Capítulo 5

Alessandra Andrade

Eu estava tão paralisada, quanto desnorteada por lhe ver novamente. Ele não podia estar aqui, parado bem na minha frente. O homem que havia mexido com todo o meu passado e o meu ser, estava parado bem diante de mim. A minha surpresa e fúria foi tão grande e rápida ao lhe ver, quanto uma nota de "Dó" e "Fá", em uma escala ainda mais rápida, quando ele me fez aquela primeira pergunta, depois de anos sem lhe ver. Quem ele pensa que é, para me indagar daquela forma? Como se eu ainda fosse dele e lhe devesse algum tipo de explicação.

E quando o Danilo chegou bem naquela hora, para me salvar de ficar com as crianças e não perder a audiência da Fernanda, eu não pude deixar de aproveitar a oportunidade e me agarra com tudo, com aquela desculpa de que ele me chamava de querida e nos fazia parecer ainda mais próximos. Detalhe esse, que depois eu iria conversar com ele, para que não acontecesse mais.

Contudo, naquele momento eu precisava da sua imaginação fértil e idealizadora, para me escapar do olha e do toque perturbador do cara que estava à minha frente. Ele ainda não poderia ter tanto poder assim sobre mim. Eu não iria mais ser tão acessível e entregue como antes. Eu tinha valores e princípios a seguir. Eu não havia esquecido tão facilmente de como ele havia me feito sentir, quando me abandonou a quinze anos atrás. Ele havia me tratado como se eu não fosse nada e não valesse o mínimo de esforço para que se lutasse por mim ou quisesse ser ter por perto.

Logo, eu não era mais a trouxa de antes.

— Nossa, que bom que você chegou. — Não o chamo de Dan e nem de Danilo. Acho que o primeiro poderia soar estranho pra caramba; por se ter o mesmo apelido que o traste do meu ex; e o segundo, por se torna impessoal demais, após ele ter me chamado de "querida" e eu ainda quisesse manter a nossa farsa. Assim, optei pelo mais básico e rápido, o anonimato. — Fica aqui com as crianças, que eu preciso urgentemente entrar para a audiência. — Sorrio para ele, como se fosse o meu salvador. Isso, bem diferente da cara fechada que eu havia feito para o Daniel.

Isso mesmo!

Eu queria que ele se roesse de curiosidade e que entendesse de uma vez por todas que o mundo não girava só no centro do umbigo dele. – o que me lembra, do seu antigo tanquinho e me pergunto se ele continuava tão perfeito como antes; porque até a droga do umbigo dele naquela época, era bem desenhado. Merda!!!! –. Volto o meu olhar para o seu rosto e rosno as últimas palavras, antes de passar por ele.

— Passar bem, Daniel. Espero que nunca mais eu possa te ver novamente. Porque para mim, você já morreu a 15 anos atrás. — Os nossos olhares se encontram e se sustentam por muito mais tempo, deixando que cada palavra seja sentida ou carregada da sua própria maneira.

As suas sobrancelhas se enrugam em uma linha fina e sei que as minhas palavras pesaram no seu ser. Sinto o seu olhar crepitar sobre mim, mas não recuo. Quero que ele saiba o desprezo e o rancor que eu carrego no meu peito, sobre ele. Pois como dizem, "quem bate esquece, mas quem apanha não". Lógico que eu quis dizer no sentindo figurado, mas que não deixa de ser verdade, quanto eu sentir o meu coração ser destroçado por ele.

Assim, sem lhe dar mais abertura para falar alguma coisa ou, o meu coração não sair pela boca; isso, pela a euforia da brincadeira com as crianças mais cedo e da sua súbita aparição na minha frente; eu tiro os meus cabelos rosto e aprumo melhor a minha postura, para sair de perto dele e ir fazer exatamente o que tinha vindo pra fazer aqui. Apoiar e garantir que a Fernanda receba todos os seus direitos como cidadã.

E após toda essa turbulência, mil e uma perguntas se passam na minha cabeça. Eu procuro entender o porquê do Daniel está presente aqui e o porquê dele ter retornado para Porto Alegre? Será que ele vai permanecer por muito tempo aqui?

"O que será que ele achou de mim?" Por Deus, eu estou toda descabelada e ofegante.

Mas que merda de pergunta foi essa no final que eu pensei? Eu devia estar pouco me importando para o que ele havia acabado de achar de mim. Não nasci para lhe agradar e nem para estar de acordo com os seus padrões.

Vai se catar, Alê! – Me repreendo, por ter tido esse tipo de pensamento.

