Capítulo 22


A confissão do Braz, o súbito abandono sem explicação e minha confusão nos afastaram de verdade na época. Eu com meu orgulho não conseguia ir ao seu encontro e ele fez questão de deixar claro por mensagem ao celular, que precisava de um tempo dessa vez. Foi onde eu quase afundei, pois trinta e um dias era tempo demais só para imaginar. 

Me bastava uma simples explicação.

Eu pelo menos não superei facilmente, por isso procurava por na cabeça aquelas histórias de pessoas que passam anos se amando à distância. Durante a separação também desenvolvi sentimento de posse e isso é torturante para sentir quando se está longe de quem se ama. Dez dias depois, ele disse que assim que tivesse coragem de falar sobre, me procuraria. E dez dias mais tarde, ele fez uma viagem e ao telefone só perguntou se eu havia descoberto mais sobre a "namorada". 

De dia tudo parecia muito frio, pois eu me deixava envolver com minhas obrigações, mas à noite era um inferno. Um amigo seu começou a puxar assunto, creio que Braz tenha lhe confidenciado algo sobre nós e também falou pouco deixando claro que nenhum amigo é autorizado a falar sobre o filho dele.

Passados mais uns quinze dias, eu já tinha pensado em desaparecer e mudado de ideia sobre tantas coisas. Meu coração estava lacrado, eu sequer cogitava dar chance a outra pessoa fosse de qualquer gênero, pois não desaprendera de gostar dele. E por mais esquisito que pareça, nós passamos a nos falar por mensagens no aplicativo whatsapp, como se ainda estivéssemos juntos, mas não nos movíamos um para o outro. Braz me dera aqueles trinta e um dias anteriormente para eu pensar em nós, agora havia tomado tempo para si, deixou isso claro num áudio e sempre perguntava se eu estava bem, se cuidava de minha saúde e por fim, confessou que se não fosse por mim, teria preferido morrer... 

Mas ainda assim não se dignava a falar comigo pessoalmente. 

Esse tipo de confusão mal explicada no texto está da forma como ele me passou, ele tinha um filho, não queria falar sobre e me afastou de si, causando-me estranheza e desconfiança.

Sei que o tempo passa lentamente quando as coisas não vão bem. Eu como contador, contabilizava até as horas passadas dos primeiros quarenta e cinco dias de solidão. Pouca coisa dava certo e finalmente meu coração começou a endurecer. Não chorei mais uma lágrima, respirei profundamente quando adentrei o escritório e pensei que teria outro dia de merda, até que pelo menos uma coisa começou a deslanchar, que foi a transferência de financiamento, a nova liberação de crédito e a subsequente "troca" da casa por um apartamento de setenta e cinco metros quadrados que me pareceu uma caixa de fósforos no começo, já que adoro lugares amplos. Era uma espécie de recomeço necessário: abrir portas para meu novo momento. 

Partiria para cima do Braz e o traria de volta, se... ele afirmasse que ainda tinha sentimentos por mim. Afinal, me senti chutado nessa segunda vez e eu tinha um resto de orgulho. 

Terminado o almoço, lembrei-me que agora precisava do tempo à noite para o treino, musculação e boxe, que me faria bem e com a vantagem de ser numa sala comercial no térreo do edifício para onde eu me mudaria em breve. Já me senti pertencente àquele local e não tinha ânimo em voltar para minha casa nas últimas semanas em que a ocupei.  

Jamais superei o "fim" do namoro e tive várias recusas dele para nos encontrarmos. 

Afinal minhas mensagens abaixo também não resolviam nada.

"Amor, posso te ver hoje?"

"Não, por enquanto eu tô precisando desse tempo pra mim, agora"

"tem outra pessoa Braz?"

"claro que não!"

"não parece, pra mim, quando a pessoa pede tempo é por outro motivo, poxa, você já fez isso antes, vai fazer quantas vezes ainda?"

"retornei pra psicoterapia, não me força agora"

"não quer compartilhar comigo? não me quer mais?"

"amor... desculpa, eu nem consigo falar sobre isso, nem com meu pai, nem minha mãe, eles nunca mais tocaram no assunto, não dá... se te acontecer o mesmo, eu me mato com um tiro na cabeça"

"para!"

Ele chora durante a ligação e eu insisto em pelo menos dar-lhe um abraço e que vou ao seu encontro, prometo que não tocarei no assunto, mas Braz diz que tem receio, toca repetidamente no assunto da "namorada" que ligou para o meu pai e tudo se torna mais confuso como se eu estivesse acompanhando uma novela, onde um dos protagonistas prefere manter um segredo para preservar alguém em vez que se abrir e afastar novas suspeitas de que esse não seja o único motivo pelo qual se afastou.

