Capítulo III - Os primórdios
ART by Lim Chung Hee
4352 palavras
Vallos, província de Montuália
Os dias passaram relativamente rápidos e a recuperação de Filippo foi efetiva. O rapaz já estava disposto a regressar à sua rotina de antes do acidente. Apenas uma cicatriz horizontal se formava em seu abdômen como lembrança de sua sobrevivência.
Filippo olhava para Ilana com ternura enquanto a moça brincava com as crianças da aldeia, que riam e se divertiam. Ela esboçou um belo sorriso e, na leveza que seu olhar trazia, Filippo sentia paz, o acalmando internamente. O rapaz estava contente em sua decisão de pedi-la em casamento. Ilana era uma mulher doce e protetora, apesar de inicialmente esconder muito bem esse lado para o rapaz, mas com o passar do tempo, se permitiu ser vulnerável a alguém de sua confiança.
Filippo não só tinha apego com a moça, mas também com sua família, possuindo uma relação fraterna e respeitosa com Yaco e afeição por Airam.
Yaco retornou das lavouras após seu último trabalho nas colheitas. Ele carregava uma enxada nas costas e se sentia exausto após mais um dia de trabalho. Só queria poder descansar daquele dia fatídico.
Assim que avistou seu pai, Ilana deixou as crianças a sós, e marchou em direção ao seu progenitor.
— Boa tarde, pai! — Ela o cumprimentou segurando sua mão e depositando um beijo, Yaco replicou o mesmo gesto. Em Montuália, beijar o dorso da mão representava respeito, e se a outra pessoa repetisse o mesmo gesto, significava que o respeito era mútuo. — Já aqueci a água para seu banho.
— Muito obrigado, filha! — Yaco largou a enxada no chão e respirou profundamente algumas vezes, olhando o horizonte.
— Aconteceu algo, papai?
— Não. — Yaco sorriu, e a garota ficou sem entender nada. — Estamos a um passo de largar esse lugar, está preparada?
— A minha vida toda! — Ilana sentiu seu coração se aquecer, estava muito próxima da liberdade. — Filippo e eu iremos até a cidade vender a outra parte das jóias.
— Perfeito!
Como havia dito, Ilana e Filippo pegaram os cavalos e seguiram até Bolgdra. Seus corpos vibravam em alegria, após a venda daquelas jóias, eles iriam começar a construção da embarcação e abandonariam de vez Montuália, deixando para trás toda a miséria que já viveram um dia.
— Você está melhor? — A voz de Ilana se misturava com o trotar dos cavalos, os dois andando calmamente lado a lado, exceto pelo coração de Ilana, que batia descompassado, relembrando dos momentos de pavor que sentiu imaginando a perda de Filippo e de reencontrá-lo tão ferido.
— Estou me sentindo renovado. — Filippo sorriu, um sorriso que carregava cansaço. — Acredito que por ter sangue alfa nas minhas veias tenha colaborado para eu resistir por mais tempo. — Ele ergueu o queixo, com um falso ar de superioridade, tentando convencer a si mesmo de que estava tudo bem. Mas seu olhar dizia o oposto.
Ilana soltou uma risada curta, mais por nervosismo do que por qualquer outra coisa.
— Você não teve medo?
Filippo ficou em silêncio por um momento, o trotar dos cavalos era a única resposta, até que sua voz saiu baixa, carregada de um peso que Ilana não esperava.
— A dor era tanta que eu preferia a morte.
Ela virou-se para ele, alarmada, mas Filippo continuou, a voz mais dura:
— Fiquei apavorado quando vi os guardas cada vez mais próximos... Mas, o medo real... O verdadeiro pavor me atingiu quando pensei no que poderiam fazer com você. — O olhar de Filippo escureceu, com a lembrança retornando como um baque. Era como se ele tivesse revivendo aquele momento. — Depois disso, fiquei mais tranquilo. Se eu morresse naquele dia, pelo menos minha missão estaria cumprida.
