Capítulo XVI - Ambição


3520 palavras

Tamar, província de Tahagul

— Ilana? — A voz de Andras retumbou em seus ouvidos, trazendo-a de volta à realidade.

A garota lobo tentou se recompor, mesmo com as memórias mais dolorosas pairando em sua mente. Apesar de ter acontecido há muito tempo atrás, elas voltaram tão frescas como no dia do acontecido.

Ela fungou e secou as lágrimas que escorriam por suas bochechas, mas elas insistiam em cair. Desistindo de esconder que estava bem, virou-se em direção a Andras e desabou a chorar.

O rapaz não pensou duas vezes ao envolvê-la em um abraço confortante. Ele não disse nada, apenas deixou suas mãos passeassem pelos cabelos de Ilana.

Aquela mulher tão forte e imponente havia desaparecido mais uma vez, dando um espaço a uma garotinha frágil e assustada, como um vidro trincado revelando suas fissuras.

— Continue — sussurrou ele suavemente, compadecendo-se de sua dor. — Chore tudo o que precisar. Você foi forte por tempo demais.

Ilana permaneceu ali, afundada no peito de Andras, sentindo o acalento dos braços dele ao seu redor. O cheiro almiscarado que o acompanhava a ajudou a retomar a realidade, a fez relembrar de que aquilo era apenas parte do seu passado. Suas lágrimas deram fim, trazendo-lhe um pouco de alívio.

Em seguida, a garota começou a sentir vergonha de si mesma. Não era a primeira vez que Andras presenciava uma cena igual aquela, assim como também não era a primeira que ele a consolava.

"Quantas vezes ele aguentaria vê-la desabar?" , ela pensou.

— Por que você sempre faz isso? — Ilana afastou-se devagar, os olhos vermelhos e inchados.

— O que? — Andras perguntou, sem entender o sentido da pergunta.

— Permanecendo ao meu lado. Mesmo quando eu não digo nada ou quando eu quero fugir.

Andras abaixou a cabeça, fixando os olhos nos próprios pés, buscando a razão dentro de si que o motivava a agir daquela forma.

Lembrava-se dos dias solitários que passou, da época que achava que deveria carregar seus fardos sozinho, quando na verdade sempre tinham pessoas ao seu redor para compartilhar.

— Porque eu sei como é estar no seu lugar — Andras confessou. — Eu também já tentei carregar tudo sozinho. E no fim, só me machuquei ainda mais.

Ilana deu um estalo com a língua, mas nenhuma palavra ousou sair de seus lábios. Nunca havia pensado que alguém como Andras pudesse fraquejar. Ele sempre esteve ali, firme e constante, como se nada fosse capaz de abalá-lo.

— Você nunca me contou isso — ela disse, quase inaudível.

— Assim como você nunca me contou o que te faz chorar desse jeito — Andras rebateu.

A garoa fina começou a cair, como se a natureza refletisse a tempestade que ocorria dentro de Ilana. Ela queria contar-lhe tudo que estava acontecendo, precisava desabafar, porém seu peito ainda doía com as memórias retornando mais uma vez. Sentia que iria desmoronar de novo.

— Você não precisa me contar agora — disse. — Só quero que saiba que não precisa carregar tudo sozinha.

Ilana respirou fundo e concordou. Pela primeira vez em muito tempo, ela se permitiu entender isso.

Estar atrelada à entidade era a sua maior maldição. Ela brincava com seus sentidos, suas memórias e desejos, intensificando-os de forma brutal. Um simples floco de neve poderia desencadear uma avalanche dentro dela. Ilana sentia falta de como era antes.

E apenas conhecia uma única pessoa capaz de livrá-la desse mal. Mas, pelo infortúnio do destino, não estava mais presente. Sem Téça, ela estava cada vez mais distante de sua libertação.

