Dezessete - Madison

Os dias e noites em Wonderfull pareciam mais curtos. Não demorou muito para que amanhecesse, e todo o frio da noite no deserto foi substituído pelo calor das dunas. Eu e Lucas dormimos lado a lado, apesar do clima um pouco pesado da conversa, e demorei um pouco a descansar, encarando o fogo que crepitava baixinho, e as inúmeras estrelas visíveis por causa da falta de poluição luminosa.

Jesse já havia esquentado o motor dos triciclos que roubamos, quando apaguei a fogueira jogando um punhado de areia por cima, depois de todos terminarmos de guardar todos os suprimentos. Helena tinha usado sua magia para cicatrizar os cortes e ferimentos grandes no corpo, e Rosh até tinha tentado fazer isso também, mas tudo o que conseguiu foi melhorar a perna que tinha sido quase quebrada pelo escorpião, deixando vários cortes aparentes pelo corpo. Pelo menos conseguia andar, um pouco manco, mas já era alguma coisa.

Nos sentamos nos triciclos. Helena agarrou meus ombros forte, passando as mãos pequenas por dentro do meu cabelo, e sentando logo atrás no triciclo. Lucas e Jesse dividiram um também, assim como Kille e Rosh. Genezis ficou sozinha em seu triciclo, sendo a primeira a arrancar com um barulho alto.

Então, nós sete disparamos pelas dunas, em alta velocidade. Não tínhamos um destino, mas isso, as areias se encarregavam de resolver.


A estrela daquele planeta estava quase se pondo novamente, quando um vento anormalmente forte começou a levantar a areia e mudar a aparência das dunas. O céu que tinha um tom de rosa enevoado, se tornou escuro em questão de dois minutos, nuvens grossas se juntando ao vento, que agora chicoteava meu cabelo no rosto, deixando difícil de enxergar pra onde estávamos indo.

— O que está acontecendo?!!!— Jesse gritou de cima de seu triciclo, por cima do vento sobrenaturalmente forte, expressando o que todos nós nos perguntávamos.

— Parece...— Tentei começar, aos gritos, mas Kille foi a que anunciou aquilo, arregalando os olhos.

— Um tornado!!!

Trinquei os dentes, arregalando um pouco os olhos para a coluna de ar que girava a menos de um quilometro de nós. Era assustador, que menos de cinco minutos atrás, aquele tornado não estava ali, e tudo parecia tranquilo. Nada parecido com o caos de areia e de ventos fortes, que agora parecia pronto para tentar nos matar, como tudo naquele planetinha. O som dos motores ficou mais alto por um momento, quando ao mesmo tempo todos nós tentamos acelerar e dirigir para longe do fenômeno à frente, e os triciclos engasgaram sonoramente, desacelerando. O primeiro a fazer isso foi o de Genezis, que segurou mais forte a mochila nos ombros com uma das mãos, para que não fosse embora com o vento, seu triciclo quase se chocando com o meu pela mudança de velocidade, e um segundo depois, todos os quatro estavam descendo uma duna alta em ponto morto, o vento chicoteando nossos rostos, desacelerando os triciclos.

Bem na direção de onde estava o tornado.

— Merda...— Resmunguei. Segurando mais forte o guidão, dei uma guinada para a esquerda, areia voando para todos os lados. Helena enterrou o rosto no meu cabelo, se protegendo, e fincou as unhas nas minhas costas. A única coisa que mantinha certa velocidade era a duna extremamente alta que descíamos.

O tornado avançou entre a areia, absorvendo e jogando longe quase que uma duna inteira, a luz da estrela sumindo entre as nuvens quando boa parte da areia se fundiu com aquela coluna de ar, fazendo o tornado inteiro ficar amarelado.

— AQUI!!!— Berrei, balançando uma das mãos freneticamente. Lucas e Jesse seguiram o que eu estava fazendo, tentando contornar o tornado o suficiente para conseguirmos fugir quando a velocidade dos triciclos acabasse.— PARA ESSE LADO!!!— Berrei novamente, ainda tentando chamar a atenção do resto dos Escolhidos. Kille conseguiu seguir o que estávamos fazendo, mesmo que Rosh quase tenha sido jogado na areia por conta da curva acentuada, e agora três dos quatro triciclos desciam a duna um pouco para a esquerda, saindo do caminho do tornado.