Ilana deu um profundo suspiro, que quase veio acompanhado de lágrimas. Filippo estava disposto a sacrificar a própria vida por ela, e isso a sufocou, com um misto de gratidão e medo. Nada do que fizesse, seria tão grandioso a ponto de se igualar a atitude de Filippo em tê-la salvado.
— Você não precisava ter me salvado. — As palavras saíram mais frágeis do que Ilana imaginava. — Serei eternamente grata por isso.
— É o meu dever.
A firmeza nas palavras de Filippo fez cada célula do corpo de Ilana estremecer. Ela o olhou, e viu um homem que, apesar do sorriso, carregava o trauma do que vivenciou. Um sorriso se formou em seu rosto, mas era amargo. Como poderia retribuir algo tão grande?
— Sabe... eu senti coisas estranhas acontecendo naquele cemitério — continuou o rapaz.
— Que tipo de coisas? — Ilana se endireitou na sela. Achava que era a única a ter sensações estranhas naquele local.
— Eu não sei explicar muito bem... — Filippo apertou as rédeas, seus dedos tremiam levemente. — Eu ter sobrevivido foi uma delas. Naquelas circunstâncias não era para eu ter voltado com vida. Não havia alimento, nem água. Uma simples infecção ou hemorragia poderia ter me matado. Eu mal me recordo do que aconteceu naqueles dias.
Ilana o observou com atenção, cada palavra fazia seu peito arder de tensão. Enquanto visitavam Uinterist para estudar o local e alternativas de fuga, eles estavam cientes que o número de guardas era consideravelmente grande, exceto naquela noite. Algo naquele lugar não estava certo, talvez foi fruto de pura sorte os três terem saído com vida de lá. Ou não.
Ao adentrarem a cidade de Bolgdra, o casal deixou os cavalos em um estábulo no intuito de vaguear pela cidade livremente.
A cidade estava em época de festividades, estava sendo enfeitada com as mais belas bandeirolas com o brasão do império — duas alianças entrelaçadas, um elo inquebrável, com um cervo em seu centro —, o chão estava decorado com desenhos pintados à mão e pessoas bem vestidas caminhavam por entre as barracas.
As mulheres enfeitavam seus longos cabelos com pedrarias e adereços, em Montuália, os cabelos em grande comprimento eram símbolo de beleza e poder. As mulheres casadas mantinham seus cabelos presos por tranças ou coques, e as solteiras deixavam os belos fios soltos.
Outro fator que representava o padrão de beleza feminino em Montuália eram os corpos, mulheres gordas eram almejadas e cortejadas, já que a magreza excessiva era vista de uma forma negativa, representando que a dama não possuía uma boa condição financeira para se alimentar de forma saudável e necessária para manter seus corpos esteticamente bonitos.
Música e danças eram apresentadas durante a comemoração em agradecimento pela deusa da prosperidade, instrumentos como harpas e flautas eram mais utilizados durante as apresentações.
As lembranças tomaram conta de Ilana, havia muito tempo que ela não presenciava algo do tipo, todo aquele evento a fazia lembrar de sua mãe, que adorava dançar.
Foi assim que seus pais haviam se conhecido, em uma das festividades em Bolgdra. Yaco ficou encantado ao ver a bela moça de cabelos cor nanquim dançando alegremente. Ilana havia herdado grande parte da beleza de sua mãe, os traços delicados, a pele parda, os lábios carnudos e as sardas pelo rosto, incluindo a teimosia de Tânia.
Ilana se aproximou com curiosidade de algumas pessoas que se aglomeraram formando um círculo, uma mulher de cabelos avermelhados cantava a plenos pulmões, sua voz doce e angelical emanava paz, acalentando até mesmo a alma mais fria que estivesse presente, seu vestido verde esmeralda rodopiava conforme seus movimentos, e seus pés descalços batiam contra o solo dando ritmo a música, atraindo a atenção de qualquer um que se aproximasse.
