Capítulo VII - Gênese

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3626 palavras

Fynera, província de Indifell

Ravish, Mastert e Sigrid chegaram a Indifell, arrancando às pressas toda a vestimenta de inverno de seus corpos. A diferença de temperatura entre um império e outro era gritante, já que fazia calor na maior parte do ano em Indifell.

— Ainda bem que chegamos a tempo do jantar — Ravish comentou, ao olhar o horário no relógio da entrada principal do palácio.

— Só pensa em comer, seu esfomeado! — Sigrid terminou de arrancar a última peça de roupa quente que ainda lhe restava e a jogou em direção a Ravish, acertando seu rosto.

— Eu nem ao menos tomei café. Não conseguiria enfrentar meu pai com aquele olhar de desgosto que só ele tem. Só de lembrar me dá um embrulho no estômago.

— Você ainda está preocupado com o que aconteceu mais cedo? Deveria estar preocupado por ter quase sido pego por um dos soldados de Colomano.

— Ele era um só, e estamos em três.

— A culpa seria toda sua. — Sigrid apontou o dedo no rosto de Ravish.

— Minha? Não estaríamos nessa situação se você tivesse agido de acordo com o plano.

— Santa trindade, vocês não cansam de brigar?! — Mastert Lili deu um berro, seus ouvidos já estavam cansados de tanta discussão. Todos estavam extremamente estressados com a cobrança que tinham sobre eles; se deixassem esse sentimento dominá-los, não iriam para lugar algum. ─ Vamos descansar por hoje, desfrutar do jantar, e amanhã decidimos o próximo passo.

— Tem razão. — Ravish deu o braço a torcer.

Ravish e Sigrid seguiram em direção à sala de jantar, enquanto Mastert foi para o lado oposto.

— Para onde vai? — o mais velho questionou.

— Preciso resolver uma coisa antes. — Mastert apressou os passos; o que faria era de suma importância, e explicaria aos seus irmãos depois.

Ravish não deu importância, certamente a irmã descobriu alguma coisa. Aguardaria sua resposta no momento certo.

A sala de jantar do palácio estava repleta de pessoas. Parecia uma festa para quem visse de fora, mas eram apenas os príncipes, as princesas e as concubinas de Zomungard reunidos para o jantar. O imperador fazia questão de reuni-los naquele momento, independente da rotina que tinham, pois era uma das poucas ocasiões em que passavam o tempo juntos. Não os obrigava a comparecer ao café da manhã nem ao almoço, mas a última refeição era primordial para ele.

Zomungard prezava muito pela família e sentia orgulho de cada um de seus filhos, sem exceção. Havia criado pessoas de caráter ao longo da sua vida e sempre se dedicara a ser um bom pai. Só queria que os dias fossem mais longos para aproveitar mais a vida ao lado de sua descendência e, principalmente, para ter se dedicado mais a alguns de seus filhos que haviam partido desta vida.

Apesar de tentarem aparecer de forma discreta no jantar, Ravish e Sigrid ainda chamaram atenção. Além da feição assustada em seus rostos, estavam extremamente atrasados; todos já estavam finalizando suas refeições e logo iriam para seus aposentos.

— Perdão pelo atraso — disse Sigrid, sentando-se à mesa e aguardando ser servido pelos empregados.

— Onde estiveram esse tempo todo? E onde está Mastert Lili? — Zomungard indagou, percebendo a ausência dos três desde o início do jantar.

— Estávamos resolvendo o assunto que conversamos mais cedo. E Mastert Lili está perfeitamente bem, deve estar no quarto dela — Ravish respondeu a pergunta. Seu olhar se interessou na sobremesa que uma de suas irmãs deixara para trás; sem perder tempo, Ravish saboreou o doce, amenizando um pouco a fome.

— E chegaram a descobrir algo?

Sigrid e Ravish se entreolharam, era uma incógnita até para eles.

