Três - Madison
De volta em casa. Às piadinhas que quase nunca conseguíamos fazer, às coisas inconsequentes, ao ultimo pedaço de pizza que sempre tinha briga para decidir quem comeria, ao Lucas analisando as pessoas, à Kille sempre sendo a mais sensata... De volta em casa...
Aquela história de banheira de gelo... Estava marcado nas estrelas que daria errado. Mas, sinceramente, estava muito ansiosa para ver o desfecho daquilo.
Kortry entregou o café, exatamente na minha xícara favorita. Sorri em agradecimento, pegando a xícara da mão dela. Tomei um gole, me afundando mais na cama, a cabeça doendo, os ouvidos fechados pelos sons.
_ Eu achei que esse café era pra mim._ Lucas resmungou do meu lado, e olhei pra ele, tomando mais um gole.
_ Pensei que você não estava com dor de cabeça._ Rebati, um sorrisinho malicioso nos lábios, as sobrancelhas levantadas.
Ele resmungou mais do meu lado, mas não me dei ao trabalho de ouvir direito, ainda rindo muito por dentro. Minha cabeça doía um pouco, e aquela sala límpida e clara demais fazia meus olhos reclamarem também.
As cortinas novamente esvoaçaram, o cheiro de maresia e areia entrando no quarto. Inspirei fundo por um momento, o cheiro do café quente nas minhas mãos, vindo junto com a maresia. Aquilo aqueceu minhas mãos e meu corpo, o suficiente para as memórias chegarem...
Meu corpo estava semi adormecido quando as lembranças vieram. Os sons de pessoas gritando, as ultimas imagens que vi antes da inconsciência, o rosto de Lucas e como ele se vestia e parecia extremamente com o meu pai... A dor, principalmente. Como a dor me atingiu de uma forma tão doente, tão grande...
E como a dor não era só mental agora, era física... E quente também...
_ Madi!!!_ Lucas me balançou forte, gritando para me acordar.
Abri os olhos atônita, olhando de um lado para o outro completamente confusa, percebendo que realmente tinha adormecido na maca. Alguma coisa estava pegando fogo no meu colo, e eu simplesmente não conseguia entender porque...
_ Madison! Acorda!_ Felin segurou meu rosto, balançando minha cabeça de um lado para o outro._ Você derrubou todo o café em cima da roupa. Está tudo bem?
_ Está, acho que está sim..._ Murmurei de volta para ela, meus olhos piscando pontos pretos._ Eu só preciso de um banho...
_ O que você está sentindo?_ Felin sentou-se ao meu lado na maca hospitalar, um aparelho pra medir pressão e um estetoscópio nas duas mãos superiores. Com as duas mãos inferiores ela ajudou a me sentar novamente na maca, o café ainda quente manchando a roupa hospitalar e os lençóis.
_ Dor de cabeça, minha visão está embaçada eu me sinto confusa..._ Comecei, tirando as mãos frias dela dos meus ombros, enquanto ela media minha pressão.
_ Sua pressão subiu muito._ Disse, a voz bem baixa. Sua mão se iluminou, a luz igual a cor da sua pele. Ela passou a mão por cima de onde ficava meu coração, a alguns centímetros de distância._ Deve melhorar por agora... Tome um banho e volte pra cá, precisamos continuar cuidando dos seus ferimentos, entendido?
Concordei com a cabeça. A moça ajudou a me levantar, Kortry sempre nos observando um pouco mais de longe, assim como os outros seis Escolhidos, que me seguiam com o olhar, um tanto desinteressados. A moça abriu a porta, e me lançou um último olhar de aviso, os olhos escuros, refletindo a luz do corredor. Então, ela fechou a porta me deixando no corredor, o corpo quente e ainda sujo com café.
Caminhando em direção ao banheiro mais próximo, deixava uma trilha de gotas de café no chão. E a cada passo, uma pontada de dor vinha das minhas costas, dos meus braços, das minhas pernas...
A casa estava escura, silenciosa e vazia. Mesmo o banheiro que sempre era úmido pela quantidade de pessoas que o usava constantemente, estava frio, sem vida...
Liguei o chuveiro, tirando a roupa hospitalar suja que usava enquanto esperava a água aquecer. Me veio à mente que não tinha roupas para usar quando saísse do banho, mas sinceramente, não era minha maior preocupação.
Entrei embaixo do chuveiro, a água escorrendo quente pelo meu corpo, o barulho se misturando ao gorgolejo do rio em meu sangue. Fechei os olhos, encostando minha cabeça na parede de azulejos do box, apenas parando para ouvir aquele rio... Para visualiza-lo entre as veias, como fiz antes, quando ainda estava inconsciente.