A garota queria poder levar um pedaço de Bolgdra consigo, na verdade, das boas lembranças e da sensação de aconchego que aquele lugar lhe trazia. Sentia falta da sua verdadeira casa.
— Vem comigo. — Filippo segurou a mão de Ilana, a guiando em meio às pessoas.
— Para onde estamos indo? — Ilana perguntou, um sorriso involuntário se formou em seus lábios. Ela confiava nele, mesmo sem saber o que ele estava planejando.
— Tenho uma surpresa pra você.
Ilana, intrigada, deixou-se guiar por Filippo. O caminho os levou para longe da multidão, até o topo de uma colina, onde a cidade parecia uma aquarela ao longe. O sol se escondia no horizonte, lançando seus últimos raios dourados sobre eles, como se abençoasse aquele momento. Ali, longe do barulho, só restava a tranquilidade e o som suave do vento.
— Estava guardando para lhe entregar no momento certo. — Filippo parou, com uma intensidade nos olhos que fez Ilana prender a respiração. Ele enfiou a mão no bolso e, lentamente, tirou uma aliança. O ouro da peça captou os raios do pôr-do-sol, reluzindo com um brilho quase mágico. No centro, uma flor de lótus delicadamente esculpida, com detalhes prateados e uma pedra de tom verde sálvia, que parecia mudar de cor à luz. — Eu prometi que faria um pedido decente de casamento...
Ilana deu risada, mesmo com o rapaz tendo a avisado, ela não esperava que ele lhe daria uma aliança.
Filippo se ajoelhou no chão, segurando a mão de Ilana, seus olhares se encontraram, o sentimento um pelo outro era mútuo e isso era totalmente nítido.
— Senhorita Ilana, venho por meio desse pedido, saber se você deseja passar o restante da sua vida ao meu lado, construindo o futuro que tanto queremos.
Ilana sentiu seu coração disparar, as emoções invadindo-a de uma forma que ela não conseguia controlar. O rapaz, que ela conhecia tão bem, de repente parecia novo de novo, fazendo-a reviver o primeiro momento em que se apaixonou.
— Claro que aceito! — Ilana detestava seu lado que se emocionava tão facilmente com as coisas, mas diante daquele pedido, era impossível esconder as lágrimas de felicidade.
Filippo colocou a aliança em seu dedo com delicadeza, e em seguida, depositou um beijo suave sobre a peça, como se selasse ali uma promessa eterna. Ilana olhou de perto, admirando os detalhes intricados da aliança.
— Por que uma flor de lótus?
— A lótus simboliza pureza da mente e da alma, mas ela carrega outro significado como o renascimento. — Filippo olhou para ela com uma profundidade que a fez sentir um calor no peito. — Eu a escolhi porque acredito que ela traz um significado importante em nossas vidas, depois de tudo que passamos juntos, das lutas que enfrentamos... estamos aqui firmes, e sei que novas oportunidades estão por vir. E também é para você nunca se esquecer de mim.
— Acho isso impossível de acontecer.
Ilana virou-se para ele, seus rostos tão próximos que ela pôde sentir a respiração dele tocar seus lábios. O desejo de beijá-lo era tão forte quanto o amor que sentia.
"Sem demonstrações excessivas de afeto em público."
Ilana recobrou o pensamento e se afastou gradativamente do rapaz, notando que ele relembrou disso também, era uma regra a qual eles não queriam quebrar, ainda mais em Bolgdra.
Os dois voltaram a caminhar para aproveitar o restante das festividades antes que o dia se findasse.
O dia seguinte se apresentava como um dia agitado, com muitas tarefas a serem feitas, os moradores de Vallos não pararam por um minuto sequer. Eles não possuíam o luxo de desfrutar o inverno no calor de suas residências com suas famílias, alguns até buscavam outros meios de trabalho para render um dinheiro extra para sobreviverem.
Enquanto isso, as crianças brincavam despreocupadas com o dia de amanhã, a única preocupação era se a nevasca poderia atrapalhar suas brincadeiras no dia seguinte.
