Conto de Resultados - Parte 02

Levanto-me e quando dou dois passos escuto:

- Aquela sua secretária conta tudo para a Rosa, nem sei por que, mas é dela que recebe instrução do que dizer para você. A Kelly está tão assustada quando eu. Bem que eu disse para ela não acreditar e nem aceitar nada deles... Vê, o marido dela vai responder processo, né?

- É por causa do Braz tudo isso?

- Senta que falo para você, mas nem sei o que vai acontecer comigo depois disso. – Sento perto dele e ele se aproxima ainda mais, olha em volta e começa. – Tá. Assim... vou até falar um pouco de mim para ver o que você acha... Minha mãe trabalhava de doméstica na casa da Rosa e como eu tinha muitos irmãos, ela me deu para a Rosa que nunca teve nenhum filho. Me lembro que eu tinha uns sete anos e chorei muito quando ela foi embora. Aí a Rosa, que só me adotou para bancar a "caridosa" entres as ricaças, começou a me maltratar, fosse porque sou negro ou porque eu tinha esse jeitinho de menina. O tio Epa era um dos velhos ricos que ela casou, mas era só por dinheiro. Ele era um velho bem escroto, sabe...

- Sim, já ouvi alguma coisa...

- Então a Rosa, depois que eu contei tudinho que ele fazia, me pediu para denunciar ele... – Carlinho morde o canto da boca e tenta controlar o queixo que treme. – Eu fiz tudinho que ela disse. Contei lá para o médico que me examinou e depois para o homem da polícia tudo que ele fazia. Aí eles disseram que iam prender ele. Tio Epa dormiu na cadeia só uma noite e quando foi em casa... eu estava com tanto medo dele... ele se enforcou, sabe... A Rosa depois disso chamou a polícia em casa e me levaram para um centro de detenção de menor infrator, porque o médico e o cara da polícia ganharam dinheiro dela para dizer que não tinham encontrado nada em mim. Sumiram com tudo. Acharam até droga nas minhas coisas... Mas não tinha também porque eu ficar preso, porque fui acusado de algo que eu não poderia ser responsabilizado pela idade e quando deu os dezoito eu fui solto...

- E?

- Aí tive que achar coisa para fazer e ganhar dinheiro. Depois de dois anos dando o cu e chupando os caras à força na Unidade, eu só sabia fazer uma coisa para ganhar dinheiro. Túlio, sofri muito... Eu conheci  o Valente  quando eu fazia "catálogo", deu "conhecidência" que ele trabalhava para a bruxa e também comia ela, sabendo que eu gostava dele. Ai ele me batia, tem várias queixas na delegacia. Depois ele me perseguia, na verdade pagava alguém para me seguir. Eu tenho tanto medo dele.

- Você falou, falou... e não disse nada.

Carlinho chega mais pertinho.

- A sua secretária é uma coitada, sabe. A Rosa usou ela porque queria que você terminasse com o Braz... O urso ficaria sozinho e o Valente poderia sair com ele e dar o golpe como ele vem fazendo com os caras com dinheiro. Ele e a Rosa. Ai você era tipo, a pedra "do sapato". 

Levanto uma sobrancelha e ele prossegue.

- A moça não deu conta do recado, aí me mandaram tentar, lembra né? Não deu certo. Depois deram um dinheiro para o marido da moça e não deu certo também.

- Carlinho, o Valentin ia dar um golpe no Braz? – Falo com sarcasmo na voz. – Como? Dando o golpe da barriga?

- Não, não. Extorsão, sei lá ou te sequestrando... eu não sei direito. Túlio eles são uma quadrilha. – Carlinho está tão pertinho que seu joelho toca no meu. – Eles achavam que te sequestrando, o Braz não ia te abandonar. No passado tentaram com o menino... Segundo o Valente, ele disse que o "cara" estava cabreiro e tinha segurança na casa da "vadia"...

Me arrepio assustado com medo de ouvir o que acho que sei que vou ouvir.

- O Braz tinha um filhinho... Não sei se você sabe... Mas o mecânico que ninguém foi atrás de investigar, fez alguma coisa no freio do carro da namorada do Braz....