— Claro — Sigrid afirmou, com uma falsa certeza. ─ Estamos mais perto do que imaginamos.

Ravish coçou a sobrancelha, sem acreditar na mentira que seu irmão acabou de contar.

— Perfeito! Sabia que poderia confiar em vocês. — Zomungard sorriu. — Bom, vou procurar saber o que aconteceu com Mastert. Aproveitem o jantar.

Zomungard se levantou da cadeira saindo da sala de jantar. Sulam, que estava próxima, foi atrás de seu marido, querendo ter uma conversa franca com ele.

— Querido, sabe que os rapazes estão mentindo. Conheço meu filho muito bem.

— Sei disso.

— Não acha que está sendo duro com os meninos? Eles estão apavorados com a sua reação de hoje mais cedo. Fora toda essa tensão da preparação deles para substituí-lo.

— Sulam, não foi com flores e abraços que me tornei marechal e posteriormente imperador. Não quero que eles pensem que as coisas são ganhas de mão beijada.

— "Você" foi criado dessa forma, não precisaria criar seus filhos dessa mesma maneira.

Zomungard se calou, não iria contrariar sua mulher. Depois iria avaliar esse assunto e decidir se ela tinha razão ou não.

— Poderia eu mesma ir atrás desse orbe. Tiraria esse peso das costas dos rapazes e o processo seria até mais eficaz.

— Admiro a mulher corajosa que escolhi para imperar ao meu lado. — Zomungard envolveu a cintura de Sulam a trazendo para mais perto de si. ─ Mas não quero minha imperatriz envolvida nesse assunto.

— Tudo bem, não irei insistir, mas se precisar de mim vou estar sempre aqui — Sulam selou um beijo nos lábios de seu marido.

— Vou procurar a Mastert Lili. Espere-me em meu quarto, pois essa noite precisarei de você.

O rosto de Sulam se iluminou, mas ela decidiu se conter, não queria chamar atenção dos empregados curiosos presentes no corredor.

— Vou estar lhe aguardando — Sulam se afastou de maneira cordial de seu esposo.

Zomungard retomou o foco inicial, o imperador foi ao encontro de Mastert Lili em seu quarto, pediu para um dos guardas avisá-la que ele precisava conversar com sua filha. Não demorou muito para que o imperador estivesse em seu quarto, a qual estranhou ao ver uma moça em seus aposentos, Zomungard a conhecia, pois ela era uma famosa pintora que trabalhava para a família, mas não imaginava que naquela hora da noite ela estaria em serviço.

— Neera, poderia nos dar licença, por favor? — pediu Mastert delicadamente à moça, que assentiu, se retirando do quarto logo em seguida. — Sobre o que queria conversar?

— Senti sua falta durante o jantar. Queria saber se aconteceu alguma coisa.

— Obrigada pela preocupação, papai, mas estou bem. Eu apenas precisei resolver um assunto importante, antes que fugisse da minha memória.

Mastert se levantou da cadeira da penteadeira onde estava sentada, virando o quadro em direção a Zomungard.

— Hoje mais cedo, Ravish, Sigrid e eu fomos atrás de respostas sobre o paradeiro do orbe. É dessa mulher que precisamos ir atrás. — A garota apontou para a pintura inacabada de uma mulher de meia idade com traços marcantes.

— Os rapazes não mentiram quando disseram estarem próximos. —Zomungard disse, como se respondesse a fala de Sulam alguns minutos mais cedo.

— E tem outra coisinha. — Mastert Lili pegou da penteadeira o objeto metálico que encontrara em Montuália. — Tenho a leve impressão de que esse objeto é um fragmento do orbe.

— Ele foi destruído? — Zomungard perguntou, tentando esconder o tremor em sua voz após um calafrio correr por sua espinha.

— É quase certo que sim, e quem quer que seja possuidor do poder do orbe, precisa ser detido imediatamente.

