Capítulo 13
Mais uma semana passa tão lenta que transforma os problemas normais do dia a dia em coisas pesadas e difíceis de resolver. Irritação, falta de paciência, dor de cabeça, sensação de sobrecarga são nítidos, basta olhar na minha cara. Meus ombros parecem suportar uma carga pesada. E não é um drama fajuto. A falta de alguém que te complementa, deixa uma lacuna complicada de se preencher e faz seu pensamento se voltar para o vazio.
Fazia tempo que eu deixava de me empolgava com a sexta-feira. Era assim quando levava muito serviço para casa, pois se tornava a continuidade da semana estressante. Acabei por voltar com esse velho hábito, porque quem sabe me ajudasse desligar da vida pessoal. Nada é muito eficaz contra a saudade. Penso nele o tempo inteiro. Braz me fazia sentir vontade de viver para além da empresa e tentava me tirar dessa minha auto-reclusão que começou a afetá-lo.
Gostaria muito de ler seus pensamentos e não ter dúvida de seus sentimentos, quem sabe isso ajudasse a me tornar mais flexível. Ou será que devo acreditar mais cegamente, confiar e deixar que ele conduza? E se ele me largou porque cansou-se de verdade? E se depois de trinta dias não quiser mais nada comigo?
Passados quase vinte dias, a solidão deixa de ser um sentimento interno e aparece em destaque nas olheiras e linhas de preocupação do meu rosto. Separar trabalho de vida pessoal que antes eu fazia sem remorso, naquele afastamento, foi complicado. Não consigo esperar por mais dez dias, isso seria uma punição severa demais pra mim, então esqueço do orgulho e ligo pra ele outra vez. E pelo menos mais dez vezes nos próximos dias. É amargo o sabor da sua inflexibilidade. Meu próprio veneno.
"Braz, fala comigo..."
Falo para o telefone não atendido, até que ele sinta de certo algum tipo de piedade e diga sem ânimo:
— Oi Túlio.
Tão gelado que me dá vergonha de continuar perturbando-o.
— Braz, será que podemos conversar? Só um pouco. Não gosta mais de mim?
— Eu sofri pra tomar a decisão, entende? Sofro ainda, mas vai passar.
— Não diz isso, por favor... Falou que ia me dar trinta dias. Braz, hoje já deu... deu vinte e cinco dias.
— Túlio, tô ocupado agora.
— Tá, desculpa... não quer que eu ligue mais?
— Você quem sabe. Fica bem.
Eu sei que ele não é essa pessoa fria. Por mensagem envio-lhe um texto perguntando se o motivo real foi aquele de que não me vejo aceitando ter um relacionamento abertamente homossexual perante à sociedade, mas não obtive resposta e diante disso fico inseguro para novas tentativas e principalmente para tomar uma decisão. No mesmo texto, digo que se queria me pressionar, acho que não foi da maneira correta, pois se afastando acabou enchendo minha cabeça com novas dúvidas.
Depois de trinta dias de afastamento, algumas noites em claro para pensar, fico ainda mais certo de que ainda estou apaixonado e ao mesmo tempo, que preciso erguer a cabeça, reagir, enfrentar o mundo por mim e depois se for o caso, e um dia nós voltarmos, quem sabe eu faça diferente. Ou será que é para eu seguir minha vida e tentar esquecê-lo? Será que Braz ficou sozinho? Dói demais pensar que outra pessoa possa ter dado o valor que ele merecia...
O que começou como aventura, sexo sem compromisso por mim se tornou algo valioso e carregado de sentimentalismo. Jamais o esqueceria... só o queria de volta...
— Bom dia, rapaz. O que aconteceu? — Seu Camilo aperta minha mão com força — O Edinho me ligou várias vezes, não tá cuidando da empresa dele?
— Que Edinho, seu Camilo? O senhor me pergunta coisas daqueles seus clientes que não tenho nem acesso.
Seus clientes mimados pagam um valor absurdo de honorários pelos rolos que meu patrão faz na contabilidade de suas empresas. Esses nunca serão passados para mim, pois o velho sabe como é nosso esquema de salário, no meu caso eu sou comissionado e ele não aceitaria me dar um percentual dos honorários, por exemplo, pagos pelo Braz que são bem altos. Pelo jeito ele quer empurrar suas buchas sob minha responsabilidade sem me onerar por isso.
— O Edinho dono do outlet de calçados ali em São João Batista. Achei que tinha passado pro Mauro. Enfim, o cara disse que não recebeu nenhum balanço. Quem tá fazendo?
