Seis - Lucas

     — Me dê o seu braço, vamos ver se os ossos já voltaram para o lugar.— Felin ordenou calmamente.

Estendi o braço para ela, as quatro mãos vermelhas imobilizando meus movimentos. Sentado na maca branca, a mulher retirava as bandagens que faziam eu me sentir igual uma múmia, enquanto o barulho das ondas ao longe batiam na areia.

Dois dias enfaixado, imobilizado. Felin me disse que eu havia quebrado alguns ossos do braço e do fêmur, por isso doía tanto me sentar, e que eles haviam se refeito errado. Prefiro não comentar quando Felin teve que deslocar novamente todos os meus ossos, comigo semi amordaçado e amarrado na maca. O alivio depois compensou a situação da amarração...

Já cheguei a perguntar porque as vezes sentia tanta dor, e outras vezes nem sequer lembrava de qualquer coisa parecida. Felin murmurou alguma coisa sobre adrenalina e difusão de magia no sangue e no cérebro, que não me convenceu muito, mas concordei.

— Estão no lugar... Ou pelo menos eu acho. Os ossos do seu dedão são um pouco mais deslocados do que o dos outros, mas pelo que eu percebi, estão no lugar.— Ela murmurou, os olhos negros atentos. Passou uma pomada com uma das mãos enquanto enrolava novas bandagens no meu pulso com a outra mão, e uma maestria de quem fazia isso desde que nasceu.

— Muito tempo segurando facas de esculpir ou pranchas sentado na praia.— Respondi. Ela tirou um dos dreads do rosto, me devolvendo meu braço e se afastando.

Me levantei devagar, testando os movimentos da mão. Ainda estavam um pouco rígidos, mas incrivelmente melhores do que a dois dias. Felin fez um bom trabalho mesmo...

— Vamos logo com isso, Helena precisa entrar, e o procedimento dela não é tão simples como o seu.— Me entregou com uma das mãos um copo, onde um coquetel de remédios se dissolvia devagar na água. Esperou eu pegar o copo antes de, com outras duas mãos, começar a escrever no meu prontuário.

— Por que, simplesmente não nos curam, ao invés dos remédios?— Perguntei, bebendo tudo em um só gole.

— Nossa magia ter leis que precisam ser obedecidas garoto. Remendamos ossos em segundos, mas doenças... Isso já é outra história. Os remédios são para prevenir infecções internas, que você pode vir a ter.— Explicou, guardando o papel do prontuário em uma gaveta.— Hugo me contou que você e Madi reclamaram que queriam uma vida mais normal. Estamos tentando fazer isso realmente parecer um hospital comum. Agora, pare de fazer perguntas.

Felin estava a ponto de me expulsar, quando a porta se abriu devagar, o rosto azul de Kortry observando por entre a fresta. As duas fizeram um sinal com a cabeça, e entendi que era a minha deixa.

Enquanto trocava de lugar com uma Helena fazendo caretas de dor quando andava, reparei em um som baixo, vindo da varanda. Uma música, ao longe, acompanhada do som das ondas.

Um sorriso veio no canto da minha boca, quando encostei o corpo na soleira do arco que dava pra prainha, cruzando os braços. Sentada nas almofadas dos sofás, o pé esquerdo apoiado na mesinha de centro lotada de cifras, e com um violão preto com detalhes em vermelho e azul marinho nos braços, Madi murmurava uma música e dedilhava um acústico. Eu não conseguia ouvir a letra, mas os acordes eram lentos, quase acompanhavam o ritmo das ondas...

Ela não percebeu que eu estava ali. Estava completamente focada no violão, os dedos se movendo rápido nas cordas. Repetiu um último verso, os dois olhos fechados e parou a música, suspirando. Bati palmas, e Madi arregalou os olhos, dando um pulo.

— Pelo Universo, a quanto tempo você está ai?!— Gritou, atirando uma almofada em mim.— Me assustou sabia?

— Essa é a intenção!— Ri, catando a almofada do chão.— O que sua mãe diria se visse você jogando almofadas bordadas em um chão sujo de areia?

— Ela mandaria eu limpar com uma escova de dentes.— Respondeu.— E Wesley passaria o tempo todo rindo da minha cara.

Estendi a mão com a almofada para ela, fingindo segurar alguma coisa na outra mão. Ela demorou um segundo pra entender, então deu um tapa na almofada, que voou longe e voltou a olhar pro violão.

— Nossa, que foi? Preciso manter a autoridade de Dona Lena.— Levantei os braços, rendido e me joguei no sofá ao lado dela. Peguei uma das cifras de cima da mesinha.— É essa que você estava tocando?

