Capítulo XIII - Alvedrio
3856 palavras
Fynera, província de Indifell (Duas semanas antes da abertura do domo)
Mastert Lili sentia um embrulho no estômago sempre que a cena da imperatriz Sulam entregue aos prazeres proibidos invadiam seus pensamentos. Não bastava ter flagrado o momento, ainda teve o desagrado em ver tudo de forma tão explícita. Era como tivesse visto sua própria mãe fazendo sexo com o seu pai, era uma situação constrangedora e traumatizante.
Ela não queria julgar a Sulam. Talvez outras concubinas do imperador também tivessem amantes, aliás, na concepção de Mastert, ela acreditava que as mulheres também deveriam ter direitos semelhantes aos dos homens. Eles poderiam se entregar a várias mulheres e casar-se com elas, mas as mulheres precisavam se manter fiel até o fim de seus dias, não parecia algo justo.
A garota sacudiu a cabeça a fim de banir todo aquele pensamento. Se dissesse em voz alta tudo o que pensava, iria ter a cabeça decepada.
A fumaça da banheira já se dissipou, sinal de que ela passou muito tempo presa em seus devaneios.
— Está na temperatura perfeita! — Uma das irmãs de Mastert comentou, mergulhando a mão na água, antes de se despir e entrar na grande banheira. — Não sei como gosta tanto dessa água fervendo. Dá para fazer um cozido.
Mastert Lili cobriu-se instintivamente, cruzando os braços na região dos seios. Embora aquela área do palácio fosse frequentada somente por mulheres, e de já ter visto muitas das suas irmãs nuas, ainda sentia vergonha de deixar seu corpo exposto. Diferente de sua irmã mais velha, que pouco se importava. Mastert também não se importaria se não fosse tão magra e tivesse um corpo exuberante como o de sua irmã mais velha.
— Me ajuda a relaxar — Mastert explicou.
— Uma queimadura de terceiro grau te deixa relaxada? Cada louco com a sua mania. — Sua irmã deu de ombros, indiferente.
Mastert Lili conteve-se para não responder de forma ríspida. Preferia estar ali sozinha, não era de todos os seus irmãos que ela era próxima ou que gostava. Poderia tolerar, mas os que ela gostava de verdade, mal preenchiam os dedos de uma única mão.
— Já se despediu de Ravish? — A mais velha perguntou, pegando Mastert Lili de surpresa.
— Me despedir? Por quê?
— Não ficou sabendo? Ravish vai viajar, por um breve tempo, como descanso.
— Não sabia disso — Mastert mal conseguiu disfarçar o descontentamento que teve por receber a notícia por outra pessoa ao invés de Ravish.
— Vocês são tão próximos, pensei que fosse a primeira a saber. — Varvara sorriu, examinando suas unhas.
— Pelo visto não sou para ele — Mastert murmurou, quase inaudível.
Ela não queria parecer desesperada para colocar o assunto a limpo com Ravish, mas aquilo a corroía por dentro. Quem se importava afinal?
Apanhou o robe, cobrindo-se rapidamente, e saiu em disparada em direção ao quarto, para se vestir. Precisava encontrá-lo, exigia uma explicação pela missão, entender do que se tratava daquela viagem.
Ravish não estava em seus aposentos, nem no salão de jantar, nem em qualquer lugar onde costumava estar. A frustração crescia, e ela ansiava por uma solução mais rápida.
Ao avistar uma movimentação meio suspeita próxima ao porto, decidiu investigar, e foi certa em seu palpite. Ravish estava junto a outros soldados de seu batalhão, próximos de uma embarcação. Varvara não mentiu, ele realmente iria viajar.
— Iria mesmo embora sem me dizer o motivo? — Mastert estava furiosa, odiava quando escondiam algo dela.
Ravish tomou um susto ao vê-la, mas ao mesmo tempo ficou contente.
— Sobre isso? — Ele indicou para o navio. — Não estou de partida, não agora.
— E não me disse nada? Se não fosse por Varvara, eu nunca saberia que iria viajar. — Mastert permaneceu inconformada, ele teria que dar um jeito de contornar a situação.
Ravish riu sem humor. Sabia que em pouco tempo a notícia se espalharia por todo o palácio.
