Olhos verdes


Por Braz...


Este par de olhos verdes...

Quase poético, quase.

Era pra ser, mas Túlio não é muito poético. É faca na bota.

Quando alguém olha para o que é nosso, ou a gente cuida melhor do que é "nosso", ou não faz nada e fica igual um boca aberta com ciúme.

Sou taurino, então ciúme pouco é bobagem. Me deixa quieto.

Eu só observo quando Túlio passeia pela área de vendas do supermercado, as olhadinhas (in)discretas, os sorrisos de umas e outros, daí ele para pra trocar algumas palavras com aquelas funcionárias cheias de curvas, sorrisos e boa vontade, daí ele pergunta se tem alguma coisa que não viu na prateleira... ("daí", a palavra chata da semana)

Eu só observo. Claro que não implico, somos homens maduros e não dois rapazes de vinte anos que se emburram por ciúme, digo, não fazemos isso na frente de estranhos.

— Ei, Ariadne... tem aquelas azeitonas com recheio de pimentão? Mas dessa marca aqui?

Sabe até o nome dela e nem olhou no crachá?

— Ah, espera que vou olhar no depósito, só um minuto.

Antes que ela tente "arrancar na quinta marcha", me faço bem de besta e fico por perto olhando (fingindo) e indicando que o layout tá meio errado, comentando com essa repositora que ela podia puxar mais frente de um milho enlatado no lugar do "encartado" na promoção e que tenha o preço mais próximo e sugiro que peça pra uma das filiais que transfira o produto.

Ela concorda, anota numa prancheta, pergunta se eu tenho mais alguma coisa que ela possa ajudar e quando digo que "seria isso", a funcionária vai e volta do depósito e comenta que não achou, mas que já anotou pra ver se tem pra transferir.

Eu já tava preparando um "sabãozinho" pra passar nela, aquela bronquinha de leve quando a pessoa deixa as mercadorias terminarem na área de vendas e não controlam o estoque pra não acabar no depósito também, mas...

— Sem problemas, era só pra aperitivo. Hoje vou pra cozinha. — Túlio comenta com ela e eu não gosto nada. Me tirou a vontade de chamar a atenção com mais secura.

Espera, ele tá dando risadinha com ela? Porque ele precisou falar que vai cozinhar? Pra ela pensar que além de gato, o malvado cozinha pra mim? É pra fazer inveja?

— Oba! Vai fazer o que?

O que ela quer saber? Ela não sabe ainda que esse cara de olhos verdes é meu?

— Ia fazer uma tábua de frios...

— Sério? — Interrompo senão ela ainda se apaixona. Mas tô com a maior cara feia. Voltei aos vinte anos? Como diz a juventude: peguei ranço.

— Leva a azeitona preta, faz um prato com bacalhau, Túlio.

Como assim? Essa moça tá se metendo na minha janta? Tá chamando ele só de Túlio? Ela não tá me vendo aqui do lado dele? Tá sabendo que eu adoro um bacalhau bem preparado?

— Já colocou pra dessalgar?

Ah, agora chega! Eu manjo mais do que ela de bacalhau, opá.

Foda-se, já dou uma entrada no assunto na hora:

— Lógico que eu sei que precisa dessalgar. — Geralmente me passo quando fico nervoso e meu sotaque fica mais carregado, logo minha frase parece dobrar o número de consoantes.

Por fora, eu pareço o seu Braz normal, seu Braz patrão bacana, seu Braz legal, seu Braz que é um coroa interessante... por dentro sou só um taurino bufando pelas narinas, ninguém vê, ninguém sabe. (exceto quem lê)

Ela nem tá falando comigo, ela, ela... ela tem olhos verdes, pele jambo, boca de Camila Pitanga e unhas bem feitas... Enfim, Ariadne Pereira, conforme está escrito no crachá, me conta que também descende portugueses, que nasceu, inclusive, lá na terra dos meus pais, que veio ainda bebê de colo para o Brasil.

Quente? "Quem te" perguntou?

Não, ela não é mais portuguesa que eu. Não aceito.

Passei dos quarenta. Braz, que tal se comportar como o homem maduro que tu és?

Hoje inverteram as coisas, Túlio que está calmo e porque estou uma pilha de nervos?

Ele tá mansinho, doce, falando baixo e disse que tá com serviço quase em dia. Em dia jamais, porque senão tem coisa errada. Na contabilidade não existe serviço em dia, ele diz, e só, porque quem tá narrando sou eu e não quero falar sobre o assunto com "C" que ele tanto ama. Tem dia que odeio ouvir qualquer assunto que relacione o que estou ouvindo com o assunto que começa "C".

— Pior que um prato ao forno, demora demais...

— Aham. — ela faz. Túlio pergunta pra ela se tem outra sugestão e que não demore tanto no forno, porque o tal "bacalhau ao forno" levaria mais de duas horas pra ficar pronto.

Eu que vou comer, tem que perguntar pra mim.

Mas não...

— Agora me pegou, nem sei mais... ah, eu nem tinha tirado o bacalhau do freezer e pelo menos umas seis horas, no mínimo, seriam necessárias pra dessalgar. — ele me ignora completamente. Não creio.

— Eu acho que prefiro... — eles me interrompem. Devo ter morrido.

— Faz posta de peixe ensopado. Tem na internet cada receita.

— Receita de internet? — debocho e eles não sacam que estou debochando.

Ela nem tem sotaque. Eu observo.

Não quer dizer que ele não conversa com ninguém, porque ele conversa. Quando faz amizade com alguém por aqui no mercado, vira quase BFF. Pareço minha enteada Rafaela falando. Sorte que ele não ouve meus pensamentos.

— Prefiro um cozido de peixe com legumes. — Falo mais alto e eles me olham.

