Apurando Informações (Não Fiscais) - Parte 01

Eu e Braz fizemos sexo poucas vezes depois que voltamos, com a diferença que ele antes conduzia, agora está constantemente cansado e isso é um pouco preocupante, pois ele sempre foi o vigor e o fôlego da relação. Também andou meio truculento algumas vezes e como não sei ouvir sem devolver na lata, tivemos boas discussões.

Ele mesmo chegou a falhar em encontros que já tínhamos programados e veio novamente a desconfiança da minha parte. Valentin, Carlinho e quem mais poderia desfilar pelado na frente dele? Será que tinha fundamento essa desconfiança?

Quando apresentei Braz ao meu vizinho Eliseu, não houve gentileza, nem simpatia, apenas uma educação forçada da parte de ambos. Logo descobri que meu homem é um cara muito ciumento, o que foi realmente uma baita novidade. E claro, fiquei todo bobo.

Houve uma madrugada em que ele saiu da cama e foi para a sala, de certo me julgando adormecido. Eu estranho, mas prefiro esperar e dar esse espaço para ele ficar sozinho. Quando volta, vai ao banheiro e depois deita-se me abraçando apertado.

Eu quis deixa-lo em paz no início, mas quem me conhece sabe que sou pavio curto, ia explodir com ele e seria hoje na quarta-feira, dia de namorar. Isso se ele vir, porque de novo se atrasa e muito dessa vez, realmente incomum.

Ele chega sério e não me beija apenas me abraça apertado.

- Me ajuda, Túlio. Vou ficar louco. – Ele demonstra na voz embargada e no apertar-me contra seu corpo, que ele sofre, que sua dor ainda é forte e que em minha companhia busca uma forma de amenizar isso. - Sou um fraco Túlio, fazem seis anos, cara. Eu achei que conseguiria falar sem doer tanto, porra, quatro meses, eu não conseguia pensar num único dia em contar para você, sem chorar, sem sentir culpa, meu filhinho era inocente, seja lá o que aconteceu, porque um menino de cinco anos teve que ir embora? Me diz?

- Braz... – Abraço com muito mais força um cara de trinta e cinco anos que chora como meu filho de três. – Não está fazendo isso certo, acha que vai resolver algo me afastando outra vez?

Ele não responde fica ali chorando.

- Eu estou tentando te ajudar.

- Porra eu chego aqui, você só pensa em transar, transar e transar e se eu falo que não estou com cabeça você fica me acusando, todo desconfiado. Nem sei por quanto tempo vamos ficar juntos nessa vida, mas ouve isso e não se esqueça: eu nunca traí você.

- Eu acredito. Me perdoa, Braz. Mas você está tendo um monte de atitudes estranhas e não fala comigo, o que quer que eu pense?

- Tenho chorado, tenho saudade dele, entende. – Braz grita comigo, seu rosto está todo molhado.

Passo a mão pelo meu rosto, cansado também.

- Me conta tudo. Sei lá, não sou psicólogo, mas quem sabe te alivia ou eu possa dizer uma só palavra e te ajudar. Só sei que guardar isso está te sufocando.

- Eu já disse tudo e que tinham coisas do passado que deviam ficar enterradas.

- Desenterra e repete com mais detalhes. Não faça isso por mim, faça por você.

- Porra... certo, senta aqui. – Braz senta no sofá e bate no lugar ao seu lado para eu sentar, então deita sua cabeça no meu colo. – Vamos pular a infância e adolescência que já contei e você só fica dando risada. Foi depois dos vinte que só aconteceu merda. Com vinte eu saí com o primeiro cara, mas a vontade já vinha lá da adolescência, lembra, já contei. Tinha uma namorada aqui outra ali, não era santo, você teve essa idade. Imagina que confusão era minha cabeça, pegar ou dar para um cara era só tesão puro, não pensava que tinha necessidade de ir além do sexo. Só que vez ou outra me apaixonava e ficava pensando em como sair daquilo antes de ser descoberto ou como exigir alguma fidelidade. Não era capaz de me assumir como poderia assumir alguém.

Braz pausa e respira, aproveito para pensar em como foi comigo mesmo.