A sensação de impotência era sufocante. Durante tanto tempo, acreditou que conseguiria enfrentar aquilo sozinha. Que se tornaria forte o suficiente para romper as correntes que a prendiam. Mas agora, diante da verdade nua e crua, entendia o que se recusava a aceitar por tanto tempo: ela não sabia como lutar contra aquilo. Não sabia se algum dia saberia.

O pensamento deveria tê-la desesperado. No entanto, ao olhar para Andras, sentiu algo diferente.

Desde o início, ele sempre esteve lá.

Apesar de tudo, apesar dos muros que ela construiu ao redor de si, Andras nunca recuou, nunca exigiu nada dela, nunca cobrou nada em troca. Apenas ficou ao seu lado, como se Ilana não precisasse provar nada para merecer isso.

E agora, olhando para ele, viu algo que até então não havia se permitido enxergar: Andras também estava preso.

Não preso da mesma forma que ela, mas preso mesmo assim.

Havia um peso escondido atrás de seus olhos. Por mais forte, calmo e constante que fosse o seu espírito transparecia exaustão e Ilana sabia reconhecer aquilo muito bem.

Ela se sentiu egoísta por nunca ter oferecido um ombro amigo para ele. Por sempre deixar seus problemas sobrepor os de Andras, como de os dele não importasse também.

E, naquele instante, a decisão foi tomada dentro dela.

Talvez não houvesse ninguém mais que pudesse ajudá-la a se libertar. Mas isso não significava que ela não pudesse ajudar outra pessoa.

E talvez, só talvez... ao ajudá-lo, ela também encontraria um novo caminho para si mesma.

Ela direcionou sua atenção a Andras e, enchendo seus pulmões, disse com determinação:

— Vou encontrar sua mãe. Estou disposta a te ajudar nessa jornada.

Andras estreitou as sobrancelhas, surpreso. Por um instante, ele apenas ficou ali, absorvendo suas palavras.

— Você quer mesmo fazer isso? — Sua voz saiu baixa. Ilana não soube identificar sua reação precisamente.

Ela concordou, firme.

— Não importa o quanto isso nos custe, Andras. Eu vou te ajudar a encontrá-la.

Os punhos de Andras se fecharam. Ele não queria alimentar falsas esperanças, aquele era um sentimento assustador para alguém que já perdera muito.

— Por que? — ele perguntou.

Ela franziu a testa.

— Como assim?

— Você já tem seus próprios fardos para carregar. Então, por que está escolhendo carregar o meu também?

Ilana ficou em silêncio por alguns segundos. No fundo, sabia a resposta. Mas dizê-la em voz alta era algo completamente diferente.

Por fim, respirou fundo e encarou Andras diretamente nos olhos.

— Porque eu sei como é — disse suavemente.

Ele arregalou os olhos, surpreso com a familiaridade daquelas palavras.

— Sei como é sentir que você está sozinho nisso tudo — continuou ela. — Como se ninguém pudesse entender. Como se tudo dependesse só de você.

Andras desviou o olhar, sua postura se desmanchando aos poucos.

— Mas você não está sozinho — Ilana completou. — E eu também não quero estar.

Andras sentiu seu corpo vacilar por um instante, finalmente alguém compreendeu todo o cansaço mental a qual estava enfrentando. Então, ele soltou um suspiro e fez algo inesperado. Segurou a mão de Ilana, entrelaçando os dedos aos dela.

Ela sentiu o toque gelado dele, contrastando contra sua própria pele quente. Não foi um gesto ensaiado, nem premeditado, foi um pedido de confiança.

Andras passou a língua pelos lábios, claramente lutando consigo mesmo.

— Você não precisa fazer isso.

Ilana deu um meio sorriso, um sorriso cansado, mas verdadeiro.

— Nem você. Mas aqui estamos.

Os olhos de Andras brilharam por um instante, e ela percebeu que ele segurava a própria respiração. Quando soltou o ar, foi como se algo dentro de si tivesse cedido.

