Capítulo VI - Supremacia

Art by Marcela Bolívar
4021 palavras

Tamar, província de Tahagul

Ilana não sabia quanto tempo havia passado desde que acordara; já tinha contado quantos degraus havia na escada acima de sua cama, nomeado cada planta presente no cômodo e tentado adivinhar as diferentes formas das vasilhas que preenchiam os armários. Talvez, se estivesse andando, não teria se entediado tão facilmente.

Cogitou até mesmo chamar pelo nome do homem tagarela, para que ele ao menos aliviasse sua mente dos pensamentos do passado. Mas não foi preciso. Logo, Andras desceu as escadas com uma cesta de palha em mãos.

Ilana tentou ver o que tinha dentro, mas sua curiosidade passou assim que ele lhe disse o que era.

— Trouxe comida pra você. Aqui temos um guisado de peixe, suco de maçã e algumas peras — Andras disse, enquanto tirava a comida da cesta. O aroma do guisado tomou conta do ambiente, fazendo a barriga de Ilana roncar.

— Quero somente as peras. — Contendo a vontade de se deliciar com tudo o que Andras trouxera, Ilana negou o restante da comida. Precisava ser cuidadosa, afinal, não sabia se o alimento poderia estar envenenado ou não. Com as frutas, a probabilidade diminuiria.

Andras lhe entregou as peras, observando Ilana comer como um animal faminto, e, em questão de segundos, acabar com todas as frutas.

— Se mudar de ideia e quiser comer o guisado, vou deixá-lo aqui. — Andras pegou uma das banquetas próximas do balcão, deixando o objeto ao lado da cama em que Ilana estava. — Aconselho você a comê-lo ainda quente, frio não fica tão saboroso.

Ilana olhou algumas vezes para o guisado e depois para Andras, ele estava sendo muito gentil com ela. "O que, afinal ele queria?", pensou.

— Acho... — Ilana deu uma pigarreada antes de falar. — Acho que vou querer tomar um pouco daquele remédio.

A dor estava insuportável demais para que a garota pudesse suportá-la por mais tempo, então deu o braço a torcer.

Andras sorriu, e Ilana jurou para si mesma que não se deixaria ser enganada por aquele conjunto de dentes bem enfileirados, acompanhando das duas covinhas que se formavam em suas bochechas.

— Vou preparar outro, aquele eu joguei fora.

Andras caminhou para trás do balcão, onde pôs a água para ferver e misturou novamente os ingredientes. Em poucos minutos, o remédio já estava pronto.

— É bom beber de uma vez por conta do sabor. O remédio causa um pouco de sonolência, mas nada que vá te apagar.

Ilana cheirou o líquido na tigela. Tinha um cheiro adocicado, e talvez o gosto fosse semelhante, porém decidiu não se arriscar. Bebeu tudo de uma vez e sentiu o amargor instantaneamente, o que resultou em uma careta.

— Isso é horrível! — A garota passou as costas de sua mão na língua para retirar o excesso do medicamento.

— Não reclame, é o que tem pra hoje — Andras gargalhou com a reação de Ilana. — Não sou um feiticeiro curandeiro, então é o máximo que consigo te ajudar.

— Se não é um feiticeiro curandeiro, então o que é?

— Sou um feiticeiro elemental — ele respondeu. Ilana franziu o cenho, não sabia muita coisa sobre os feiticeiros. O único que ela havia conhecido era Olozor, o curandeiro. — Eu posso controlar tudo aquilo que é proveniente da natureza, as águas, a terra, o fogo. Consigo controlar o crescimento das plantas, mudar o clima... E por aí vai.

A feição de Ilana se iluminou. Fazia muito tempo que não ficava instigada com algo.

Percebendo que o humor dela havia mudado, Andras deu uma breve demonstração de sua capacidade. Ele olhou para um dos vasos de plantas, onde uma muda de moréia estava quase morrendo, ergueu uma de suas mãos e movimentou a ponta de seus dedos. O gesto fez a planta acelerar o seu crescimento, transformando-se em uma bela flor.

— Isso é fascinante!

Andras se alegrou com a cara abobada de Ilana; ela ainda não havia visto um terço do que ele era capaz de fazer.

— Disse que controla o clima, não é mesmo? — O olhar de Ilana encontrou o de Andras, e ele acenou positivamente com a cabeça. — Então foi você quem criou todos aqueles raios que destruíram aqueles seres malignos?

