Capítulo 9
Eu estipulo um encontro por semana e Braz sempre vem com um tesão desgraçado. O encontro é na minha casa mesmo, sendo a quarta-feira à noite o momento eleito por ambos. Ele nunca se atrasa e fica louco de raiva quando eu me atraso. E por esse motivo, preciso sair pontualmente às dezoito horas para que o cidadão não se indisponha comigo como aconteceu na quarta semana/encontro.
— Orra, da contabilidade até aqui, dá uns dez minutos, quinze no máximo. Como que tu consegue sair de lá às seis horas da tarde e chegar aqui sete e vinte? — eu argumento que após às dezoito, tinha atendido uma funcionária cheia de problemas com a vida pessoal, que pediu demissão por causa do marido, que chorou na minha frente e demorou a se acalmar. Mas ele se irrita ainda mais e retruca que a "infeliz" tem das oito da manhã até às dezoito para "encher linguiça".
— Braz, nós visitamos um possível cliente que tem duas lojas de chocolate de Gramado, voltei pra contabilidade já passava das cinco e meia.
— O que esse cara queria?
— Quem?
— O cliente? — antes que eu abra a boca ele pergunta — Foi sozinho nesse cliente?
— Eu não acredito que tá me perguntando isso?
— Só pra saber mesmo... Eu sempre fui meio possessivo. Não fica me olhando com esse par de esmeraldas como se tu não tivesse uns defeitos bem chatos também. Porque tu é intransigente quando quer.
— Precisa fazer isso tudo por causa de uns minutos?
— Deu, alemão. Vamos mudar o rumo disso... Ei, fala um pouco das tuas crianças. Fala sobre um filme. Vamos ao cinema? — Braz me pergunta enquanto corta cubos de peito de peru para a pizza ou focaccia que inventamos de preparar juntos — Nessa região é quase nulo o teatro, mas em Joinville, quem sabe.
Eu fico mudo para não dizer que não quero desfilar ao lado dele para não levantar suspeitas de termos algo íntimo.
— Eu gosto de filme de ação, tipo Rambo, Exterminador... não sei se nosso gosto se parece.
— Ah, nem é pelo filme, é pela mudança de ambiente. É bom sair do quadrado.
— E você? Gosta de que tipo de filme? — pergunto pra ter assunto com ele. Diferente de sair com algum amigo é que depois de beber, comer um petisco e falar sobre assuntos aleatórios, cada um vai pro seu canto, ali com Braz há uma tensão sexual crescente e quase apelativa. Especialmente quando ele tenta me dar um tomate cereja e espera eu abrir a boca para me beijar. Um beijo safado, rápido com aquele jeito cafajeste que se afasta pra me deixar na vontade.
— Gosto desde romances bobos à dramas complexos. Depende do humor. Eu sou meio emotivo, então se tiver um final feliz, melhor ainda. Não sou muito interessado em filme de tiro e pancadaria sem uma boa trama, mas vejo um Rambo contigo bem tranquilamente.
— Eu prefiro. Não gosto de mergulhar demais em histórias.
— Tá construindo um perfil de pessoa fria pra mim. — ele ergue a sobrancelha com cara de preocupado.
— Não sou frio.
— Parece que tem medo de sofrer. Sabia que isso pode te fazer sofrer mais ainda? Nós só vivemos uma vez e a vida é uma porção de fragmentos coloridos, um quebra-cabeça, tem um caminhão de coisa ruim e muito mais coisas boas. — Braz abre o vinho e serve em duas taças, me abraça e beija minha testa — Domingo passado completei trinta e quatro anos e sabe que eu queria muito ter ficado assim contigo? Separei um dos melhores vinhos pra comemorar.
— Desculpa... feliz aniversário meio atrasado — eu ergo um pouco a taça, sem graça, já que sempre fui meio travado em comemorações por mais singelas que fossem — Parece mais novo...
— Ah tá bom agora... — ele ri e eu fico sem jeito. Nunca sei o que falar, mas em geral sou muito honesto e Braz é sim um homem muito conservado. Trinta e quatro anos é jovem demais para demonstrar marcas da vida, mas nos comparando, creio que eu tenha mais linhas de expressão do que ele. — Caralho, esses olhos verdes, esses cílios compridos e essa carinha de metido escraviza um homem.
Ele do contrário tem frases mais recheadas de malícia e diz tudo o que um homem quer dizer. E todas as vezes que caio nos seus braços, já estou carente do calor do acolhimento seu. Eu negaria para o mundo. Esconderia de todos, digo que não fui feito para esse tipo de coisa, ainda que meus sentimentos queiram traiçoeiramente que eu os ouça.