— Você é teimosa, lobinha!

— Eu sou — disse ela, o riso escapando pelos seus lábios.

— Obrigado — murmurou. Ilana sentiu cada sílaba atravessar sua pele como um sussurro quente em meio ao frio.

Ela não respondeu. Apenas ficou ali, segurando sua mão, sentindo que não estava só, pela primeira vez em muito tempo.

Andras não era o único a sofrer pela ausência de Téça. Como líder dos feiticeiros, ela era um dos pilares essenciais para manter a ordem e harmonia em Tamar.

Katalin caminhava devagar pelas ruas silenciosas, como se a própria cidade estivesse em luto, observando os olhares pesarosos dos moradores.

E, como não fosse suficiente a perda de Téça, outras mulheres da velha guarda haviam desaparecido também, muitas deixando seus filhos, maridos e netos. A dor era compartilhada, uma angústia que se espalhava em cada beco e viela.

Naquele momento, abaixar a guarda não era uma opção. Apesar dos sequestradores terem atingido o elo mais forte daquela nação, a união e a força era necessária mais do que nunca naquele momento. Tamar não podia perecer.

Katalin partilhava da mesma inquietação. Embora não fosse tão velha para ter testemunhado os dias mais sombrios da cidade, tinha certeza que aquele era um deles.

Mesmo sendo irmã e confiante de Téça, ela nunca teve um papel de destaque. Ajudava quando necessário, mas sempre evitava ocupar uma posição de notoriedade. Nunca gostou de ser bajulada ou de atrair atenções indesejadas.

Mas, com o passar dos dias, a sensação de estar perdida cresceu dentro dela. As atitudes que Téça havia tomado se espalharam como uma praga invisível, atingindo todos ao redor. E Ilana, que antes parecia ser um problema exclusivo de Téça, agora se tornara um problema para ela também.

Katalin precisava de uma segunda opinião, de como agir diante das circunstâncias que se encontrava. E não existia alguém melhor que Enver naquele momento. Apesar de sempre se dirigir à velha guarda para tomar qualquer decisão, acreditava que aquele não era um momento ideal para aquilo. Precisava ponderar sobre a situação e não alarmá-la.

O corredor que levava ao salão do conselho estava silencioso. Os passos de Katalin ecoavam suavemente sobre a madeira escura. As tochas presas às paredes crepitavam, aquecendo levemente o caminho. A ausência dos feiticeiros da velha guarda fazia com que o ambiente parecesse ainda maior e mais vazio do que de costume.

Momentos antes, pedira para ficar a sós com Enver. Ultimamente, ele andava muito ocupado, assumindo grande parte das responsabilidades de Téça. Ele não havia sido oficialmente nomeado como líder, mas todos pareciam se apoiar nele como se fosse. Até aquele momento, era a pessoa ideal para ocupar o cargo temporariamente.

Ao atravessar a porta do salão, foi recebida por um olhar atento.

— Não esperava vê-la tão cedo por aqui, senhorita Katalin — disse Enver, a voz ecoou preenchendo o espaço vazio.

O salão era amplo e bem iluminado. Cadeiras em semicírculo formavam uma espécie de arena voltada para o centro da sala, onde se dispunha de três cadeiras principais. A do meio pertencia à Téça, mas agora estava vazia. A da esquerda, igualmente desocupada, intensificava a ausência de outra feiticeira. Restava apenas Enver, sentado na terceira cadeira, a postura impecável como sempre.

Katalin tentou esconder o incômodo que sentia ao ver aquele espaço tão incompleto.

— Eu também não esperava recorrer ao senhor nessa situação, mas estou sem escolha.

Enver ergueu uma sobrancelha, mas manteve a expressão neutra. Ele se levantou, como o cavalheiro que era, puxou uma cadeira para que Katalin se sentasse.

— O que está afligindo seu coração? — perguntou ele, acomodando-se novamente.