Genezis percebeu a manobra, mesmo que estivesse alguns metros na nossa frente a toda velocidade, e vi quando ela virou o guidão com tudo. Um suspiro de medo saiu da minha boca quando o triciclo da loira tombou para o lado, por causa da virada brusca que acabou deixando o veículo desgovernado, e vi Genezis rolar pela areia, o triciclo quebrando e girando junto com o vento. Fiz uma curva mais leve, virando na direção que Genezis tinha tombado, Helena percebendo o plano e estendendo os dois braços para a areia. A ruiva pegou os braços de Genezis quando passei raspando ao seu lado, puxando a loira para cima do triciclo. Virei para trás, verificando se as duas continuavam em cima do triciclo, encontrando uma Genezis com o rosto e braços sangrando, mas viva e consciente, e uma Helena um pouco assustada e sobrecarregada que ainda se equilibrava no canto do triciclo, enquanto tentava encaixar três pessoas onde só cabiam duas. Novamente guinei para a esquerda, uma pontada de medo fazendo um suspiro longo escapar.

A duna estava acabando...

— Madi!!! O tornado, Madison!!!— A voz de Kille surgiu no meio do vento, que deixou meu cabelo no rosto, me fazendo perder um pouco o controle do triciclo e tremer o veículo. Quando consegui me localizar novamente, gritei um palavrão ao ver que o tornado tinha mudado a direção que ia, agitando a areia para cima de onde estávamos. De olhos arregalados, percebi que o triciclo começou a tentar subir novamente, em alta velocidade, mas mais lentamente do que gostaria, ao contrário do tornado, que parecia se dirigir mais rápido a cada segundo, bem para cima de nós.

Não ousei encostar no guidão e perder ainda mais velocidade. Um beco sem saida, que me desesperou um pouco, e tudo o que consegui pensar em fazer era torcer para conseguirmos chegar ao topo da nova duna, e aproveitar a velocidade do outro lado para fugir. A duna era consideravelmente menor do que a anterior, e isso era a minha última esperança. Os outros dois triciclos subiam um pouco a frente de mim, a mesma esperança no olhar.

Mas a velocidade diminuía mais e mais a cada segundo. Estávamos com peso demais, uma pessoa a mais do que a capacidade... Isso fez com que, quando estávamos quase no topo da duna, o peso em excesso desacelerou demais, e o triciclo não teve força para subir a duna, parando. Só deu tempo de sentir o desespero inundar, quando eu, Helena e Genezis despencamos duna abaixo junto com o triciclo, enquanto os outros dois chegaram ao topo, descendo a duna para o outro lado.

O tornado pareceu se enraivecer da nossa falta de sorte, os ventos se tornando ainda mais fortes e violentos enquanto ele se aproximava, estando a menos de um quilômetro de nós três. Precisei segurar no guidão para evitar ser lançada no ar pelo vento, e senti as mãos sardentas de Helena fincarem as unhas de novo em mim, segurando ela mesma e Genezis, atordoada demais para fazer esse trabalho sozinha. Uma lagrima tanto de medo, quanto de incomodo pela areia escapou no canto dos meus olhos.

Era isso, eu iria morrer dessa vez, com o pescoço quebrado por um tornado.

Então, como se os ventos discordassem dos meus pensamentos, o rugido de força que parecia cantar meu destino diminuiu, se tornando apenas um zumbido, e o vento alucinante que tentava me arrancar do triciclo se tornou uma brisa quente e carregada de areia. Como se tivesse amanhecido, as nuvens negras se dissiparam com mais rapidez do que apareceram, deixando a luz da estrela chegar na areia, imediatamente deixando a temperatura mais quente. Incrédula, olhei ao redor ofegante, procurando onde estava a coluna de ar poderosa que quase tinha tirado minha vida no minuto anterior. O triciclo parou no vão entre duas dunas, meu corpo parecia pegar fogo de tão quente, e meu coração acelerado foi a única coisa que consegui ouvir, tremendo um pouco e olhando ao redor, um ponto de interrogação estampado no rosto.

