26 - Crime em Curso
O segundo filme iniciou-se às 21h50. Era outro documentário (mais um), dessa feita retratando uma das incríveis aventuras de Ernest Shackleton, considerado, por muitos, o mais corajoso explorador da Antártida. Tendo em vista a conquista de Amundsen, ele resolve atravessar, a pé, todo o continente antártico: "Agora, resta a maior e mais notável de todas as expedições – a travessia do continente", diz o panfleto publicitário distribuído por ele. Assim, no final de 1914, a Expedição Imperial Transantártica parte para seu destino, porém, não vai além do mar de Weddell, pois o Endurance fica preso nas placas de gelo. Na descrição de um dos tripulantes: "Igual a uma amêndoa, numa barra de chocolate". O barco acaba por ser triturado pelo movimento das banquisas de neve e naufraga. À deriva, em um gigante iceberg, alimentando-se de focas, Shackleton e seus 28 homens enfrentam dois longos e tenebrosos anos, até o resgate.
Durante o filme, o almirante abriu uma garrafa de vinho. O único a não aceitar acompanhá-lo fui eu, pois considerava já ter esgotado minha cota de bebidas alcoólicas por aqueles dias. Após um brinde e o saborear da elegante bebida, do qual somente senti o odor, Carlos Eduardo cochichou algo no ouvido da esposa, tendo sido possível ouvi-la dizer: "Só vou após o filme terminar". Ele, contudo, passados alguns minutos, aparentando sono, despediu-se de nós e saiu. Antes, porém, deu um beijo na esposa, sussurrando novamente em seu ouvido, algo que imaginei ter sido: "Te espero, gostosa". A essa altura, devia faltar meia hora para o término da segunda fita. Os dois, realmente, eram um caso à parte no que tangia aos prazeres do sexo, mas, durante toda a noite, eu percebera um estranho ar de frieza da parte dela, culminando naquele insosso boa noite. Teriam discutido?
Logo após a saída do biólogo, o almirante avisou-me que precisava verificar com a capitã Azevedo, chefe da estação, em que pé estava a tempestade. E esse era o assunto que mais me interessava, dentre todos, porém, tudo indicava: não iríamos mesmo sair dali na manhã seguinte. Quando ele voltou, as notícias eram péssimas: as chances de levantarmos voo logo cedo, eram definitivamente nulas e, como faltavam ainda dez minutos para o término do filme, H. Nunes resolveu finalizar sua garrafa de vinho, juntamente com Inês e Ema. Curiosamente, o filme, a essa altura, retratava o momento em que Shackleton enfrenta nevascas, empreendendo uma épica caminhada de 105 dias, até conseguir ajuda, salvando toda a tripulação. Vendo-o, naquela situação, temia pelo meu próprio destino. Shackleton saíra ileso, mas, em expedição posterior, não teria a mesma sorte. Viria a perecer, como todos os outros. Com tantas tragédias, no ártico e antártico, não era justo, temer pela própria vida?
"Todos os aventureiros acabam morrendo. Será esse, o meu fim?"
Às 22h50, terminada a segunda película e, entre uma ida e outra dos participantes daquela última sessão, ao toalete, nos dirigimos, em comitiva, à ala dos civis, para o merecido descanso, adentrando nossos quartos às 23h00.
Tudo parecia tranquilo, mas, em pouco mais de meia hora, as coisas iriam se agitar — e muito, na estação.
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