Ela hesitou. Por mais que tivesse ensaiado aquela conversa inúmeras vezes em sua cabeça, as palavras pareciam escapar no momento crucial.

— É sobre uma atitude que Téça tomou tempos atrás. — Sua voz saiu mais vacilante do que gostaria.

— É muito grave?

— A nível colossal.

Katalin passou as mãos pelos cabelos, coçando o couro cabeludo em um gesto nervoso.

Enver se inclinou levemente para frente, o olhar atento, paciente.

— Não me pergunte sobre a decisão dela. Quando eu soube, até a repreendi, questionei a finalidade que a motivou a esconder tudo isso...

— Katalin — Enver a interrompeu. — Acho que seria melhor você me contar logo o que está acontecendo. Estou perdido na sua linha de raciocínio.

Ela respirou fundo. Precisava ser direta.

— A Téça anda abrigando uma entidade no porão de sua casa — Katalin desabafou, sentindo o alívio tomar conta de seu corpo por um breve momento, até sua atenção voltar-se para a reação de Enver.

Ele permaneceu imóvel, sua expressão inalterada, mas seus olhos refletiam um turbilhão de pensamentos. Ele observou Katalin por alguns segundos, como se tentasse encontrar ali alguma indicação de que aquilo era uma brincadeira. Mas Katalin nunca mentia sobre assuntos sérios.

— Entidade? — Ele enfim quebrou o silêncio, seu tom mais grave do que antes. — Está falando de Crysha?

Ao menos ele sabia do que se tratava. Era uma coisa a menos para explicar.

— A própria.

Enver soltou uma breve risada seca, mas não havia humor em seu semblante.

— Pensei que ela estivesse aprisionada em um lugar onde nem mesmo os deuses poderiam encontrá-la. Como pode estar tão próxima de nós?

— Ela estava — Katalin respondeu, cruzando os braços. — Até uma fedelha se meter onde não deveria.

Enver franziu o cenho.

— Explique.

— A garota relatou que encontrou um orbe enterrado no peito de um cadáver. Até aquele momento, a entidade estava presa dentro do orbe, mas o objeto se rompeu e agora a entidade está disputando a posse do corpo da garota.

— Espere, me deixe organizar tudo isso na cabeça. — Ele se levantou, caminhando até uma mesa lateral onde uma jarra de água repousava. Serviu-se de um copo e tomou um gole antes de continuar. — Então, a entidade que deveria estar selada há séculos agora está vagando livremente dentro de uma garota?

Katalin assentiu, apoiando os cotovelos nos joelhos e enterrando o rosto entre as mãos.

— Está parecendo que estou falando um monte de besteiras, mas te juro que é verdade.

— Eu acredito em você — Enver afirmou, sem pestanejar.

Ela ergueu o olhar para ele, surpresa e ao mesmo tempo grata pela confiança que depositara nela.

— São muitas informações para processar — acrescentou Enver. — Mas não duvido do que está dizendo.

— Imagine para mim, que fui pega de supetão com a entidade berrando dentro da minha cabeça dizendo que eu seria a próxima alma que ela consumaria.

Enver parou de beber, estreitando os olhos.

— Ela se comunicou com você?

Katalin assentiu.

— E em algum momento essa entidade teve uma manifestação ou algo do tipo?

Ela hesitou. Sabia que sua próxima resposta seria crucial.

— Sim. A garota havia fugido pouco depois do desaparecimento de Téça. Disse ter ceifado a vida de algumas pessoas durante sua viagem. Ela me pediu para que, se caso a entidade viesse a repetir o ato, que eu a matasse.

Enver apertou o copo com mais força.

— Como se fosse algo tão simples... — completou Katalin, um riso amargo escapando de seus lábios.

— Não entendo as motivações de Téça em se arriscar tanto.

