalhava com a tia Rosa e me levou de volta para ela. Fizeram-me um monte de ameaças e eu com medo fiquei quieto. Eles eram namorados e ao mesmo tempo ele ficava comigo, foram anos de um inferno pior que o reformatório. Cheguei a ser internado depois de num dos espancamentos e naquela vez decidi que o denunciaria.
Aprendi que quando queremos fazer algo devemos ficar quietos, porque as paredes têm ouvidos. Eu denunciei e como prova do terror que eles causavam, mandaram matar Deusa, tenho certeza que foi. Nunca houve interesse da polícia em saber quem matou um preto pobre e eu era outro, que morto, não faria diferença.
Bom, eu havia denunciado e consegui processar o Valente, depois me mudei para a cidade vizinha e recomecei minha vida. Tive pouco tempo de paz, mas era uma paz cheia de medos.
Tia Rosa já não era mais a mulher novinha e bonita que foi, namorava o Valente e ao mesmo tempo casou com o dono de um shopping de móveis, que foi sequestrado e nunca foi devolvido, mesmo com o resgate tendo sido pago. Sendo casada com ele herdou boa parte de seus bens e casou com o Valente.
De novo me encontraram e voltei ao inferno outra vez. Tia Rosa me chamava para tomar chá e me contavam coisas que eles faziam com muito detalhe e me ameaçavam, dizendo que saberiam que fui eu, caso viessem a tona todas essas histórias. Eu gravei muitas conversas sem eles saberem, mas um dia eles descobriram e quase fui morto, só não fui porque sabia demais e e eles estavam incertos de quanto eu sabia. Logo era melhor ser mantido vivo.
Lembro também que Rosa comentou que um dos capangas dela e do Valente que pretendia sequestrar um menino, assustou a pessoa que dirigia e o carro entrou na contra mão. Ela disse que estava muito brava com o mecânico, chamou de burro, disse que não era o freio que ele devia mexer, porque o carro tinha que morrer e não perder a capacidade de parar.
Outro dia o assunto do chá foi o Túlio, um contador com quem eles andavam cismados, pois ele tem um relacionamento com o filho de uma pessoa que dona Rosa não conseguiu dar o golpe, um velho português podre de rico chamado Joaquim Miguel Vieira. Nessa época eu nem conhecia o Túlio, mas depois fiquei sabendo que ele também tinha filhos e namorava um cara que eu tinha ficado umas vezes, o Braz. E este Braz era também o pai da criança que eles planejaram sequestrar e não deu certo.
Ela também se gabava que o dono da maior contabilidade da região tinha se separado por sua causa e que era um trouxa, nem era tão rico assim, não valia a pena. Ele era mais um dos idiotas que ela enganou direitinho com seu jeito de vítima e com suas mentiras.
Sim, isso era conversa de chá da tarde. Que nem me descia. Até hoje não entendo porque eles tinham que contar... Porquê? Tem coisa que não encaixa para mim. Depois, quem rouba, sequestra e mata, porque ia contar a verdade para alguém? Porque eu tinha que ouvir essas coisas?
Tia Rosa de uns anos para cá tem me assustado cada vez mais, fala de morte e mais morte e que o Valente é o amor de sua vida. Desde a separação tem pensado em um jeito de trazer ele de volta. Confessou-me que prefere vê-lo morto a não lhe pertencer.
Por "amor", eu diria doença mental no caso dela, ela disse ao Valente que como prova desse "amor" devolveria lhe o Braz, algo que ele nem tinha tanto interesse assim, a não ser o dinheiro desse. Acho que nem isso porque o Valente andava estranho e com mais dinheiro que poderia gastar em duas ou três reencarnações. De verdade acho que Valente nunca teve muito interesse em eliminar o Túlio.
Ele contou que Rosa teve um plano clichê de bandido em fim de carreira... Tirar o contador da jogada para que Braz ficasse livre e achou uns "cabeça fraca" que toparam, mas não houve sucesso. Porque embora gente como Valente e Rosa, pareçam existir para fazer mal as pessoas, há pessoas como Túlio e Braz que demonstram que se gostam de verdade. Quando soube que a secretária do Túlio estava aprontando com ele, tentei me aproximar dela e dar uns conselhos, mas ela contou para a Rosa.