— Não deveria dar atenção para aquela fofoqueira. Somente quem sabe da viagem é o meu pai, minha mãe e Sigrid, meus soldados sabem apenas uma parcela dela.
— Como assim?
Ravish olhou para os lados, certificando de que ninguém o ouviria, ele se afastou da embarcação, Mastert o acompanhou.
— Eu vou atrás da entidade — ele disse, sem enrolação. — Só vou precisar de mais tempo para isso, por isso do meu afastamento dos serviços militares e da "viagem".
— Então quer dizer que vai para Tamar?
— Exato.
— Sabe que não vai conseguir entrar lá, não é?
— Irei dar um jeito.
Mastert Lili deu um tapa em sua própria testa, reprimindo a vontade de xingar Ravish.
— Eu devo estar falando em outra língua. Você está executando duas missões quase impossíveis. Primeiro, não dá para entrar em Tamar. Segundo, um deus teme a essa entidade. Você sabe o que isso significa? — As veias do rosto de Mastert Lili pareciam querer saltar de seu rosto, mas ela tentou se acalmar, amenizando o seu tom de voz. — Vai ao menos levar alguém com você?
— Não. Eu vou só.
— Você só pode ser maluco. Você não vai.
— Você não vai me impedir. — Ravish contestou. — Sei da sua preocupação, mas se essa entidade cair em mãos erradas, estamos perdidos. Ela pode ser nossa salvação ou nossa ruína. Confie em mim.
Mastert Lili hesitou, estava com medo de que algo acontecesse com Ravish. Quando foram atrás do orbe pela primeira vez, ela não estava com todo esse mau pressentimento como agora. Talvez a voz de Indifell martelando em sua cabeça de que precisam ir atrás do orbe a fez ficar cada vez mais tensa.
— Me conceda a sua dádiva — Ravish ajoelhou-se diante dela, erguendo a mão esquerda e olhando para ela com seriedade. Ninguém da nobreza havia feito aquele gesto desde que Mastert havia se tornado altaneira. Não queria estar sendo enganada, mas realmente esperava que Ravish estivesse pedindo de coração.
Como tradição os altaneiros nomeados por Indifell utilizavam de uma tinta, proveniente de uma flor de cor bem marcante, que era macerada junto a um óleo essencial e desenhavam um símbolo na testa de quem havia pedido a benção, essa pessoa deveria esperar que a marca saísse naturalmente de seu corpo, mas em poucos casos eles abdicavam dessa tinta, o que não diminuía o simbolismo do gesto.
Mastert Lili elevou o polegar até a testa de Ravish, desenhando um símbolo em zigzag, juntando-o a um círculo, e por fim, fazendo um traço no meio.
— Prometo que retornarei seguro, e com a missão concluída. — Ravish sorriu, e segurou as mãos de sua irmã depositando um beijo sob elas.
Mastert Lili acariciava as mãos dele, a maneira como ele sorria... Não, não era o sorriso de Zomungard. E os olhos... Ela sacudiu a cabeça, evitando a ideia absurda que começava a tomar forma. Mas ele já estava ali, enraizado. "Não, ele é meu irmão." Mas a dúvida era implacável. Cada detalhe começava a se encaixar, como peças de um quebra-cabeça que ela jamais imaginou montar. A verdade, se verdade fosse, mudaria tudo. Se Sulam tinha amantes, será que Ravish era filho legítimo de Zomungard?
(Uma semana antes da abertura do domo)
— Prometo que enviarei cartas para mantê-los informados — Ravish afirmou.
Presentes no porto, estavam Sigrid, Mastert Lili e Sulam, para se despedirem de Ravish, mais cedo, Zomungard havia conversado com seu filho, o encorajando na sua missão.
Mastert mordia a ponta da unha, sentindo seu peito apertar, não sabia por quanto tempo ficaria longe de Ravish, sabia que ele faria falta, mesmo que restasse Sigrid para amenizar os seus dias mais aflitos.
Assim como ela, Sulam também discordava da ida do príncipe até Tahagul. Seu coração de mãe não queria permitir que se arriscasse tanto, apesar de ter certeza que Ravish saberia se virar independente da situação.