Tamar, província de Tahagul

A fumaça se dissipou no ar deixando o cheiro característico de charuto, que aos poucos ia se desfazendo a cada tragada que Andras dava. O feiticeiro manipulava os fragmentos do orbe, tentando destruí-lo de forma proposital, o que ainda sobrou do objeto. Já havia queimá-lo, congelá-lo e agora tentava eletrocutá-lo com os raios que saiam das pontas de seus dedos, porém, sem sucesso.

— Não destrói por nada — sussurrou o rapaz para si mesmo, agachando-se para pegar um pedaço do fragmento, observando-o minuciosamente a procura de algum sinal de dano.

— Andras, querido — Téça o chamou, saindo de sua morada.

O feiticeiro deu sua atenção à sua mãe, a atendendo com um sorriso.

— Queria te pedir um favor. Você poderia levar a Ilana para passear um pouco? O dia está bonito e ela precisa de ar fresco.

— Por que não? — Andras prontamente atendeu ao pedido de sua mãe. — Mas preciso saber se ela vai aceitar. Desde que chegou aqui ela anda muito assustada.

— Consegui conversar com ela, inclusive, já está arrumada, apenas esperando por você.

Andras ergueu as sobrancelhas, impressionado com o poder de persuasão que Téça tinha sob Ilana.

O feiticeiro jogou o charuto fora e recolheu os pedaços do orbe, precisava estudar mais tarde sobre ele.

Ilana estava "hospedada" no porão da residência de Téça. Apesar de terem salvado a garota, os feiticeiros não sabiam com o que de fato estavam lidando, então, pela própria segurança decidiram deixá-la por lá.

Andras chegou ao porão, encontrando Ilana sentada na cama, certamente Téça havia arrumado a jovem. Dessa vez ela estava limpa, com os cabelos lavados e presos em um rabo de cavalo, estava com um vestido simples de cor bege. Ilana aparentava estar bem entretida com o pequeno livro em suas mãos.

— Achei que não soubesse ler — Andras comentou.

Ilana olhou por cima do livro, fechando-o logo em seguida.

— O que te faz pensar isso? Só por que moro em Vallos?

— Isso responde a muita coisa.

— Para o seu conhecimento não sou nascida em Vallos, e sim em Bolgdra.

Andras franziu o cenho, não imaginava que Ilana viesse de uma província tão importante como aquela.

— E o que fazia em Vallos? São mundos completamente diferentes.

— Como posso dizer educadamente que isso não é da sua conta? — Ilana ironizou, deixando o livro ao seu lado, esboçando um leve sorriso de escárnio.

Andras foi em direção a cama de Ilana, pegando o livro e dando uma breve conferida no que se tratava, era um livro antigo de estudos sobre feitiços, mas estava em outra língua, na língua morta que somente os chillsafenos tinham conhecimento. Não entendia como a garota estava tão interessada nele.

— Minha mãe pediu para que eu a levasse para um passeio. — Seu olhar saiu das páginas do livro encontrando aos de Ilana.

— Tudo bem, já estou pronta. — Ilana passou os dedos pelo vestido para ajustá-lo.

Andras deu uma pigarreada. Como Ilana não estava andando, então ele teria que carregá-la.

— Com licença — ele pediu antes de erguer a moça com facilidade em seus braços.

Ilana torceu internamente para não ter ficado corada, nunca na sua vida havia ficado tão próxima de um homem que não fosse Filippo e seu pai. Era inclusive possível sentir o perfume almiscarado com a mistura do odor de charuto que exalava de Andras.

Ao chegarem ao lado externo da casa, encontraram uma carroça a qual os aguardava, em que cabia no máximo duas pessoas; era singela, assim como o jumento que iria transportá-los no passeio.

— Esse daqui é o Coragem — Andras apresentou para Ilana o jumento que se alimentava da grama abaixo de si.

— A... muito prazer! — Ilana deu uma risada sem graça.