Porém, nem todas elas se sentiam livres de toda essa preocupação, e uma dessas crianças era Airam, apesar de ser muito novo, tinha consciência de que a vida em Vallos não era nada justa e agradável. O garoto gostaria muito de ajudar seu pai e sua irmã. Queria até mesmo ser como Ilana, que sabia como caçar e tinha um talento nato de como manejar uma espada, coisa da qual ele tinha desejo de aprender, mesmo seu pai recusando a ensiná-lo.
Airam encontrou um pedaço de tronco de árvore, um pouco maior que seu antebraço, mas não muito pesado para ele conseguir erguer.
O rapazinho segurou o objeto acima de sua cabeça, acertando um tronco de árvore com força, e assim se sucederam os golpes contra o tronco de diversos ângulos. Airam o imaginava como um inimigo, do qual ele necessitava se defender.
— Airam... — Ilana o chamou ao longe, mas o garoto mal escutou, estava distraído.— Não está ouvindo eu te chamar? — A jovem se aproximou de seu irmão, que parou de golpear a árvore.
— Estava treinando para um dia me tornar um grande guerreiro, assim como papai foi um dia. — Airam estufou o peito, sentindo-se orgulhoso.
— Se continuar com esse cabelo enorme vai ser apenas um guerreiro piolhento. — Ilana segurou uma mecha do cabelo do garoto, que quase tapava seus olhos.
— Queria meu cabelo igual ao de Filippo. — A criança inventou uma desculpa pra não precisar cortar o cabelo.
— Eu sei que você não vai cuidar direito do seu cabelo, seu preguiçosinho. — Ilana fez cócegas na barriga da criança, que deu alguns passos para trás tentando fugir do ataque.
— Ah, mas eu gosto dele assim!
Ilana inclinou a cabeça para o lado, Airam era bastante persistente e persuasivo, talvez com Yaco ou outras pessoas, mas com ela era diferente, Ilana sabia como driblar a criança direitinho.
— Prometo que vou cortar bem pouquinho dessa vez, você me diz quando parar.
A contra gosto, Airam cedeu ao pedido de sua irmã.
Com uma navalha, Ilana retirou o comprimento do cabelo de seu irmão, que aos poucos foi tomando forma, e dessa vez ela foi cuidadosa, já que da última vez o cabelo de Airam ficou completamente esquisito, e ninguém da aldeia conseguiu consertar o estrago.
— Por que você ou o papai não me ensinam a usar uma espada? ⎯ questionou a criança, ao se lembrar do que fazia mais cedo.
Ilana interrompeu o corte, na idade de Airam, ela já sabia como manejar uma arma, mesmo longe dos perigos eminentes, Yaco mantinha em pensamento que seus filhos deveriam saber se defender, pois ele nem sempre estaria presente caso algo ruim acontecesse.
Mas depois da morte de Tânia, e com o decorrer dos acontecimentos em sua vida, ele não queria que Airam fosse ensinado da mesma maneira que Ilana, olho por olho e dente por dente. Queria agir de forma diferente, não queria que seu filho perdesse a infância cheia de brincadeiras e despreocupação em troca de saber especificamente como utilizar cada arma existente.
Ele estava criando um filho, não um guerreiro. E Ilana não deixava de discordar disso.
— Quando for a hora certa vamos te ensinar.
— Mas eu já estou pronto!
— Você só tem tamanho, Airam, se acalma um pouco, cada coisa no seu tempo.
E nessa parte Ilana tinha razão, Airam tinha apenas onze anos de idade, porém com o porte de um garoto de quatorze anos, Ilana não duvidava nada que em sua pré-adolescência Airam ultrapassaria o seu tamanho.
Após terminar de cortar os cabelos de Airam, Ilana se preocupou em preparar o almoço, devido ao frio, acreditou que um ensopado faria bem para aquecer os seus corpos.
