IV

Seguir os kobolds na floresta de Zanbyod era muito fácil. Xywyn, Dorven e Hans mantinham sempre uma distância segura, evitando pisar na água que alagava boa parte da floresta, o que só era possível em parte do tempo, pois o local era um legítimo pântano. Por sorte, os próprios lagartos eram muito indiscretos enquanto se moviam, fazendo barulho o suficiente para encobrir os sons feitos pelo trio de mercenários quando seus pés espirravam água para todos os lados.

Aos poucos, os kobolds tomaram o rumo de uma região menos molhada da floresta, provavelmente por ser mais afastada do Drekkya'hesjing. Xywyn estava curiosa sobre como a carruagem ainda não havia atolado com a quantidade absurda de lama que havia nos locais que não eram completamente encharcados.

— Hans, você realmente ia fugir? — perguntou a dracomante, mantendo o tom de voz baixo.

— Minha vida vale muito mais que todo o ouro de Azúria — respondeu o líder. — Estamos em uma missão potencialmente suicida, mas a determinação de vocês dois me convenceu. Agora, seria bom ter o Bendik com a gente. Não conheço uma alma viva melhor que ele para se deslocar em uma floresta e rastrear inimigos.

— Você fala como se tivesse alguma dificuldade em seguir kobolds.

O breve diálogo foi interrompido quando alguns lagartos começaram a falar alto, reclamando do que tinha acontecido. Era tão óbvio que Xywyn só conseguia achar as criaturas estúpidas por terem tentado levar as mercadorias usando a carruagem. A roda estava completamente atolada de modo que nem mesmo os cavalos conseguiam fazê-la se mover.

— Seus idaneks, parem de reshnireng a coisa! Peguem o ouro para o forn!

— O que raios ele disse? — perguntou Dorven.

— É dracônico kobold — respondeu a dracomante. — Só entendi algumas partes.

— Então deixa pra lá — lamentou o elfo. — Também entendi um pedaço, o que não ajuda muito.

A maior parte dos kobolds seguiu adiante, conduzindo os prisioneiros, mas três deles ficaram para trás. Estes tentaram puxar os cavalos, ajudando-os a mover a carroça, mas o esforço foi em vão. Então, começaram a mexer nas mercadorias. Xywyn percebeu que eles desprezavam tudo que não tinha ouro. Aquilo não era surpresa, tendo em vista o que escutara, mas não deixava de ser curioso ver pedras preciosas sendo atiradas na lama.

Assim que o trio saiu correndo, espalhando lama para todos os lados a cada passo, os mercenários voltaram a se mover. Não demorou para que os lagartos alcançassem seus semelhantes, por vezes deixando o ouro cair, promovendo momentos de gritaria intensa dos quais Xywyn não conseguia discernir quase nada, não só pela língua em si, mas também pelo carregado sotaque das criaturas.

Era curioso imaginar que aquelas lagartixas bípedes ambulantes se consideravam as criaturas dracônicas mais próximas dos dragões. Era bem verdade que todas as raças de origem dracônica reclamavam aquele título, mas quando se colocava um kobold ao lado de um dracomante ou de um draconato, não era muito difícil saber quem era mais próximo dos imponentes seres milenares.

— Acho que eles estão parando — comentou Dorven.

A escuridão noturna em meio à floresta pantanosa não ajudava muito, mas Xywyn não demorou muito para entender o que estava acontecendo. Os kobolds haviam chegado ao seu destino. A dedução se dava pela visão de um muro feito com troncos pontiagudos que era um pouco mais baixo que as árvores que o cercavam.

A dracomante se desviou dos lagartos, olhando para trás apenas para ter certeza que Dorven e Hans a seguiam. Longe da vista dos inimigos, ela se aproximou ao máximo do muro e procurou uma árvore que pudesse escalar. A fartura de opções mostrava que invadir o local não seria exatamente um desafio.