- Para não enlouquecer, arrumei coragem para contar para a dona Maria que seu único filho era um maricas. – Ele sorri imitando o sotaque dos pais. – Conheci o Valentin quando ele decorou a sala do pai, que hoje é minha. Naquela época o pai já tinha planos de ir embora e me vender suas cotas, porque pretendia administrar a adega que minha mãe herdou da família em Portugal. Valentin era totalmente excêntrico, dá para ver pelo lustre que tem sobre minha cabeça. O "romance" foi ali mesmo, a queima roupa em cima da mesa de vidro e com a porta destrancada.

- Sem tanto detalhe, comeu ele umas vezes, ponto.

- Não fui apenas eu que comi.

- Não me interessa.

- Ele tinha gostos estranhos na cama e eu cansei rápido daquilo. Eu tinha uma namorada e não achava certo trair, não queria continuar a engana-la e nem a mim mesmo, aí resolvi que sentaria com ela para contar, mas ela sentou antes para contar sua novidade, que estava grávida. Sei que surtei, medo, imaturidade, não queria ficar preso com uma mulher. Meus pais sabiam do meu "segredo". Seu Joaquim queria me obrigar a casar, dona Maria me aconselhou a esperar meu filho nascer e conversar com Elvira.

Fico ali mudo, apenas fazendo carinho em seus cabelos já despenteados.

- Esperei o Miguel nascer, registrei ele e então abri o jogo com ela, fui honesto, disse que era bi ou gay, nem sei. Sei que ela me expulsou da casa onde vivia com seus pais. Não tive chance de segurar meu menino, fui tratado como o pior tipo de pessoa no mundo. – Ele de novo pausa sua fala. - Para não te aborrecer, resumo, não só ela, mas seus pais diziam que infelizmente o pai do Miguel era um veado sujo e meu pai disse que eu tinha lhe dado o pior desgosto de sua vida e era eu o único culpado do que me acontecia. Não derramei uma lágrima por tudo aquilo, se ia lutar naquela "guerra" tinha que estar forte. Sei que precisei contratar um advogado para enfrenta a família dela e ter direito de visitar meu filho que só segurei em meus braços pela primeira vez quando tinha oito meses. Quando abracei aquele bebê, Túlio, foi quando chorei.

Braz chora ao lembrar e mesmo eu não contenho as lágrimas.

- Pensa numa criança linda, tinha uma cara de bravo, bochechas gostosas, olhos grandes e castanhos como tinha a Elvira. Minha mãe colocava minha foto ao lado dele só para demonstrar como éramos parecidos. – Ele sorri. – As coisas foram amenizando e havia paz na minha vida enquanto eu não trouxesse para o seio da família Vieira um homem para apresentar como companheiro. Então houveram casos, casos e casos, uns mais intensos outros menos.

- Acho que nunca me contou sob esse ponto de vista tão sofrido.

- Não. Porque quem confessa ter tido inúmeros casos em sua vida parece merecer pouco crédito, não é mesmo? Deixa sempre os outros com o pé atrás. – Pausa - Mas o tempo passou, tinha minhas aventuras, seu Joaquim me preparava para assumir as lojas que na época, eram apenas quatro, via meu filho quando eram meus dias de direito. Sei que Elvira me detestava, não superava e me magoava sempre que podia. – Braz respira fundo indicando que vai entrar no assunto que lhe machuca. - As condições de minha família eram boas e pude ter um apartamento. Sem querer minha mãe mandou fazer móveis sob medida na fábrica da esposa de Valentin e nós nos reencontramos. E entre decorações e chás da tarde em meu escritório na matriz tivemos uma recaída. Para mim não passou de uma boa foda, para ele eu nunca soube. Coincidiu que Elvira passou a dizer que achava que estava sendo perseguida, fosse de carro ou no condomínio onde morava com seus pais.

Braz seca as lágrimas.

- Registramos queixa, mas não havia sequer um suspeito de coisa alguma, parecia que era neura dela, mas pelo Miguel eu contratei um guarda particular que ficava a paisana em frente a sua casa. Quando o quartinho dele ficou pronto, minha sogra me deixou busca-lo no fim de semana que não era o meu, já que a Elvira tocava sua vida e decidiu sair com alguém naquele final de semana. O foda é que alguma coisa deu errado nos planos dela e meu interfone tocou sábado a noite. Ela estava furiosa, parecia estar possuída ou drogada, levou meu filho a força e aos berros e foi a última vez que o vi com vida.