A luz pura e branca veio a minha mente, ecoando como o som da água que escorria em minhas costas. Eu conseguia vê-la, conseguia sentir ela correndo junto ao meu sangue, como um só. Se prestasse um pouco mais de atenção, minha mente conseguia ver cada gota daquele rio passar por entre as gotas de sangue, gorgolejar na minha mente.
Meu corpo estava quente em um nível tão extremo, que imaginava se aquilo seria realmente real. Desencostei a cabeça da parede, sentindo que iria vomitar a qualquer momento, a mente rodando novamente. Foi uma má ideia eu sair da cama... Foi uma má ideia eu ter sequer dormido naquela maca.
A água evaporava assim que entrava em contato com a minha pele, e a fumaça invadia cada canto do banheiro, embaçando o vidro do box e o espelho acima da pia. E tudo o que eu sentia era calor, calor puro, assim como aquele rio que fluía em meus ouvidos.
Não me demorei para lavar meu cabelo e meu corpo. Aquele lugar estava tão quente, tão sufocante... Pequeno demais para mim, apertado demais pra mim...
Mesmo que rapidamente, passei a esponja transbordando de sabonete liquido pelo corpo, sentindo cada elevação e cratera deixada pelas cicatrizes enquanto deslizava os dedos... Haviam cicatrizes mais profundas, que foram suturadas com pontos. A mais profunda que encontrei, na parte lateral do meu tronco, tinha seis pontos, que limpei com cuidado. Cada uma das cicatrizes, mesmo que pequenas, seriam um lembrete da missão. Do que passamos para completa-la, e do que ainda passaríamos.
A água parecia queimar minha pele. Desliguei a água quente, deixando apenas as gotas frias escorrerem... Mas mesmo assim, ainda podia sentir cada uma evaporando assim que entram em contato com meu corpo... E isso me confundia, em vários níveis.
Mas foi nesse momento que entendi, que era meu corpo que estava fervendo. Que a água evaporava não por ela estar quente, mas porque meu corpo estava quente demais...
A magia...
Terminei de tirar o condicionador do meu cabelo o mais rápido que minhas mãos puderam se mover. Desliguei o chuveiro, os pensamentos se embaralhando em minha mente, enquanto corria para o quarto para me trocar, a pele ainda parecendo quente.
Joguei uma meia calça preta, um short e uma camiseta qualquer sobre o corpo, calçando a bota de cano baixo antes de descer correndo as escadas, amarrando os cabelos embaraçados. Aquela informação era importante. Ou pelo menos, julgava que fosse.
Felin abriu a porta antes mesmo que eu pudesse levar a mão a maçaneta, já me empurrando em direção a minha maca. A moça me obrigou a tirar as botas e me deitar novamente, antes que me permitisse dizer qualquer coisa. Apenas quando estava devidamente arrumada entre as cobertas agora limpas, Felin perguntou:
_ E então, o que tem para me dizer?
_ A magia... Ela se manifestou em mim..._ Murmurei. Várias atenções se voltaram para nós sutilmente, fingindo desinteresse, mas ouvindo cada palavra._ Durante o banho._ Completei._ A água evaporava assim que tocava minha pele, mesmo a água fria, e o banheiro ficou muito mais cheio de vapor do que costuma ficar... Isso... Isso quando me concentrei no rio que flui nas minhas veias.
Felin ficou em silêncio, me observando enquanto pensava, a expressão fria e calma, contida.
_ É uma manifestação muito ínfima e sutil de magia. Pequena demais para ser considerada importante..._ Murmurou de volta, os olhos negros faiscando. Parte de uma esperança nascida em mim morreu, mas não deixei que o que sobrou fizesse o mesmo. Me agarrei aquela esperança, esperando para ver se Felin diria mais alguma coisa._ Vamos observar o que acontece, mas isso foi um acontecimento muito... Pequeno... Pequeno para o tipo de mágia que achamos que vocês tem. É bom que por enquanto só observemos, ok?
Eu entendia o que ela queria dizer. Entendia o porque mediu as palavras antes de escolher uma para descrever. Entendia porque queria tomar cuidado, ir devagar... Mas entender, não significava que concordava com aquilo.
Por hora, eu me contentei em apenas concordar com a cabeça.
_ Se a Madi vai poder se trocar, eu também quero esse benefício!_ Helena resmungou do outro lado da sala, os braços cruzados, um biquinho nos lábios e o brilho salpicando-lhe os olhos.
Aquela frase me arrancou um sorrisinho, enquanto me jogava nas almofadas novamente. Felin apenas sorriu com o canto da boca para ela, e se levantou.
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