— Ah amor... — ah, já melhorou meu ânimo aqui. Agora não implico mais com ela. — Ensopado, por favor.

Amor e por favor na mesma frase? Eu aceito até essa funcionária jantando com a gente agora (também não exagera Braz).

— Claro. Quem manda, são as pessoas dos olhos verdes. — eu digo.

— Yes! — Eles comemoram. Porque ela comemorou? E ele? Eles deram soquinho de BFF?

Túlio tá mais esquisito que eu, não acham?

Nem parece que somos nós.

— Ei, ei... — quando saímos de perto, já num outro corredor, eu dou uma cortada na empolgação dele. — Quem é a nova melhor das melhores amigas?

— Genteeee, ela é tua funcionária! É uma moça muito prestativa, simpática...

— E bonita, tem um peito bonito, sorriso bonito de aparelho e olhos verdes bonitos.

— O que que tem? Que besteira! Ai credo, como tu é, Braz! Ela é tua funci... Oi Richard, tudo firme? Oi Jean.

Eu cumprimento todos os dias, quase todos os meus funcionários, questão de educação básica, mas decorar nomes assim como o Túlio tem feito, não seria demais???

— Esse Jean foi transferido pra cá? — pergunto a ele.

Mor, como eu vou saber.

— Como sabe o nome do cara, se tá sem crachá?

— Porque sim.

Acho que tô passando pelo inferno astral do meu signo.

Perdi a fome. Pessoas de Touro não perdem a fome. Até perdem, mas a gente não diz que não vai comer, porque quando o ensopado começa a cheirar bem, elogiamos, arrumamos a mesa e abrimos o vinho.

— Amor, queria cerveja.

— Não combina.

— Mas...

— E tu vais ficar pançudo.

— Eu...

— Vinho faz bem pra saúde.

— Porque...

— Senta e sossega.

Já interrompi, fiz cena de ciúme e ainda não elogiei a comida. Será que ele tá brabo?

Os olhos verdes faíscam.

Coisa linda do papai.

— Te amo.

— Oh Túlio... eu também te...

— Me interrompe mais uma vez, que eu te mando pra puta que pariu! — Eita que demorou... Esse é meu Túlio. Ele tá de volta. Acordou do transe. Porque o de antes não tava parecendo o meu.

Já sei. Eu fiz merda.

— MEU DEUS! Mas só briga esse casal?! Que pouca vergonha. O mundo já tem guerra, ódio, morte e desgraça que chega. Vamo ser mais bonzinho um com o outro? — Itália dá aquela "gaitada" e nós dois ficamos sem graça. Ela tá 100% certa. Mas a culpa é... minha também. Ai como odeio assumir isso. Mas também, quem gosta de viver de melação? Aqui em casa, só se ficarmos doentes.

Devagar, conforme comemos, vamos nos entendendo outra vez, Túlio tá bem mais calmo, eu tô mais calmo e Itália louca pra dar outra bronca em nós. Comemos e bebemos que assim é bem melhor.

— Nossa que delícia. Gosto da comida do Túlio. Pena que quase não sobra tempo pra fazer mais disso.

Ele fica todo bobo, tipo: "ganhei a noite".

— Mas nós estamos passando mais tempo junto.

Tão mesmo. Só deviam se acalmar um pouco.

— É o nosso jeito. — Túlio retruca a Itália.

— Parece um velho ranzinza de oitenta e dois anos! Tem velho que é legal, mas tem outros que com o tempo amargam, azedam. A vida deve ter maltratado tanto esses coitados que nem sei.

— Nem sempre Itália. O Túlio nem é velho e...

— Olha, olha, seu Braz. O seu Túlio tá bem na dele.

— A senhora, acabou de chamar o alemão de velho ranzinza.

Estamos em família, deixa a gente brigar em paz.

— Porca miséria, eu que já cheguei nos sessenta anos não sou esse cu de encrenca, igual a vocês! E a tua menina tá vindo igualzinha, seu Túlio. Nem dá risada não, seu Braz, que ela ainda tem conserto, mas vocês que tão meio velhos...

— Hahaha... Túlio odeia que chama de velho.

— Velho que fica corado. Só ele mesmo.

.

Mais um dia...

— Meu Deus, que comida maravilhosa.

Isso é um macete que aprendi nesses nove anos, elogio, mimo, falo sobre os assuntos que ele gosta e o abraço muito, daí ele meio que esquece que tinha um esporro pronto pra me dar.

— E foi super rápido. Só fiquei com vontade de tomar uma cerveja...

— Ah, eu busco, quer? — sério, eu estou meio preocupado, ele voltou àquela calma estranha. Vamos deixa-lo nesse modo?

— Não, deixa assim, amor. Me abraça gostoso, tô com frio.

— Quer que eu desligue o ar?

— Não. — ele funga, espirra e me abraça. — Te amo. Sono...

— Te amo muito. Tu... — eu ia chamar de chato, manhoso, dengoso e provocar um pouquinho, mas os olhos verdes abrem de repente e eu dou aquela gelada. — tu é gato, cara...

— Ia me chamar de chato pelo jeito.

— Eu? Não, claro que não.

— Eu te conheço. Tu tava com ciúme da Ariadne, fez uma cara de inimigo mortal pra ela. Depois na janta tirou sarrinho o tempo todo...

— Esquece isso. Faz mal pra pele.

Mas ele só ri, fecha os olhos verdes e fica naquele riso de canto.

Um riso de canto = perigo no dia seguinte.


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Oi gente, a ausência tá grande de minha parte, então compensei escrevendo hoje bem rapidinho, um tira gosto com o casal "fofo", kkkk

Fiquem bem, muita luz e alegria a todos♥

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