— Vou ter que te colocar na carroça de um jeito não tão convencional. — Apesar de ser alto, Andras não iria conseguir colocar a garota de forma confortável e talvez segura estando só.

— Como assim?

Antes que percebesse, Ilana flutuou até a carroça, o arrepio para em um instante, de tão rápido que foi.

— Viu? Não foi tão ruim assim — Andras se acomodou ao lado de Ilana, segurando as rédeas para guiá-los.

O dia estava fresco, e o sol despontava no céu, brilhante como nunca. A vegetação estava em tons de verde vivo, e flores enfeitavam graciosamente as árvores e o chão, indicando que a primavera estava mais presente do que nunca na cidade.

Tamar era apenas um vilarejo que, aos poucos, foi crescendo até se tornar a segunda maior cidade de Tahagul, era somente habitada por feiticeiros e ninguém mais; a província se isolava de todo o resto e, existia um domo invisível a olho nu que os separavam dos demais. Eles viviam da pesca, da criação de gado e da vegetação característica do local. Os feiticeiros tiveram que se realocar após a queda de seu império e encontraram em Tahagul o melhor lugar para firmarem suas raízes, transformando-se assim, no local que em havia a maior concentração de feiticeiros do mundo.

Ilana não conseguia disfarçar a empolgação de estar conhecendo um pedacinho do mundo que sua mãe tanto lhe falava. Estava feliz pela oportunidade de poder explorar as terras que sua mãe já pisou um dia.

Andras a levou até uma feira próxima do vilarejo onde morava, cogitou ser um lugar bom para levá-la, ali ela poderia ver um pedacinho da cultura deles. Só não poderiam andar entre os pedestres, mas ela já teria uma boa visão mesmo que contornassem a feira.

— Prometo que já volto — Andras saltou da carroça, indo em direção a uma das barracas da feira.

Enquanto aguardava o rapaz, Ilana observou cada detalhe à sua volta. As vestimentas dos feiticeiros não eram muito diferentes das que os montualeses usavam, exceto pelo pouco tecido. Montuália em sua grande parte era frio, e precisavam de bastante roupas para se aquecerem.

A aparência dos feiticeiros em si eram bem variadas; diferentes tons de pele, cabelos, formatos de rostos, corpos e assim por diante. Dependendo da raça e do local, um feiticeiro poderia facilmente se mesclar à multidão e passar despercebido.

Andras retornou à carroça segurando um saco de papel e ofereceu a Ilana, que observou uns bolinhos rosados.

— Não acha que uma simpática senhora iria envenenar sua comida? — Andras gesticulou com a cabeça em direção à barraca de uma senhora, que abriu um singelo sorriso para a Ilana.

A garota pegou um dos bolinhos levando à boca, onde ele se desmanchou de tão suave e macia que era a massa. O sabor doce do recheio se misturou a um leve azedo, fazendo a garota ter um mix de sensações.

— Como é o nome disso? — Ilana pegou mais, devorando com velocidade.

— Bolinho recheado — Andras respondeu, como se fosse óbvio.

Ilana mal se importou com a resposta; saborear os bolinhos era mais importante.

Andras subiu na carroça e partiu mais uma vez para os arredores da cidade. Ele observou Ilana comendo os bolinhos como uma criança faminta por doces, e a empolgação dela o animou. Involuntariamente, ele abriu um sorriso.

— Bolgdra... — Andras fixou o olhar na estrada, deixando o devaneio guiar seus pensamentos. — Já estive lá uma vez. É uma cidade bonita.

— Deveria ir lá mais vezes e veria que beleza é só um mero detalhe de tudo que Bolgdra é.

— Já esteve em outros lugares ou aqui é a sua primeira vez?

— Primeira. Minha família não tem muito dinheiro para viajar por capricho.

— Bolgdra só tem pessoas ricas... Ao menos era o que eu imaginava.

Ilana limpou o canto da boca após terminar de comer. Não estava disposta a entrar em detalhes sobre o que aconteceu com sua família para ir parar em Vallos, era um assunto íntimo e delicado, Andras com certeza não era a melhor pessoa para aquela conversa.