Como Filippo estava extremamente ocupado com a construção da embarcação, Ilana separou parte do alimento para levar até ele, o conhecendo bem, ela sabia que o rapaz nem se daria o trabalho de fazer uma refeição decente para poder aguentar até o final do dia.
Ilana se protegeu do frio vestindo um casaco bem grosso e indo rumo ao esconderijo, que ficava próximo ao cume das montanhas de Vallos.
Tomando cuidado para não tropeçar sob as pedras e cascalhos no meio do caminho, Ilana enfim chegou ao seu destino, Filippo estava tão concentrado no que fazia que mal notou a presença da moça.
— É estranho quando te vejo tão focado em algo, tendo em vista que você é tão agitado e não para um segundo — Ilana disse, chamando a atenção do rapaz para si.
— Tenho energia de sobra para gastar, ficar quieto não irá adiantar muita coisa. — Filippo deixou o martelo de lado, limpando suas mãos nas calças e se aproximando de Ilana.
— Trouxe ensopado para você, aposto que não comeu nada até agora.
— Você me conhece tão bem. — O moreno depositou um beijo na testa de Ilana antes de pegar a tigela das mão dela.
— Melhor do que a mim mesma.
Os dois se sentaram juntos em uma pedra, em um silêncio reconfortante, apenas apreciando a presença um do outro.
— Você cozinha muito bem! Já posso me considerar o cara mais sortudo do mundo? — Filippo devorava o ensopado, degustando do alimento. O rubor tomou conta do rosto de Ilana, ela desviou o olhar timidamente.
— Nós dois tiramos a sorte grande — ela continuou. — Você tem um talento e tanto para construção. — A moça apontou para a embarcação ainda por fazer.
Filippo seguiu os mesmo passos de seu pai na carpintaria, a maioria das casas de Vallos foi construída pelos dois, sem contar dos alicerces que eram utilizados para a sustentação dos túneis que eles cavavam para os cemitérios em que roubavam.
— Ainda acho que se comprássemos uma embarcação seria mais discreto. — Ilana expôs sua opinião.
— De um jeito ou de outro vamos acabar chamando a atenção, talvez com a construção irão questionar um pouco menos do que se do nada aparecermos como proprietários de uma embarcação.
— Deveríamos sair daqui o mais rápido possível, já estamos com a faca e o queijo na mão, não tem mais o que esperar.
— Deixa o restante do trabalho comigo e Yaco, você não precisa se preocupar com mais nada, minha princesa.
— Está pedindo a pessoa errada para não se preocupar.
— Você tem realmente a quem puxar. — Filippo deu uma gargalhada ao se lembrar que Yaco dizia a mesma coisa.
— Tal pai, tal filha.
Um vento gélido cortou qualquer possibilidade de Ilana permanecer fora de casa, a noite prometia ser cruelmente fria, e precisava se aquecer logo antes que seus ossos começassem a doer.
— Vou voltar para casa, não estou disposta a pegar um resfriado — avisou ao rapaz.
— Pode ir, vou só dar alguns acabamentos na proa e estarei voltando também. — Filippo devolveu a tigela de ensopado para Ilana, sentido o toque suave de sua pele, ele segurou a mão de sua amada, sem a pretensão de soltar tão cedo. — Muito obrigado pela sopa!
— Disponha. — Ilana ergueu sua mão, acariciando a bochecha gelada de Filippo.
Dando de ombros aos bons costumes e regras a qual eram impostos, afinal, não havia mais ninguém além dos dois naquele local, Ilana e Filippo cessaram o desejo de se beijarem, seus lábios se encontraram gentilmente, expressando toda a paixão que sentiam um pelo outro.
Por fim, Filippo depositou um beijo na testa de Ilana como despedida.
Retornando para casa, Ilana mantinha um sorriso firme no rosto e o coração aquecido, sentia-se como uma adolescente boba, no auge de suas paixões.
— Olá, senhorita Ilana. — Gal surgiu de repente, acompanhando o sorriso de Ilana, exceto que o seu carregava um ar de malícia e perversidade. Ilana tinha certeza que sua vizinha fofoqueira não largaria de seu pé tão cedo, ainda mais sabendo que ela iria casar com o seu sobrinho.