"vou te dar esse tempo, Braz, mais uma semana e você, faça o favor de me explicar direito isso, porque tá parecendo outra coisa"

"é loucura"

"para com isso, tá, pelo menos explica"

"olha, Túlio..."

"vou desligar, preciso dormir, se cuida amor"

"te amo"

"eu também... "

Fui bastante seco e firme ao desligar. Às vezes dava a impressão de morarmos há milhares de quilômetros para permitir essas separações orgulhosas. Na verdade nossas cabeças estavam muito cheias, éramos homens sobrecarregados. 

Eu ia e voltava em minha mente com meus questionamentos, embora decidido que não retrocederia nunca mais com minha aceitação, mesmo que meu pai não me atendesse mais. Ao telefone a madrasta me tratava com grosseria, humilhando-me e usando o rigor religioso para apontar meu "erro" que estava "matando" meu pai aos poucos. Mesmo assim eu tinha esperança de que no mínimo, seu Pedro me dissesse algum dia: "seja feliz, filho, embora eu não aceite, não te odeio". Meu pai também precisava de tempo. Iraci, a quem eu olhava nos olhos, não parecia a pessoa a quem Braz queria jogar todas as culpas, portanto não tive coragem de tocar nessa ferida. 

Eu me sentia à beira de explodir. De novo.

Por fim uma coisa foi agilizada, a "troca" do imóvel. Foram vários dias que me envolveram em trâmites e uma burocracia que parecia infinita, até finalmente eu desocupar minha casa e ir morar de aluguel enquanto mobiliasse parte do novo imóvel. Achei que ia demorar meses ou mais tempo para sair daquele lugar que ficou marcado pra mim em algum momento. O mesmo lugar que guardava lembranças do início de minha nova vida e o relacionamento com ele, também foi onde me tornei um neurótico quando avistei uma garrafinha com combustível que de certo tinha só um propósito: tacarem foco em mim ou ferir as pessoas que comigo estivessem.

Ao Braz eu dei mais uma semana para que se adiantasse, mas ele disse que faria isso quando retornasse do Paraná onde fora negociar a única filial interestadual que tinha e que lhe consumia muita energia para administrar. A conversa fluiu como se não tivéssemos aquele vale de quase dois meses separados e por mim, ainda que me achasse ridículo, decidi juntar informações, trechos daqui e dali até chegar perto do que eu andava suspeitando.

Todo esse tempo auxiliou bastante para baixar a poeira, a saudade latejava, a carência era corrosiva, meu amor, respeito e carinho pelo Braz não haviam sido abalados. Em suas mensagens diárias ele finalizava me chamando de amor. Sua secretária, Jéssica, numa de minhas ligações para o mercado, explicou que ele estava em São Paulo em reunião a fim de fechar o negócio da venda de sua loja número seis (do Paraná) e ele prometeu assim que retornasse de lá, que sentaríamos para me esclarecer as dúvidas.


Carlinho veio na minha cabeça sem mais sem menos quando o Mauro tirou um sarro comigo ao perguntar como estava meu namorado. Teve uma pitada de deboche da sua parte, isso ficou claro.

— Ainda não superei aquela história da "namorada".

— Deve ter sido a Kelly. Brincadeira... — ele fala, acha graça sozinho, diz que ela voltou com o marceneiro e está grávida,

— Sim, ela disse que tá grávida.... mas a troco de que ia fazer isso? E como que tinha o telefone do meu pai? Teve uma pessoa que pensou que pudesse ser a Ira, mas não faz sentido. Nada faz sentido. — foi então que vi o Carlinho ligado na história. Conectei, mesmo que fosse absurdo, o parente do marido da Kelly que já havia sido preso ao motoqueiro. Mesmo sabendo que não estava sendo profissional, ligo para a loja do Carlinho, me faço de besta e todo prestativo pergunto se tem tudo sob controle...

— Carlinho, fica complicado pra você me atender na sua lojinha?

— Ai Túlio, para com isso. Claro que posso te atender. Eu fiz alguma coisa errada? — Eu rio do jeito assustado seu, explico que é algo mais particular e ele hesita ao responder — Tá, eu... espero você hoje sem "poblemas"...

Levo comigo o BP e DRE da empresa que ajuda a disfarçar e começo a sorrir quando ele me olha preocupado se explicando que já tinha a fonte de chocolate antes de pedir transferência de contabilidade.

— Hum, que loja cheirosa. — para um ser humano doceiro como eu, o cheiro do chocolate quase me faz flutuar. Tudo é perfeitamente organizado, decorado com tanto carinho que parece uma loja caríssima, dessas de marca famosa. E a cascata/fonte de chocolate para fondue de frutas? Me hipnotiza pelos minutos em que eu o aguardo atender um amigo seu que fala muito alto.