Xywyn subiu na árvore com cuidado. Sua bota estava muito suja de lama, atrapalhando a aderência, mas ela foi encontrando os galhos mais baixos com as mãos e se impulsionando para cima. Não demorou para que chegasse ao topo e pudesse ver o outro lado.

Como já imaginara ao ver o muro, ali era a morada dos kobolds. Era um vilarejo simples cheio de ocas espalhadas sem qualquer padrão perceptível. No centro, havia uma estátua quase da altura da cerca. Por conta do escuro, não dava para ver muitos detalhes dela, muito menos identificar o que ela representava, mas dava para notar que era uma figura humanoide, a qual tinha um braço faltando, provavelmente por conta de falta de conservação. Em frente à estátua, havia uma estrutura que parecia ser um altar. Também na área central, havia algumas estacas que deviam ter o dobro ou o triplo do tamanho de um daqueles lagartos.

À medida que entraram no vilarejo, nenhum dos kobolds se dispersou. Eles foram em bloco para a perto da estátua, fazendo sempre uma reverência ao se aproximarem dela. Então, os cativos foram sendo um a um removidos do tronco para as estacas.

À distância, era impossível discernir os rostos, mas Xywyn teve dificuldade de se conter ao perceber que uma das pessoas foi desamarrada e permaneceu em liberdade. O kobold maior se aproximou dela e entregou-lhe algo. Em seguida, o indivíduo pareceu apertar a mão do inimigo e, então, virou-se e saiu sem ser incomodado.

— Alguém teve a audácia de negociar com essas criaturas ardilosas? — questionou a dracomante, transtornada, mas conseguindo manter sua voz um pouco mais alta que um sussurro.

— Ironicamente, kobolds são boas criaturas para se lidar caso tenha algo que querem de você — ponderou Hans. — Se eles te prometem algo na negociação, eles cumprem à risca e nunca te passam a perna. São cruéis, malignos, mas são essas coisas na sua frente.

Após deixar o vilarejo dos kobolds para trás, o traidor seguiu despreocupado pela lama. Ele não foi exatamente por onde viera, fazendo com que Xywyn temesse que ele tivesse percebido a presença dos mercenários. Então, ao passar perto da árvore onde ela estava posicionada, a dracomante viu Bendik passando com uma diminuta bolsa de couro. O desgraçado vendeu a caravana aos kobolds.

Xywyn quis gritar, berrar, saltar da árvore e atacar o traidor, mas sabia que aquilo seria péssimo. Embora Bendik merecesse ser devidamente punido, os mercadores ainda estavam lá dentro e precisavam ser salvos.

A dracomante olhou para Dorven e para Hans. Ambos estavam em silêncio, mas não pareciam conseguir parar de encarar o colega. Se Xywyn ficara chateada e surpresa, era de se imaginar que aquilo impactasse muito mais aqueles dois, pois haviam trabalhado por anos com o traidor. Entretanto, eles também se contiveram. Deviam estar xingando Bendik de muitos nomes nada agradáveis, mas não o fizeram verbalmente.

Xywyn tornou a olhar para o interior do vilarejo, percebendo que os kobolds já tinham amarrado cada um dos cativos nas estacas. Os lagartos já estavam se dispersando, enchendo a dracomante de esperança. Se os mercadores e os cocheiros ficarem sozinhos, a missão será muito mais fácil do que eu esperava. Entretanto, o momento de otimismo durou pouco. Quatro inimigos ficaram de guarda, enquanto os demais se retiraram.

— Já está na hora de colocarmos o plano em ação, mas acho bom esperarmos um pouco para ver como eles estão se defendendo — sugeriu Xywyn.

— É a melhor alternativa — concordou Hans. — Vamos agir sem loucura. Assim, levaremos nossos clientes para longe de Zanbyod.

— Sem loucura definitivamente não se encaixa no que estamos fazendo, mas essa pitada de insanidade é parte do nosso trabalho, não? — comentou Dorven, com um meio-sorriso no rosto.

Então, os três aguardaram em silêncio pelo momento perfeito de agir.

***

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