Aquele momento eu e ele ficamos em silêncio, sendo quase possível tocar na dor com as mãos.

Não tenho coragem de dizer a ele que creio na teoria de suicídio. Elvira estava com raiva de Braz, nunca perdoou, quem testemunhou disse que o carro saiu da pista e invadiu a contramão, não haviam defeitos plantados segundo a minuciosa investigação.

- Braz, chora tanto quanto você precisar para lavar a dor em seu coração.

Tudo que posso fazer é acarinhar seu cabelo e esperar seu temporal passar.

Assim recuperamos o que faltava, a paz entre nós, se dias antes eu senti vontade de empurrá-lo sutilmente no poço do elevador e hoje tenho vontade de abraça-lo o tempo todo. Braz reclama de dor de cabeça e nariz trancado, me fazendo rir do seu jeito.

- Deita na minha cama, urso. Já te levo uma dipirona.

Uma hora mais tarde ele comenta que se sente leve de verdade por ter compartilhado e me pede o que acho de tudo aquilo.

- Ah, Braz, a vida tem começo, meio e fim. Você deve se permitir ter lembranças boas do seu anjo e se possível tentar superar um pouco dessa dor. Temos uma Rafaela e um Eduardo para cuidarmos. Deixa o Miguel descansar, amor. Descansa também.

Eu sorrio e beijo sua testa, já que ele hoje se deita em meus braços.

- Pronto, estou sem segredo algum, Túlio. Me conta um segredo seu, vai.

- Não tenho. – Eu respondo seco, não tenho nada escondido mesmo.

- Todo mundo tem.

- Tenho um que odeio, quando era criança minha mãe cortava meu cabelo igual ao do Xororó.

Braz começa a tremer, ri tanto que quase passa mal.

Digamos que minha relação com Braz estabilizou por volta de um mês após nosso retorno. Voltamos às rotinas normais, tanto minha quando dele e aos encontros apaixonados, percebo que nosso tempo juntos tem mais qualidade, o sexo mais intensidade.

Claro que não me esqueci do detalhe de que o passivo, ainda quer experimentar o ser ativo, mas tempo ao tempo. Não sei quanto tempo vou me segurar, pensar em meu macho de bruços, tem mexido comigo e me dado sonhos molhados...

***

Poucos dias após, me pego pensando em minha infância, ah, anos oitenta foi podre e foda ao mesmo tempo. Nasci em 79, então tive a sorte de crescer nessa época louca, andar de tênis Bamba, colecionar mini garrafinhas de coca-cola ou figurinhas de chiclete Ping-Pong e o azar de ter cabelo mullets, que na época era o máximo. Claro que tinham muito mais coisas, foi uma década rica em bizarrices, mas bacana, como os meus bonecos Comandos em Ação quase são quase tão velhos quanto eu. Ter alguns desses bonecos inteiros é como ter um tesouro, mais valioso ainda é poder ver meu filho brincando com eles no chão do meu quarto.

Braz voltou a ser o cara 100% que conheci, mas acaba de fazer meu filho chorar desesperado me fazendo quase voar em seu pescoço.

- Cara... – Braz morde a língua para não dizer um palavrão na frente de Edu. – Essa por...caria quase furou meu pé.

- Paiê...aaaahhhh. – Meu filho provavelmente será um baita de um tenor, põe a boca no mundo quando chora. – O tio Braz quebrou meu soldado.

- Qual soldado? – Eu olho meio horrorizado o MEU boneco dos Comandos em Ação que tenho desde a infância. – Po... xa... quebrou, Braz, sabe quantos anos tem esse brinquedo?

- Esses brinquedos espalhados no nosso quarto, digo no seu quarto, não dá.

Não sei se "socorro" meu filho ou tento colar o boneco ou dou um soco no Braz.

- Pai, o tio Braz dorme na cama com você? – Rafaela me pergunta e Ira e Braz se olham.

- No outro quarto, na cama da visita. – Ira responde. – Eles são muito amigos, por isso o tio Braz fica aqui para conversar.

- É, pra ver um jogo às vezes. – Eu respondo. – Quando ficar maior o pai vai conversar sobre isso com você, entendeu?

- Porque vocês não casam? – Gelo com a pergunta.

- Porque não. – Diz Braz.

- Como assim, filha? – Pergunto a ela.

***

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