Estabelecemos meio sem premeditar, uma rotina confortável e ele não me pressiona. Braz achou uma zona de segurança com relação aos meus assuntos e eu não invado sua vida íntima. Além da maneira física, pouco eu procuro algo que seja capaz de me aprofundar ou tornar nossos encontros em relacionamento e mesmo distraído, não percebi muito o tempo que avançou em torno de nós.
Fui marcando por encontro e doze semanas foram interrompidas por um compromisso dele em outro estado. Por fora eu seguramente disse "tudo bem", por dentro senti um aperto desconfortável. Apenas uma quarta-feira foi capaz de me colocar numa reflexão na qual percebi que a contabilidade estava perdendo um pouco sua exclusividade em meus pensamentos. Com um medo besta de deixá-lo notar minha ânsia em vê-lo, eu fugi de um encontro na quinta, fui bem capaz de negar e manter estabelecida a quarta-feira. Braz jamais soube reagir bem quando enciumado, pois sim, ele levou para esse lado. Na sexta-feira me mantive firme e fui buscar meus filhos no fim da tarde, algo que deixou a Ira tão feliz que me convidou para dormir por lá no sábado à noite e eu aceitei por sentir uma grande carência de ficar com pessoas que eu amo.
Conversando com ela, não consegui desviar os olhos do seu sorriso. Deus, como Iraci sempre foi linda, especialmente sua cor escura de pele, algo que admiro, que me atraiu desde que nos conhecemos. Ira no início optava por manter o cabelo crespo longo, ajeitado em uma ou várias tranças, mas depois que nos casamos, ela cortou e o manteve mais naturalmente armado. Se quisesse poderia ser modelo, eu sempre lhe disse e ela achava que aquilo fazia parte de meu jeito apaixonado. Iraci é dessas mulheres a quem chamam de falsa magra, sem barriga, quadril largo, coxas bem torneadas e um busto muito bonito.
— Caramba, o Dudu acabou com meus peitos. Olha isso. — Sem timidez ela levanta os seios e balança para dizer que perdeu a firmeza depois de amamentar duas crianças. — Ele só dorme chupando minhas tetas.
Eu não consigo ficar sem jeito, pois ela sempre foi assim natural comigo. Não há vulgaridade e muito menos maldade no seus gestos.
— Quando a Rafa ainda mamava, você reclamava mais de dor?
— Dos dois, Túlio, lembra? Até o mamilo ficar no formato certo pra amamentar, é doloroso.
— Ah... isso já não sei te dizer... — e rindo, mudamos de assunto quando a Rafa pede pra dormir comigo. Antes de pegar no sono, minha filha conta como foi cada detalhe de sua semana, o que cada coleguinha disse e até confessa que tomou uma chinelada na bunda por ter jogado um tamanquinho na cabeça do irmão. Eu converso bastante com ela sobre esse tipo de ação, infelizmente acabo prometendo algo para recompensar seu bom comportamento e durante a semana, Rafa fica tão ansiosa que perturba sua mãe ao ponto de Iraci me dar uma bronca por ter feito a promessa à menina.
— Eu tenho uma amiga psicóloga e a orientadora da escolinha também sempre diz pra não fazer esse tipo de "negociação" com os filhos.
— Mas eu só fiz uma vez.
— Não interessa. Não prometa as coisas. Isso não ajuda na educação, entendeu?
— Sim senhora — falo acuado. Afinal, manda quem pode e obedece quem é esperto.
Depois de um esporro, vida contábil, mais vida contábil, saudade... digo, eu precisava conversar com o Braz, afinal tinham se passado doze dias e até minha suposta frieza já havia derretido. Como de costume confirmamos de nos ver naquela quarta-feira à noite, já que não aguento mais a saudade de dormir nos seus braços fortes e por estranho que pareça, de ser mimado e ter meu couro cabeludo massageado enquanto o sono me pega e eu luto com os olhos abertos e sinto seus dedos pousando em minhas pálpebras cansadas.
— Como tu luta pra dormir, rapaz! — ele dá bronca quando tento comentar sobre uma mudança num programa da RFB — Sério? Acho que é meu sonho ouvir esse homem bonito falando de trabalho nos meus braços. Fecha essa boca. Sh! Sh! Calado...
— Precisa ser tão rude?
— Preciso sim. Vai tomar uma paulada atrás da outra até parar com isso. Ó, amanhã à noite vou vir, quero mais um dia na semana contigo. E um final de semana também, te organiza com isso.
— Não começa a impor coisas.
— Eu? Quem impôs até hoje foste tu. Eu só quero ficar um dia a mais contigo, que seja na sexta, na terça, mas tu me enxota sempre.
— Não somos namorados.
— Ah, que legal. Obrigado por me lembrar. Quer saber? Eu vou dormir em casa. Já te comi essa semana, já cumpri minha obrigação né?