— Quero que saiba que mesmo estando aqui, estou discordando que você vá. — Sulam repetiu mais uma vez, torcendo para que seu filho desistisse naquele exato momento.
Ravish detestava contrariar sua mãe, sempre levou seus conselhos em consideração, mas ao menos daquela vez, iria fazer o oposto, ainda temendo que aquilo fosse intuição de Sulam querendo avisá-lo.
— Infelizmente não irei voltar atrás — um tanto seco, Ravish a respondeu. — Estamos com tudo preparado, e tem muita gente contando comigo.
— Se estiver com medo do seu pai, eu posso tentar conversar com ele, mas não vá para aquele lugar!
Ravish elevou o olhar aos céus, desejando que algum sinal confirmasse que sua mãe estava certa. Apenas o silêncio lhe retornou.
— Eu vou ficar bem, eu te prometo!
O príncipe segurou as mãos frias de Sulam, e as beijou suavemente. A imperatriz abraçou seu filho fortemente, ele mal havia partido, mas a saudade a consumia ardentemente.
Temendo desistir, Ravish se afastou de sua mãe, se despediu de Mastert Lili e por fim de Sigrid.
— Confio em você. E espero que retorne o mais breve possível. — Sigrid afirmou, havia um pesar em seu olhar.
— É tudo o que mais quero, voltar para casa e com a entidade de volta à nossa posse.
— Somente você e mais ninguém realizará essa missão tão perfeitamente. — Sigrid sorriu, se aproximou de seu irmão e segurando em seu ombro lhe disse: — Amo você, meu irmão. Jamais se esqueça disso.
Com os olhos brilhando, Ravish deu um sorriso sem mostrar os dentes.
— Também amo você. E juízo.
— Você precisa mais do que eu.
Ravish caminhou até o navio, tocou em seu peito sentindo o medalhão de seu avô. Era um objeto muito importante para ele, não estava disposto a perdê-lo, mas ao mesmo tempo não queria entregá-lo para qualquer um dos três, pois isso soaria como uma despedida, e estava longe disso. Ele ergueu o medalhão em direção ao sol, tocando o frio metal em seus lábios, transformando-o em um objeto sagrado para si próprio.
— Será meu amuleto da sorte — disse para si mesmo, antes de embarcar pelos mares rumo a Tahagul.
A viagem até Tahagul seguiu tranquila. Ravish optou em ir de navio para não chamar tanta atenção, mesmo Sigrid se prontificando a abrir portais até um local mais próximo das terras de Tamar. Em seu âmago, o capitão decidiu prolongar a viagem na esperança de poder voltar atrás.
Mas era tarde, seus pés já estavam tocando o solo de Tahagul, estava mais próximo do que nunca da cidade de Tamar, voltar atrás seria um ato de covardia.
— Tem certeza que ele já chegou? — Ravish perguntou a um de seus soldados.
— Absoluta, capitão. O feiticeiro nos deu a localização para encontrá-lo. — O soldado o respondeu com firmeza.
Ravish assentiu e acompanhou seus soldados até a carruagem que o levaria até o feiticeiro. Os cavalos passavam despercebidos pelas ruas da cidade de Nubiamak, logo mais, estavam em frente a uma casa. Para protegerem suas identidades, o capitão e seus soldados se vestiram com um manto, a aparência deles chamariam muita a atenção, principalmente pelo fato dos demônios e vampiros serem inimigos mortais desde o início dos tempos.
Um dos soldados segurou a aldrava na porta e bateu algumas vezes contra a madeira, a porta rangeu ao ser aberta, mas não havia ninguém por trás dela.
Um passo à frente, o soldado conferiu se era seguro entrar.
— Sejam bem-vindos! — Um senhor os aguardava sentado em uma poltrona, completamente relaxado e despreocupado.
O grupo adentrou a residência do feiticeiro, tão macabra quanto o velho que deu as boas vindas.
— Fico contente em saber que pude contar com o senhor. — Ravish retirou o capuz, revelando sua identidade.
— Nunca dou para trás com minha palavra, capitão. — O feiticeiro se levantou, e cumprimentou Ravish com um aperto de mão. — Disse que poderia confiar em mim. — O único olho em sua face encarou Ravish.
— Certo. Não quero perder tempo aqui, como fará para que eu consiga adentrar Tamar?
