Cinco - Madison

     Me perguntava quando os dias se tornaram tão compridos.

     Na noite em que Nelifa nos derrotou, e por um milagre tudo ficou bem, os minutos pareciam horas. Eu justificava isso pela adrenalina, tudo o que sentíamos, mas agora começava a pensar que os dias se arrastavam por livre e espontânea vontade.

      E isso só foi confirmado quando Hugo disse que ainda precisávamos resolver mais alguma coisa.

      Já estava escuro fazia algum tempo, mas isso não fazia diferença nenhuma nos andares do porão ou da biblioteca. Hugo deixou Jeniffer com Kortry, e desceu sem olhar para nós. Ele parecia extremamente afobado, mas eu estava surda demais para perguntar o porquê.

     Lucas, que não emitia nenhum som do meu lado, parecia estático, em choque com alguma coisa inexistente. Ele encarava a parede do elevador, longe. Presumi que também fosse o barulho do rio de magia, mas seu olhar parecia distante, perdido em pensamentos. Vi que ele segurava uma faca, minúscula, na mão, passando o dedão pelo cabo distraído. Só para quebrar aquele silêncio, perguntei:

     _ Porque está segurando essa faca?

      Ele me olhou, voltando ao mundo real.

     _ Ah, isso?_ Levantou a mão para me mostrar._ É uma faca para esculpir na madeira. Foi nisso que a Jenny se machucou.

     _ E você está segurando ela porquê...

     _ Sei lá, eu ia levar para o veterinário ver, mas... Você sabe._ Ele riu, e concordei com a cabeça._ Vai que eu fico entediado com a conversa que Hugo quer ter, aproveito e já faço uma escultura na perna de alguma cadeira.

     Ri com a piada, o fundo de verdade escondido nas palavras.

     _ E você sabe esculpir por acaso?

     _ Você se surpreenderia com o quanto. Eu sou carpinteiro Madi, por opção e trabalho também._ Revelou, me fazendo erguer as sobrancelhas, surpresa.

     _ Vivendo e aprendendo._ Murmurei. Saímos do elevador, o silêncio reinando. Hugo parou em frente a porta da biblioteca, girando a maçaneta de madeira adornada, e empurrando as pesadas portas escuras, os arabescos na madeira girando de um lado para o outro.

     Me peguei imaginando Lucas esculpindo algo como aquilo. Explicava os braços fortes, em parte. Poderia carregar madeira de um lado para o outro todos os dias, ou algo mais, os braços fortes tensionados... Espanei os pensamentos, rindo por dentro deles.

    Hugo desceu as escadas em espiral de ferro pintado de preto, para o andar inferior, tentando sem sucesso arrumar os cabelos bagunçados. O peso dos livros ali pareceu me confinar por um momento. Mas aquele confinamento, eu ficaria feliz de abraçar. Ele se juntou ao barulho do rio em meus ouvidos, a magia daquelas palavras se misturando ao som da magia em meus ouvidos, confortável, acolhedora.

     Magia. Algo completamente maravilhoso, e destruidor ao mesmo tempo.

    Percorrendo entre os corredores cheios de estantes e livros encadernados em couro, chegamos em uma das várias mesas escuras de madeira que ficavam espalhadas pela biblioteca, onde uma Genezis impaciente e um Jesse que brincava com uma caneta esperavam, se entreolhando, cumplíces.

     _ Onde estão os outros?_ Hugo perguntou, mais um murmúrio do que qualquer outra coisa.

      _ Faria essa mesma pergunta._ Genezis espremeu os lábios, mordendo de leve enquanto se encostava na mesa.

     Passos atrás denunciavam alguém chegando. Kille, os cabelos armados, as pontas loiras desbotadas balançando, esfregou a testa, sorrindo.

     _ Atrasada, me perdoem._ Mas então olhou em volta, franzindo as sobrancelhas._ Acho que não sou a única...

     Kille se jogou nas cadeiras que rodeavam a mesa. Hugo bufou, despercebido, mas impaciente, se encaminhando para a prateleira do lado, e tirando alguns livros, de onde caíram mapas e eu me adiantei para pegar.

