Capítulo 21
De repente parei com meus questionamentos apenas naquele momento, para conseguir me concentrar nas coisas estranhas além da gasolina perto da porta dos fundos de minha casa e na tentativa de invasão. O B.O. foi registrado, mas era algo que não me dava nenhum tipo de segurança. Nada fora levado, mas foi deixado... insegurança e um pouco de pânico.
Minha tia tem uma papelaria na Praia Brava onde eu basicamente passei a adolescência e passara mais de uma vez por assalto, inclusive com arma branca no pescoço de minha prima, por valores insignificantes em dinheiro. Quando envolve filhos, o trauma deve ser amplificado e o pânico se torna tangível.
O que me encucou e especialmente ao Braz que é uma pessoa desconfiada e ciumenta, foi a história da suposta namorada. Tanto que inventou de marcar território diante dos funcionários do meu trabalho e assim eu não tinha mais nada a esconder. Embora ninguém tenha me abordado inicialmente, percebi uns olhares curiosos de uns e de outros, uns sorrisos desconcertados. Mauro demorou um tempo para invadir meu espaço com um comentário estranho:
— Bahhhh...— ele estica o H até eu perceber que está impressionado com algo — Túlio, faz tempo né? A Lívia falou pra Jaque que não adiantava se iludir contigo porque tu não tinha jeito de quem gostava muito da "fruta".
— Só porque é meu amigo não significa que pode invadir...
— De longe, Túlio, eu nunca falei nada, mas peguei no ar... ó... faz tempo, amigo. Eu te amo, cara, não faz diferença e se tu não se abriu com ninguém, eu até te entendo. Deve ser foda.
— Os funcionários comentam muito?
— O que tu achas?
Ele nunca me respondeu essa pergunta, mas se o Miguel não estivesse presente, ele era o comentário das piadas "engraçadinhas", agora era o chefe do escritório que devia estar na boca do povo. Comentei com Mauro e tocamos no assunto da "namorada" e de início, ele excluiu a Jaqueline de maneira quase protetora e pelo que conheci da moça, é possível que não tenha sido ela. Não a imagino como pessoa vingativa, aliás, não sei quem poderia fazer isso. Será que alguma mulher se sentiu tão prejudicada ao ponto de ligar para o meu pai e dizer que era minha namorada? Eu poderia estar errado, mas era a minha certeza até o momento que o motoqueiro e essa criatura tivessem alguma ligação.
Quem?
Se não estava tão ruim, piorou tudo quando minha madrasta, que não me adora, ligou para minha casa num sábado qualquer em que as crianças estavam com sua mãe. Braz ainda não estava por ali e provavelmente chegaria perto da hora que combinamos de sair com dois casais conhecidos seus. Meu momento era neurose pura depois que mandei instalar câmeras para monitorar pelo notebook. Tinha pavor de ver qualquer pessoa caminhando inocentemente por perto de minha casa e o barulho de moto me dava arrepios.
Walburga, esse é o nome da madrasta. Preciso nem dizer a origem da senhora que casou com meu pai uns três anos após ele ter ficado viúvo. A mulher não é exatamente má, mas tomou conta da casa quando casou-se com ele, logo tiveram uma filha a Hanna, meio irmã com quem tenho pouco contato e por essa sensação de posse, ela nutriu por mim uma boa dose de antipatia e eu apenas retribuí porque não tenho paciência depois da segunda patada. Mas enfim, ela me telefonou e foi mais do que tenso, tanto que acabou com minha tarde e o resto da minha noite.
— Túlio... teu pai andou ruim e saiu do hospital hoje cedo. A pressão tá muito alta.
— Não sabia que ele esteve hospitalizado, dona Walburga. Faz tempo que ele tem isso?
— O Pedro, meu marido, tem uma saúde boa. De ferro. Foi uma mulher que ligou pra ele e contou umas coisas. Ela disse umas barbaridades pra ele, que tu se separou pra ficar com um homem. Ele encheu a moça de desaforo, pensou que era a tua ex mulher...
— Ai meu Deus... não era ela né?