— Boa noite, Gal — Ilana respondeu um pouco ríspida, a fim de encerrar qualquer assunto que mal havia começado.
— Soube que você e Filippo irão se casar, vim até aqui lhe dar os parabéns!
Nem Kaila, mãe de Filippo, procurou por Ilana para lhe parabenizá-la, o que a detestável da Gal estava querendo afinal? Ainda desconfiada, a moça agradeceu.
— E sua aliança de noivado é a coisa mais linda que já vi em toda minha vida.
Ilana paralisou por um momento, havia se esquecido de retirar a aliança e escondê-la em um lugar seguro. Mal havia pensado que seus vizinhos desconfiaram daquela aliança que carregava um alto valor monetário.
Mas eles também não deveriam saber se o material era de ouro puro, já que eles mesmos facilmente confundiram o material com uma bijuteria qualquer.
Porém, Gal não era como todos, ela é uma mulher esperta e inteligente, mas apenas utilizava desses artifícios para importunar seus vizinhos.
— Ainda não nos contou a verdade de como conseguiu a ajuda daquele feiticeiro.
O semblante de Ilana se fechou, não era a primeira vez que explicava aquela história.
— Já expliquei que ele me devia um favor, foi somente uma troca.
— Que troca grandiosa, não? Para ele ter vindo até aqui para salvar a vida de Filippo. — Seu tom de voz soou sarcástico.
— Deveria estar contente por seu sobrinho ainda estar vivo, mas essa sua mania de cuidar de assuntos alheios não muda, não é mesmo?
— Estou muito feliz, sim. Exceto por essas histórias suas e de seu pai sobre essas tais vendas noturnas. Essa história nunca me desceu.
— Não tem outra vida mais interessante pra você atazanar? Sua velha amargurada!
Gal pendeu a cabeça para o lado, e um sorriso cresceu ainda mais em seus lábios.
— Saiba que uma hora ou outra seus segredos podem vir à tona, e não vai ter para quem correr, mocinha.
— Vai, grite pra todo mundo os tais "segredos" que escondemos. Pode ter certeza que a única que vai correr daqui é você.
— Acha que eu tenho medo de você igual a meretriz de sua mãe achava que eu tinha dela?
Ilana perdeu toda sua razão, e sua raiva consumida se transformou em um tapa contra o rosto de Gal. Que enrubesceu no exato momento, a mulher levou a mão a face, se sentindo humilhada.
Um curto silêncio é interrompido quando Gal começou a berrar sobre o acontecido.
— Ela me bateu! — A velha apontou para Ilana quando os vizinhos se aproximaram curiosos com o acontecido.
— Você lava sua boca imunda pra falar da minha mãe. — Ilana deu alguns passos para frente e Gal começa a correr, com medo de levar outro tapa.
Um dos vizinhos que ali observava a confusão segurou Ilana, tentando conter a raiva da garota.
— Se acalme, Ilana, não vale a pena perder a cabeça por causa dela — o mais velho aconselhou.
— Eu já estou me segurando há muito tempo, não é de hoje que ela vem me tirando do sério. — Ilana tentou se desvencilhar dos braços do homem, que a segurava cada vez mais forte.
— Deveríamos levar esse caso para Zahar, não é de boa conduta agredir uma senhora. — Gal permaneceu atiçando Ilana, estava sentindo prazer nisso, diferente do que mostrava por fora, transparecendo apenas uma senhora indefesa.
Anos atrás, quando Tânia chegou a Vallos, ela chamou a atenção de vários homens por ser uma mulher muito bela, incluindo o marido de Gal, que ficou encantado pela beleza de Tânia. Isso fez com que Gal se sentisse ameaçada, ainda mais que seu marido não tinha um bom histórico de fidelidade. O fato despertou a raiva da mulher, que começou a importunar Tânia apesar de não ter provas concretas de que seu marido tinha envolvimento com ela, que não passava de meros boatos.
