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DIARA ACORDOU assustada, e levou logo a mão ao pingente que carregava consigo desde sempre. E então uma brisa soprou "eu te amo, Leonard" em seu ouvido, e ela se arrepiou. Ainda era madrugada, mas dormir estava fora de questão, então ela decidiu apreciar um pouco o céu enquanto tomava um chá. Ao abrir a porta uma brisa lhe gelou a pele. Ela sentou-se em sua velha cadeira de balanço, na pequena varanda existente na frente da cabana. Tudo ali era muito rústico, velho. Ela se apropriou da cabana, vazia há muito, e aos poucos conseguiu móveis que ninguém mais queria. Ela dizia que os móveis eram como ela mesma, apenas uma coisa que ninguém quer.
O ranger da cadeira era irritante, mas ela não se importava. O som fazia companhia aos grilos, e sapos, que ficavam ao redor, e até funcionava como canção de ninar, já que ela estava quase pegando no sono quando sentiu alguém ali, bem diante de sua face, perto o suficiente para sentir seu hálito podre. Abriu os olhos de sobressalto, e nada. Colocou a xícara lascada no chão, e começou a procurar em volta da cabana, mãos segurando a esmeralda negra com força, medo. Ao longe ela viu um espectro negro, brilhante, como um pedaço de céu estrelado, pairando.
Quando ela tentava se aproximar, ele se afastava. Mais uma vez ela tentou ir até ele, e novamente ele se afastou em direção à mata. Diara tornou a sentir aquela aflição de seu sonho, como se um imã a puxasse, e seguiu o espectro mata adentro. Depois de muito caminhar cegamente ela chegou ao que parecia uma aldeia, uma vila. Construções de pedra bem organizadas com símbolos entalhados nas soleiras das portas, e um círculo no chão, aparentemente lugar de uma fogueira. E então flashes começaram a surgir em sua mente. A fogueira verde, a mulher queimando, os gritos. O homem. O homem!
'Isso! O homem!' sussurrou o espectro 'Mate o homem!'
Aquela voz perturbadora preencheu a mente de Diara com ordens e imagens, mortes, fogo, o coração do homem da taberna em suas mãos, a satisfação de tê-lo matado, o furor queimando-lhe as veias, a confusão em sua mente.
— Onde? Onde ele está? — perguntou ela, ofegante, olhos negros como a noite que lhe servia por testemunha. — Me diga. Mostre-me!
O espectro pairou frente a ela, em sua face, como um carinho, e flutuou em direção a uma das pequenas casas. Aquela casa era coberta por entalhes de símbolos desconhecidos por Diara. Ela tocou a maçaneta, mas suas mãos queimaram.
— Como eu posso entrar? Mal consigo tocar a maçaneta!
'Deixe-me ajudá-la, criança. Deixe-me entrar!'
— Entrar? Aonde?
O espectro pairou sobre o peito de Diara, e ela sentiu medo, mas era impossível negar a forma como era compelida a fazer parte daquilo, fosse aquilo o que fosse! Ela respirou fundo, e apenas assentiu.
'Diga sim.' ordenou o espectro.
— Sim! — disse ela, de olhos fechados. E de repente sentiu uma dor indescritível. Sentiu como se seu coração estivesse sendo arrancado de dentro do peito. Sentiu frio, depois medo, depois ódio, depois nada. Ela não estava mais ali.
— Finalmente terei minha vingança! — comemorou Magnólia, observando seu novo corpo. Segurou com força a esmeralda negra, e absorveu toda magia guardada ali por cem anos, apenas esperando seu retorno. — Tenho muito a fazer, mas primeiro preciso visitar um velho amigo! — e girando a maçaneta com facilidade, entrou na pequena casa.
Era muito simples, com apenas uma cama, um baú, uma bacia e uma moringa com água. Sobre a cama repousava um homem já de certa idade, porém de braços aparentemente fortes e ágeis.
— Ah Mujubani... — disse, enquanto circundava a cama do velho decrépito. —Realmente esperou todos esses anos para que fosse eu a te matar, não é mesmo?!
Aos poucos o homem foi despertando, e ao deparar-se com a jovem que estava em seu quarto assustou-se.
— Quem é você? Como entrou aqui?
— Ah, não faça isso. Magoa sabia?! Ser esquecida assim!
— Magnólia! — disse ele, com desprezo — Quem é essa pobre moça a quem você aprisionou?