— Não sei, não foi comigo que essa "schwaina" falou. Se fosse verdade essa história, essa mulher deve ter feito de vingança. Mas não precisa vir visitar não, ele tá bom agora.
— A senhora me ligou, eu fiquei preocupado...
— "Nain", ele tá bom. Se ficar ruim de novo, eu ligo.
— Dona Walburga, posso falar com ele?
— Espera — ela grita algumas fases em alemão, ele responde na mesma língua, eu ouço isso sem entender a metade, mas ouvi o "nein, nein" vindo dele, então a mulher desliga sem muita enrolação.
Mais isso para eu encucar... meu pai não quis conversar comigo e fiquei com dúvidas quando a madrasta mencionou a Iraci. Retorno a ligação e insisto em conversar com ele, mas o alemão teimoso demora para dar o braço a torcer.
— Onde já se viu, eu criei um filho. Não tô conseguindo nem ouvir a tua voz.
Queria mentir para ele só para tranquilizar o homem, mas forma um nó em minha garganta e dói demais.
— Pai, eu vou viajar até aí daqui vinte dias mais ou menos, vou me organizar e converso com o senhor. Não fica ouvindo besteira... o senhor reconheceu a voz?
— Não, nunca ouvi.
— Eu não namorei nenhuma mulher desde que divorciei?
— Só um homem? — ele fala chorando e eu desabo do meu lado, não conseguimos prosseguir com a conversa e a madrasta lhe tira o telefone das mãos certamente para me dizer umas "verdades", mas desliga antes que eu pare de soluçar.
Minha história com Braz está causando aspectos que me deixam temeroso. Iraci me apoia, obviamente preocupada comigo.
— Não dá pra simplesmente empurrar goela abaixo do meu pai a nossa relação. Se eu mesmo tive dificuldades para me aceitar, pense num cidadão de quase sessenta anos que só pela idade torna ainda mais difícil de mudar de opinião, que dirá aceitar.
— Não é hora de você se preocupar com sua relação com Braz ou nossa separação, deixa a poeira baixar. Age normalmente. Só que é estranha demais essa "mulher" que anda ligando pra ele. Eu mesma fico assustada.
— Ira... eu fui durante a semana no banco e acho que vou me mudar. Vou renegociar e tentar um apartamento. Não consigo dormir direito quando fico sozinho.
— Se isso te tranquiliza, vá em frente, mas tem que manter o equilíbrio. Calma, meu amor — Ira me abraça quando meus olhos umedecem — O que não chorou desde que eu te conheci, tá chorando nesses últimos tempos. Túlio marca uma consulta com uma psicóloga ou psiquiatra mesmo. Precisa de ajuda, precisa alguém mais neutro na sua vida pra te dizer as coisas, alguém que olha isso tudo do lado de fora.
— Mas não estou com depressão, nem nada.
— Ótimo. Nem queira chegar nesse ponto. Vai lá... pensa no Edu que logo vai querer fazer alguma atividade com você, jogar bola, xadrez, tetris, hein... teus filhos são apaixonados por você e você é um pai só incrível demais. Precisa ficar calmo, resolver essas novidades que estão aparecendo hoje, pra poder amanhã sentar com eles e responder as perguntas ou orientar quando "o assunto" for a pauta.
— Tá...
— Fica calmo. Ei, o Braz parece muito, mais muito apaixonado por você. No começo eu não ia muito com a fachada dele, mas agora tô acostumando, hahaha... olha como esses olhos verdes já começam a brilhar e o sorrisão...
— Para tá... tô sem graça.
— Tá nada. Foda-se. Ele é um cara charmoso.
— E gostoso.
— Rá! Deve ser, porque não se largam mais. Ei, me diz uma coisa... ele é ciumento né?
— Somos. — me abro um pouco com ela e quando percebemos, estamos rindo das minhas pequenas confissões, no limite do que é possível compartilhar com a ex esposa — Acho que é bem mais romântico que eu... ainda sou bem travado pra muita coisa.
— Com o passar do tempo o casal fica mais parecido... se você for menos resistente, vai mudar um pouquinho. Não pensa nas coisas ruins hoje, aproveita a vida, namora, beija muito, seja carinhoso e pensa positivo.