Qualquer pai e mãe de família há de concordar que quando vemos um filho cair e ralar o joelho, ficamos aflitos, quando têm febre ficamos preocupados, quando levam uma mordida ou tapa de alguém outra criança, sentimos vontade de revidar, imagina quando recebemos a notícia de uma fatalidade.

- Meu Deus, Carlinho. Mataram o filho do Braz...

Uma lágrima escorre na face morena.

- Túlio eu tinha que contar isso para alguém... Sabe que se eu morrer, eu morro de consciência tranquila.

- Não diz isso, rapaz. Porque te contavam todas essas coisas?

- O Valente disse que sou o HD dele. Das coisas mais horríveis.... Ele sempre achou que a Rosa um dia ia se vingar dele por tantas coisas que já fez com ela também e porque ele sabe demais. Túlio, você sabe quantas vezes ela casou? Quantas vezes ela ficou viúva? Quantos lugares ela viveu antes de vir parar aqui? Sabe, ela e o Valente fizeram muita coisa juntos.

- Você sempre soube disso?

- Algumas coisas. Eu não tinha contato com eles há anos... Minha vidinha estava tão certinha, nunca fiz mal a ninguém e todo dinheirinho que tenho, ganhei daquele jeito... "trabalhei" duro... Minha "fabriquinha" começou em casa mesmo, eu vendia pra faculdade meus bombons, fazia encomendas, não ganhei nada deles, nada... só ameaças...

- Disse que processou o Valentin? - Continuo confuso. Penso que Carlinho não sabe tanta coisa assim. 

- Tenho proteção contra o Valente, porque só eu sei o inferno que vivi com a Rosa e depois com ele. Ninguém acredita, não tenho ninguém por mim, Túlio. Eu tenho medo... só me sobrou isso. Não ganhei dinheiro com o processo, juro que não me interessa aquele dinheiro nojento de crime deles. – Ele suspira pesado. – Por isso te procurei, não posso mais querer me proteger, nem existe proteção que funcione caso eles queiram me tirar da jogada... Meu pior castigo é saber tudo o que sei. E sou capaz de morrer se um dia te fizerem mal, usando teus filhos... Ai, Túlio ele são gente muito cruel, do mal...

Meu coração aperta, minha garganta dói e meu estomago revira. Meu Deus quanta dor. Carlinho soluça muito, mas em nenhum momento desviou seus olhos dos meus.

- Você é legal Túlio, mesmo chateado comigo sempre me tratou com respeito. Minhas funcionárias me adoram, eu sou bom patrão. Hoje vim te dizer adeus...

- Não fala isso... – Não consigo abraçar ele...Nem chorar eu consigo, me dói a garganta.

- Antes de vir eu procurei a polícia e contei tudo que sabia. Boa sorte Túlio e pede pro Braz me perdoar, se puder... Pena que só o conheci anos depois da morte do menininho.

Carlinho levanta e caminha até o calçadão. Fico aliviado de ver que ele atravessou a avenida de mão dupla ileso, se vira e me abana e depois continua a caminhar, mas tenho um presságio ruim. Quando levanto, ouço algo como som de um rojão ou um disparo. Depois gritos...

***

Dias depois no escritório ainda sinto um aperto sufocante no peito. Não sei por quanto tempo ficarei segurando minha tristeza. Fui a última pessoa a falar Carlinho antes de ele ser baleado, tive um resto de final de semana horrível, depus e contei sobre nossa conversa que tivemos, meu celular ficou detido para o caso de haverem pistas que podem levar isso tudo a um ponto de origem, minhas informações bateram exatamente com as informações gravadas no depoimento dele. Sou liberado e me sinto destruído por ter que contar tudo isso ao Braz que chegou só no domingo já muito tarde. Ele passou muito mal com as últimas revelações sobre seu filho e precisou ser sedado. Foi tudo muito rápido.

Naquela semana ele fica basicamente comigo todos os dias, separamo-nos apenas para irmos aos nossos respectivos trabalhos. Tenho conversado muito com ele sobre termos calma, aguardarmos um desfecho para toda essa fase ruim, ele concorda que nada trará seu filho a vida outra vez e nos esforçamos para apoiar um ao outro e seguir a diante.

Seu Camilo senta-se em minha frente consternado.