— Fui eu, sim — Andras respondeu um pouco tímido, mas com um orgulho oculto.

— E foi você que acertou o raio naquela árvore que quase me matou — Ilana afirmou com uma falsa euforia. — Agora está se passando por bom moço, tentando me ajudar.

— Eu... Eu não tentei te matar. Acabei perdendo o controle por alguns milésimos de segundo e...

— Você tentou me matar, sim! — ela o acusou com a voz alterada, sentindo seu corpo estremecer. — Só está querendo amenizar o peso da culpa.

— Não sou um assassino! — Andras se sentiu ofendido diante da acusação.

— Mas por pouco não se tornou um.

— Eu nunca mataria ninguém.

A possível briga foi interrompida quando os dois notaram uma terceira pessoa no cômodo. Téça havia chegado silenciosamente, ouvindo um pouco da discussão.

A pele de Ilana, que antes formigava, apenas intensificou a sensação. A presença de dois feiticeiros era forte demais para ela.

— Podem continuar o que estavam fazendo, só vim aqui avisar que cheguei. — Téça mantinha uma postura fina e elegante. Ela trajava um longo vestido azul acinzentado, e somente seu antebraço e o colo do peito estavam nus, revelando uma pele clara e levemente rosada. Seus cabelos chegavam ao comprimento de seu busto, e a luz que refletia das pequenas janelas destacava o castanho avelã das mechas encaracoladas.

Ilana se questionou se todo feiticeiro tinha a cara emburrada, ou provavelmente fosse só impressão, devido às maçãs do rosto de Téça serem salientes e as sobrancelhas bem marcantes.

— Mãe, que bom que voltou! — Andras caminhou até a feiticeira, dando-lhe um longo abraço. — Aquela garota ali não consegue andar.

— "Garota ali"? Com quem você pensa está falando? — Ilana se exaltou.

— Eu nem sei o seu nome.

— Você nem ao menos me perguntou!

— Parem, vocês dois! — Téça bradou. — Parecem dois gatos briguentos.

Enfim, os dois se calaram. A feiticeira se aproximou de Ilana, oferecendo-lhe um singelo sorriso.

— Prazer, me chamo Téça. Como você se chama, querida?

— Ilana.

— Se me der licença, posso ver o que aconteceu com você?

Ainda se sentindo receosa, Ilana decidiu confiar, pois não tinha para onde correr, e pior do que já estava não poderia ficar.

Téça afastou o fino lençol que envolvia as pernas da garota. Aparentemente, nada havia acontecido; não tinha nenhum hematoma nem arranhão. A feiticeira apertou firmemente a coxa e seguiu até os pés em busca de algum osso quebrado. Ilana gemeu durante todo o processo, o remédio havia diminuído a dor, mas não cessado completamente.

— Aqui está!

Téça finalmente encontrou a origem da dor ao perceber que Ilana demonstrou um desconforto maior onde tocou. A tíbia da jovem ainda permanecia quebrada. A feiticeira recitou algumas palavras estranhas enquanto alguns fios dourados saíram das suas mãos, e a dor foi sumindo gradativamente conforme o osso voltava para o lugar correto.

— Quanto a paralisia de suas pernas...—Téça afagou seus dedos entre os cabelos de Ilana, e a garota sentiu um cheiro levemente adocicado de pêssego vindo da mulher. — Vamos ter que investigar melhor sobre isso. Certamente foi algum trauma na sua medula espinhal. Seu cérebro não deve estar conseguindo enviar os receptores para suas pernas, então iremos trabalhar isso ao longo dos dias.

— Ao longo dos dias? Isso significa que não irei para casa tão cedo, não é? — A voz de Ilana falhou. Talvez eles não fossem tão bons assim, talvez ela nem fosse voltar para casa.

Téça se calou, e isso serviu como uma confirmação para a jovem.

— Eu só... queria saber o que querem comigo. Por que estavam nos perseguindo?

Andras olhou para Téça. Um esperava a iniciativa do outro para revelar a verdade à garota.

— Você estava com um objeto que não pertencia a você — Téça começou,buscando uma explicação coerente para dar.

— Nada lá me pertencia. — Ilana deixou escapar.

— Sim, mas esse orbe, em especial, abrigava uma força poderosa dentro dele. — A feiticeira tentou ser cuidadosa com as palavras e, ao mesmo tempo, o mais clara possível. — E, estando em mãos erradas, seria capaz de causar estragos irreversíveis.

