00. A bala que tu mandaste
Aninho-me na cama do meu quarto diminuto, envolvida pelas sombras noturnas que o preenchem.
O telemóvel vibra, de novo.
Adivinho quem é sem sequer olhar o mostrador. Desde manhã que não lhe respondo, ocupada com tarefas imaginárias. Mas para evitar problemas na minha vida e na consciência em resultado do silêncio prolongado, acabo compelida a pegar no aparelho, sentindo os dedos queimar em antecipação.
O número 5 dentro do círculo verde presenteia-me com a sensação de ter os pensamentos a chocar uns com os outros numa rotunda mental, causando um engarrafamento ruidoso que me congestiona qualquer raciocínio. A conversa esteve o dia todo a fazer o seu percurso até quase ao fundo do ecrã, soterrada por grupos e contactos aos quais não tive problemas em responder, para voltar de um salto ao topo da coluna com a persistência do remetente. Regra geral, tenho urticária ao ver notificações por endereçar. Contudo, neste caso em particular, não é mais proeminente que a sensação nefasta que me aprisiona só de pensar a quem tenho de responder.
O polegar faz as honras, a conexão à Internet indo acusar a minha visualização no ícone das mensagens do outro lado da conversa. Respiro fundo, de olhos fechados, para tentar que o peso no peito saia de mão dada com a dor de cabeça que se formou desde a cana do meu nariz ao alto da testa.
Inspiro.
Expiro.
Inspiro.
Expiro.
A situação não melhora, pelo que abro os olhos para enfrentar os meus demónios, com a mentalidade de quem arranca um penso rápido, na vã esperança de o despachar da tarefa incentivar os meus pulmões a puxar ar suficiente para me manter desperta e racional.
Hoje
> Benji: Bom dia! Espero que hoje estejas menos atarefada que ontem! 7:57
> Benji: Passei pelo laboratório, mas disseram que não estavas 8:28
> Benji: Já tens aquilo que precisas para o artigo? 8:32
> Benji: Preciso de te contar uma coisa. Podes amanhã? 8:54
> Benji: Está tudo bem? 21:50
Leio na diagonal, para ter uma ideia da conversa, antes de perder a força nas mãos. Abandono o aparelho na colcha ao lado do corpo para fazer exercícios de respiração, concentrada em criar um fluxo de ar constante — um que ultimamente tenho o hábito de perder quando se trata de interagir com o Benji.
Ao fim de uns minutos pacientes, o aperto na garganta começa a diluir. Continuo a sentir a cabeça a abarrotar, mas pelo menos já respiro com maior naturalidade.
Encaro o telemóvel. Não aguento mais continuar nesta mentira que me estrangula como nenhuma outra que contei na vida. Preciso de me libertar. Preciso de soltar a verdade no mundo.
E, felizmente, ele está a dar-me o pontapé de saída perfeito para o fazer.
> Eu: Sim, não te preocupes 22:14
> Eu: Também preciso de falar contigo. Quando e onde? 22:14
[468 palavras]
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