Eu sempre saio de sua casa bem mais tranquilo e por último a ouço comentar que está se interessando por um ex colega de faculdade meu, outro contador com quem Mauro tem amizade.
— João??? Aquele João moreno jambo de cabelo grisalho ou aquele João polaco parecido comigo? — eu pergunto de gozação, porque o João Carlos (parecido comigo) é gay também. Assim sobra o outro João que segundo fontes, é uma pessoa decente. Mesmo sem querer, vou para a minha casa com um pouco de ciúmes pelos meus filhos e as coisas que ajeitei, comprei, decorei.
Ela precisa e merece ser feliz.
Por aqueles tempos quando andava tenso, sentindo minha relação encaixada numa zona de conforto, costumava guardar pra mim as coisas negativas temeroso que o Braz fosse afetado, já que muitas vezes me cortara quando o assunto não o agradava. Às vezes me sentia sozinho, mesmo tendo um namorado e passei a me questionar outra vez a partir disso se valia ou não a pena lutar com o mundo. A confusão era gigantesca muitas vezes, confesso que eu pensei em suicídio pela primeira vez na vida com medo da pressão.
Meses depois, quando nos altos e baixos, eu me sentia um pouco melhor, completei trinta e três anos e antes de ser surpreendido por meu amor, recebi a visita de um cliente, justo de quem sempre senti ciúmes. Carlinho que me parecia amedrontado (ou eu estaria exagerando).
— Eu te trouxe uma cestinha bem simples — comenta ao me presentear com uma luxuosa cesta em vime pintado de marrom escuro fosco, ornado com um laço dourado e celofane transparente, contendo seus melhores bombons, pão de mel, docinhos gourmet... — descobri que fez aniversário.
— Ah, obrigado — eu tento sorrir, mas expressão de desconfiança que sustento não ajuda — Alguém comentou com você?
— Um cara que eu ficava... faz tempo, ele é parente do marido da Kelly que trabalha aqui. Aí eu conheço ela, sabe... Ele mexia com coisa errada, foi até preso uma época. — suas frases soltas não fazem sentido pra mim — É isso. Ela que me contou...
Faço duas tentativas de prosseguir com o assunto, mas ele despista e não fala mais nada sobre a Kelly. Fico com dois pés atrás, porque esse gesto de me trazer um presente parece mais com uma tentativa de estragar meu relacionamento, tanto que reparti com os funcionários o conteúdo da sexta e não toquei em nada por puro medo. Depois passeis uns dias preocupado que algum colaborador pudesse passar mal ou ter sido envenenado. Braz rindo de minha cara, disse:
— Tá ficando neurótico, meu alemão. Túlio, te acalma porque tá complicado de te aturar depois disso tudo.
— Você não é obrigado a nada.
— Começa...
— Amor, eu não consigo ficar calmo. Tô quase surtando. Já passou por isso??? Já teve UM ÚNICO filho pra sentir a insegurança que eu sinto?
— Já tive sim. Já tive um único filho sim. — ensurdeço e emudeço diante da afirmativa... — Mas não vou sair de perto de você, prometo. A não ser que a Iraci vá usar eles pra te desestabilizar. Ela sabe que tu tens medo que alguma coisa aconteça as crianças... vai que começa a jogar sujo. Pode ser ela a "namorada" que ligou pra sua família.
Porque ele está me contando isso depois de quase três anos de relacionamento? Porque escondeu? E porque tá colocando suspeitas sobre a Iraci?
Estou certo de que ela não me esconde nada, mas ele...
Escapo de um abraço seu, de repente olho para um estranho. Braz pode ter seus segredos quando me revira do avesso e isso é algo que não consigo digerir à princípio. Me sinto mal por isso.
— Nunca falou sobre esse filho.
— Nem deveria ter falado, não quero falar.
— Porque?
Em vez de responder, ele sai batendo a porta, me deixando com todas as dúvidas do mundo.
*
oi pessoal... desculpe o lapso de tempo, realmente não estou numa boa fase, talvez demore pra postar, mas farei um esforço, desculpem mesmo. fiquem bem por favor.
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