- Ah filho... Até eu podia ter me fodido na história... Nunca achei que a Rosa pudesse ser isso que estão acusando. Fiquei ruim o final de semana inteiro, cara. 

Seu Camilo me parece constrangido ao ter que admitir que a mulher o enganou bem.

O noticiário local que passa antes da novela das sete tem como manchete:

"Uma mulher de 59 anos foi presa por suspeita de estar envolvida na morte do filho do empresário Braz Joaquim Vieira... na época a perícia concluiu que a mãe da criança que também faleceu no local, provocou a colisão ao invadir a pista contrária...."

Outro trecho da reportagem:

"A empresária Rosa Maria, acusa o ex marido de ser o mandante do crime...E o mecânico no seu depoimento nega ter recebido dinheiro de Rosa, acusando o designer Valentin de ter procurado ele pessoalmente, lhe oferecendo..."

- Desliga essa merda. – Ele fala alto quando chega do supermercado e me pega assistindo o que passa na TV naquele momento. Braz está tão deprimido que não come e passa noites em claro.

- Calma, vai tomar um banho, amor. Olha pra você. Braz.

Ele me abraça, mas não chora. Tem tomado a Sertralina e aceitando meus conselhos e de Ira, acabou por iniciar a psicoterapia. Tempo ao tempo, afinal não se supera de uma para outra algo tão difícil.

***

Dia sete de setembro daquele ano é feriado e aproveitamos para assar uma carne na casa de Ira. Eu e João Carlos, namorado da minha ex, que também é contador levamos aquela bronca quando começamos a falar sobre assuntos contábeis...

- Braz, o que você acha de nós dois colocarmos esses aí de castigo? – Ira nos ameaça.

- Até sei um castigo bom. – Braz e ela estão muito amigos e isso me assusta. – Deixar os dois trancados juntos só por um mês... Garanto que iam enjoar do assunto. O Túlio quando começa, não sabe a hora de parar, aí eu interrompo com "assuntos" mais "importantes", ele fica todo nervosinho...

- Nem precisa falar muito, meu querido. Conheço a peça...

Fico com o rosto quente e louco para dar uns tapas no Braz... E qual o problema com a Ira?

- Ei, tem mais gente aqui. – João reclama.

- Porra que ano demorado para terminar. – Reclamo na frente de Ira, Braz e meus filhos durante o almoço. Rafa completou oito anos no dia 13 de julho e gaba-se de ter nascido no dia mundial do rock.

- Pai olha o palavrão, depois o Edu fica repetindo. – Rafaela chama minha atenção.

- Desculpa, filha. – Levar bronca de filho não é legal não.

Ah feriado, cerveja boa e bem gelada, churrasquinho, coraçãozinho. João é um cara foda, engraçado, um tipão meio grandão, bem ajeitado, não é lá muito bonito e está sempre com barba por fazer e isso deixa ele charmoso. Fico imensamente feliz por Iraci, que olha apaixonada para ele. Rimos muito juntos, quando deixamos as contábeis lá na contabilidade. Tomamos uma cachaça que ele trouxe da cidade onde moram seus familiares e depois da janta, eu, Braz e ele viramos uns bebuns... Nossa quantos anos que não bebia despreocupado. Braz sabe que fico "facinho" quando bebo e vai enchendo meu copinho...

De repente Braz esquece onde estamos e me abraça apertado.

- Braz... – Falo com a cara esmagada no peito dele. Ah o cheiro do meu homem me deixa maluco.

Ele ri e me solta, mas me olha todo apaixonado.

- Pai, o Braz e você são gays?

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Nota: Na parte 02 de 04 do Contos de resultado, Carlinho perde o medo de morrer e procura a polícia para falar o pouco que sabe. Mal sabia ele o quanto foi importante sua contribuição. No entanto ainda tem muita coisa a ser desvendada.

Valentin e Rosa não são o foco deste conto, por isso irá lhes parecer meio vaga a parte de informações sobre o que de fato eles são... Eu diria que são o tornado que passa perto da cidade e não sobre a cidade, mas ainda assim tem um poder muito destrutivo....

Amanhã posto a parte 03 de 04.

Obrigado pelo carinho!

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