Apesar da morte de Tânia, Gal não deixou de importunar os filhos da falecida, descontando toda a sua frustração, principalmente em Ilana.
Mas como Ilana não tinha sangue de barata, não abaixava a cabeça para as possíveis ameaças e provocações da mulher, mas naquele momento, ela havia chegado ao seu limite e agiu de forma impulsiva.
— Chame o Zahar, quem você quiser, não adianta se fazer de sonsa que a maioria aqui conhece a cobra que você é — Ilana cuspiu as palavras, enfurecida com o teatro que Gal estava fazendo.
A confusão se finda quando sons de cavalos trotando se aproximam cada vez mais da aldeia. Ao longe, era possível avistar homens montados a cavalos, especificamente, soldados de Tahagul. Muitos se questionaram o que eles estariam fazendo ali, quem havia permitido sua entrada em Montuália. E as perguntas só aumentavam quando eles notavam que o marquês estava os acompanhando.
— O que aqueles malditos sanguessugas estão fazendo aqui? — O vizinho de Ilana a largou no mesmo instante, sua atenção se voltou para os cavaleiros.
Outros residentes saíram de suas casas para saber o que aquela visita inesperada fazia ali, um pouco afoitos e receosos.
— Boa noite, senhores! — Com sua voz imponente e reverberante o marquês começou a falar, atraindo totalmente a atenção para si em meio aos burburinhos. — Venho até aqui, a mando do Imperador Bahaí V, anunciá-los que a região de Vallos não lhe pertence mais. O imperador dará um prazo de uma semana para evacuarem a cidade.
— Venderam as nossas terras? — Um morador se exaltou, ainda assimilando a notícia que acabou de receber. — Vocês não podem fazer isso! Com que dinheiro iremos encontrar outra casa?
— Não se preocupem quanto ao dinheiro, o imperador irá conceder uma quantia em dinheiro para realocá-los em outro lugar.
Não muito contentes, os moradores ainda permaneciam resistentes à decisão do imperador.
— E se recusarmos a sair de nossas terras? — Uma outra voz surgiu ao longe, os desafiando.
— Caso não saiam da cidade, teremos que tomar medidas protetivas, como nos foi passado por ordens superiores. — Um rosto pálido em meio aos soldados de Tahagul responde a pergunta. — E antes que digam que não temos esse direito, não só podemos como devemos. — Ele deu um sorriso sádico, mostrando suas presas mais que afiadas.
— Nem pensar, não vamos abandonar nossas casas...
Mais e mais burburinhos se formaram na multidão, causando uma cacofonia.
— Só podem estar malucos! — O vizinho de Ilana maneou a cabeça para os lados. — Por que um período de tempo tão curto para abandonarmos a cidade?
— Aposto que não estão querendo nos dar uma chance, e sim atrás de uma carnificina — Ilana respondeu ao homem. Mal sabia das intenções que aqueles vampiros carregavam, mas a certeza era que estavam atrás de sangue.
Os soldados de Tahagul deram as costas ao povo, encerrando o aviso por ali.
— Eu sabia que Bahaí não prestava! — a voz de Gal exasperou em meio a multidão. — Ele está do lado dos tahagulenos, como isso é possível?
Vallos era a cidade onde muitos se refugiaram na tentativa de iniciar uma nova vida, era o único lugar onde se sentiam acolhidos apesar da pobreza e das dificuldades. E sem saber para onde iriam a partir dali, desesperava cada coração dos moradores, principalmente daqueles que ainda possuíam filhos para criar.
A decisão que o imperador tomara, iria contra a tudo que seus antepassados prometeram, contra o próprio legado que Montuália deixara, onde era estampado na bandeira abaixo do brasão: "respeito, união e liberdade".
O que seria de um povo abandonado pelo seu imperador e desamparados pela sua deusa?
Revisado por: darthflowers Projeto WonderfulDesigns
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