— Nem eu. Mas acredito que ela ficou com pena da garota. É apenas uma menina, não deve ter mais que seus dezoito anos. Uma atitude impensada levou ao que levou. Por isso vim atrás de você, preciso de um guia para essa situação.

Enver passou a mão pela barba, pensativo.

— Eu jamais queria tomar qualquer decisão que fosse contradizer as vontades de Téça — começou ele. — Mas também acredito que ela não gostaria de pôr em risco a vida de seu bem mais precioso, no caso, Andras e da população a qual ela protege tão bem.

— Não deixo de discordar — Katalin admitiu.

— Como e por que ela foi atrás dessa entidade? Precisamos descobrir antes de qualquer coisa.

Katalin respirou fundo. Relembrando as conversas que teve com Téça durante aquele curto período, dos sinais que ela estava dando e do que ela dizia nas entrelinhas.

— Eu tenho um palpite. Mas se estiver certa... significa que a situação é ainda pior do que imaginamos.

Enver a encarou, aguardando.

— E qual seria?

Ela apertou os lábios, como se ponderasse suas palavras.

— E se Téça não estivesse apenas protegendo a garota? — Sua voz soou vacilante diante da incerteza. — E se, no fundo, ela estivesse tentando selar Crysha novamente... e falhou?

Enver analisou a suspeita de Katalin. Se aquilo fosse verdade, então o problema era muito maior do que um segredo guardado.

Era uma bomba prestes a explodir.

— Leve-me até a garota — Enver pediu. — Preciso ver com meus próprios olhos a proporção que isso se tornou, antes de tomar qualquer decisão.

— Como quiser — Katalin assentiu.

Os dois saíram às pressas. O caminho até a casa de Téça estava carregado de tensão. O olhar de Katalin direcionava algumas vezes para Enver, tentando mediar suas expressões. O senhor parecia impassível, mas sua mente trabalhava a todo vapor.

A incerteza ainda assombrava Katalin, não sabia se havia tomado uma boa decisão, por mais sensata que fosse naquele momento.

Sua mão foi de encontro à maçaneta, seu corpo enrijeceu com gesto, assemelhando-se a um mau presságio.

Ao abrir a porta, os feiticeiros encontraram Andras e Ilana conversando tranquilamente enquanto preparavam a mesa para o almoço.

— Então essa é a garota? — A voz de Enver se sobressaltou, cortando a conversa entre os dois. Ambos pararam o que estavam fazendo, encarando Katalin e Enver.

— Do que estão falando? — Andras perguntou. Seu semblante se fechou no mesmo instante. Ele colocou os pratos sobre a mesa, cruzando os braços acima do peito.

Katalin engoliu em seco. Não havia consultado Andras antes de conversar com Enver. Ela deu alguns passos para frente, adentrando a casa.

— Eu andei conversando com Enver e...

— Contou nosso segredo para ele? — Andras não parecia estar nada contente com a notícia.

— Eu posso explicar — Katalin disse, mas foi novamente interrompida.

— Não era para ninguém mais saber disso! — Andras se exaltou, como se tivesse sido apunhalado pelas costas.

— Peço que mantenha a calma, Andras — Enver interviu. — Sua tia apenas veio me pedir ajuda.

— O que pretende fazer? — A pergunta de Andras estava carregada de desconfiança.

— Depende. — Enver olhou para Ilana como se analisasse uma peça defeituosa. — Quero ver com meus próprios olhos se essa história faz algum sentido.

O mais velho aproximou-se cuidadosamente de Ilana. Ele se lembrava dela, a garota havia estendido sua bengala para ajudá-lo quando teve sua perna quebrada. Era ela que Andras gritou incansavelmente quando se perdeu em meio a multidão.

Ela não parecia ameaçadora, não naquele instante.

— Impossível — Enver sussurrou, levantando o questionamento de todos ali presente. — Posso estar me enganando, mas entidades como Crysha não apenas se hospedam em corpos mortais. Elas os consomem.