— E onde ele está? A única coisa que eu tenho comigo é este colar e esta camisola, que nem é minha.

— O orbe se esmigalhou. — Andras abriu uma das portas dos armários, pegando um saco e jogando cada uma das partes quebradas do orbe em cima do balcão. Até mesmo o dourado brilhante havia desaparecido, restando apenas uma peça sem graça e destruída.

— Se o orbe quebrou, o poder se foi, mas pra onde? — As sobrancelhas de Ilana se juntaram em um misto de pavor e confusão.

— Isso é o que queremos saber. — Andras voltou a recolher os pedaços do orbe, devolvendo ao saco. — Estamos em dúvida se essa entidade "evaporou", ou se tomou posse do seu corpo.

— Andras! — Téça chamou a atenção de seu filho. Ele havia revelado mais do que deveria, mas agora era tarde demais.

— Tomou posse de mim? Que história é essa?

— É só uma hipótese, não temos certeza de nada. — Andras tentou amenizar, porém de nada adiantou. Ilana estava assustada, e não fazia um pingo de questão de esconder isso.

— Por isso estão me mantendo aqui. Me sequestraram por causa dessa coisa e não me deixarão em paz tão cedo. Seria bem melhor se tivessem me deixado morrer.

— Não é isso que queremos fazer com você, querida. Não iremos fazer nenhum mal — Téça disse com calma. Entretanto, Ilana estava confusa demais para interpretar.

— Preciso ficar sozinha. — A voz de Ilana soou rouca. Eram turbilhões de pensamentos que passavam em sua cabeça naquele momento.

Os feiticeiros se entreolharam, decidindo deixar Ilana só, digerindo a informação que acabara de receber.

Fynera, província de Indifell

Embora tivessem saído para espairecer, Ravish e Sigrid ainda estavam com o pensamento sobre a missão que o imperador havia lhes dado. Não queriam conversar diretamente com Zomungard sobre o acontecido, mas adiar não faria muita diferença.

Antes de iniciarem seus serviços militares, o Comandante e o Capitão se dirigiram até a sala do trono, onde o imperador já se encontrava a postos para resolver os conflitos de seu império.

— Essa dor de cabeça ainda vai me matar um dia. — Ravish colocou os dedos em suas têmporas realizando movimentos circulares e tentando amenizar o incômodo.

— Não deveria ter bebido tanto como ontem. Eu bem que te avisei que não seria uma boa ideia.

— O importante é ter se divertido.

— Vou achar bem mais importante se seus homens não estiverem no mesmo estado que você para o treinamento de hoje.

— Como você é chato! — Ravish desdenhou. — Por isso vive de mau humor o tempo todo, fica vinte e quatro horas por dia pensando em trabalho, estratégias de guerra, trabalho, batalhão, trabalho, posse do trono e mais trabalho.

— Você precisa levar a vida mais a sério!

—E você bem menos a sério, afinal, não vamos sair vivos dela mesmo! — Ravish riu sem humor. — Já sei o que você precisa. Deveria tentar encontrar alguém para se casar... Aquela garçonete da taverna parecia estar interessada em você.

— Primeiramente, eu não tomaria como esposa uma mulher que trabalha em um prostíbulo. Segundamente, não tenho tempo para romance, meu foco agora é outro. Não quero me perder assim como você...

A última frase havia escapado dos lábios de Sigrid, voando aos ventos sem nunca mais poder ser revertida, mesmo que o arrependimento tivesse batido à porta logo em seguida.

— O que foi que disse?

Aquele seria motivo o suficiente para gerar uma confusão entre os irmãos, porém, por estarem em frente à sala do trono, a discussão seria deixada para mais tarde.

As portas de madeira se abriram com o auxílio dos guardas imperiais, dando a visão de um salão amplo e bem iluminado por conta das inúmeras janelas de vidro. Em direção à porta, estendia-se um tapete cor marfim, que ia de encontro aos tronos de estofado de couro preto e entalhes arredondados por toda extensão do assento; estes pertencentes ao imperador e à imperatriz de Indifell. Acima do trono, havia a cabeça de um javali empalhada e fincada a um escudo de madeira, símbolo presente no brasão do Império, que carregava o significado de coragem e ferocidade.

Zomungard se encontrava em pé na pequena elevação que dividia o espaço dos tronos e do salão, e seu tamanho era capaz de assustar qualquer um.