Numa mini-sala ele fecha a porta e me olha, morde o lábio e sorri. Parece esperar algum movimento meu, aí eu sento-me em frente a mesa branca de escritório onde ele dá a volta e acomoda-se numa cadeira. 

— Túlio...

— Carlinho posso te contar uma coisa? — ele engole a saliva e me encara, descendo o olhar do meu, para minha boca — Um dia, perto do meu aniversário, tentaram invadir minha casa e a pessoa não conseguiu porque o alarme disparou... essa pessoa deixou uma garrafinha de gasolina perto da porta.

— Jesus!

— Sabe quem foi?

— Eu não sabia da parte da gasolina.

— A Kelly que te contou?

— É que ela já sabia. Pelo amor de Deus, não diz pra ninguém. Jura? Túlio, o primo do marido era... eu saia com ele quando saí da "vida", olha, apanhei muito, mas muito e quando ia denunciar, na delegacia ficavam rindo do meu jeito... você entende né? Ele já assaltou gente... tem ex-mulher e filho escondidos porque morrem de medo dele. 

— Foi seu namorado?

— Não, não era bem assim... é que o Edison da Kelly pediu pra ele te dar um susto. Ela confia em mim, me contou porque tava desesperada. 

Eu quase sufoco e sinto um gelo subindo na espinha. Ele me dá um copinho de água que não consigo engolir.

— Você também sabia?

— Só depois que aconteceu. 

Carlinho narra como recebeu a notícia, como o parente do marido da secretária disse ter chutado a porta sem conseguir derrubar e que deu azar porque o alarme disparou, quando ele sabia que eu havia saído de casa. Me implora umas cinquenta vezes pelo silêncio porque acha que agora já passou, afinal Kelly deu-me a boa nova pela manhã que além de reconciliar-se com o ex, estava grávida do primeiro filho do casal. Assim como fez o Braz comigo, eu digo a ele que não vou fazer nada À PRINCÍPIO, mas que vou tomar medidas para me proteger e pedi a ele se poderia testemunhar, fosse o caso.

— Isso, eu não tenho coragem. Ele é de quadrilha. Capaz de me matar depois. Sabe, teve um policial que veio aqui perguntar se eu o via e eu disse que não, porque morro de medo. Ele vive na minha cola, não dá sossego, pega até o dinheirinho das vendas do dia algumas vezes. — Carlinho chora e diz que não há ninguém por ele e que também não iriam se importar se um rapaz negro fosse encontrado morto em um canto qualquer.

— Não fala mais em morte, tá. Eu vou pensar. Mas, Carlinho, isso é demais pra mim... e você... 

— A polícia não faz nada. Não volto lá nunca mais. Eu acho que tá tudo bem no seu caso...

— Acha?

— É só não falar pra ninguém.

— Aí, dia desses ele me encontra com meus filhos e taca a moto em cima de nós ou sequestra um deles?

— Túlio, por favor...

Eu o deixo aos prantos e fico sem entender que direção tomar. Sabe aqueles minutos em que nos sentimos totalmente perdidos e sem esperança? Era o meu momento. Fiquei com a sensação de estar pisando em falso no chão, completamente desorientado.

Estava muito distraído quando me ligaram da marcenaria avisando que a cozinha, os armários de um dos banheiros, o guarda-roupas estavam montados e até me esqueci de avisar à Kelly que demoraria mais e só de pensar no seu nome, senti uma mágoa pesada. 

Próximo ao elevador um rapaz de cabelos longos está de costas olhando os números acenderem indicando que ainda vai subir antes de descer e o de serviços está parado exatamente no quinto andar onde eu vou morar. Na mesma hora em que me vê, sorri, aliás, seu sorriso é perfeito e admirável. Sem sorrir, apenas o cumprimento e sem perceber também chamo o elevador. 

— Como essa praga demora. Isso que é prédio novo. Imagina aqueles prédios velhos...

— Eu teria medo. Subiria de escada faceiro. — rimos do meu comentário ao subirmos alguns andares juntos e sem olhar pra trás, me despeço sem muita atenção ao rapaz que diz: "xau". Meu telefone vibra e meu patrão pede se vou demorar? Logo a seguir, Braz informa por mensagem que podemos nos encontrar, mas ainda não sabe o que dizer. Lhe telefono na hora e digo: — Diz o que consegue dizer e acaba com minhas dúvidas. Não tô sendo frio. Se coloca no meu lugar você dessa vez. E que seja a última vez que me pede ou dá um tempo. Tá... te amo.

"te amo, minha vida", ele responde antes de eu entrar no meu futuro lar, que já amei desde que olhei aquela mobília novinha sob medida.


*

*

e cá, mais um capítulo da sequência do "reboot"

muito carinho, paz e felicidade a todos♥♥♥

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