     Enquanto ajudava Hugo a organizar os mapas que caíram em cima da mesa, mais passos chegaram, Helena se encostou na mesa para olhar os mapas estelares que abrimos, os cabelos ruivos bem encaracolados caindo na minha frente, e os olhos verde musgo percorrendo os pontos nomeados com planetas e estrelas. Algo parecido com uma dobra separava o que eu levei em conta de ser a divisão das dimensões.

     Organizamos um círculo quase perfeito de papéis na mesa, as bordas um tanto desgastadas, o mapa imenso descendo ao lado da minha perna. Hugo bufava alguma vezes quando mais alguém chegava, pela cara dele, muito atrasados. Terminamos, os pontos organizados quase como um grande labirinto estelar, e Hugo se levantou, nos observando. Então, ele tirou de dentro do bolso da calça a Esmeralda, o peso da magia que aquele objeto tinha recaindo sobre meus ouvidos. Tirou também o colar que eu deveria estar usando para que voltássemos para casa, o peso dessa magia bem mais leve.

     O suspiro de entendimento se alastrou pelos Escolhidos.

    _ Esse mapa estelar será a porta para a próxima missão de vocês._ Começou._ Preciso que os sete segurem ou ao menos encostem na pedra._ E parou, nos encarando.

     Ninguém moveu um músculo durante alguns segundos.

     Então, com um suspiro, Lucas se adiantou para pegar a Esmeralda das mãos do deus. Logo em seguida, Kille encostou na joia, sendo seguida por Helena. Todos se adiantaram, as mãos se encostando na pequena joia. Sobrou apenas eu, ainda na cadeira, os braços cruzados e os olhos pregados no mapa estelar.

     _ Madi..._ Lucas murmurou, e me levantei, cedendo à magia que parecia me engolir.

     Encostei o dedo indicador na Esmeralda, a onda ensurdecedora de magia penetrando em minhas veias. Um suspiro foi a única coisa que deixei transparecer, do desconforto de toda aquela onda que explodiu no meu sangue.

     A joia começou a brilhar, primeiramente com um brilho leve e esverdeado, depois o brilho aumentou, se tornando um raio extremamente forte de pura luz verde e magia. A magia que corria no meu sangue e no sangue dos outros Escolhidos se remexia, girando em si mesma, os arabescos de luz se contorcendo e se encontrando com a luz que saia da joia, uma dando energia a outra.

     A luz se direcionou para o mapa estelar, procurando como um laser algum lugar no mapa. O raio esverdeado, percorria as dimensões, as fendas, um scanner correndo pelos planetas. Magia encontrando magia, buscando magia, sustentada por magia.

     Então o raio parou, se afunilou, até se tornar um ponto único na imensidão daquele mapa. Ele mostrava um planeta pelo que conseguia ver, e me perguntava o que aquela pedra teria realmente achado no mapa, e porque precisava de tanta energia para isso.

     Hugo sorriu como não sorria desde de manhã, se debruçando em cima do mapa diretamente onde o ponto se afunilou. Assim que a mão dele encostou no raio de luz, Hugo gritou como se aquilo tivesse apunhalado sua alma. A conexão entre a magia borbulhante do meu sangue e da pedra se rompeu, atirando meu braço para traz e provocando uma dor lancinante.

     A Esmeralda caiu no chão, quente e fumegante, porém intacta, o brilho desaparecendo subitamente. Nós sete nos entreolhamos, os dedos levemente queimados e voltamos os olhares para Hugo. O homem estava com os olhos arregalados, segurando a mão dolorida.

     _ O que aconteceu?_ Kille perguntou, arqueando as sobrancelhas finas._ O que foi isso?

_ Se estiver se referindo a minha idiotice, bom... Isso é o que acontece quando não se toma cuidado mexendo com magia ancestral..._ Ele apoiou a mão na mesa, a marca escura de queimadura ocupando o espaço entre o dedão e o indicador.

     _ Essa marca esta bem feita Hugo, mas não é exatamente..._ Ela voltou a falar, mas o deus a cortou.