— Soube que queriam conversar comigo. Sobre o que seria? — A voz do imperador reverberou por todo o ambiente. Mesmo calmo, seu tom ainda era forte e alteroso.

— É a respeito do orbe. Sabemos que a Vossa Alteza direcionou essa tarefa exclusivamente a nós... — Sigrid começou a falar, entretanto, foi interrompido.

— E se eu soubesse que falhariam na missão, teria designado outros guerreiros mais competentes e responsáveis.

— Pedimos desculpas pelo ocorrido — Sigrid respondeu, envergonhado.

— Desculpas não irão me trazer o orbe de volta, ações irão. — Zomungard desceu as escadas, indo em direção aos príncipes e dando voltas em círculos ao redor deles. — Deixei os dois livres para tomar alguma atitude e reparar o dano causado, mas me envergonhei com ambos correndo atrás de mim feito duas crianças desamparadas. Não sei como foram nomeados como Coronel e Capitão, e nem sei como me propus a anunciar ao público que um dos dois irá me suceder. Vocês me decepcionaram.

— Me desculpe, pai. — A voz de Ravish vacilou por um breve segundo.

— Estou falando como imperador, não como seu pai.

— Perdão, Vossa Alteza — ele corrigiu.

— Iremos agora mesmo atrás do orbe — Sigrid prometeu, mantendo um olhar firme ao de Zomungard.

O imperador continuou a encarar Ravish e Sigrid, que ainda estavam paralisados a sua frente.

— Vossa Alteza poderia ao menos explicar a importância desse objeto? — Sigrid pediu. — Se não quiser dizer ao coronel e ao capitão de quem tanto se envergonha, poderia responder aos seus filhos.

Zomungard parou de caminhar ao redor dos rapazes; seus passos eram a única coisa que minimizava o silêncio.

— Não quero que nenhum dos dois saia espalhando o que eu disse aqui. É um assunto estritamente confidencial — Zomungard prosseguiu. — Mastert Lili veio até mim, portando uma mensagem do Deus Indifell. Nosso Deus anunciou que alguém encontrou o orbe e pediu-me para intervir, resgatando-o mais rápido possível, pois isso poderia prejudicá-lo.

— A Santa Trindade que me perdoe, mas o Deus Indifell está com medo de uma bolinha? — Ravish se espantou diante da notícia.

— Não é uma "bolinha". — O olhar de Zomungard o perfurou, fazendo com que Ravish se arrependesse de suas palavras. — O orbe está nos protegendo de uma entidade maligna, capaz de dizimar impérios e destruir até mesmo um deus, e relembrando que, sem um deus, não somos nada. Por isso, estabeleci essa missão a vocês e espero tê-la em minhas mãos o mais breve possível.

— Estamos cientes, Vossa Alteza — Sigrid disse com firmeza, sem ao menos ter ideia de como cumpriria sua missão.

Os rapazes saíram da sala do trono apressados, deixando qualquer compromisso para trás, com o único objetivo de encontrar o bendito orbe.

— Precisamos ir atrás da Mastert Lili — sugeriu Ravish.

— Lembre-se de que é um assunto confidencial. Não podemos sair espalhando para qualquer um.

—O que não é confidencial para essa garota? Aliás, foi ela quem deu o recado para o imperador, lembra? Não tem ninguém que saiba melhor sobre o orbe como Mastert.

Por fim, o mais novo concordou, e juntos foram ao encontro da jovem.

Como altaneira, Mastert preparava os cultos de adoração a Indifell, baseando-se nas orientações que o deus lhe passava durante seus encontros.

Naquela semana, não seria diferente. A jovem acendia velas no altar dedicado ao deus, onde também possuía donativos do agrado de Indifell, como flores, alimentos e pedras preciosas.

Apesar dos indifilenos terem tido uma guerra contra seu próprio deus, eles ainda se viam reféns do poder que Indifell lhes concedia em troca de adorações. A maldição era muito mais forte do que imaginavam; unir o deus a suas criações foi um golpe de má sorte. Agora, ambos estavam dependentes um do outro.

E no meio disso tudo estava Mastert Lili, a intermediadora entre o deus e suas criaturas, a qual não passava de uma garota perdida e assustada, tentando ponderar a amargura que sentia da divindade por ter escravizado seu povo e buscando a melhor forma de manter a paz entre criatura e criador, unânimes em ter seus desejos atendidos.

