I N V E R N O
Era Janeiro de 2020, em uma manhã de sábado no qual a família Davidson se preparava para sair e fazer as compras mensais. Emanuelle já estava na sala prontíssima para passar o fim de semana com os pais, a lista para os lugares nos quais queria visitar já pronta em sua mochila de panda nas costas, e um sorriso do tamanho do mundo desenhado nos lábios.
Daniel terminava de lavar a louça enquanto a esposa pegava a bolsa e as chaves do carro no quarto do casal. Tainara aproveitou do tempo que tinha e se sentou de frente a penteadeira e organizou as ondulações nos seus cabelos castanhos, ela sorriu para si, satisfeita. Parecia menos tensa que nos meses passados e as noites tinham se tornado melhores entre ela e o seu marido.
Estava conformada com a vida que levava. Emanuelle estava bem, as coisas em casa e com o esposo também. Tudo parecia suficientemente estável até no instante em que o seu celular tocou e ela o tirou do bolso e atendeu.
No minuto seguinte, as coisas já não pareciam tão localizadas quanto antes da ligação se findar.
O ânimo de Tainara caiu por terra. A sensação de que tudo parecia que sempre iria tornar a ficar pior voltou a acometê-la junto a uma vontade patética de chorar.
Será que ele nunca mudaria?
Era a pergunta que ela se fazia. E foi a que ela fez para o mesmo quando Daniel adentrou o quarto amplo e a viu parada ali no meio do seu leito, novamente decepcionada.
— Será que algum dia você vai mudar? Perder esse defeito seu de me enganar? — perguntou a esposa, olhando-o nos olhos.
Daniel engoliu em seco o sabor amargo da situação.
Ele não era um homem, marido ou pai ruim, muito pelo contrário, se esforçava para ser melhor e suficiente para a esposa e para a filha. A ajudava com as tarefas de casa sem contestação e fazia as compras sozinho também, assim como era presente do seu jeito na vida de Emanuelle, a auxiliando nos trabalhos da escola mesmo que muitas vezes fosse desatento quanto aos sentimentos da pequena.
Era um senhor de grande coração, mas por vezes era egoísta e guardava tudo para si quando podia tratar de muitos assuntos com a esposa.
Principalmente quando se falava de dinheiro.
Ele tinha sido afastado do trabalho há um mês por um problema que havia surgido nas finanças da empresa, duvidavam dele e o julgavam de estar envolvido no esquema por já ter sido preso uma vez. Logo teve receio de compartilhar a situação com a mulher, acreditou que tudo se resolveria tarda nada e não precisaria frustrar Tainara com o assunto. Todavia não foi assim que aconteceu. A ligação que sua esposa acabara de receber era com relação a conta de luz que o mesmo não conseguira pagar a tempo.
Ainda tinha dinheiro guardado para o mês, mas com a viagem que haviam feito as finanças da casa baixaram consideravelmente da sua parte, situação que pesaria para Tainara posteriormente.
Ele sentia-se péssimo quando as coisas lhe saíam do controle, e o que o mesmo não entendia era que, se não fosse sincero e tentasse ultrapassar esse defeito, as situações sempre retornariam ao mesmo ponto: brigas.
Um casamento é feito por duas pessoas, duas cabeças que podem pensar juntas e chegar a uma conclusão satisfatória para ambos. Portanto, a ideia que crescia na mente de Daniel teria que ser desfeita antes que levasse a sua família ao fracasso.
— Quantas contas ainda faltam para pagar, Daniel? Me fez acreditar novamente que poderia deixar nas tuas mãos esse ponto. E outra vez fez o contrário — berrou Tainara, pouco lhe passando pela cabeça que Emanuelle poderia já ter ouvido a discussão de ambos.
Daniel mantinha os ombros caídos. Ele estava pensativo e se sentia culpado.
— Somente essa… Eu pagaria semana que vem.
— Você se esqueceu de pagá-la?
O esposo fez que não e contou por fim a verdade sobre o seu trabalho, o que deixou Tainara passada de vez. Não queria acreditar que tinham voltado a aquele estado. A situação a magoava bastante, tanto como magoava Daniel e uma outra pessoa em especial.
— Eu resolveria tudo. Eu te juro que não estou envolvido no que me acusam, por esse motivo não quis te envolver nisso!
— Meu Deus! — gracejou a mulher, lágrimas de frustração nos olhos — Não é assim que as coisas funcionam, Daniel. Não é assim!
E Tainara inspirou e expirou.
— Emanuelle não merece isso. As nossas brigas, ela não merece. Vamos ter o fim de semana que ela tanto queria e de noite conversamos. A sério.
E Daniel somente concordou e deixou que a esposa passasse primeiro. Ele estava arrependido de verdade, mas era tarde para se arrepender, pois quando chegaram à sala o desespero tomou conta do casal com a imagem de Manu sentada de qualquer maneira no sofá, lágrimas escorrendo nos olhos, mão pressionando o peito e a respiração descompassada.
O coração não estava batendo devidamente, a pressão era grande e torturava a pobre garotinha.
O que seria um final de semana feliz em família, acabou se passando num pequeno quarto de hospital com Emanuelle desacordada.
Os dias que se precederam foram mais frios para todos eles. Portanto, a presença de um para o outro foi essencial na superação daquela estação. Tainara se mostrou paciente em apoiar Daniel nos meses seguintes em que o esposo estava longe do trabalho, em contrapartida Daniel a ajudava com todas as tarefas de casa e cuidava de Manu quando a garotinha ficava em casa, assim, passavam mais tempo juntos e ele conhecia cada vez mais da sua pequenina.
O casal não estava bem de fato, mas os dois eram fortes e determinados a fazer de tudo para manter o bem-estar de ambos e principalmente daquela que os unia.
Inverno é a estação mais fria de todas. Tão intensa a ponto de levar alguns animais a hibernarem. Inverno no amor é aquela época em que, embora não haja brigas, determinada circunstância se não for tratada com urgência faz cair por terra toda chama que fora reconstruída durante o Outono. Abala a estrutura de cada um dos parceiros e é o período em que um precisa mais do outro devido a tamanha intensidade aterradora na qual são envolvidos pela situação. Porém, é nesse mesmo período em que, se ambos não estiverem firmes e forem destemidos a superar a estação, o orgulho e a dor vencem de modo que o casal cede a distância que os separa e se permitem ser acometidos pelo frio do momento.
O inverno é uma estação difícil, te faz refletir sobre o que você foi plantando e colhendo no decorrer das outras estações e o quão esses frutos são capazes de te sustentar por aqui. É no inverno onde apercebe-se se ainda vale a pena viver mais uma vez as quatro estações do amor ou não. Pois aqui tudo é extremamente crucial.
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