Logo, eu abro a porta da pequena salinha, onde o Defensor público e a Fernanda estavam. Ela me olha com curiosidade, querendo saber sobre os seus filhos e eu lhe tranquilizo, dizendo que eles estão em boas mãos, com um amigo meu de confiança. Ela assente e brevemente, os dois me contam o que será dito e afirmado no momento da audiência.

Assim que o horário é chegado, todos nós nos dirigimos para a sala onde será decidido o futuro da Fernanda e das crianças. Eu torcia para que desse certo. Sei o quanto ela foi vítima em todo esse acordo e estava sofrendo com isso. Eu só esperava, que isso tudo acabasse logo e ela tivesse a sua parte resolvida.

As portas duplas se abrem e imediatamente, somos deparados com um dos representantes da construtora, o seu advogado e uma equipe inteira no banco de trás. E o que me fez estatelar ainda mais, foi constatar que o Daniel também estava presente na sala e ao lado do responsável, por estar negando a posse das terras da minha cliente Fernanda.

O que ele estaria fazendo ali?

Será que fazia parte desse complô? Ou só queria se fazer presente, para vir falar comigo?

Que jogo mais baixo, Daniel.

Aqui não seria hora e nem lugar, para querer impor as suas forças e influência. Sei que foi por isso que você me largou há 15 anos atrás. Pelo poder e a necessidade de querer ser mais. Você pode ter negado isso na época, mas toda a sua postura e movimentos de hoje, entregam isso.

Semicerro os olhos para ele e faço acusações sérias, com a minha própria cara, por estar lhe vendo ali. Ele mostra surpresa ao me ver, mas não se mostra abalado ou acuado com o meu olhar.

Idiota do caralho! – o xingo mentalmente e me sento bruscamente em uma das cadeiras que são direcionadas para o lado da minha cliente.

O juiz adentra no local e todos se levantam, para o receber. A audiência para a reintegração de posse, começa e sinto o tempo todo, o olhar do Daniel sobre mim. O que ele queria, hein? Vejo alguns caras de terno do seu lado falando com o ele, mas o mesmo, os ignora, como se fosse apenas ventos, sendo soprados no seu ouvido.

Tento desviar o olhar dele e focar no que realmente está sendo falado. Não iria me preocupar agora, na altura desse campeonato, com a sua presença. Se ele tanto queria chamar atenção, que ali ele ficasse e desfrutasse do prazer que era ser ignorando por mim. Pois eu não iria lhe dar esse gostinho de me confrontar.

Porém, quando o Advogado do requerido é apresentado, como sendo do escritório Francis Morais Advocacia, sinto todas as peças se encaixando e se ruindo ao mesmo tempo, ao descobrir sobre a grande batalha que teríamos pela frente, para a Fernanda conseguir os seus direitos.

E com os olhos esbugalhados, eu olho na direção dele e agora sei, o real motivo do Daniel estar presente nessa audiência e de não sair, por eu achar que ele estava querendo chamar a minha atenção. Ele não estava ali para me confrontar ou por querer falar comigo há todo custo, ele estava ali para literalmente acabar com a gente no tribunal. Igualmente ele havia acabado comigo na vida real.

É rapazes e moças, o destino as vezes era cruel ou até mesmo, se enganava nas reviras voltas em que deveria dar. Pois nesse momento, era para eu estar triunfando; mas a constatação que nada daquilo tinha haver comigo e que mais uma vez, ele iria assistir a minha derrota, mesmo que seja em âmbito profissional. Era humilhante demais, de ser repetida. Já sentir o amargo chegando na minha boca e me fazendo provar, o gostinho que é ser destruída pelo Daniel Buarque; ou eu diria, Daniel Francis. Nem sei mais, quem era o cara da minha frente.

Abaixo o olhar e deixo a audiência sendo dirigia por aqueles podiam realmente fazer alguma coisa. A minha cliente era massacrada, mas o seu defensor público, lutava com bravura. Mostrava documentos e comprovações de que a Fernanda havia morado e convivido com ex. marido por muito mais tempo naquelas terras. Comprovantes de contas pagas eram mostradas e as situações precárias, em que a requerente se encontrava, após não ter recebido nada dessa compra e nem ter concordado, já que também, era dona dessas terras.

Um acordo já foi tentando antes, mas não chegavam aos reais direitos que a minha cliente deveria ter. Foram anos, tentando uma nova audiência para ser resolvido e quando pensávamos que iriamos conseguir, a bendita construtora decide apelar para uma das maiores empresas de advocacia do país.

A tristeza estava clara no olhar da Fernanda. Vi o quanto estava cabisbaixa e desacreditada, que poderia sair com alguma coisa hoje. Ou esse caso seria postergado por mais um tempo ou ela sairia arruinada de uma vez por todas daquele tribunal. Das duas opções, sairia uma, mas nenhuma delas era benéfica. Sem muito o que fazer, aguardávamos a sentença.