No momento em que se preparava para entrar em contato com o deus, seus pensamentos foram interrompidos por Ravish e Sigrid invadindo o santuário em um estado alvoroçado.

— Vocês dois conseguem ser ainda mais inconvenientes ou já chegaram ao limite? — Em um tom ácido, Mastert dirigiu a palavra aos dois. — Será que não perceberam que estou ocupada?

— Mil perdões, irmã, não notamos que estava em adoração — Sigrid disse. — Se não for te incomodar, precisamos da sua ajuda.

Mastert Lili se levantou de onde estava ajoelhada e parou na frente de seus irmãos.

— Vão direto ao assunto, sem enrolação.

— Precisamos das suas majestosas e preciosas mãos. — Ravish segurou as mãos da garota delicadamente, depositando beijos sobre elas.

Mastert Lili deu risada, trazendo suas mãos de volta para si.

— Para que exatamente? Posso saber?

— Meu pai me contou sobre a mensagem do Deus Indifell — Ravish começou a dizer. — Sobre o orbe que porta um poder grandioso. Queríamos que fosse conosco onde foi localizado o objeto, pois deve haver algum resquício do paradeiro do casal que o roubou.

A altaneira pensou por um momento. Não poderia recusar ajuda, já que estava indiretamente envolvida naquela história.

— Tudo bem, eu ajudo vocês.

Os irmãos se alegraram; com ajuda de Mastert Lili, se tornaria mais fácil.

— Preparem suas vestimentas mais quentes, pois retornaremos a Montuália — Ravish anunciou.

Os portais criados por Sigrid foram necessários para que o trio chegasse em segurança a Montuália, cortando qualquer empecilho que pudesse atrapalhá-los e indo diretamente ao local da pequena batalha.

Apesar da nevasca dos dias anteriores ter coberto boa parte da cidade de Vallos, ainda havia resquícios de destruição pelo caminho; entretanto, não iriam encontrar pegadas e precisavam de outras pistas que os levassem até quem eles procuravam.

— Estava tudo muito escuro quando aconteceu, mas me lembro vagamente para onde o casal havia corrido. — Sigrid caminhava na frente de seus irmãos, observando cada detalhe para não deixar passar batido.

— Pensei que, quando você possui alguém, também tomava posse das habilidades. Pelo que eu sei, vampiros enxergam muito bem no escuro — Ravish rebateu.

— Já expliquei que estava difícil controlar a mente deles — Sigrid se defendeu. — Mas lembro muito bem que consegui manipular um deles para atirar uma lança. Não é possível que não tenha acertado um dos dois que estávamos perseguindo.

— Está falando desse aqui? — Mastert Lili avançou em direção a uma pequena elevação naquele monte de neve. Ao se aproximar, a garota segurou pelos cabelos do cadáver para observar melhor a fisionomia. Seu corpo nu estava preservado devido ao gelo que o cobria.

Ravish se aproximou com o cenho franzido. Admirava a coragem de Mastert em tocar no cadáver. A lança permanecia fincada em seu tórax, e, pelo visto, ninguém havia dado falta do rapaz.

— Não devemos estar muito longe — Mastert Lili sibilou no mesmo momento em que bateu uma palma contra a outra para se livrar da neve em suas luvas.

O trio permaneceu averiguando o local por um bom tempo, até irem encontrando, aos poucos, pistas que os deixariam ainda mais próximos de seu objetivo. Havia roupas rasgadas pelo caminho e mais alguns troncos de árvores destruídos, até então, encontrarem uma árvore de, em média, quinze metros caída no chão.

Seguindo sua intuição, Mastert Lili se abaixou próximo à árvore destruída, retirou suas luvas e escorregou o polegar do dedo mínimo até o dedo indicador.

— Acho que não vou conseguir muita coisa — a garota afirmou antes de enterrar suas mãos por completo na neve, retirando um punhado e segurando entre seus dedos.

Uma brisa fria envolveu seu corpo como um abraço. Mastert se sentiu leve, deixando aquela sensação guiá-la como uma dança; sua mente, pouco a pouco, se desconectou de seu corpo, a guiando até o dia do ocorrido.

As visões que tivera eram frenéticas e um tanto confusas; no entanto, foram se acalmando aos poucos.