Eu não queria saber de nada, porque não queria ser associado aos crimes deles, mas como eu já sabia de mais, percebi que as pessoas que ficassem do caminho deles sofreriam enquanto eu quisesse me proteger, então abri mão disso tudo.
Sou uma pessoa apaixonada pela vida e nunca havia pensado em morrer até hoje.
Fiz procuração para minha mãe herdar minhas lojas, meu carro e meu apartamento. Entreguei recentemente tudo o que eu tinha para a polícia, depus e comemorei cada minuto que permaneci vivo depois de sair da delegacia, chamei o Túlio pra me encontrar na praça. Achei que ele não fosse, o que seria uma pena.
Quando terminei nossa conversa, que infelizmente ele parece não ter acreditado, voltei para a única lojinha que mantive cotas para no caso de sobreviver, não passar necessidade.
Vejo tantos filmes com pessoas levando tiros e não pensei que doía tanto. Lembro-me de um som de ensurdecedor, dor, gosto de sangue na boca e escuridão.
Quem atirou em mim deve ter recebido ordens para não matar, apenas dar-me um susto, pois devem temer que coisas sejam reveladas. No meio do calçadão chego a sorrir quando penso em como sem querer consegui me vingar dessas pessoas ruins.
Estou vivo e sob proteção, mas não creio na proteção vinda de pessoas, só que é o que me resta. Depois de alguns meses do fato, ainda estou acomodado nesse minúsculo apartamento, um tipo de alojamento e tenho um policial irritante a me controlar como se eu fosse uma criança.
Ai meu Deus, como meu ombro ainda dói. Fiquei com uma cicatriz pequena onde levei o tiro e sorrio da beleza desta pequena marca. Esse sinal representa a oportunidade de estar vivo e talvez nessa nova vida eu venha realizar sonhos que nunca consegui. Quem sabe ter alguém por mim, que venha a ser bom comigo e acordar ao meu lado nas manhãs, me chamar de amor, algo que acho que ainda mereço.
- Ei, ei. Sai da janela, porque tem essa cadeira no meio da sala. – Francisco o policial que mora no apartamento do lado entra sempre sem bater aqui, não tem educação alguma. – Não vai me dizer que está querendo se matar, rapaz.
- Qual é seu "poblema"? Não tem porta na minha casa? Quem que vai de matar, moço? Sou burro, mas nem tanto. É que tem teias de aranha nessa lâmpada. Mas não alcanço.
Ele me dá uma olhada e me empurra pela cintura para sair da frente e busca uma vassoura, passa perto da lâmpada e me olha com deboche.
- Difícil, não é? Fica longe da janela moleque, já dá trabalho demais ficar de babá de um cara que nem você.
- Cara que nem eu? – Cruzo os braços chateado e ele ri.
- Sim, um cara bonito que chama a atenção. Ganho um café?
Acabo sorrindo para ele e concordo.
- Depois você vai embora? Tenho que lavar a louça e passar um paninho no chão, gosto de tudo bem cheiroso, sabe.
- Então vou tomar um banho e já volto.
Não gosto tanto dele, só como amigo e não acho o Francisco tão bonito assim, mas ele me trata bem. E seu tamanhão me agrada, bem como sua simplicidade.
- Vou caprichar no café, vai logo, senão vai ter que me ajudar a limpar.
- Então vou demorar. – Ele sorri e sai, não batendo a porta desta vez.
Mal sabe ele que preparei uma torta integral de banana, castanha e chocolate que só eu sei fazer.
***
Por Túlio...
Quando alguém nos pergunta algo que não saberemos como responder ficamos com aquela cara de bunda e ao olhar em volta não encontramos pessoas solidárias a ponto de nos socorrerem.
- Rafa... O que você acha que é gay, filha?
- Pai, você é gay?
**************************************************************
Entregue a parte 03 de 04 do Conto de resultados. Carlinho "falou" um pouco sobre o que sabia das pessoas com quem conviveu. Tem mais podridão, pois falta uma pessoa falar.
Um abraço e claro, muito obrigado por estarem acompanhando esta história.
Muitos kisses ♥♥♥
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top