Ilana sentiu cada parte do seu corpo estremecer com aquela afirmação. Cada dia que passava era uma informação nova que recebia. Não sabia mais o que era verdade ou mentira, mas o medo ainda se perdurava em seu coração por saber perfeitamente bem o que a entidade era capaz de fazer.

— Não podemos arriscar. Não sabemos o que essa garota já fez, e muito menos do que ainda será capaz de...

— Ela não pediu por isso! — Andras o interrompeu abruptamente. — Ela não deve pagar por uma decisão que não escolheu.

Enver analisou a reação de Andras antes de se dirigir a ele.

— O problema, Andras, é que você está deixando os seus sentimentos nublarem seu julgamento. Sua lealdade está com Tamar ou com essa moça?

— Minha lealdade sempre pertenceu à Téça. Se ela viu uma chance de protegê-la, então devemos confiar nela!

— Ela é perigosa! — A voz de Enver se elevou, sua paciência se esgotando. — Não posso deixar que você tome uma decisão que arrisque a vida de todos ao redor.

— E o que irá sugerir? Que nos livramos dela ou a elimine? — Os dentes de Andras cerraram-se. Ele premeditava que aquela seria sua decisão.

Enver não tinha quaisquer intenções de pôr fim à vida de Ilana por conta da entidade. Lidar com o desconhecido necessitava de análise e cautela. Uma atitude, por mínima que fosse, poderia desencadear um desastre irreversível.

— Não podemos ser tão tolos. Pode ser que Crysha encontre outro receptáculo, e aí voltamos à estaca zero. Mas ela não irá continuar aqui — Enver impôs com autoridade.

Os punhos de Andras se fecharam. Katalin imediatamente se colocou entre os dois.

— Chega! Não estamos aqui para brigar entre nós. — Ela olhou para Enver com firmeza. — Sei que sua prioridade é proteger Tamar. A nossa também. Mas agir por impulso pode acabar piorando as coisas.

Enver manteve o olhar fixo em Andras, sua expressão endurecida. Sempre o admirou por sua inteligência, mas especificamente naquela ocasião não estava crendo na atitude inóspita e imbécil que o rapaz estava tendo. Por fim, suspirou e desviou os olhos.

— Certo. — Ele falou devagar. — Então o que sugerem?

Andras relaxou os ombros, mas seu olhar ainda estava em chamas.

— Precisamos entender o que Crysha quer. Saber o que ela está esperando. Se houver um modo de selá-la de novo, precisamos encontrá-lo.

Ilana sabia que aquela era a hora para deixar de ser espectadora na conversa. Não poderia deixar que outras pessoas decidissem por ela. Ela umedeceu os lábios, sua voz saiu hesitante:

— Eu... acho que posso ajudar com isso.

Todos se viraram para ela. A garota lobo engoliu em seco, sua expressão assustada, mas decidida.

— Às vezes, posso ouvir a voz dela. Como se estivesse sussurrando segredos que ainda não entendo. Talvez, se eu conseguir decifrá-los, possamos encontrar uma resposta.

O silêncio se instalou por um instante. Ilana torcendo internamente para ter soado bem convincente. Ela não tinha certeza de nada que havia dito, a entidade apareceu apenas um única vez para ela e ouvia raramente algumas vozes confusas, mas só tinha aquele argumento no momento para salvá-la.

Enver suspirou e massageou a têmpora.

— Isso é insano. Mas suponho que qualquer alternativa seja melhor do que uma execução precipitada. — Ele olhou para Katalin. — Você fica de olho nela. Se houver qualquer sinal de que Crysha está tomando controle, eu mesmo acabo com isso.

Andras crispou a mandíbula, mas não retrucou. Katalin apenas assentiu.

Ilana baixou o olhar, sentindo o peso da responsabilidade que acabara de assumir.

— Então é isso — murmurou Enver. — Vamos ver onde essa loucura irá nos levar.

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