— Oh, não, não se engane, meu velho amigo. O coração dela é tão negro quanto esta esmeralda, e ela aceitou servir a mim.
— O que quer aqui? Já não causou mal o suficiente para um milênio?
— Seu desgraçado, hipócrita, arrogante! — disse ela, movendo-se em direção a ele como um fantasma — Você me matou! Eu era do seu clã. Não existe mais honra entre feiticeiros? — disse, enquanto suas mãos apertavam o pescoço de Mujubani, que perdia o ar, mas não emitia som algum em sua defesa. — Como pode? — gritou Magnólia, soltando-o. — Eu ando meio entediada ultimamente, e soube que farão uma festa em minha homenagem amanhã, então resolvi comparecer. Pena que o senhor não estará mais aqui para ver!
— Festa em sua homenagem? Tem noção de quantas pessoas morreram só porque você se apaixonou por um comum? E Leonard nem ao menos amava você! — disse o homem.
— Como ousa pronunciar o nome dele? — gritou Magnólia, enfurecida — Eu vou te matar, seu velho desgraçado!
— Quer me matar? Vá em frente. — disse ele, firme — Não quero mesmo estar aqui para presenciar mais destruição.
— Se é assim! — disse ela, com desdém. — Será um prazer inenarrável! — e em um segundo já estava com as mãos dentro do peito de Mujubani, apertando seu coração, vendo-o agonizar até a morte. Então, arrancou o coração, e o carbonizou numa chama negra em suas próprias mãos. — Sabe como é, seguro morreu de velho! — gargalhou, limpou as mãos, e saiu em direção à cidade.
O dia já amanhecia, e Lost Garden começava os preparativos para a festa em lembrança dos mortos. Mesmo cem anos depois, quando não havia mais ninguém que tivesse presenciado o terrível dia, ele ainda era lembrado; agora mais como uma lenda urbana.
Por todos os cantos era possível ver pessoas colhendo flores, carregando retratos, vestindo luto, e cozinhado. Era uma festa um tanto mórbida, mas ainda assim era uma festa. E assim foi até que a noite caísse, e eu voltasse brilhar soberana no céu.
— Lua, linda lua, hoje verás novamente sangue por estas ruas! — disse Magnólia, compondo um versinho macabro. Ela era mesmo muito criativa, e estava se divertindo com o Centenário de Magnólia, dançando e festejando como uma rainha em seu banquete.
E então os sinos começaram a soar. Uma, duas, três, e a cada badalada a escuridão caía sobre a cidade. Sete, oito, nove... Então o véu negro começou a se formar sobre Lost Garden. Dez, onze, DOZE. E na última badalada um vento de morte soprou sobre a cidade, as luzes se apagaram, os sorrisos caíram como máscaras, e um grande véu negro desceu sobre todos, como um pó inebriante, despertando os desejos e pensamentos mais obscuros. Em instantes levantaram-se, mortos e vivos, de suas tumbas, para cumprir a maldição.
— Eu te amo, Leonard, seu desgraçado! — gritou Magnólia ao vento, e se foi, deixando Diara desacordada no chão.
Momentos depois, diante de tantos gritos de horror, ela despertou. Completamente desesperada diante de tanta violência ela tentou seguir o rumo de sua cabana. Em meio a cabeças sendo cortadas, ossos expostos, miolos espalhados pelo chão, ela correu. O cheiro de sangue fazia seu estômago revirar, mas ela seguia em frente, tentando evitar olhar para os lados, onde mães matavam seus filhos, e um grupo de fiéis tentava invadir a igreja para matar o padre.
Quanto mais se afastava da cidade, maior era sua esperança de sair viva daquela loucura. Quem a procuraria numa cabana velha? Cabana que trouxe a ela imensa alegria ao ser avistada. Ela parou um pouco, repousou as mãos nos joelhos para retomar o fôlego, e finalmente correu para a segurança do seu lar. Entrou, fechou a porta, e recostou-se nela, respirando aliviada, quando uma voz vinda das sombras a cumprimentou.
— Boa noite, belezinha!
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Tati Gonçalves é mineira e nasceu no Ano de 1989. Para ela, a literatura vai além de uma simples paixão. É na leitura e na escrita que ela encontra o seu refúgio. No wattpad ela busca sempre trazer assuntos importantes, além de falar de amor de inúmeras formas... E inúmeros tamanhos.
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