— Poxa, não vai aceitar nem um cafezinho? — O mais velho fingiu estar ofendido. — Garanto que não irá se arrepender.
Ravish ponderou em aceitar tomar um café com o feiticeiro, talvez tivesse sido meio rude com o senhor. O príncipe queria apenas adiantar o trato, e se livrar o mais rápido possível da angústia que estava sentindo.
— Eu aceito.
O feiticeiro foi até a cozinha para preparar um café para as visitas, sem pressa alguma, enfeitou a mesa com uma toalha florida, despejou uns biscoitos amanteigados em uma tigela e separou as xícaras para servir a bebida.
O líquido fumegante agraciou o paladar de Ravish, o deixando um pouco mais relaxado, não queria admitir em voz alta que foi o melhor café que havia tomado.
— E como foi a viagem? — O feiticeiro perguntou, tentando arrumar assunto.
— Foi tranquila. Não estou tão acostumado a passar tantos dias dentro de um navio, ainda me sinto nauseado.
— Se achar necessário, tenho umas ervas para aliviar a sensação.
— Agradeço, mas não quero. — Ravish recusou de imediato. Sua mente estava um turbilhão, se tivesse algo para aliviar seus pensamentos, aí sim aceitaria.
Os seus soldados pareciam estar mais descontraídos, os quatro conversavam entre si. Talvez o café tenha aliviado o ânimo deles também, foi uma boa tentativa do feiticeiro de criar uma conexão entre os demônios.
— E onde está Mikail? — Ravish perguntou, se referindo a um dos soldados que chegou algumas semanas antes para certificar de que o trabalho do feiticeiro fora eficaz e investigar sobre o paradeiro da feiticeira.
O senhor retirou o relógio do bolso, conferindo o horário.
— Ele não irá tardar em chegar.
Assim que finalizou a frase, o som de batidas na porta ecoou no ambiente, como fizera mais cedo. O feiticeiro movimentou sua mão em direção a porta, a abrindo magicamente.
O jovem demônio atravessou a porta, também encapuzado. Ravish sentiu um alívio ao saber que ele estava bem.
— Sente-se, Mikail. — O feiticeiro estendeu a mão em direção à única cadeira vazia.
Mikail se aproximou, fazendo uma breve reverência para Ravish, sentando-se em seguida.
— Gostaria de compartilhar suas experiências nas terras de Tamar? — O feiticeiro abriu um sorriso convencido.
Mikail tirou o pigarro da garganta antes de continuar.
— O feitiço deu certo. Posso andar livremente pela cidade e entrar e sair quando quiser. A magia é completamente indolor, bem, pelo menos para mim...
— Está vendo, capitão, não há nada para se preocupar.
Ravish juntou as mãos, decidindo qual pergunta faria primeiro em meio a todas as dúvidas que tinha.
— Como fará isso, Olozor? Ou melhor, como descobriu que a sua magia conseguia ultrapassar o domo?
Olozor estalou a língua, gostava de sanar a curiosidade das pessoas.
— Estive observando durante décadas da minha vida sobre os demônios possessores. É fascinante o domínio que eles têm sob a mente e as habilidades dos indivíduos. Estudei sobre eles e concluí que os poderes de um feiticeiro mentalista é bem semelhante, porém, necessita de muita prática e dedicação para conseguir ter o domínio das habilidades de outro feiticeiro. Por isso os demônios não possuem a maestria em moldar as magias ao seu favor, mas eu consegui esse feito.
Ravish ouviu atentamente cada palavra proferida por Olozor, queria saber até onde o feiticeiro chegaria com aquela conversa.
— Avaliando que eu jamais conseguiria moldar o DNA de qualquer criatura, sem ser afetado pela maldição dos três pilares, me arrisquei em usar outro feiticeiro para fazer isso por mim. E com grande satisfação obtive êxito. A maldição não me atinge, até determinado ponto, apenas preciso saber a hora de parar.
— Você acabou encontrando uma solução para a maldição lançada pelo deus supremo, isso é formidável. — Ravish confessou, ainda com resquícios de dúvidas de como aquilo funcionava.