Meu olhar encontrou uma figura baixinha em cima da duna menor, os pés escorregando na areia. Não conseguia ver o rosto, mas os cabelos crespos, armados e bagunçados por causa do vento, e a pele escura refletindo o sol, denunciaram que Kille tinha saído do triciclo. Mesmo sem ninguém ter anunciado isso, eu sabia quem tinha feito o tornado desaparecer de um segundo para o outro. Ela tinha desbloqueado sua magia... A menina escorregou pela duna, correndo e quase caindo de cara na areia no processo.

— Vocês estão bem? Pelo Universo, digam que vocês estão bem!!!— Kille se jogou ao nosso lado, apoiando os braços no assento do triciclo.

Helena levantou, e percebi que nesse tempo todo ela esteve praticamente sentada no ferro de sustentação do triciclo, o cabelo desgrenhado e os olhos cor de musgo arregalados e vermelhos. Genezis estava em choque, tremendo tanto quanto eu, o rosto sujo de sangue e cheio de areia. Kille puxou uma garrafa d'água de dentro da mochila, lavando o rosto da loira e deixando o resto para mim e para Helena. Jesse, Lucas e Rosh desceram a duna cinco minutos depois, os olhos arregalados, esbaforidos. Durante tudo aquilo, eu só conseguia encarar Kille em silêncio, uma confusão de sentimentos fazendo meu estomago se revirar.

Estava assombrada, por que o poder de Kille era capaz de parar um tornado...


Tivemos que continuar a viajem caminhando mesmo, depois do diagnóstico da falta de gasolina dos triciclos. Subimos e descemos, duna após duna, fazendo pausas para descansar nas maiores. Já era o segundo dia de missão, e começamos a ficar preocupados com a quantidade de suprimentos que tínhamos, e o racionamento de água começou assim que anoiteceu. Genezis tinha cicatrizado os ferimentos no rosto assim que o choque passou, mas não tinha dito uma única palavra desde que caiu, como se estivesse remoendo tudo.

Tinha acabado de anoitecer quando finalmente encontramos algum sinal de vida, um sinal bem grande na realidade. De cima de uma das dunas mais altas, uma enorme arena se estendeu depois de uma pequena cidade, logo após um rio comprido que se estendia até o horizonte. As plantas denunciavam que a cidade era construída em um oásis, e as propriedades grandes ao redor mostrava que pessoas importantes viviam por ali, rodeando a vila de pedra de areia pequena no meio.

— Não vamos pela rua principal, parece perigoso demais...— Rosh alertou baixinho, mancando devagar para observar tudo.— Vamos tentar achar uma estalagem, ou nos esconder pela cidade durante a noite nas ruas.

Concordamos silenciosamente, descendo a duna devagar. Meus ouvidos ainda zuniam por causa do vento, o barulhinho baixo da magia no sangue quase desaparecendo agora. Mesmo assim, prestei atenção aos barulhos a volta, enquanto corríamos na furtividade da noite pela areia, para alcançar a primeira casa da pequena vila. Nos encaramos por um momento, olhando a rua deserta e as luzes que entravam nas casas. O barulho de conversas dizia que algo parecido uma taverna estava por perto, e o cheiro de carne confirmou nossas suspeitas.

Fiz um sinal com a cabeça, colocando o capuz da roupa como um viajante. Um vento frio fez um pouco de areia da rua rodopiar na escuridão, e então nós sete saímos, um a um caminhando para a rua, eu sendo a primeira. As luzes baixas de dentro das casas desapareciam quando olhávamos para apenas uma das construções de pedra, uma das mais altas que irradiava luz pelas janelas pequenas e frestas entre os tijolos de areia. Uma placa de madeira indicava "Taverna sete ventos", logo acima da porta um tanto velha, por onde luz saia.

Ninguém reparou na nossa presença quando entramos. O comodo espaçoso estava abafado, e as mesas compridas se encontravam lotadas de pessoas, que pelas roupas podíamos ver que eram apenas moradores da vila, camponeses. Em cima das mesas, pratos enormes de leitão assado e carneiro prendiam a atenção das pessoas, e o cheiro de cerveja barata nos recebeu. Comecei a suar imediatamente, quando toda essa explosão de sons, cheiros e acontecimentos me socou.