— O que é aquilo? — Ilana apontou para uma construção que se destacava das demais. As paredes rochosas se erguiam formando um belo castelo com muitas escadarias ao seu redor, não tinha toda a grandiosidade dos palácios de Montuália, mas chamava atenção em meio às casas de madeira à sua volta.

Ao mesmo tempo que aquilo soava como uma desculpa para a mudança de assunto, também fazia parte da curiosidade de Ilana.

— É o templo de Chillsafar — Andras respondeu, depois de dar uma breve olhada para a construção.

— Podemos ir lá? — Ilana vibrou, não fazia mais questão de esconder todo seu entusiasmo.

— Não dá, está fechado. Quer dizer, para os cultos de adoração. Ali vivem pessoas refugiadas que perderam seus lares.

— E vocês a adoram de outra forma?

Andras maneou a cabeça para os lados antes de continuar.

— Não temos uma deusa que interceda por nós há séculos.

Ilana sabia muito bem como era esse sentimento de desesperança. Suas inúmeras orações direcionadas à sua deusa que não foram ouvidas. Já não tinha mais vontade alguma de voltar a adorá-la; havia se decepcionado de forma tão abrupta que se recusava até a mencionar seu nome em voz alta. Não deveria ter acontecido algo diferente com os chillsafenos.

"Será que os deuses de todos os impérios os haviam abandonado?", pensou a garota. " E se havia algum Deus justo, onde ele estava?".

— Vocês aparentam ser bem poderosos, mesmo sem o direcionamento de sua deusa.

— Às vezes penso que foi pura sorte, ou essa maldição é apenas um mito — Andras desdenhou.

— E que outros tipos de feiticeiros existem além de curandeiros e elementais?

— Existem os alquimistas, necromancers, premonitórios, mentalistas e potencializadores — enumerou.

— Potencializadores?

— Sim, eles têm o poder de diminuir ou aumentar as habilidades ou poderes de alguém. Téça é um deles, além de ser uma curandeira. São bem raros de encontrar.

— Interessante! — Ilana tentou imaginar como funcionava esse tipo de poder, mas sua mente pareceu limitada.

— Dá para nos diferenciar pela cor. A aura adota uma cor específica do poder que está sendo usado e muda assim que outro poder é invocado.

— Então podem ter mais de uma característica... — Ilana repetiu para si mesma. — E você tem alguma a mais?

— O que você imagina? Vou deixá-la adivinhar. — Andras a olhou de volta, tinha certeza que ela não acertaria.

— Não irei chutar que você é um curandeiro. Precisou fazer um medicamento para me curar... — Ilana voltou a repensar nas opções. Talvez Andras fosse apenas um feiticeiro elemental, como havia dito.

Ou talvez, ele fosse um necromancer. Ilana jurava que não voltaria à vida; só podia ter sido Andras quem a ressuscitou.

— Vou chutar que você é um necromancer.

Um sorriso cresceu no rosto de Andras, não imaginava que ela fosse tão distante.

— Alquimista? — Andras novamente negou com a cabeça.

— Sou um mentalista — respondeu, por fim.

Ilana se calou de repente, o desconforto estava cada vez maior na presença do feiticeiro. Uma inquietação se instalava na sua mente, e mesmo que lutasse contra isso, ele insistia em voltar. Não queria cogitar que Andras pudesse ter manipulado sua mente, forçando-a a manter em posse do orbe.

Andras percebeu o silêncio pesado de Ilana e tentou descobrir o motivo daquilo.

— Aconteceu algo?

— Não... nada! — Ilana mentiu, com a voz tensa. Ela levou sua mão para o cordão em seu pescoço e tocou a aliança, sentindo um aperto em seu peito e a vontade de chorar lhe dominou.

— Está sentindo falta de casa? — De canto de olho, Andras observou o gesto dela, se sensibilizando pela garota.