— O senhor passou pra quem? Seu Camilo, o que vir para o meu CRC, entra no esquema de comissão no meu salário, pode o senhor gostar ou não de ser cobrado, foi um acordo nosso. Depois, nós precisamos conversar e eu preciso saber dessas mudanças. Passou mais alguém além dos mercados do Braz Vieira pro Mauro? — na hora sinto gastura de imaginar que o Mauro também esteja agindo sem meu conhecimento.
— Acho que passei a Rosa designer. Sabe aquela loja grande ali da avenida Osvaldo Reis?
— Tem um monte de lojas lá.
— Vem, vamo agora lá. Até esqueci que marquei horário com a velha. Larga esse razão, analisa depois, anda. — Ele diz num tom autoritário. No carro me dá um sermão a respeito da família ser uma prioridade na vida de um homem, que eu tinha uma família perfeita e que perdi um mulherão por ser casca grossa. — Caralho hein. Porra, Túlio, que mulher bonita que tu tinha. Como que separa assim? Não dá pra te entender...
— O senhor também tinha uma esposa maravilhosa. — meu patrão separou-se da esposa após ela descobrir uma traição sua com uma moça de vinte e dois anos. Enfim, esse era o segundo casamento do patrão que acha que pode me dizer o que fazer com minha vida.
— A Sônia, tá louco, aquela merda, filha da puta, tá puxando meus funcionários pra loja dela. Ela andou te fazendo proposta?
— O senhor sabe que sim. Mas AINDA estou me entendendo com o senhor.
— Acho bom não sair mesmo.
— É só não avacalhar comigo.
Conosco sempre foi assim. Toma lá, dá cá. Não amaciamos na franqueza. Meu patrão já foi meu modelo de aprendizado, hoje me deixa preocupado com sua inconstância. Meu salário me segura, pra ser honesto.
— Como tá o filho do Joaquim?
Ai. Esse assunto não, por favor...
— O Braz é bastante pé no chão e aceita bem nossa orientação.
— Eu não colocava muita fé naquele rapaz, mas o portuga elogia tanto o filho, sabe como é um pai. Eles são pessoas corretas... Não comenta com ninguém, mas o pai dele tinha um baita desgosto... é uma coisa particular que o Joaquim me contou, que não interessa — ele nem sonha que estou anos luz à sua frente sobre o assunto
— É uma pessoa muito bacana.
— Ah isso sim.
Logo o patrão me questiona como está seu filho e eu sou realista:
— Ele odeia contabilidade. Não aceita nenhuma rotina, desaparece no meio do expediente e vai para a loja da dona Sônia. Eu posso cobrar dele como funcionário, mas sobre educação, eu não me meto, é seu filho.
— Com quinze anos o que tu fazia, Túlio? Só estudava. Veio pra cá com quase dezessete anos...
— O senhor não vai se ofender se eu disser que não mereço ser comparado com o seu filho? Eu trabalhei dos quinze aos dezesseis por meio período da papelaria da minha tia. Na época nem registro em carteira eu tive. Era outra realidade. Não tinha moleza, nem celular, nem promessa de ganhar um carro aos dezoito. Me lasquei muito e ainda me fodo pra dar conta das coisas.
— É... mas vai vendo o que dá pra fazer, porque a mãe dele também não quer o guri na loja.
— Pode ser que ele vá ter afinidade por outra coisa.
— Não adianta, ele não sabe o que quer.
E dessa maneira "maravilhosa" eu tento mergulhar na rotina outra vez e o que me sobra é um Leonardo Camilo Júnior "aborrescente" mimado que não se esforça pra fazer um mínimo do que (na minha opinião) lhe foi imposto. A necessidade em alguns casos não dá direito à múltiplas escolhas, dependendo da realidade. Eu não acho tão negativo um pai e uma mãe orientar um filho a querer trabalhar desde jovem e muitos jovens até querem ter uma função bem mais cedo do que é permitido pela legislação. Trabalhar é importante e vai se tornar essencial, leia-se obrigatório, conforme a nossa maturidade. O filho de quinze anos do patrão não quer trabalhar, quem sabe seu pai poderia demonstrar sua autoridade de outra maneira, não o obrigando a permanecer num ambiente onde já temos tantos estresses relacionados ao universo contábil, poderia colocá-lo como Menor Aprendiz em outra área ou tirar alguns benefícios dele. Mas quem sou eu pra falar alguma coisa quando tenho dois filhos para educar e não faço ideia do que me espera para o futuro...
Falar em rotina contábil, novembro de 2010 vai chegando e passam trinta e um dias que não o vi mais. Nesse dia, duas mensagens minhas não foram respondidas e várias ligações não foram atendidas. Penso que fui esquecido ou que ele deva estar trabalhando pra isso. Envio-lhe um e-mail da contabilidade em que ofereço-me caso quiser conversar sobre algum aspecto profissional e ele responde formal no início, sendo que no fim Braz coloca dois pontos e um D (:D) maiúsculo. Sorrio sobre esse pequeno detalhe.