Parando um momento para observar, as últimas mesas compridas da taverna estavam vazias, esperando mais pessoas como os camponeses para ocupa-las. Nos dirigimos para lá, passando entre os espaços pequenos entre as mesas, de cabeça baixa e ouvidos atentos. Me arrastei pelo banco, sentando perto da parede, logo abaixo de uma janela retangular pequenininha. Os outros seis se sentaram na mesa em silêncio como eu, e antes mesmo de nos acomodarmos completamente, uma camponesa que parecia trabalhar ali se encostou na mesa.

— O que vão querer queridos?— A moça jogou os cabelos para trás, piscando os longos e volumosos cílios, claramente fazendo charme.

— Uh... Traga carneiro, por favor.— Lucas engasgou ao falar, a voz saindo um pouco mais grossa do que realmente era.— E água.

— Tudo o que quiser querido. Os viajantes não preferem cerveja? Temos a melhor de todo o setor.— Se inclinou para frente, encarando Lucas profundamente.

— Não... Não, só água.— Fazendo um biquinho de decepção, a moça jogou o corpo para trás, piscando os olhos várias vezes antes de se afastar.

— Acho que vou vomitar...— Genezis resmungou, revirando os olhos enquanto a mulher sumia na multidão.

— É melhor segurar, acredite, não vamos querer chamar atenção de quem acabou de entrar.— Kille encarou as seis pessoas que entraram.

Ao contrário de nós, alguns olhares foram direcionados para o grupo. Uma mulher alta e de ar imponente parecia comandar o grupo, que andava em uma espécie de pirâmide. Ela tinha os cabelos de um tom incomum de verde queimado, o olhar esfomeado que com certeza não era de comida, tinha um tom de dourado e âmbar assustador. Algo nas roupas pretas e na pele pálida que a mulher ostentava era hipnotizante. Ao seu lado, um homem e uma moça muito nova, mesmo sem a mesma pose e jeito de se prostrar, ainda exalavam imponência e o mesmo olhar esfomeado. O homem tinha um olhar de brincadeira constante, uma postura casual e calma, e uma sombra de barba no queixo que o deixava aparentemente mais velho. Já a moça, parecia se esconder por trás dos cabelos escuros e da expressão sombria e calculada, mesmo que ainda tivesse o queixo erguido. Logo atrás, outro casal ainda mais incomum protegia o trio à frente. A mulher era consideravelmente mais alta que Jesse, o mais alto entre nós todos, e mais corpulenta também. Não pude deixar de comparar sua aparência como a de mercenárias de filmes, os cabelos cortados rente a cabeça, e o rosto rosado e pálido. O homem tinha a pele mais escura e bronzeada, e o corpo franzino e alto. Os dedos compridos mexiam na guarda de uma espada na cintura, ansiosos, e o olhar invasivo revistava cada mesa. Atrás de todos, havia um garoto, tão ou mais novo que Helena, mas com o olhar que nada lembrava o brilho do de Helena. Os olhos tinham um fogo que poderia queimar aquela taverna inteira, uma fome ainda maior do que o da mulher à frente, que nada era diminuído pelas roupas mais simples que usava.

O ar ao nosso redor se tornou mais leve, quando os seis se sentaram em uma mesa próxima, a mesma moça que tinha nos atendido encostar na mesa deles.

Nós sete Escolhidos nos entreolhamos. Por algum motivo, aquele grupo tinha cheiro de respostas.


Muitas coisas nesse capítulo, kkkkk. Tornados quase matando geral, nossos Escolhidos vão conhecer a aliança de Keline... Ufa, eu lembro de escrever esse capítulo, vocês me matariam se eu pensasse em matar a Genezis no tornado? Eu pensei, por que em toda batalha eu cogito assassinar alguém. Coloquem suas opiniões e teorias nos cometários e não se esqueçam da estrelinha linda que me ajuda demais. O próximo cap, é de quem? Da Keline né meus milhos pra pipoca!

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