— Obrigado! — Olozor sequer escondeu a admiração que sentia por si mesmo. — O que fiz com Mikail, foi apenas mascarar a estrutura de seu DNA para assemelhar a de um animal, assim o domo não o reconheceria como uma criatura estranha, o banindo das terras. A mesma coisa irei fazer com você.
O capitão engoliu em seco sentindo as últimas palavras reverberar por sua mente, temia que algo desse errado, e não tinha como provar das verdadeiras intenções de Olozor, sua mente estava bloqueada para qualquer tipo de leitura.
Desconfiado e cauteloso, Ravish permitiu que um de seus soldados fosse o primeiro a experimentar a magia que Olozor propunha. Mikail estava ali, melhor do que ele imaginava, mas ainda sim, isso não apagava a desconfiança que lhe corroía por dentro. Queria ver com seus próprios olhos como aquilo funcionava.
— Soldado Badjinn, ordeno que se apresente para a demonstração. — Ravish escolheu aleatoriamente entre os seus homens, a voz fria como o gelo.
O rapaz se encolheu, como uma criança apavorada com seus piores pesadelos. O suor desceu pelas têmporas, o coração batia descompassado e sua boca estava seca como um deserto.
Engolindo em seco, Badjinn sentiu seus ombros desabarem enquanto se levantava, as pernas mal respondendo. Seria preferível enfrentar um exército sozinho, armado apenas com um escudo rachado, do que permitir que aquele feiticeiro sombrio o usasse como um brinquedo.
Seus olhos buscaram Ravish, um pedido mudo por misericórdia, mas o capitão mantinha-se impassível, como uma estátua de pedra. Não haveria clemência.
Olozor também se levantou, confiante com o que estava prestes a fazer. O ambiente ao redor parecia vibrar com a presença dele. Ele não se incomodava em tranquilizar Badjinn; o medo do soldado parecia apenas entretê-lo. Com um gesto elegante, como se estivesse comandando uma orquestra, o feiticeiro trouxe à cena duas figuras misteriosas.
O som dos passos no chão de madeira ecoou pelo salão. O casal que descia as escadarias não pareciam humanos. Seus olhares eram vazios, ausentes, como se algo profundamente errado se escondesse atrás de suas pupilas. Nem mesmo a possessão de Sigrid, que enegrecia os olhos das vítimas, era tão aterrorizante quanto aquilo. Havia algo naquelas figuras que fazia o estômago de Badjinn se revirar de puro pânico. O casal se assemelhavam mais a mortos-vivos do que qualquer outra coisa.
Badjinn sentiu a necessidade de correr, mas não abandonaria seu capitão, por mais aterrorizado que estivesse.
— Não tem o motivo de estar tão assustado — Olozor zombou, sua voz destilando veneno. — O que tanto teme?
— Nada. — Badjinn mentiu, não aceitaria ser intimidado na presença do capitão e de seus colegas.
— Que bom. — O feiticeiro sorriu novamente, satisfeito. — Assim podemos iniciar sua transição.
Com um estalar de dedos, Olozor ordenou que a figura feminina se aproximasse de Badjinn, ele deu dois pequenos passos para trás, mas parou, fingindo ter coragem. Suas pernas balançavam como galhos ao vento.
As mãos da garota começaram a brilhar com uma coloração de um dourado intenso, algo muito belo de se ver, mas havia algo muito errado naquilo. Ela tinha uma expressão doce e adorável, mas foi perdida assim que Olozor começou a manipulá-la.
Era perceptível que ela estava consciente apesar de ter a mente dominada pelo feiticeiro ali presente, e essa parte lutava contra o poder da dominação de Olozor, os dois entraram em combate para definir quem estaria em posse do corpo da garota. Ela era muito jovem, certamente não sabia como controlar os próprios poderes, nem como proteger sua própria mente, por esse motivo, Olozor venceu, e tinha a garota vulnerável para realizar os seus desejos mais insanos.
Badjinn sentiu uma onda de aflição avassaladora quando a garota ergueu as mãos sobre sua cabeça, começando a recitar palavras em uma língua que ele não conseguia entender. Um grito se intensificou na garganta dela, misturando-se à dor, seus dedos se retorciam ao tomar uma coloração acinzentada, e se estendia gradativamente em direção aos seus braços. Olozor não pretendia parar por ali.