Contudo, uma voz que um dia eu tanto já amei ouvir e sussurrar no meu ouvido, se faz ouvir e compenetrar no recinto inteiro. O Daniel para a audiência e solicita um tempo para conversar com o seu cliente. Há algumas estratégias e questões a serem discutidas, que surgiram durante o processo. Ninguém entende no começo, pois tudo parecia já estar ganho para o seu lado, mas, como ele o grande advogado e diretor, Daniel Buarque, do escritório de advocacia Francis Morais, tem todos os direitos e regalias por ser filho de quem é.

Logo, o juiz lhe dá 20 minutos para que todos possam se acalmar e alinhar o que tem que ser feito, antes de dar o seu veredito. O meu olhar cruza com o de Daniel e o mesmo, faz um sinal para que eu lhe acompanhe para o lado de fora.

- O quê? Eu não vou atrás dele. – Bufo, sem acreditar que ele realmente parou uma audiência; mesmo que já estivesse sendo humilhante demais; para falar comigo. Já não estava bom o bastante, me abandonar, me excluir da sua vida, como se eu não valesse nada, sumir por 15 anos e agora reaparecer, querendo acabar de uma vez por todas, com o que restou de mim?

Eu não vou fazer os seus gostos.

Eu não vou lhe dar esse último gostinho.

Logo, ele fala alguma coisa com o seu representante da mesa, que parece não gostar nada do que ouve dele, mas assente, levando o seu cliente para uma sala ao lado. Eu gostaria muito de tirar os olhos dele, mas algo de curioso nas suas ações me fazem ser minuciosa. Ele estava aprontando alguma, eu tinha certeza. A Fernanda vem ao meu encontro, com o promotor e já posso ver pelas suas caras, que algo de bom não vai sair dali.

Contudo, por mais que eu não tenha acatado o pedido do senhor cuzão e lhe mostrado o dedo do meio, ao me levantar e ir na direção contraria, ele vem em meu alcance, me segurando pelo braço.

— O quê... O que pensa que está fazendo? — Ele finge pegar alguma coisa do chão, que havia caído e sussurra no meu ouvido.

— Alessandra, não seja infantil. Embora eu ainda queria muito conversar com você, para esclarecer algumas coisas que aconteceram entre a gente... — Ele respira fundo, aliviando o aperto no meu braço. — Eu agora preciso lhe contar algo importante sobre o caso. — Ele olha para o lado, para a Fernanda e conclui. — Isso pode ajudar a vocês, a ganharem um tempo para uma prorrogativa. — Ele força um sorriso simpático, no qual eu sei que ele não tem e se virá, esperando que milagrosamente eu vá atrás dele.

Bufo mais uma vez irritada, decida a não ceder aos seus caprichos e aos seus mandados autoritários, querendo que todo mundo faça o que o senhor todo poderoso mandar. No entanto, ao olhar para a Fernanda e ver a esperança brilhando nos seus olhos, na expectativa de que alguma luz possa aparecer no final do túnel, eu me vejo sem saída e sendo obrigada, a correr atrás da única chance que ela parece acreditar ainda ter, ao ouvir as últimas palavras do Daniel.

Filho de uma mãe! Ele sabia para quem apelar e me fazer ir atrás dele, como uma influenciável cachorrinha, que não conseguiria dizer não para uma mãe e lhe tirar a única chance de acreditar em algo.

Respiro fundo, tentando ganhar a paz e a tranquilidade que agora eu não tenho e sorrio afetuosa para a Fernanda, tentando lhe tranquilizar, dizendo que vou verificar o que mais aquele embuste poderia saber para que pudesse nos ajudar.

Hoje eu não estava nos meus melhores dias, mas iria fazer o possível, para não cometer nenhum crime e ser presa por assassinato ou lesão corporal em alguém. E esse alguém, eu me refiro a uma pessoa que eu guardo uma raiva descomunal há mais de uma década. Isso mesmo, bem pouquinho tempo. Mas eu tenho fé em Deus, de que ele vai me ajudar a manter o controle das minhas mãos. Se não, eu não falo por mim. E eu não estou me referindo a safadeza não, viu? Embora ele esteja um pecado ainda pior do que eu me lembre; mas sim, de mata-lo com as minhas próprias mãos.

- E que Deus me ajude. - Oro, como se eu realmente estivesse me preparando para ir para uma grande guerra. E para mim, era como se realmente fosse. Seguro firmemente a minha bolsa e atravesso as portas por onde ele foi.

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