— S-sim. — Um nó se formou na garganta de Ilana, quase impedindo-a de falar.

Andras apertou os lábios, não tinha palavras suficientes para confortar a moça.

— Não queríamos envolvê-la nessa situação... — ele começou, a voz baixa e carregada de tensão. — Assim como você, apenas queremos a paz e o conforto de nossos lares, mas é importante que entenda que não podemos levá-la para casa agora, para sua própria segurança.

— O que tem de tão perigoso em mim? Eu não entendo... — A voz de Ilana tremeu, e o ar ao redor deles parecia ficar mais denso.

Andras hesitou, buscando uma forma mais amena para lhe dar a notícia, que em demasia era devastadora.

— Você deve conhecer a história sobre a rebelião dos deuses.

— Sim, como a palma da minha mão — respondeu ela, embora seus pensamentos divagarem entre a realidade e a fantasia.

— Então, certamente deve saber que existiu uma entidade que acabou com essa guerra.

— Sim, Stvar que deu fim.

— Há inconsistências na história — ele a corrigiu, em um tom quase sombrio. — Os deuses criaram uma entidade para destruir Stvar. Entretanto, o deus supremo a corrompeu, fazendo-a obedecer apenas ele, com o propósito de aniquilar os outros deuses.

Ilana ouvia atentamente a cada palavra de Andras, assimilando pouco a pouco o que ele dizia, sentindo o sangue gelar cada vez mais em suas veias.

— Essa entidade, nomeada como Crysha, quase conseguiu, mas os deuses destruíram sua forma física e aprisionaram no orbe que você roubou. Crysha precisa de almas para se fortalecer e não descansará até que esteja livre novamente.

— O quê? — O choque tomou conta de Ilana. As palavras de Andras ressoavam em sua mente como um eco distante e ameaçador. Como poderia existir algo tão sombrio e cruel como aquilo? — Isso é... impossível.

— Não é — disse ele com firmeza, seus olhos fixos no dela, mais intensos do que antes. — Crysha não parará enquanto não for aprisionada de novo. E, enquanto estiver com você, cada segundo é uma contagem regressiva para algo muito pior.

Ilana levou as mãos à boca, o desespero sendo convertido em lágrimas que agora caíam livremente. O horror da revelação a atormentava, e a realidade parecia escapar, como se fugisse para algum lugar onde ela não pudesse alcançar.

— Mas eu não fiz mal a ninguém... ou fiz?

— Por enquanto, não. Não enquanto Téça estiver diminuindo suas habilidades.

Ilana não entendia. A feiticeira estava muito longe para conter o poder da entidade, ou ela talvez fosse poderosa o suficiente para seus feitiços funcionarem mesmo estando distante. Isso talvez explicava o motivo de Ilana não conseguir usar de sua regeneração para se recuperar rapidamente.

— Eu não acredito nisso!

Delicadamente, Andras virou o rosto de Ilana para si, secando suas lágrimas com o polegar numa tentativa de confortá-la.

— Eu prometo a você que irá sair bem dessa. Téça e eu iremos fazer o possível para te livrar dessa entidade sem machucá-la. Só precisa confiar em nós. — Andras segurou as mãos de Ilana, como se pudesse transmitir a fidelidade de suas palavras através do gesto.

O choro de Ilana cessou. Confiaria sua vida e sua segurança a um completo desconhecido que, em seu momento de fragilidade, lhe fazia uma promessa como se fosse salvar a vida de alguém muito importante e não uma simples camponesa que nem tinha onde cair morta.

Em toda sua vida nunca havia visto um ato de bondade tão grandioso como aquele. Se confiaria ou não, só o futuro poderia lhe responder.

Capítulo revisado por Trevsz pelo Projeto WonderfulDesigns.

Como a revisora não possui perfil aqui no wattpad, deixarei o link do perfil dela de outra plataforma nos comentários.

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