E assim, ele me abandona no meio da noite, se vestindo com raiva e batendo todas as portas. Minha noite de inverno parece ainda mais congelante e eu perco o sono.
Cada vez que ele engrossa, eu penso em usar como desculpa para encerrar essa loucura e voltar a vida "normal". Vida essa, na qual eu não sairei mais com alguém do mesmo sexo. Um ABSURDO com todas as letras maiúsculas.
Entendam que a relutância é por desconstruir padrões e derrubar tabus. Se engana quem pensa que isso é simples. Pra mim era de uma dificuldade extrema e eu ainda não conseguia me abrir com ele sobre isso.
Para consertar um pouco as coisas, lhe dei uma cópia da chave de minha casa na primeira oportunidade que confesso ter sido no dia seguinte àquele em que o homem me abandonou. Me arrependi depois de ter entregue a chave e disse mais uma vez que só nos veríamos nas segundas e nas quartas então, algo que ele aceitou sorrindo e eu pensando em como havia me tornado dependente daquela quase relação.
Iraci precisou passar um final de semana com sua avó no hospital no sistema revesamento familiar, claro que eu me prontifiquei para cuidar dos meus amores e fiquei louco de felicidade ao buscá-los no sábado de manhã e com isso desmarquei dois compromissos com clientes que foram capazes de dizer que durante a semana não havia como ir ao escritório e que no final de semana eu deveria me organizar para ir encontrá-los.
O efeito Braz me fez esquecer de tudo. O pior é que ele calculou que aquele final de semana não era o meu para ficar com as crianças e apareceu no sábado à noite querendo conhecê-los finalmente. Antes de tudo eu estava agindo naturalmente. Dei banho nos dois, os enchi de roupas, aqueci a sopa do Edu e fiz algo que minha filha adora, que são nuggets com arroz, feijão, pepino de conserva e um suco de caixinha de qualquer sabor. Coloquei um desenho, me deitei entre os dois no colchonete da sala do segundo piso e quase dormi com o barulho do Eduardo sugando com força sua chupeta (que a Ira me proibiu de dar).
— Pai, quem é esse homem? — Rafa aponta para a porta onde Braz entra tranquilamente e eu sinto um gelo por dentro. Quase esqueci que havia lhe dado a cópia da chave.
— É o amigo do papai, filha. Oi Braz.
— Oi, Túlio. Que duas crianças mais lindas são essas? — Edu dorme e Rafa senta-se para puxar assunto com ele.
— Braz é de Brasil? — Ela pergunta a ele que lhe sorri sentando-se no sofá.
— Não, querida, Braz era um nome do meu avô que veio de Portugal. Ele era Manoel Braz, aí meu pai é Joaquim Manoel e eu sou o Braz Joaquim.
— Porquê tem tanto nome igual? O meu nome é só Rafaela, eu não gosto de nome grande. Joaquim é muito feio. — Braz acha engraçado e sequer me permite corrigir a franqueza dela — Tio, você vai dormir aqui?
— Não, o tio só queria conversar com seu pai, mas depois ligo pra ele.
— Braz, pode ficar. Dorme ali no quarto... de visita.
— Vou deixar você com seus filhos Túlio. Amanhã, eu ligo pra ti... Mas eu espero vocês dormirem.
Braz tirou o sapato e enfiou o pé sob a coberta para encostar no meu que devia estar congelado. Foi diferente olhar pra ele sentado ali, olhar nos seus olhos castanhos escuros foi o mesmo que confessar que estava me apaixonando seriamente. Não nego que naquele momento eu já estava começando a sentir algo além da luxúria e ele cansou de demonstrar que já estava mergulhado até o pescoço nos sentimentos. Tão safado que foi capaz de piscar pra mim quando minha filha estava distraída com a animação.
Enquanto meus filhos adormecem ele faz um gesto que está indo para sua casa e eu não consigo pedir para que fique. Algo que ele faria se eu conseguisse ser menos inflexível. Quando Braz parte, começa uma nova confusão em minha cabeça, mas não é tanto pelas questões dos rótulos que eu coloco, quando finalmente tive coragem de internamente pensar que posso ser um homem bissexual, a confusão passou a ser pelos sentimentos despertos, que eram algo que dificilmente teria como anular ou fingir que dava para ir contra eles.
Logo mais ele me telefone, ficamos conversando por uns quarenta minutos no mínimo. Ele maravilhado com meus filhos, falando empolgado sobre a fase do Edu como se tivesse alguma criança da mesma idade em sua família, mas ele nega, logo começa a falar daquele jeito que me faz sentir um garoto mimado, eu reluto em desligar porque se depender dele, demoraria horas pra dizer "boa noite, beijo". Ele diz finalmente e ali começa a saudade que vai durar até o próximo encontro...
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Tô dizendo, eu penso uma coisa, eles fazem outra. Assim não dá. kkkk
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