— Uhum.— Murmurou.

Comecei a cantar a primeira estrofe e ela se adiantou pra me acompanhar com o violão. A música era calma, e realmente acompanhava o ritmo das ondas na praia. Baixinho nós dois cantamos, até a última estrofe terminar, desde a metade da música com os olhos fechados.

Madi terminou a última melodia de novo, o sorriso de orelha a orelha. Nos encaramos, os olhos brilhando. Madi colocou a perna no chão, seu sorriso desaparecendo e os olhos se voltando pro chão. Acompanhei também, levando um susto ainda maior. O chão da varanda estava completamente cheio d'água do mar, as ondas pareciam ter coberto a prainha, como se a maré tivesse subido demais. Dei um salto pra cima do sofá, com Madi tomando um susto e fazendo voar um monte de cifras direto pra água.

Estendi a mão, tentando pegar as cifras, e a água abaixo delas se abriu, deixando os papéis caírem em um chão seco.

— Mas o que...?— Resmunguei, olhando irritado pra toda aquela água. Eu estava fazendo aquilo, mas não tinha nenhuma ideia de como fazer pra controlar.

— Tem água escorrendo pela escada, vocês derrubaram...— Hugo apareceu na soleira do arco, acompanhado por Kortri. Parou no meio da frase, arregalando os olhos quando viu toda aquela água, e arregalando ainda mais quando me viu, a mão estendida pra ela, um filete de água flutuando entre a minha mão e a inundação na varanda.— Você que está fazendo isso Lucas? Que brincadeira de mau gosto é essa? Desde quando você consegue fazer a maré subir tanto?!

— Eu sei lá como isso aconteceu!— Gritei, esperneando em cima do sofá, agora cheirando a mofo por causa da água.— Estava tudo seco, dois minutos depois, parece que teve um tsunami!

— Que tsunami garoto, é a sua magia!— Kortri riu, colocando uma das mãos no rosto e outras duas na cintura, indignada.— Vocês estavam tocando? Pode ser que você estava relaxado demais, e deixou sua magia fluir sem perceber. Está claro que não tem controle nenhum sobre ela.

— Isso não explica como fazer pra secar toda essa água!— Respondi.

— Não precisa secar. Ordene que ela volte para o mar, recue a onda.— Arregalei os olhos pra moça de pele vermelha, que fazia aquilo parecer fácil.— Não me olhe desse jeito!— Levantou dois braços, ainda indignada.— Feche os olhos e ouça a minha voz, entendeu?— Fiz o que ela pediu.— Respire fundo, uma, duas, três vezes, acalme o corpo. Agora, visualize o que você quer que siga a ordem, e ouça a voz que vai pedir isso. Ordene que a água recue, que volte ao seu lugar de origem. Sinta a magia escorrer pelo seu corpo...— Respirei, bem fundo, três vezes como ela disse. Visualizei, por baixo das pálpebras fechadas, o tapete de água que cobria toda a areia da prainha e a varanda, assim como toda a água que escorria pra dentro da casa. Então, ouvi a voz ecoar na minha mente. Recue. Firme e baixa. Então, o rio de magia que corria nas minhas veias pareceu abrir as comportas, o som, antes ensurdecedor, agora diminuía enquanto o líquido dourado escorria dos meus dedos.— Abra os olhos Lucas.

Abri, vendo espantado, a água recuar devagar, como se realmente fosse só uma onda, de volta pra onde veio. Sete pares de olhos encaravam aquilo, as bocas abertas na soleira, e quando a água escorreu da varanda, os sapatos bateram na madeira, correndo para ver melhor aquilo. Os Escolhidos e Hugo estavam impressionados, sem saber o que falar.

A água chegou em um nível normal das ondas, e senti a magia parar de escorrer, gotejando com resquícios. Então, a parede de água se soltou e arrebentou em uma onda um pouco maior que o normal. Depois disso, o vento se encarregou de deixar o som das ondas de volta ao normal.

Olhei para Kortry. A pele vermelha brilhava, junto com os olhos completamente pretos, exalando orgulho, como se eu fosse um troféu conquistado depois de muito esforço.

— Parabéns Lucas!— Ela sorriu pra mim.— Você conseguiu soltar a trava da sua magia!



Fazem quantos meses produção? Seis? Oito? Bom gente, a espera acabou, e decidi dar um desafogo pra vocês!!! Até porque eu estava sendo ameaçada, kkkk. Espero que gostem milhos pra pipoca!!!

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