Pela segunda vez sinto vontade de chorar e os olhos ardem. Deus como ele foi radical! É quase parecido com o que vou enfrentar se aceitar minha "nova vida".
Mas para me despertar do sonho bom, vem o guri chato a reclamar de novo de alguma coisa:
— Ei, o pai disse que tu vai me dar suspensão aqui. Tá pensando o quê?
O rapaz levanta a voz e quase ativa meu modo grosseria selvagem. Mas ele só tem quinze anos...
— Repete. O que eu tô pensando? Que você é malcriado, entendeu? Eu sou pago pelo teu pai para que isso daqui funcione, para cuidar de cada setor, cobrar atenção dos funcionários, atender os clientes, demonstrar os resultados contábeis, não sou pago pra ouvir besteira de criança e muito menos pra discutir com você. Quer que eu ligue pro seu pai ou sua mãe? Quer que eu fale com eles? Falo bem tranquilo. Mas me respeita, que eu faço o mesmo com você.
Júnior aparentemente fica sem jeito e diz que tá indo pra casa. Eu aviso que vou ligar para o seu pai e o faço, mesmo que o rapaz vá embora e eu discuta com meu patrão por sua causa. Já ouvi dizer que mandar alguém tomar no cu é libertador, eu quase fiz isso com Camilo pai. Mas o velho deve ter amnésia porque no dia seguinte ligou todo tranquilo.
— Bom dia, Túlio. Não vai infartar uma hora dessas...
— O senhor pode ter se ofendido, mas não aceito ter que educar seu filho adolescente. Isso é com vocês. Conversou com ele?
— A Sônia disse que o Júnior até chorou lá na loja. Pode brigar com ele, tá precisando.
— Sinto dó às vezes. Ele não gosta de contabilidade.
— Não tem que gostar. É o que ele vai fazer. Chega de moleza, tem quase dezesseis anos.
Deus o que há comigo? Isso tudo me irrita. A empresa me irrita em cada sala que eu entro. O trabalho em si parece interminável quando eu queria que às dezoito horas chegassem para eu sumir. Ou seja, chegar em casa, tomar alguns analgésicos, um banho e me jogar na cama. Só tenho vontade de ter um tempo pra mim com meus pensamentos e a amargura que cresceu como um capim que invadiu um jardim abandonado o tornando um lugar assustador.
Nada ficou no lugar...
Antes dele, eu mergulhava no trabalho, hoje ao sair do trabalho me sinto meio perdido. Perdi a conta de quantas vezes liguei para não ser atendido. E se eu for até lá? Sinto medo de ser desprezado.
Mas seria bem melhor ouvi-lo e olhar nos seus olhos...
A segunda decisão mais louca de minha vida leva-me até seu prédio. Vinte horas da noite me dão quase certeza de que ele estará em casa.
—Pronto... — finalmente ele me atende bastante seco ao telefone — Quer mais uns dias pra pensar?
— Chega Braz. Por favor... — controlo-me para não chorar ou gaguejar — eu assumo... se ainda...
Temi a resposta. Seu silêncio dizia milhares de coisas e levantou muitas dúvidas. Sem que ele imaginasse, minhas lágrimas finalmente caíram. Eu não chorava desde o falecimento de minha mãe em final de 93. Não sei mais se é o passo certo porque ele não responde por alguns segundos, até que o ouço dizer:
— Túlio, eu tô aqui na sua casa... Onde você tá? Sua chave ainda tá comigo.
— Tô na frente do seu prédio, vê só. Eu não queria te incomodar mais, Braz... me dá só cinco minutos.
— Mas eu tô aqui na sua casa, volta então. Vamos conversar.
O desencontro foi hilário, penso ao dar a partida no carro. Rio da coincidência, sentindo alegria e desespero misturados...
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o que será que vai acontecer? não sei mesmo, hehehehe. Obrigado de coração por estarem lendo essa versão nova do início da relação desses personagens. Espero que estejam gostando das mudanças e caso houver algum erro, pode avisar que corrijo.
Deixo um carinho, muito beijos, aquela energia positiva pra fazer bem à alma. Muito axé♥ Muita luz! Um monte de amor. Mais um bucado de abraços.
Hoje deixo uma mordida (respeitosa) na bochecha do Veado_Hater (mééé) que também é autor aqui e que tem uma escrita gostosa de ler, personagens que parecem nossos conhecidos e um deboche, mana do céu, eu já ri muito ao ler. ♥
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