       _ Mas se estiver perguntando do mapa... As joias tem um mecanismo para se encontrarem, uma espécie de localizador. Onde uma pedra estiver, ela estará procurando infinitamente pela outra, sua energia estará infinitamente procurando, esperando se conectarem novamente. O único jeito de uma delas localizar o planeta exato da outra, é sendo sustentada por uma magia semelhante à delas e direcionada para um mapa estelar. Antes da Primeira Guerra Cósmica, apenas Paz e Destino tinham essa magia e eram capacitadas para usar esse mecanismo das joias. Mas assim que o destino de vocês sete foi traçado, mesmo sem magia, vocês poderiam fazer isso também. Porém eu temia que isso fritasse o sangue de vocês._ Vendo nossas expressões de confusão durante toda a explicação, Hugo revirou os olhos, as sobrancelhas se arqueando._ O que vocês sentiram quando encostaram na Esmeralda? Um desconforto, a magia dela se conectando com a de vocês e se misturando, dolorosamente, certo?_ Concordamos._ Imagine essa sensação, mas com a magia queimando seu sangue, fritando você de dentro para fora por não ter com o que se conectar, destruindo tudo em seu caminho. Isso era o que eu temia que pudesse acontecer com vocês. Mas, por ordem do destino, não aconteceu, embora algo parecido tenha ocorrido com a minha mão._ Ele sorriu fracamente, como se aquilo fosse uma piada. Continuamos calados, sérios, e Jesse cruzou os braços fortes, trocando o peso do corpo para a outra perna.

     Ele olhou novamente para o mapa, fazendo sinal com a mão para nos aproximarmos. Peguei a Esmeralda do chão, fazendo uma careta e contendo um xingamento quando a magia novamente explodiu nos meus ouvidos. Coloquei ela em cima da mesa novamente, perto de Hugo. Ele deveria estar acostumado com tudo aquilo, já que não esboçou reação ao colocar a joia de volta no bolso e apontar para um pequeno ponto queimado do mapa puído.

     _ A Esmeralda localizou uma das outras seis aqui, neste planeta._ Virou a cabeça para ler o nome._ WonderFull..._ Puxou o ar com a boca, avaliando._ Hum... É um planeta coberto por um imenso deserto, mas seu subsolo tem milhões de quilômetros de um labirinto de espelhos magico...

     _ Parece um lugar agradável para passar férias..._ Ironizei.

     _ Povos moram por lá, é um planeta dominado por Bárbaros, pelo que sabemos. O deserto é cheio de oásis e cidades de areia, cheio de magia e criaturas estranhas... Não é surpreendente a pedra estar em um lugar como esse._ Completou.

      _ Vamos ter que procurar uma joia que não sabemos qual é, no meio da areia e dos Bárbaros?_ Lucas murmurou, um risinho de nervosismo saindo de seus lábios.

     _ Ah não... É muito mais provável que a joia esteja no labirinto abaixo do solo.

     O silêncio que se seguiu era raivoso.

     _ O QUE?_ Dissemos em uníssono.

     _ Como assim, um labirinto que cobre todo o subsolo do planeta? E você quer que a gente esquadrinhe ele inteiro procurando uma pedra que não sabemos nem qual é?_ Genezis trincou os dentes brancos, jogando a trança loura por cima do ombro, indignada.

     _ Não, não queremos que esquadrinhem o planeta inteiro._ Hugo rebateu._ Vamos encontrar uma maneira para que isso seja mais fácil pra vocês, ninguém aqui é louco._ Não muito convencidos, cada um tratou de se encostar em algum lugar, seja prateleira ou cadeira, observando.

     _ Minhas costas ainda doem..._ Helena murmurou, mais para si mesma do que para qualquer outra pessoa._ Meus ouvidos estão explodindo e eles já querem que a gente parta para uma missão...

     _ Calma Lena..._ Segurei o braço dela, uma descarga de energia explodindo no sangue.

     _ Não vamos arriscar manda-los novamente para uma missão sem estar 100% novamente._ Hugo disse._ Acreditem, nos preocupamos com vocês, e não vamos deixar que se arrisquem como na primeira missão, sem estarem com a capacidade física no máximo.

     Apenas concordamos. Hugo sorriu, agradecendo pela nossa paciência, dizendo discretamente para Lucas voltar e ver se Jeniffer já estava curada. Ele nos dispensou, e agradeci ao Universo por isso.

     O peso da magia naquele lugar estava começando a me sufocar.

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