A bile de Badjinn subiu por sua garganta, a aflição e o desespero que a garota transparecia era quase palpável, os gritos de agonia jamais iriam se calar em sua mente. Queria pedir para parar por ali, aquilo era demais para ele. Porém, era tarde, os gritos cessaram com o som do corpo da garota colidindo no chão de madeira, os olhos sem vida ainda estavam ali abertos, encarando o vazio em um pavor silencioso.
Badjinn tremia violentamente, profundamente destruído. Preferia ter sentido cada fragmento daquela dor, só para esquecer os gritos que assombrariam sua mente pelo resto de sua vida.
Nem mesmo o feiticeiro mais poderoso seria capaz de apagar a monstruosidade que presenciou.
Badjinn saiu de perto do cadáver, observando o olhar de cada um ali presente para ter certeza de que não era o único a ter testemunhado aquela tortura. Mikail estava com a cabeça baixa, sério. Seus outros colegas de batalhão, por mais treinados que fossem para não demonstrar emoções, falharam, o olhar deles carregavam tensão, apesar da expressão estar neutra.
Exceto por Ravish, o olhar não mudou, a expressão permanecia a mesma de sempre, indiferente. Era como se estivesse assistindo uma peça teatral entediante, e não o sacrifício de uma garotinha, onde marcas cinzentas tomavam conta de seu corpo como uma doença incurável.
— Está tudo bem, soldado Badjinn? — Ravish perguntou, finalmente. Sua voz soava tão casual quanto uma conversa qualquer. Badjinn apenas acenou com a cabeça, tentando se manter firme para não cair de joelhos. — Agora sou o próximo.
Ravish se levantou e marchou em direção ao feiticeiro que teria o mesmo destino da garota, ficando cara a cara, com uma postura imponente e imperturbável.
A sensação que todos tiveram não foi menos pior apesar de já terem presenciado anteriormente. O jovem não relutou tanto quanto a garota, mas clamou por misericórdia enquanto recitava as tais palavras incompreensíveis. Seu corpo perdeu a cor, e desabou junto com a insignificância que Olozor tinha sobre eles.
— Excelente trabalho, Olozor. — Ravish o parabenizou, sem qualquer hesitação, apertou a mão de Olozor. A frieza no gesto parecia mais sinistra do que qualquer magia presente naquele lugar. O feiticeiro, sorrindo com satisfação, deu um leve aceno com a cabeça, como se estivessem celebrando uma conquista
— Disse que poderia confiar em mim.
— Depois de tanto dinheiro investido nisso, era o mínimo que eu esperava. — Ravish gargalhou, o único riso de toda aquela noite.
O soldado Badjinn permanecia parado, lutando para controlar os tremores que percorriam seu corpo. A sala estava fria, mas ele suava como se estivesse em uma banheira escaldante. Seus olhos voltaram-se para o corpo da garota no chão, ainda com o rosto distorcido pela dor, os olhos abertos em uma expressão de vazio absoluto. Ele queria fazer algo — fechar suas pálpebras, dar-lhe algum vestígio de dignidade —, mas seus dedos ainda estavam paralisados pelo terror.
— Bem, vamos seguir para a segunda parte do trato? — Olozor juntou as mãos, seus dedos longos e esqueléticos se entrelaçando, aguardando por uma resposta.
— Sem sombras de dúvidas — Ravish respondeu.
— O pior já passou. Não tem mais o que se preocuparem.
— Sigam-me. — Ravish comandou, sua voz firme, como se nada de extraordinário tivesse acontecido.
A pequena comitiva começou a se mover em direção à saída da casa, passando pelos corpos que ainda esfriavam no chão. O som dos passos ecoava no salão silencioso, o ranger da madeira intensificando a sensação de que algo os espreitava, invisível, nas sombras.
Badjinn foi o último a sair, mas não sem antes se ajoelhar ao lado do corpo da garota. Ele hesitou, as mãos estendidas como se quisesse fechar os olhos dela, dar-lhe um último respeito. Mas quando seus dedos tocaram a pele ela se desfez sob seu toque, se desintegrando como cinzas. O soldado se sobressaltou, e deixou a bela moça para trás, aturdido com seus pensamentos mais sombrios do acontecido.
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