Com passos cuidadosos, a tal pessoa se aproximou da árvore caída, onde se encontrava um corpo abaixo dela. Utilizando-se de seus poderes telecinéticos, ele ergueu a árvore, se deparando com um corpo inerte.

— Acho que ela está morta. — Uma voz masculina reverberou na mente de quem Mastert Lili estava tendo a visão, e ela não fazia a mínima ideia a quem pertencia.

Uma silhueta feminina se aproximou do cadáver, colocando o dedo indicador e médio sobre a carótida, verificando a pulsação.

— Não podemos deixá-la aqui. — A mulher virou seu rosto em direção ao homem. Mastert Lili tentou gravar cada detalhe de sua fisionomia, visto que aquela observação poderia ser importante.

Como havia dito anteriormente, Mastert não conseguiria muita informação, e logo mais estava sendo puxada para a realidade.

— Só eu que acho pavoroso isso que ela faz? — Ravish se referia ao fato de que, quando Mastert Lili utilizava seus poderes, ela adotava uma "postura" estranha, com os braços completamente esticados para lados opostos de seu corpo, o peito estufado e a cabeça tocando sua coluna; mas nada disso se comparava aos seus olhos, que comumente possuíam as íris brancas, e se enegreciam e pareciam querer saltar de suas órbitas a qualquer momento.

— Já vi coisas piores. — Sigrid continuou a encarar sua irmã. — Conseguiu ver alguma coisa?

Mastert Lili olhou para baixo, sentindo algo duro entre a neve em seus dedos. Ela o limpou em seu vestido, revelando uma peça metálica e rija.

— Não o suficiente. — A mais nova agarrou as luvas com pressa. Suas mãos já estavam ficando vermelhas e doloridas.

— Era só o que faltava! — Ravish pronunciou, mas não se referia à falta de informação que sua irmã estava buscando.

Ao longe, se aproximava um vampiro. Aparentemente, estava só e, certamente, não havia aparecido em busca de novas amizades.

— Quem autorizou a entrada de vocês nestas terras? — O tahaguleno se aproximava cada vez mais rápido. — O Imperador Colomano não permite nenhuma entrada nem saída sem sua aprovação.

— Colomano? — Ravish torceu o nariz ao ouvir o tal nome. — Tinha que ser! Nunca vi uma pessoa tão histriônica quanto ele!

— Cadê a autorização de vocês? — O homem exigiu mais uma vez.

— Deixa que eu resolvo. — Sigrid tomou a frente, queria resolver o assunto da forma mais pacífica possível. — Não viemos atrás de briga, e muito menos com a intenção de invadir suas terras...

— São bisbilhoteiros. — O vampiro cruzou os braços na altura do peito, analisando o rosto de cada um dos três a sua frente. — Sinto muito, mas terão que me acompanhar. Agora não devem mais satisfação a mim, e sim ao imperador.

— Ou você pode nos deixar embora em paz e ninguém se machuca — Ravish ameaçou.

Sigrid revirou os olhos e bateu em sua própria testa. Ravish estava fazendo o total oposto do que ele estava planejando.

O vampiro riu da afronta que o demônio a sua frente fizera.

— Tenho ordens para matá-los se for preciso, e vocês têm sorte de seu sangue ser impuro. Caso contrário, virariam prato principal para os meus soldados.

— Ele não faz ideia com quem está mexendo — Ravish balbuciou.

Prevendo que seu irmão não ficaria quieto com o que ouvira, Mastert Lili segurou o pulso de Ravish, porém ele se soltou, avançando para cima do tahaguleno.

— Vejamos bem, meu caro, não viemos com a intenção de arrumar briga ou invadir a terra de vocês. Por mim, que engulam esse lugar com neve e tudo. Só estamos de passagem e, se puder ser compreensivo e nos deixar ir, posso te recompensar por isso.

— Acha que eu preciso de um favor vindo de um indifileno? — A cara do vampiro era puro desprezo. — Não deveria nem ao menos estar conversando com vocês.

— Se não vai conversar conosco, conversa com a minha mão. — Ravish apontou em direção ao chão. O vampiro permaneceu sem entender nada, até observar duas mãos desabrocharem do solo, segurando seus tornozelos impedindo-o de correr atrás do trio, que desapareceu em questão de segundos através de um portal.

Capítulo revisado por Solarine pelo projeto WonderfulDesigns

Ela não tem user no Wattpad, portanto, deixarei o perfil dela nos comentários.

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