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A CURIOSIDADE sempre foi um problema para a espécie humana, principalmente se aliada ao medo — morrendo de medo e morrendo de curiosidade, a curiosidade sempre ganha.
E foi justamente a curiosidade da jovem irmã Elizabeth que fez a ruina bater à sua porta.
Mesmo com os alertas do reverendo, a beata não resistiu e, na segunda-feira que marcou a reabertura do museu, trocou o hábito por um vestido curto e misturou-se na multidão de pessoas que encaravam a mais nova obra do acervo do Poe Museum: a placa escrita Casa de Satã.
Elizabeth pretendia ser rápida — e eu também.
Bastou apenas entrar no museu e encarar meus olhos por detrás do cristal que me envolvia. Nada mais.
Quase pude sentir seu arrependimento, sua dor e sua angústia em se ver perdida. Porque, a bem da verdade, ela estava perdida, esquecida; sua alma, jogada na mais profunda cela de sua consciência. Elizabeth não se pertencia mais, não era mais ela mesma. Estava possuída.
Havia me oferecido seu corpo: tudo o que eu precisava para concluir o Grande Plano.
Me apossando do que, por ora, era meu, decidi que eu seria Montresor e o reverendo Green, Fortunato. Eu teria minha própria versão de O Barril de Amontillado.
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— Onde pensa que vai vestida de forma tão escandalosa? — Green franziu o cenho logo que me viu passar pelo pórtico. Dava para ver as engrenagens na mente do reverendo rodando e imaginando como a irmã Elizabeth (eu) deveria ter perdido o juízo. Entretanto, no fundo, eu sabia que ele apreciava a visão. O jeito como suas mãos tremiam e suavam o denunciava. Ele queria me tocar.
Aguardando ansiosamente minha resposta, Green terminou de fechar a Igreja e voltou-se para o altar — onde eu o esperava.
Sem pressa, o reverendo caminhou até mim e aproximou seus olhos verdes dos meus.
— Vista já seu hábito — ele disse, ríspido. — Você está parecendo uma meretriz nessa camisola.
Então deixei que o tecido fino e transparente escorregasse pelas curvas bem delineadas de Elizabeth, o que deixou as pupilas do reverendo Green fortemente dilatadas, forçando-o até mesmo a abrir o colarinho clerical de sua camisa.
— Assim está melhor, reverendo? — Perguntei, usando o que de mais sexy poderia ser proferido através dos lábios de Elizabeth e me joguei nos braços do homem.
Green ficou um tanto quanto surpreso, mas não me rejeitou. Nem mesmo refletiu acerca dos erros que cometia. Passou um de seus braços por minha cintura e me conduziu a seus aposentos. Ele estava embebido de pecado e nem se deu conta de que seus lábios já tocavam os meus e que minhas mãos já puxavam seus cabelos grisalhos. Ele agarrava-se ao meu pescoço — como se tentasse se aproximar ainda mais do pecado — e não tinha sequer noção do que estava fazendo. Nem mesmo notou quando arranquei o crucifixo de ouro que contornava seu pescoço. Sua última proteção.
Em seus aposentos, ofereci vinho a Green; e ele, de uma única vez, bebeu todo o líquido. Então olhou para mim e beijou meu pescoço, mais devagar e sonolento.
Isso, idiota, só preciso que você beba mais um pouco para que entre em estado de coma alcoólico.
***
Horas mais tarde, o estado de sonolência já se encontrava em demasia em Green. E eu precisava agilizar meu plano, já que meu tempo se esgotava cada vez mais. Eu era um retrato e não podia habitar definitivamente nada mais que uma moldura de madeira, hermeticamente fechada por um cristal. Já tinha conseguido chegar até aquele ponto, só faltava descobrir se o Grande Plano iria funcionar — e para isso não poderia estar dentro de um terreno tão sagrado.
Preternaturalmente, me ocorreu uma ideia. Vesti o hábito de Elizabeth e decidi colocá-la em prática exatamente naquele momento.
— Por que não vamos até outro lugar? — Perguntei ao reverendo, tocando em um assunto que pudesse lhe chamar atenção.
— Não há necessidade — disse-me ele, tonto —, aqui tem tudo de que preciso.
Precisava inventar algo melhor para que pudesse tirá-lo dali.
— As chances de nos encontrarem aqui são grandes, você sabe... — Me aproximei de sua face, olhando fundo em seus olhos que ardiam de desejo. — Nem mesmo durante a noite os fiéis dão descanso para este templo.
Ele pareceu considerar meu ponto de vista e então respondeu:
— Tudo bem, então vamos!
Eu sorri. É tão mais fácil convencer uma pessoa que está incapacitada de pensar com clareza, não é mesmo? Por sorte, o carro do reverendo se encontrava no início da avenida e, saindo da igreja, fui até onde Green o deixou. Encontrei o Audi TT Roadster estacionado em uma vaga reservada e entrei, abaixando um pouco do tecido do hábito para que o homem me deixasse guiar o automóvel.
Green me encarou sonolento, mas animado, e perguntou:
— Para onde iremos?
Não demorei muito para responder, e quando disse a ele que iriamos a minha antiga residência vi seus lábios se moverem, formando um torto sorriso.
— Então é melhor nos apressarmos. Tem muita coisa boa nos aguardando.
Engano seu, amigo. Foi o que pensei, me virando, encarando o volante e sorrindo. O Grande Plano havia começado e ninguém poderia impedi-lo de se concluir. Sim, não há mistérios — creio que você já descobriu isso desde que iniciei meu relato —, irei dar fim a infeliz vida de Green. Mas, se como para me deixar insatisfeito, uma tênue indagação me veio à mente. Como daria fim a vida de Green? Ou melhor, como daria fim a vida dele sem que ninguém soubesse disso? Sem chamar a atenção do Vaticano, principalmente?
Tão rápida quanto a tênue indagação, me veio à mente a solução para tal problema. Só havia um único meio inteligente e certo de fazer o que eu queria.
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